Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
879/07.5TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
MEIOS COMPLEMENTARES DE RECUPERAÇÃO
RESPONSABILIDADE DA SEGURADORA.
Data do Acordão: 12/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – FIGUEIRA DA FOZ – INST. CENTRAL – 2ª SEC. TRABALHO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 10º, AL. A) DA LEI Nº 100/97, DE 13/09.
Sumário: Tendo sido atribuída ao sinistrado, por decisão judicial transitada em julgado, uma cadeira de rodas elétrica ativa, com vista à melhoria qualitativa da sua mobilidade e recuperação da vida ativa e tendo-se constatado, após a receção desta ‘ajuda técnica’, que a mesma não cabe na bagageira do veículo do sinistrado, só sendo possível o seu transporte com um sistema de reboque (bola de reboque) e um reboque, tais acessórios constituem complementos necessários e adequados para garantir a função integral do equipamento atribuído, pelo que a seguradora responsável pela reparação do acidente de trabalho, na concreta situação dos autos, deve fornecer ou pagar tais acessórios.
Decisão Texto Integral:




Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

Instaurada a presente ação especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A... e entidade responsável B...– Companhia de Seguros, S.A., ambos com os demais sinais identificadores nos autos, foi realizada a tentativa de conciliação, sob a égide do Ministério Público, na qual foi possível obter acordo, homologado judicialmente, no âmbito do qual ficou estipulado:

- O sinistrado foi vítima de um acidente no dia 15/10/2006, na Marinha Grande;

- Tinha a categoria profissional de Engenheiro Mecânico e auferia a remuneração de € 1.000,00 x 14 meses + € 125,40 x 11 meses de subsídio de alimentação, num total anual de € 15.379,40;

- Trabalhava sob a autoridade e direção de C... , Lda., que tinha a responsabilidade transferida para a B... – Companhia de Seguros, S.A., através da apólice n.º (...) , pela totalidade do salário auferido pelo sinistrado;

- O acidente ocorreu quando o sinistrado efetuava testes a uma mota, caiu lesionando-se na coluna:

- Em consequência deste acidente o sinistrado sofreu as lesões e sequelas descritas no auto de exame médico que faz fls. 95 a 98 dos autos, com o esclarecimento de fls. 103, pelas quais o senhor perito médico do GML lhe atribuiu a IPP de 80%, desde 17/09/2008, dia imediato ao da alta e ainda a incapacidade temporária absoluta desde a data do acidente até à data da alta, num total de 702 dias;

- O sinistrado necessita de adaptação de local de trabalho, de domicílio, ajuda de terceira pessoa, ajudas medicamentosas e ajudas técnicas, com o esclarecimento de que a ajuda de terceira pessoa é consequência do quadro de paraplegia e esta ajuda de terceira pessoa é durante um período de 50%. A ajuda técnica refere-se a cadeira de rodas e todas as ajudas técnicas inerentes, para se poder movimentar em cadeira de rodas. Nestas adaptações necessárias, quer no domicílio, quer no local de trabalho, incluem-se passadeiras e rampas para a referida cadeira de rodas e as convenientes alterações de sanitários para permitir satisfazer as necessidades básicas diárias. Nas ajudas medicamentosas terá necessidade de antibioterapia, para debelar as frequentes infeções satélites que o quadro clínico desencadeia, de analgésicos e anti-inflamatórios para atuar na agudização do quadro doloroso e noutras medicações pontuais que possa haver necessidade de instituir para debelar situações próprias das sequelas que apresenta.

Em função do acordado, a seguradora assumiu a obrigação de reparação do acidente de trabalho. Determinou-se então que a mesma assumiria a satisfação das seguintes prestações:

1- Pensão anual no montante de € 8.612,46, reportada a 17/09/2008 e calculada com base no salário anual transferido de € 15.379,40 e na desvalorização de 80 % atrás referida, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, a pagar no domicílio do sinistrado nos termos legais – em duodécimos no valor de 1/14 da pensão, sendo os subsídios de férias e de Natal, também no valor de 1/14 da pensão anual, a pagar nos meses de maio e novembro, respetivamente, (artigo 51.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 143/99 de 30/04);

2 - Montante de € 4.630,80, a título de subsídio por situações de elevada incapacidade permanente, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, al. c) e artigo 23.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.

