Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2355/11.2TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
ACÇÕES
TRANSMISSÃO DE ACÇÕES
COMPRA E VENDA
PRESCRIÇÃO
LEGITIMIDADE
INTERESSE EM AGIR
VALORAÇÃO DA PROVA
CUSTAS
Data do Acordão: 11/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JL CÍVEL - 1ª SEC
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.88.174, 304, 326, 327 CSC, 78, 80, 95, 101, 104 CVM, 408 CC, 30, 527, 535, 662 CPC
Sumário: 1.- A legitimidade, baseada na posição (subjectiva) da pessoa perante a relação controvertida distingue-se do interesse em agir, traduzido na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial.

2. - A transmissão das acções tituladas e escriturais, fora do mercado bolsista, só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não bastam, só por si, para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente.

3.- A compra e venda de acções não é um contrato real quoad effectum – é um contrato com efeitos imediatos meramente obrigacionais, como os contratos do mesmo tipo tendo por objecto títulos de crédito em papel, para cuja transmissão se exige a tradição, o endosso ou acto equivalente.

4.- Os actos exigidos por lei, e que integram o modo, não se referem ao contrato, mas sim à transmissão da propriedade das acções: são actos essenciais para a transmissão destas, mas não contendem com a validade formal do contrato.

5. -Um contrato de compra e venda de acções ao portador não deixa de ser válido pelo facto de o transmitente não ter feito entrega, ao adquirente, dos títulos representativos das acções.

6.- O disposto no art. 174º do CSC (prescrição) regula os prazos de prescrição dos direitos subjetivos que o CSC confere à sociedade, aos sócios e a terceiros, estando em causa o funcionamento do instituto da prescrição extintiva, por via da qual os direitos se extinguem quando não exercitados pelo período de tempo que a lei determina, ou seja, pelo período de cinco anos. 9.

7.- Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do Código de Processo Civil). Este tribunal - tal como empreendido -, forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados.

8.- Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas - nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. O que, circunstancialmente, não ocorre.

9.- Por isso, a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode, consequentemente, assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

10.- A sentença, ou outra decisão final, deve regular entre as partes o encargo das custas, condenando no respectivo montante uma delas, ou distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Com esta condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença, nesta parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação eventual ou condicional.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

C (…)instaurou acção declarativa com processo ordinário contra CC (…), alegando, em síntese, que a C (…), S.A. é uma sociedade comercial por acções que foi constituída por escritura pública celebrada no Cartório Notarial de Soure, em 04/04/1995, com o capital social de cinco milhões de escudos, integralmente realizado.

Tendo participado na sua constituição, para além do autor, ainda mais quatro sócios, (…)e o réu (…) que subscreveram, em partes iguais, a totalidade do capital social.

Estando o capital social representado por acções ao portador.

Mais alegou que, na assembleia geral realizada em 20/12/2001 foi deliberado aumentar o capital social da sociedade de cinco milhões de escudos para dez milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, altura em que se procedeu à redenominação do capital social em euros.

Sendo que, por força da alteração do pacto social, o capital social da sociedade C ... passou a ser representado por acções ao portador, com o valor nominal de cinco euros cada uma, num total de dez mil acções, convertíveis em acções nominativas e em títulos de 1 (uma), 10 (dez), 50 (cinquenta), 100 (cem) e 1.000 (mil).

Todavia a sociedade não procedeu à entrega ao autor e nem a qualquer dos accionistas dos títulos correspondentes às mil acções que representavam a sua entrada no capital e também não procedeu à entrega dos títulos das duas mil acções com o valor nominal de 5 euros, correspondentes ao aumento de capital e redenominação em euros.

O autor alegou ainda que nunca cedeu, deu, vendeu, ou de qualquer forma transmitiu a quem quer que fosse, incluindo ao réu, as acções, pelo que é assim accionista da sociedade C (…), SA, continuando a deter um quinto do seu capital social.

Tendo direito à entrega dos títulos correspondentes, por força do disposto no artigo 304º do Código das Sociedades Comerciais, pelo que a sociedade violou esse seu direito, violação da lei pelo qual é responsável também o réu, pois a si, como administrador único da sociedade, incumbia agir em conformidade com a obrigação legal de emitir os títulos e deles fazer entrega ao accionista.

Isto porque desde a sua criação, o órgão de gestão da sociedade C (…), S.A. tem sido sempre o réu.

O autor alegou ainda que o réu tem-se arrogado detentor da totalidade do capital social da C (…), S.A., perante terceiros, alegando que todas as acções da referida sociedade lhe pertencem e não reconhecendo tal qualidade ao autor.

Sendo que o réu, invocando agora, pela primeira vez, ser dono das acções, porquanto deterá fisicamente os títulos, está a utilizar a sua qualidade de administrador para se apoderar de títulos que lhe não pertencem, sem invocar qualquer forma legítima de aquisição.

De harmonia com o alegado, o autor peticionou que seja proferida sentença que declare:

A) Que o R. nunca adquiriu ou tomou as mil acções ao portador, com o valor nominal unitário de mil escudos correspondentes a um quinto do capital social inicial da sociedade da C (…) S.A., e subscritas pelo A. na constituição da sociedade.

B) Que os títulos correspondentes a estas acções nunca foram emitidos.

C) Que o R. nunca adquiriu ou tomou as 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros, correspondentes, após o aumento de capital e redenominação em euros, à participação inicial do A.

D) Que o R. não é proprietário, ou dono, ou titular das 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros, correspondentes, após o aumento de capital e redenominação em euros, à participação inicial do autor.

*

O réu contestou alegando, grosso modo, que a sociedade C (…)S.A. foi constituída formalmente com os cinco accionistas identificados pelo autor porque o número mínimo de sócios obrigatórios para a constituição de uma sociedade anónima era de cinco.

Todavia, os accionistas fundadores de facto da empresa C (…), S.A. foram o seu administrador (…).

Sendo que o autor, juntamente com (…), limitaram-se apenas a “emprestar” o seu nome, assinando a escritura de constituição da referida sociedade, não tendo nenhum deles entrado, de facto, com qualquer participação no capital da sociedade.

Mais alegou que os quatro fictícios accionistas apenas assinaram a escritura de constituição da sociedade, para cumprir o número mínimo legal de sócios e igualmente porque ao irmão do réu, (…) , não interessava que o seu nome constasse como accionista.

O réu alegou ainda que, não obstante o aumento de capital aprovado na assembleia geral, apenas para dar cumprimento à obrigatoriedade de redenominação das acções expressas em escudos para euros, não houve, de facto, aumento do capital social.

Tendo existido sim uma mera operação contabilística, sem entrada efectiva de dinheiro.

O réu alegou ainda que, quer o autor, quer os restantes sócios, nunca exerceram qualquer tipo de direito em relação às acções e nem até à data de 14 de Junho de 2011, em qualquer momento reclamaram ou solicitaram a entrega das acções, pois todos sabiam que as mesmas não lhes pertenciam.

O réu afirmou ainda que a entrada correspondente ao aumento de capital de € 25.060,00 (vinte cinco mil e sessenta euros), foi apenas realizada exclusivamente por si e apenas em 2004, quando a empresa começou a ter actividade.

Quando em Novembro de 2004 foi celebrado um contrato-promessa de cessão da posição contratual entre a empresa C (…) S.A. e a sociedade R (…) S.A. respeitante à aquisição de um imóvel objecto de um contrato de locação financeira, no qual o réu, a título de sinal, efectuou o pagamento da quantia de € 55.000,00.

Mais alegou o réu ter feito suprimentos à sociedade C (…), S.A., na quantia de € 35.000,00 a título de pagamento de parte do sinal para aquisição do referido imóvel.

O réu alegou ainda que a sociedade não procedeu à entrega ao autor dos títulos correspondentes às acções (representantes do capital inicial), já que o mesmo não participou com qualquer quantia para a constituição da sociedade.

Sendo que, após a redenominação efectuada em Dezembro de 2001, quem detinha as acções iniciais, recebeu as novas acções com o valor nominal de € 5,00, tendo existido a necessidade de emitir novas acções e inutilizar as acções iniciais, o que foi feito pelo réu, na qualidade de administrador.

Não tendo o autor recebido qualquer acção, uma vez que não participou com qualquer montante para o capital inicial, nem para o aumento de capital, nem em qualquer altura, quer com suprimentos, quer com prestações suplementares.

E tendo sido emitidas novas acções ao portador, em 18/12/2001, as mesmas foram entregues a quem detinha as acções anteriores e a quem de facto subscreveu e se responsabilizou pelo aumento de capital, no caso, o réu.

Pelo que, desde essa data, as acções estão e sempre estiveram na posse do réu, seu proprietário.

O réu alegou ainda que o autor nunca cedeu, deu, vendeu, ou de qualquer forma transmitiu, as acções a quem quer que fosse pois que nunca foi titular de qualquer direito em relação às mesmas, como o mesmo, aliás, bem sabe.

O réu sustentou ainda que, por força do disposto no artigo 101º do C.M.V., os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado.

Donde não possuindo o autor os títulos em causa, não é o seu proprietário, sendo a posse essencial ao exercício do direito social e constituindo a tradição da acção ao portador pressuposto formal e também material da transmissão da acção.