3 – Montante de € 4.630,80, a título de subsídio para readaptação de habitação, nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, al. c) e artigo 24.º da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro.

4 – Prestação suplementar de terceira pessoa – 50% no montante mensal de € 213,00, (sendo de € 225,00 para o ano de 2009) nos termos do disposto no artigo 17.º, n.º 1, al. c) e artigo 19.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro.

5 - A quantia de € 50,00 a título de despesas efetuadas com deslocações obrigatórias ao Tribunal e ao Gabinete Médico-Legal.

6 – A adaptação de local de trabalho, de domicílio, ajuda de terceira pessoa, ajudas medicamentosa e ajudas técnicas. A ajuda técnica refere-se a cadeira de rodas e todas as ajudas técnicas inerentes, para o sinistrado se poder movimentar em cadeira de rodas. Nestas adaptações necessárias, quer no domicílio, quer no local de trabalho, incluem-se passadeiras e rampas para a referida cadeira de rodas e as convenientes alterações dos sanitários para permitir satisfazer as necessidades básicas diárias. Nas ajudas medicamentosas haverá necessidade de antibioterapia, para debelar as frequentes infeções satélites, que o quadro clínico desencadeia, de analgésicos e anti-inflamatórios para atuar na agudização do quadro doloroso e noutras medicações pontuais que possa haver necessidade de instituir para debelar situações próprias das sequelas que apresenta.

O sinistrado declarou na referida diligência ter recebido da seguradora a indemnização pela incapacidade temporária, as despesas efetuadas em deslocações e ter-lhe sido já facultada a readaptação do veículo, tendo recebido o subsídio de readaptação no valor de € 4.630,80.

Em 6/5/2010, o sinistrado requereu a revisão da sua incapacidade. No domínio deste incidente considerou-se que o sinistrado estava afetado de uma IPP de 80% com IPATH.

Em 7/2/2011, foi deduzido novo incidente de revisão, no âmbito do qual se decidiu que o sinistrado apresenta uma IPP de 80% com IPATH e com necessidade de assistência permanente de terceira pessoa.

Por requerimento apresentado em 3/10/2013, inicia-se um terceiro incidente de revisão, que culminou com a prolação de despacho mantendo o grau de desvalorização anteriormente atribuído.

Em 20/6/2014, o sinistrado apresenta requerimento para atribuição de ajudas técnicas. Produzida prova pelas partes processuais, o tribunal de 1.ª instância determinou que a entidade responsável prestasse ao sinistrado, depois de prévia avaliação em que se conclua que o sinistrado está apto para comandar/conduzir esse equipamento, as ajudas técnicas pretendidas – equipamento “Genny Mobility”.

Depois de demonstrada a necessária aptidão do sinistrado, determinou-se que a seguradora, no prazo de 20 dias, cumprisse o ordenado.

Posteriormente, em 22-09-2015, o sinistrado veio alegar que o equipamento Genny Mobility (ajuda técnica) que lhe foi atribuído, devido às suas dimensões, não é transportável na sua viatura, sendo para isso necessário equipar o veículo com um sistema de reboque (bola de reboque), assim como dispor de um pequeno reboque capaz de transportar o dito equipamento de locomoção. Justifica não ter requerido anteriormente estes acessórios, no incidente intentado para a atribuição do equipamento, porque desconhecia as medidas exatas do mesmo, não sabendo que não era transportável no seu veículo. Só com a entrega do equipamento verificou tal constrangimento.

A seguradora veio responder, alegando que não deve ser responsável por suportar mais custos com outros equipamentos que nada têm a ver com a ajuda técnica atribuída, sobretudo não tendo o requerente tido a mais elementar cautela no sentido de compatibilizar o referido equipamento com o veículo que já possuía na altura.

Instruído o incidente, foi proferida decisão com o seguinte teor:

«Pelos fundamentos expostos, determino que a Entidade Responsável “ B... – Companhia de Seguros, S.A.” forneça ou pague ao Sinistrado A... um sistema de reboque e um reboque para o transporte da ajuda técnica anteriormente atribuída ao Sinistrado.»

Não se conformando com esta decisão, veio a seguradora interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações, com as conclusões que se transcrevem:

[…]

Contra-alegou o recorrido, concluindo:

[…]

Admitido o recurso e tendo os autos subido à Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso.