Além do mais, o réu deduziu ainda reconvenção, peticionando, a final, que seja proferida sentença que declare:

a) Que as mil acções ao portador, com o valor unitário de mil escudos, da sociedade C (…), S.A., que o A. se arroga titular, sempre pertenceram ao R.

b) Que após o aumento de capital e redenominação em euros, as 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros que o A. se arroga titular, pertencem ao R., sendo este o seu proprietário / titular.

*

O autor replicou, alegando, sem síntese, ter sido convidado por (…), irmão do réu, para participar numa sociedade, que teria por objectivo a aquisição do património imobiliário de uma outra sociedade (L(…)), tendo de igual forma sido também convidados por este, (…), pessoas que há muito colaboravam com o (…) e a quem este e as suas empresas deviam dinheiro.

O autor alegou ainda que, por essa ocasião, o (…) pagou-lhe uma parte da dívida que tinha para com ele (cerca de mil e quinhentos contos) e na ausência de interesse do (…) o (…) pediu ao Pai, (…), para entrar também na constituição da sociedade.

E como tinha inteira confiança no réu pediu então a este para figurar como administrador da sociedade e ainda para em seu nome e por sua conta figurar na constituição da sociedade.

Tendo sido nesse contexto que se constituiu a sociedade C (…).

O autor alegou ainda que entregou o dinheiro correspondente à sua parte no capital social.

E que a parte correspondente à participação do pai do réu e deste último, foi feita com recurso a capitais do (…), sendo o réu apenas um representante do irmão.

Não tendo o réu entrado com qualquer capital.

O autor alegou ainda que, entretanto, o réu desentendeu-se com o irmão (…), por causa de negócios que tinham em comum e resolveu apropriar-se dos créditos sobre a sociedade, criando documentos de contabilidade, em que surge como credor da C (…)SA por suprimentos e prestações suplementares, sem que, efectivamente o seja.

O autor alegou ainda que o réu não invoca qualquer modo legítimo de aquisição das acções, sendo certo que a qualidade de accionista nasce por mero efeito do contrato, não podendo como tal arrogar-se proprietário das acções em causa.

*

Foi proferida decisão admitindo a reconvenção.

E foi ainda proferido despacho saneador, com selecção da matéria de facto.

Posteriormente foi designada uma tentativa de conciliação, entre o mais, visando igualmente a adequação formal do processo, nos termos e com os fundamentos expressos a fls. 789 dos autos.

No âmbito da referida diligência, pese embora as partes não tenham colocado fim ao litígio, com a concordância das mesmas, procedeu-se à adequação formal do processo, com prolação do despacho a que alude o artigo 596º do Código de Processo Civil, identificando o objecto do litígio e enunciando os temas da prova, tudo nos termos constantes de fls. 857 a 862 dos autos.

Realizou-se a audiência de julgamento com observância das formalidades legais.

*

Oportunamente, foi proferida decisão onde se consagrou que:

«Pelo exposto decido julgar a presente acção parcialmente procedente e a reconvenção totalmente improcedente e em consequência:

1) Declaro que o réu nunca adquiriu ou tomou as mil acções ao portador, com o valor nominal unitário de mil escudos correspondentes a um quinto do capital social inicial da sociedade da C (…), S.A. e subscritas pelo autor na constituição da sociedade.

2) Declaro que o réu nunca adquiriu ou tomou as 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros, correspondentes, após o aumento de capital e redenominação em euros, à participação inicial do autor.

3) Declaro que o réu não é proprietário, ou dono, ou titular das 2.000 acções ao portador, com o valor nominal de 5 euros, correspondentes, após o aumento de capital e redenominação em euros, à participação inicial do autor.

4) Absolvo o réu quanto ao demais peticionado pelo autor.

5) Absolvo o autor/reconvindo de todo o pedido reconvencional.

6) Condeno o réu/reconvinte no pagamento integral das custas».

*

                              

CC (…) Réu no processo à margem em referência tendo sido notificado da Sentença e em virtude de não se conformar com a mesma veio INTERPOR RECURSO DE APELAÇÃO, alegando e concluindo que:

(…)

*

C (…), Recorrido melhor identificado, nos autos à margem referidos -, face à apresentação do recurso interposto pelo Réu (…)veio contra-alegar, por sua vez concluindo que:

(…)

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

Matéria de Facto assente na 1ª Instância e que consta da sentença recorrida:

Factos provados

1) Na escritura pública outorgada no Cartório Notarial de Soure, em 04/04/1995, C (…) por si e na qualidade de procurador de (…), esta na qualidade de procuradora de (…) declararam (…) C ... – Investimentos Imobiliários, S.A., nos termos constantes de fls. 16 a 22 dos autos.

2) Na referida escritura, os ali outorgantes declararam que o capital social seria de cinco milhões de escudos, encontrando-se totalmente subscrito e realizado em dinheiro.

3) Mais declararam na referida escritura que:

1. O capital social é representado por acções ao portador, com o valor nominal de mil escudos cada uma, num total de cinco mil e pertencendo mil a cada sócio subscritor, convertíveis em acções nominativas e em títulos de um, dez, cinquenta, cem e mil.

2. Os títulos serão assinados pelo administrador, podendo a assinatura ser de chancela, se o administrador assim o decidir.

3. A conversão das acções e a divisão e concentração de títulos de acções são efectuados pela sociedade a requerimento e a expensas dos titulares.

4) Mais declararam que a condução dos negócios sociais seria confiada a um só administrador, ficando desde logo nomeado como administrador, para o triénio de 1995/1997, C ...

5) Os ali outorgantes declararam ainda autorizar a administração a proceder ao levantamento, total ou parcial, do capital depositado na Instituição de Crédito em nome da sociedade, a fim de fazer face às despesas de constituição e registo, aquisição e instalação de equipamentos.

6) O valor de cinco milhões de escudos correspondente ao capital social da sociedade foi depositado, em 04/04/1995, por (…).

7) Pela inscrição datada de 03/11/1995, procedeu-se ao registo do contrato de sociedade supra referido na Conservatória de Registo Comercial de Coimbra.

8) Na assembleia geral realizada em 20/12/2001 foi deliberado por unanimidade aumentar o capital social da sociedade C (…), S.A. de cinco milhões de escudos para dez milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, tudo nos termos constantes da acta de fls. 28 a 29 dos autos, tendo ficado consignado em acta o seguinte:

“Entrando-se na ordem de trabalhos, foi unanimemente decidido aumentar o capital social de cinco milhões de escudos para dez milhões e vinte e quatro mil e cem escudos. Como a sociedade não tem quaisquer reservas, foi deliberado proceder ao aumento através de entradas em dinheiro, sendo estas feitas na proporção das acções detidas pelos accionistas da sociedade, e no valor de cinco milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, correspondente ao aumento deliberado, e tendo este valor dado entrada na caixa da sociedade.

Seguidamente foi analisado o ponto dois da ordem de trabalhos tendo sido decidido por unanimidade que o capital social da sociedade, expresso em escudos, no montante de 10.024.100$00 (dez milhões vinte e quatro mil e cem escudos) seja redenominado para Euros, passando o mesmo de acordo com o método padrão de alteração unitária, a ser de cinquenta mil euros.

Passando-se ao ponto três da agenda foi deliberado, novamente por unanimidade, a renominalização do valor das acções de mil escudos, para cinco euros.

E para terminar entrou-se no quarto e último ponto da ordem de trabalhos, tendo sido aprovada por unanimidade uma nova redacção para os artigos 5º e 6º do pacto social, ficando os mesmos de acordo com as deliberações tomadas nos três pontos anteriores, passando estes artigos a ter a seguinte redacção:

“Artigo Quinto

O capital social é de cinquenta mil euros, encontrando-se integralmente subscrito e realizado em dinheiro”.

“Artigo sexto

1.- O capital social é representado por acções ao portador, com o valor nominal de cinco euros cada uma, um total de dez mil acções, convertíveis em acções nominativas e em títulos de 1 (uma), 10 (dez), 50 (cinquenta), 100 (cem) e 1.000 (mil).

2.- Os títulos serão assinados pelo Administrador, podendo a assinatura ser de chancela, se o Administrador assim o decidir.

3.- A conversão das acções e a divisão e concentração de títulos de acções são efectuados pela sociedade a requerimento e a expensas dos titulares”.

9) Não obstante o declarado e deliberado na assembleia geral realizada em 20/12/2001, o valor de cinco milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, correspondente ao aumento deliberado, não deu entrada na caixa da sociedade, tendo sido realizada uma mera operação contabilística.

10) A referida alteração do contrato social foi registada na Conservatória de Registo Comercial.

11) A sociedade ou o réu não procederam à entrega ao autor dos títulos correspondentes às mil acções que representavam a sua entrada no capital e nem à entrega ao mesmo dos títulos das duas mil acções com o valor nominal de 5 euros, correspondentes ao aumento de capital e redenominação em euros.

12) O autor C (…) nunca declarou ceder, dar, vender ou de qualquer forma transmitir acções da sociedade C (…)S.A. a quem quer que fosse, incluindo ao réu.

13) O réu C (…) foi nomeado administrador único da sociedade C (…)S.A. igualmente para o triénio 2005/2007.

14) O réu arroga-se titular da totalidade do capital social da C (…) S.A.

15) O autor remeteu à C (…), S.A., uma carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Junho de 2011, com o teor constante de fls. 30 dos autos.

16) Em resposta, a C (…), S.A. remeteu ao autor a carta, com data de 20/06/2011, assinada pelo réu em sua representação, com o teor constante de fls. 31 a 32 dos autos.