Não foi oferecida resposta a tal parecer.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


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II. Objeto do Recurso

É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).

Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso que importa analisar e conhecer, são:

1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

2.ª Saber se resultam demonstrados os pressupostos para o reconhecimento do reclamado direito aos acessórios para transporte do equipamento Genny Mobility.


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III- Matéria de facto

            A matéria de facto a atender é a que consta do relatório supra, para a qual remetemos, sem necessidade da sua repetição e, ainda, a factualidade considerada provada na decisão recorrida e que é a seguinte:

[…]

           


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IV. Reapreciação da prova

Insurge-se a recorrente contra a decisão proferida sobre a factualidade provada, alegando que os pontos factuais 1 e 2 deveriam ter sido considerados não provados, uma vez que o sinistrado não juntou aos autos qualquer documento oficial do fabricante do equipamento Genny Mobility com as dimensões da cadeira de rodas atribuída, não bastando o falível depoimento das testemunhas para considerar demonstrado que o equipamento em causa não cabe no veículo do autor, só sendo transportável autonomamente através de reboque.

Cumpre apreciar.

Na motivação da decisão sobre a matéria de facto, escreveu-se:

[…]

Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Na motivação do recurso, a apelante manifesta ainda o seu inconformismo com base na circunstância do tribunal a quo não ter atendido à existência de outro veículo automóvel no agregado familiar do sinistrado, referido pela testemunha Susana Gomes.

Não obstante a lei processual laboral confira ao juiz o poder-dever de tomar em consideração na decisão, os factos (novos) não articulados que surjam no decurso da produção da prova, de harmonia com o preceituado no artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, tais factos terão que se mostrar relevantes para a boa decisão da causa, o que não sucedia em relação ao segundo veículo referido pela testemunha, por o mesmo não ser o veículo adaptado ao autor (cf. fls. 251 e 252 e certificado de matrícula do Audi A6 Avant, adquirido em 2013).


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V. Direito

Sustenta a apelante que deve ser absolvida do pedido deduzido no incidente por não se encontrar demonstrada a alegada necessidade dos acessórios para transporte da ajuda técnica.

A posição manifestada baseava-se essencialmente no sucesso da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que, como vimos, não se verificou.

Sem embargo, apreciaremos a verificação dos pressupostos do direito reclamado.

No âmbito do direito à reparação pelo acidente de trabalho ocorrido em 15/10/2006 que vitimou o ora recorrido, a seguradora responsável ficou obrigada a assegurar as ajudas técnicas, integrando-se nesta prestação «a cadeira de rodas e todas as ajudas técnicas inerentes para se poder movimentar em cadeira de rodas».

Na decisão, transitada em julgado, proferida no incidente que visava a atribuição ao sinistrado de uma cadeira de rodas Genny Mobility, justificou-se a procedência do incidente, nos seguintes termos:

«No caso concreto, não se põe em causa que a Entidade Responsável tem fornecido ao Sinistrado as ajudas técnicas de que este necessita, mormente duas cadeiras de rodas e outro equipamento, pretendendo o Sinistrado agora a atribuição de um novo equipamento, que não substitui propriamente essas ajudas técnicas, antes permitindo que o Sinistrado possa ter uma vida mais autónoma, deslocando-se em vários terrenos e podendo, inclusivamente, ir à praia com a sua filha, no que se afigura uma aspiração legítima do mesmo (até pelo facto de residir na Figueira da Foz, conhecida e reputada estância balnear, e ter uma filha menor).

Efetivamente, o Sinistrado é ainda bastante jovem e, não obstante o grave acidente de trabalho que sofreu, constituiu família e tem-se mantido bastante ativo fisicamente, mas sendo certo que está afetado de sequelas graves e irreversíveis e que continuarão, futuramente, a condicionar a sua vida e a agravar-se até (dado, desde logo, o maior esforço a que estão sujeitos os seus membros superiores, que usa e esforça com regularidade devido à paraplegia que o afeta, o que já tem se repercutido a nível desses membros).