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Factos não provados

a) As acções ao portador, correspondentes ao capital social da C (…)S.A., nunca foram emitidas.

b) Os accionistas fundadores de facto da empresa C (…)S.A. foram o réu (…)e o seu irmão (…).

c) Quer o A., quer (…)apenas se limitaram a “emprestar” o seu nome, assinando a escritura de constituição da referida sociedade, não tendo nenhum deles entrado, de facto, com qualquer participação no capital da sociedade.

d) O aumento de capital foi realizado exclusivamente pelo réu.

e) As acções representativas da totalidade do capital social, representativo das 10.000 (dez mil) acções com o valor unitário de € 5,00 (cinco euros), estão na posse do accionista (…).

f) O autor não participou com qualquer quantia para a constituição do capital social da sociedade C (…), S.A.

g) N (…) pediu ao pai, (…), para entrar também na constituição da sociedade e como tinha inteira confiança no réu, pediu então ao mesmo para figurar como administrador da sociedade.

h) E para, em seu nome e por sua conta, figurar na constituição da sociedade.

i) N (…) e o réu (…), procederam à subscrição do capital da C (…), S.A., com recurso a capitais do (…).

j) Sendo o réu (…) apenas um representante do irmão (…)

k) O réu não entrou com dinheiro nenhum.

l) O capital inicial foi depositado pelo Dr. (…), em nome da sociedade.

*

Nos termos do art. 635º, do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.

*

Das conclusões -

(das quais haverá de dizer-se - em nome do rigor que sempre há que colocar na hipótese de trabalho judiciário sub judice - que desenvolvem

- de forma profusa e tautológica pontos de apreciação, em desrespeito pelo disposto no art. 639° NCPC sem levar em devida conta que justamente por "conclusões se entendem as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação" (Alberto dos Reis, CPC Anot. 5.-359 E, sobretudo, que «as conclusões consistem na enunciação em forma abreviada dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. Com mais frequência do que seria para desejar vê-se, na prática os recorrentes indicarem como conclusões, o efeito jurídico que pretendem obter com o provimento do recurso, e, às vezes, até com a procedência da acção. Mas o erro é tão manifesto que não merece a pena insistir neste assunto. Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, O âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente (Rodrigues Bastos Notas ao CPC 3°.299);

As conclusões das alegações são, pois, proposições sintéticas, através do qual o recorrente dá a conhecer ao Tribunal de recurso e à parte contrária, as razões da discordância com a decisão recorrida, de modo a que, cirurgicamente, o Tribunal "ad quem" aprecie o recurso, delimitado pelo teor das conclusões, e o recorrido possa tomar posição perante os argumentos do seu antagonista (Ac. RP, de 30.1.2006:JTRP00038752 .dgsi. Net);

E são realidades distintas o ónus de alegar e o ónus de formular conclusões, como logo resulta das diferentes consequências ligadas à falta de alegações ou à falta de conclusões. Sendo as conclusões a indicação resumida, através de proposições sintéticas, dos fundamentos, de facto e/ou de direito, com que se pretende obter o provimento do recurso, constitui grosseira afronta ao disposto no art. 690.° do CPC (639° NCPC) apresentar como conclusões a (quase) reprodução integral, cópia por decalque, da parte que constitui as alegações (Ac. STJ, de 16.9.200S: Proc. 08B2103.dgsi.Net);

As conclusões do recurso devem constituir a enumeração sintética das questões que o juiz deve tratar (estas entendidas como o conjunto de factos e regras jurídicas que fundamentam a viabilidade de determinada pretensão de quem as formula), indicando-se, igualmente em que sentido as deve resolver. As conclusões servem, pois, para delimitar o thema decidendum do recurso, constituindo um ónus do recorrente, não competindo ao tribunal retirar da análise das alegações quais as questões que deve tratar. As conclusões devem ser um resumo conclusivo das alegações de recurso, não um seu complemento; têm de ser uma espécie de sumário, uma indicação das questões a resolver mediante a formulação de um juízo lógico-dedutivo. Embora com o risco da imprecisão que dai advirá, será de aceitar como conclusões o documento qualificado pela parte como de "conclusões" e onde, apesar da falta de rigor, seja possível aperceber-se o julgador do recurso de quais são as questões jurídicas que lhe são  submetidas pelo recorrente.

Revelando a análise do processado que as "conclusões" são uma versão, nem sequer abreviada, das alegações, têm exactamente a mesma estrutura, não só gráfica como de fundamentação dessas alegações, e são argumentativas e não conclusivas (ou seja, são realmente uma reprodução das alegações, só que "um pouco" mais sucintas), mas sendo possível extrair das mesmas - em dimensão inteligível e noemática (!...) -, as questões que o recorrente pretende ver tratadas, não pode o tribunal deixar de conhecer o recurso (Cf. Ac. sr J, de 27.5.2010: Proc. 327/1998.S1.dgsi.Net);

ressaltam - não obstante, e de acordo com o que se consigna - as seguintes questões elencadas, na sua formulação originária, de parte, a considerar na sua própria matriz holística:

I.

3.  Num primeiro momento importará salientar que o Autor carece de interesse em demandar o Réu nos termos em que o faz na presente acção já que não logrou demonstrar, salvo melhor opinião, ser actualmente acionista da empresa.

4.      Pois, apenas alegou ter sido outorgante na escritura de constituição da sociedade C ... , S.A., no ano de 1995.

5.      Não exibindo qualquer título de que seja actualmente portador de acções, justificando-se com a não emissão destas.

Apreciando, diga-se que o domínio da acção de simples apreciação, para que haja interesse em agir exige-se a verificação de uma situação de incerteza objectivamente grave, de molde a justificar a intervenção judicial. Na acção declarativa de condenação - e deixando de lado o caso particular da acção condenatória em prestações periódicas ou futuras, fora dos casos previstos no art. 472.°, do CPC (557º NCPC) - o interesse processual está in re ipsa, isto é, na simples afirmação que o A. faz da violação do seu direito, como na acção declarativa constitutiva está na existência de um seu direito potestativo carecido de exercício judicial. Tratando-se o interesse em agir de um pressuposto processual relativo às partes a falta daquele integra uma excepção dilatória (processual) (Ac. RL, de 20.5.2010: Proc. 2001.08.1TBBNV.L1-2.dgsi.Net).

A legitimidade, baseada na posição (subjectiva) da pessoa perante a relação controvertida distingue-se do interesse em agir, traduzido na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial (Ac. RP, de 7.11.2002: JTRP0003527/ITIJ/Net). Como nos Autos expresso e peticionado (o que a decisão também assinala, designadamente, e logo, a  fls. 946-948), por isso sem perfil de integração na referida excepção dilatória (processual) invocada.

Assim, o interesse na tutela (a que alude o n.º 1 do art. 26.° CPC – 30º NCPC) não se confunde com o interesse processual ou interesse em agir (repercutido no art. 26.°, n.º 2 CPC – 30º NCPC). «A parte possui um interesse na tutela sempre que tenha um direito que deva ser defendido ou acautelado, mas o interesse processual ou interesse em agir só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida. ( ... ). Por exemplo: o credor que possui um título com manifesta força executiva continua a ter interesse em obter a sua prestação e, por isso, tem interesse na tutela, mas não possui interesse processual para instaurar uma acção condenatória (cfr. art. 449.°, n.º 2, al. c), do CPC - 535º NCPC), pois que lhe está aberta a possibilidade de utilizar a acção executiva». «A aferição do interesse na tutela serve para definir os sujeitos que têm legitimidade para serem partes num certo processo, pois que dessa aferição resulta a atribuição de legitimidade apenas aos sujeitos com interesse em demandar ou em contradizer ( ... ); o interesse processual, pelo contrário, não se destina a determinar os sujeitos que podem ser partes numa determinada causa, mas a aferir a utilidade da concessão da tutela jurisdicional requerida numa acção» (M. TEIXEIRA DE SOUSA, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, em CDP, n.º 1, 2003, ps. 6 e II). E tal, por mero confronto, no perfil da causa de pedir e expresso no pedido formulado.

O que responde negativamente às questões em I.

II.

18.   E não se diga que o Autor não tem a posse de tais acções porque nunca foram emitidas, já que resultou como facto não provado (vide facto não provado descrito sob a alínea a) da Sentença) que as acções ao portador, correspondentes ao capital social da C (…), S.A., nunca foram emitidas.

9.      Pois, no caso concreto, as acções são ao portador, conforme consta do ponto 3) 1. dos factos provados, sendo que a este propósito estipula o n.º 1 do artigo 104.º do Código das Sociedades Comerciais que o exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador depende da posse do título ou de certificado passado pelo depositário,

20.    E a verdade é que os “accionistas” mormente o ora Autor, ao longo de mais de quinze anos, nunca reclamaram as acções porque bem sabiam que a elas não tinham direito,

21.    Pois, só a posse de tais títulos conferem direitos aos accionistas, conforme dispõe o artigo 327, n.º 1 do CSC.

34.    Pelo que a tese da compensação de crédito alegada pelo Autor não poderá ser admitida.

35.    Pelo que o facto constante sob a alínea f) dos factos não provados (o autor não participou com qualquer quantia para a constituição do capital social da sociedade C ... - Investimentos Imobiliários, S.A.) deveria ser retirado dos factos não provados e passar a constar dos factos dados como provados.