Ora, se é um facto que a reparação das consequências deste acidente de trabalho não será nunca suficiente para obviar e afastar todas as consequências e repercussões do mesmo na vida pessoal quotidiana do Sinistrado, considera-se que é legítimo e juridicamente tutelável que o Sinistrado possa, se tiver condições para operar o mesmo, dispor deste equipamento, que não substitui totalmente, mas antes complementa em situações muito específicas, as restantes ajudas técnicas, permitindo uma melhor qualidade de vida e uma melhor realização do Sinistrado enquanto pessoa e pai, a quem tanto já foi tirado de forma irreversível e inopinada.

Aliás, refira-se que o atual regime aplicável aos acidentes de trabalho é, agora, muito mais expressivo quando se refere à adequação das ajudas técnicas ao fim a que se destinam, correspondendo “ao estado mais avançado da ciência e da técnica por forma a proporcionar as melhores condições ao sinistrado, independentemente do seu custo” (Art. 41º, n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro), estando-se perante um equipamento tecnicamente mais avançado e que proporciona melhores condições de vida ao Sinistrado, não estando sequer demonstrado que o seu custo seja incomportável ou muito mais elevado do que o das outras ajudas técnica que têm vindo a ser fornecidas ao Sinistrado pela Entidade Responsável.

Desta forma e em suma, face também ao parecer dos serviços de reabilitação junto aos autos, entende-se que, depois de prévia avaliação da avaliação da aptidão do Sinistrado para comandar e conduzir este equipamento, a Entidade Responsável deve fornecer ao Sinistrado a ajuda técnica por este pretendida, por essa ajuda técnica ser, nos termos do Art. 10º da Lei n.º 100/97, necessária e adequada ao “restabelecimento do estado de saúde e recuperação para a vida ativa” do Sinistrado.»

Infere-se do segmento transcrito que a atribuição da cadeira Genny Mobility visou possibilitar uma maior autonomia nas deslocações em diversos tipos de terreno, com menor sacrifício e esforço físico, possibilitando o acompanhamento da família e, consequentemente, uma maior realização pessoal e melhoria da qualidade de vida do sinistrado.

Dito de outro modo, o equipamento atribuído visou ampliar a qualidade da mobilidade do sinistrado.

Pode ler-se na tradução do folheto original da Genny Mobility que faz fls. 285 a 293 dos autos:

. «A cadeira Genny oferece a possibilidade de mobilidade total até em terrenos desiguais, sem a necessidade de utilizar os membros superiores como forma de propulsão.»;

. «A cadeira Genny inaugura uma nova filosofia de transporte para mobilidade pessoal. Graças à tecnologia de equilíbrio pessoal, une os utilizadores sob o ideal de liberdade de movimento, eliminando as diferenças. Pessoas que utilizam cadeiras de rodas tradicionais são confrontadas diariamente com inúmeros problemas. Movimentar-se enquanto olham para baixo, para evitar os obstáculos, e consequentemente ter as duas mãos ocupadas, pode ser frustrante. Já para não falar do problema da chuva, que molha os utilizadores, que não são capazes de segurar um simples guarda-chuva. Além disso, lidar com pisos escorregadios, pequenos degraus ou grandes declives resulta em riscos para o utilizador. A cadeira Genny L2.0 resolve imediatamente todos esses problemas. Ser capaz de segurar a mão da sua cara-metade é uma ação comum para quem anda normalmente mas é muitas vezes impossível para utilizadores de cadeiras de rodas manuais. A cadeira Genny L2.0 permite aos pacientes conduzir a olhar para a paisagem, sem a necessidade de se focar nos possíveis obstáculos. Comer um gelado ou passear o cão torna-se possível. Mobilidade real significa integração real. Desporto, lazer e trabalho nunca mais serão o mesmo.»

E pode ler-se no acervo factual assente no incidente para a atribuição da cadeira Genny Mobility:

«(…) 2º - As cadeiras de rodas fornecidas ao Sinistrado não permitem ao mesmo ir à praia com a sua filha menor e nadar em dias de mar calmo.

3º - O Sinistrado faz hidroterapia três vezes por semana, tendo que se vestir na cadeira de rodas e levá-la para junto da água, sendo que o ambiente constantemente húmido danifica com regularidade as peças de desgaste da cadeira, sendo necessário trocar os rolamentos das rodas com frequência.