Neste referencial - e na revelação plena dos Autos -, configura-se como incontroverso e incontrovertível o que, adequadamente, no que tange, se consignou em decisório. A saber, que:

«(…) a qualidade de sócio atribuída ao autor foi decorrência directa e deu-se por mero efeito da outorga do contrato de sociedade, consolidada definitivamente pelo respectivo registo, independentemente até da entrega das acções ao portador que titulam tal participação.

O que, de igual forma, ocorreu com o aumento de capital.

E para que o réu pudesse arrogar-se proprietário das acções que titulam a participação social do autor, teria de alegar e provar uma transmissão posterior das acções em causa, pela forma exigida por lei.

Todavia, o réu reconheceu expressamente que o autor nunca lhe cedeu, deu, vendeu, ou de qualquer forma transmitiu, as acções em causa.

A implicar que as acções, nunca lhe tendo sido transmitidas, permanecerão na esfera jurídica do autor.

E nem colhe o argumento do réu, no sentido de que, não possuindo o autor os títulos em causa, não é o seu proprietário.

Isto porque inverte a lógica.

Como se disse anteriormente, a participação social do autor decorre directamente da outorga do contrato de sociedade e do aumento de capital deliberado, independentemente da posse sobre qualquer acção (274º do Código das Sociedades Comerciais).

O que sucede é que, após a outorga do contrato de sociedade, qualquer um dos sócios pode transmitir a sua participação social, pela forma prevista por lei.

Mas então caberá ao putativo transmissário demonstrar que ocorreu tal negócio jurídico.

Neste contexto, desde logo, ressalta à evidência que seria o réu quem teria de provar a transmissão em causa e demonstrar que é o actual legitimo proprietário e possuidor das acções.

Por força do disposto no artigo 327º do Código das Sociedades Comerciais (entretanto revogado pelo Decreto-Lei nº 486/99 de 13 de Novembro, diploma legal que aprovou o Código dos Valores Mobiliários, doravante CVM), previa-se que a transmissão entre vivos de acções ao portador efectuava-se pela entrega dos títulos, dependendo da posse dos mesmos o exercício de direitos de sócio.

Resultando agora da conjugação do disposto nos artigos 101º nº 1 e 104º nº 1 do CVM que, os valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado, ficando o exercício dos direitos a eles inerentes depende de tal entrega».

Nesta conformidade, confronte-se, igualmente, e desde logo, para o efeito, que o art. 274º CSC sofreu significativas alterações. Manteve-se a ideia de que não será preciso esperar pela emissão e entrega do título da acção ou da inscrição na conta de registo individualizado (tratando-se de acções escriturais) para que o interessado adquira a qualidade de sócio. Essa aquisição ocorre num momento anterior que foi preciso alterar. Na vigência do CSC, anteriormente às modificações extensas introduzidas pelo DL n.º 76-A/2006, de 29 de Março, todos estes efeitos se reportavam à escritura pública, mas essa formalidade não é mais exigida e, mais importante do que isso, atrasou-se o primeiro momento em que uma autoridade investida de poderes públicos controla todo o processo (agora só com o registo comercial). Deste modo, a aquisição da qualidade de sócio não pode depender da escritura pública optando o legislador pelo momento da celebração do contrato de sociedade ou do aumento de capital (em qualquer um destes momentos, ainda não se efectuou o registo comercial obrigatório, pelo que a aquisição da qualidade de sócio não depende de qualquer verificação a efectuar por uma autoridade pública ou investida de poderes públicos).

Mostra-se necessário um esclarecimento adicional no caso da entrada da qualidade de sócio ser atribuída por causa de um aumento de capital. Parece-nos que essa qualidade não pode deixar de estar associada à eficácia do aumento de capital que nem sempre vai ocorrer num mesmo momento. Pode ser atribuída logo com a deliberação de aumento de capital, como pode ficar adiada para um momento anterior. Em rigor, esta matéria é resolvida pelo art. 88.° CSC que regula a eficácia interna do aumento de capital. Esta pode ser atribuída logo na deliberação que aprovou o aumento de capital se estiverem já cumpridas todas as entradas relacionadas com esse aumento (excepto as entradas que é possível diferir), nos termos do n.º 1 do art. 88.° Caso contrário terá de se esperar por esse cumprimento e por uma declaração por parte de um membro do órgão de administração que afiance tal situação (art. 88.°, n.º 2) (Cf. Armando Manuel Triunfante, Código ds Sociedades Comerciais, Anotado, 2007, pp. 279-280).

O que, em enunciado específico consagrado, por sua vez, no Ac. STJ de 15.05.2008) aí encontra - no que se destaca - respaldo nos seguintes termos:

«(…) o vigente Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Dec-lei 486/99, de 13 de Novembro, revogou os artigos 326º e 327º do CSC e chamou a si a disciplina da matéria a que tais preceitos se reportavam.