4º - Durante o período em que a cadeira está desmontada (parada) é necessária outra, que esteja sempre pronta a usar, caso contrário o Sinistrado ficaria sem forma de se movimentar, tendo surgido assim a necessidade da segunda cadeira.

5º - O Sinistrado sofre frequentemente de lesões nos membros superiores e já existem algumas sequelas irreversíveis nos seus ombros e braços.

6º - O equipamento Freewheel destina-se a ser acoplado à frente da cadeira e foi adquirido com o objetivo de poder andar em pisos um pouco mais difíceis, tais como terra batida e também permite colocar de um pequeno estrado em cima e assim permite que o Sinistrado consiga ir às compras sozinho sem depender de terceiros, mas também tem limitações, não pode ser usado em espaços pequenos, pois o conjunto freewheel/cadeira de rodas fica com dimensões maiores, não funciona em areia, gravilha nem em pisos com relevo.

7º - O smartdrive é um equipamento elétrico e foi adquirido com o objetivo de tentar minimizar os esforços dos membros superiores, permitindo fazer pequenas subidas que, até à aquisição deste equipamento, o Sinistrado só conseguia fazer com ajuda de outra pessoa.

8º - Este aparelho também tem as suas limitações, só é funcional em piso duro e sem ressaltos e relevos, isto é centros comerciais, piso de alcatrão, cimento e não pode ser usado em terra, areia, nem em gravilha

9º - O equipamento “Genny Mobility” foi criado especialmente para paraplégicos, permitindo deslocações em parques, jardins, praias e outros locais de difícil ou impossível acesso a cadeira de rodas, podendo deslocar-se em todo o tipo de piso, seja liso ou acidentado, com declives em gravilha, ou qualquer outro piso incompatível com os meios de locomoção de que o Sinistrado dispõe, como a areia, podendo o Sinistrado ir à praia sem estar dependente de ninguém e ir com a sua filha à praia.»

De todo o exposto, fica-se com a certeza de que a seguradora foi condenada a prestar a ajuda técnica em questão por se ter considerado que a mesma era necessária para a recuperação da vida ativa do sinistrado, melhorando a sua qualidade de vida, nomeadamente permitindo-lhe acompanhar a sua filha à praia.

Sucede que, ao receber o equipamento Genny Mobility, o sinistrado constatou que devido às suas dimensões, não consegue transportar o mesmo na bagageira do seu veículo automóvel Audi A6 Avant que já possuía desde 2013.

Tal circunstância condiciona ou limita imenso a finalidade para que foi atribuído o aludido equipamento.

Ora, não podemos olvidar que o direito à reparação reconhecido ao sinistrado abrange as ajudas técnicas, integrando-se nesta prestação «a cadeira de rodas e todas as ajudas técnicas inerentes para se poder movimentar em cadeira de rodas».

No concreto caso dos autos, afigura-se-nos ser de considerar como ajuda técnica inerente os acessórios necessários ao transporte da cadeira no veículo do autor.

Num acórdão anteriormente proferido por esta Secção Social[1] a propósito da necessidade de atribuição de um micro carro a um sinistrado, afirmou-se:

«O quadro legal em que deve ser resolvida a questão é o seguinte.

Artigo 10º alínea a) da Lei 100/97 de 13/09 que dispõe: “o direito à reparação compreende, nos termos que vierem a ser regulamentados, as seguintes prestações: em espécie: prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida ativa.

Artigo 23º nº 1 alínea h) do Dec. Lei 143/99 de 30/04 que dispõe: “as prestações em espécie previstas na alínea a) do artigo 10º da lei têm por modalidades: reabilitação funcional”.

Ora, conforme resulta da economia da alínea do citado artigo 10º, uma coisa é o restabelecimento da capacidade de trabalho do sinistrado e outra diferente é a sua recuperação para a sua vida ativa, não referindo ou exigindo a lei que esta vida ativa seja a vida ativa laboral, à qual se refere outra das partes do preceito.

Por isso, e desde logo, não podemos acompanhar o entendimento da recorrente quando esta pretende que a vida ativa se refere à vida laboral e que a atribuição do micro carro só é legalmente possível se as necessidades de deslocação do sinistrado se inserirem num projeto de reabilitação profissional.

Por outro lado, também a alínea h) do nº 1 do citado artigo 23º não fala em reabilitação profissional mas sim em reabilitação funcional, que é coisa diferente.

Etimologicamente reabilitação significa recuperar, restabelecer, readquirir, voltar à situação anterior, enquanto palavra funcional se refere às funções de um órgão.

Assim por reabilitação funcional deverá entender-se a recuperação por parte do sinistrado das funções que os seus membros inferiores tinham antes da ocorrência do acidente, ou seja, da sua mobilidade que não só é conseguida com a atribuição de uma cadeira de rodas mas também, naturalmente, com a atribuição do micro carro; e esta mobilidade, pelas razões atrás deixadas consignadas, não se refere exclusivamente à necessária mobilidade no âmbito de uma reabilitação profissional.

Acresce que a recuperação do sinistrado se prende com o princípio geral de responsabilidade civil da restauração natural (artigo 562º do Cód.Civil), em que por via da obrigação de indemnizar se pretende restabelecer a situação anterior.

Como no caso será praticamente impossível em face dos conhecimentos técnicos atuais colocar o sinistrado novamente a andar (relembre-se que o mesmo é paraplégico dos membros inferiores) haverá que lhe disponibilizar os meios em espécie que mais se possam substituir os seus membros naturais de forma a permitir-lhe a maior mobilidade possível, assim se aproximando da almejada, mas inviável, restauração natural.

Por tudo isto, ressalvando sempre melhor entendimento, entende-se que bem andou o despacho recorrido ao decidir como decidiu, pois que está medicamente demonstrado que o sinistrado necessita de um micro carro para se poder deslocar, dado não possuir carta de condução de veículo automóvel para poder conduzir um adaptado.»

Do entendimento manifestado resulta que a prestação em espécie prevista no âmbito do regime jurídico dos acidentes de trabalho deve aproximar-se o mais possível da restauração natural e ser necessária e adequada para satisfazer, também, a condição humana[2] do indivíduo, vítima do acidente.

Conforme se refere no recente Acórdão da Relação do Porto, de 10/10/2016, proferido no Processo n.º 1025/08.3TTPNF.8.P1, disponível na base de dados da dgsi:

«Do citado art. 10º decorre que a reparação em espécie não abrange, apenas, o restabelecimento da capacidade de trabalho do sinistrado, mas também do seu estado de saúde e, ainda, da sua recuperação para a vida ativa. E, esta, não se restringe à sua vida ativa laboral [se assim não fosse não faria sentido a distinção legal], mas, como diz Carlos Alegre, in Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, 2ª Edição, Almedina, pág. 74, abrange também os aspetos ligados à sua condição humana. A vida ativa abrange todos os aspetos da vida pessoal e social que, aferida por padrões de normalidade, as pessoas levam a cabo na sua vivência, ainda que com caráter lúdico, também estes necessários a uma sã existência, física e psíquica.»

Na situação concreta, não é possível devolver naturalisticamente ao sinistrado a capacidade de se deslocar para onde quiser com os seus membros inferiores. Todavia, minimizando ao máximo as incapacidades decorrentes do acidente, atribuiu-se-lhe uma cadeira de rodas elétrica ativa para aumentar qualitativamente a sua mobilidade.

Ora, se para transportar tal cadeira no seu veículo, o sinistrado necessita de um reboque e de uma bola de reboque, porque a cadeira não cabe na bagageira da viatura, estes acessórios são complementos necessários e adequados para garantir a função integral da ajuda técnica, pelo que estamos face a uma prestação destinada à recuperação da vida ativa do sinistrado.

Por isso os acessórios peticionados estão incluídos no direito à reparação reconhecido ao sinistrado.

Destarte, o sinistrado logrou demonstrar os pressupostos do direito reclamado.

Por conseguinte, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida ao determinar que a seguradora deve fornecer ou pagar ao sinistrado um sistema de reboque e um reboque para o transporte da ajuda técnica anteriormente atribuída ao sinistrado.

Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.


*


VI. Decisão

Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Notifique.

Coimbra, 9 de dezembro de 2016


 (Paula do Paço)

 (Ramalho Pinto)

 (Azevedo Mendes) 



[1] Acórdão de 04-03-2010, P. 318/07.1TTAVR.C1, acessível em www.dgsi.pt
[2] Cf. Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª edição, págs. 74 e 75.