Pode, pois, dizer-se que as regras imediatas sobre transmissão de acções – escriturais e tituladas – têm hoje o seu assento no Código dos Valores Mobiliários, sendo, em síntese, as seguintes:

- as acções escriturais transmitem-se pelo registo na conta do adquirente (art. 80º/1);

- as acções tituladas ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado (art. 101º/1);

- as acções tituladas nominativas transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro que o represente (art. 102º/1) (MENEZES CORDEIRO in “Manual de Direito das Sociedades”, Vol. II, “Das Sociedades em Especial”, 2ª ed., 2007, pág. 685.).

A partir dos indicados textos legais, e da sua expressão literal, que conclusão deverá ser extraída quanto ao sistema transmissivo das acções que deles emerge?

Operar-se-á a transmissão da propriedade por mero efeito do contrato, nos termos do art. 408º do CC? Estará antes consagrado um sistema em que a transmissão da propriedade não depende da existência de um contrato, mas apenas da realização de actos independentes do contrato (os especialmente previstos nas indicadas normas do CVM)? Ou um sistema misto, que congloba um contrato e o mencionado conjunto de actos independentes do contrato?

Não obstante as divergências entre os autores, cremos que começa a ganhar força e a impor-se o entendimento, a que aderimos, segundo o qual a transmissão das acções tituladas e escriturais só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não são, só por si, bastantes para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente.

É esta a posição de COUTINHO DE ABREU (“Curso de Direito Comercial”, Vol. II, “Das Sociedades”, 2002, p. 370 e 371).

Segundo este autor “as acções-títulos (bem como as acções escriturais) estão sujeitas a regras próprias de circulação. E a lei marca ou acentua exactamente as especialidades dessa circulação. Omite (porque pressuposta) a necessidade do acordo entre as partes (circulação entre vivos) e explicita a necessidade da entrega ou da declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas), ou do registo em conta (acções escriturais). Estas formalidades são essenciais para que a transmissão das acções se efective. O mero acordo entre transmitente e transmissário produz efeitos entre as partes – mas não produz, por si só, a transmissão das acções” (Ob. e vol. cits., págs. 371/372).

Este entendimento foi igualmente adoptado – e justificado por forma particularmente impressiva e convincente – em estudo de VERA EIRÓ (“A Transmissão de Valores Mobiliários – As Acções em Especial”, publicado in “THEMIS” – Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano VI, n.º 11, 2005, págs. 145 e ss.), que, pondo em confronto os três sistemas transmissivos acima aludidos, conclui, com boas razões, que “a propriedade sobre as acções – independentemente da sua forma de representação ou da modalidade que revestem – não se transmite por mero efeito do contrato” (Estudo e revista cits., pág. 167), e também que “não se dá apenas e tão só por efeito do modo” (Ibidem, pág. 171), só se efectuando por força do contrato e do modo (Ibidem, págs. 172/175) .

Deve dizer-se que – como o reconhecem COUTINHO DE ABREU e VERA EIRÓ – não tem sido este o entendimento maioritário da doutrina nacional, quase sempre expresso, é certo, no quadro da legislação pregressa, mas cuja regulamentação não divergia significativamente da estabelecida no actual Código dos Valores Mobiliários. Para a maioria dos autores, “a propriedade dos títulos transmitir-se-ia (entre vivos) por mero acordo de vontades, por contrato consensual entre cedente e cessionário (art. 408º, 1, do CCiv.); a entrega (das acções ao portador), assim como as formalidades previstas para as acções nominativas, seriam tão-só requisitos de legitimação do adquirente para o exercício dos direitos sociais” (COUTINHO DE ABREU, ob. e vol. cits., pág. 371).

Não é, todavia, assim.

O facto de ser apenas com o registo ou com a posse da acção que o adquirente pode exercer os direitos que a esta são inerentes não convalida a tese de que a propriedade sobre as acções se transmite por mero efeito do contrato, antes confirma a tese oposta.

O adquirente que não recebeu as acções (ao portador) ou que não beneficia de declaração de transmissão e de registo a seu favor (acções nominativas) não pode aliená-las (a aquisição de acção por si alienada seria considerada uma aquisição a non domino) nem onerá-las, nem exercer qualquer das faculdades inerentes à titularidade da acção, designadamente as de votar, receber dividendos, juros ou outros rendimentos (porque lhe falta a legitimidade para tal).

Não pode, pois, ser qualificado como titular das acções, como titular de um direito de propriedade sobre elas, não se compreendendo nem tendo sentido a afirmação da titularidade de um direito vazio de conteúdo.

Não está, com isto, a afirmar-se que ele não tem quaisquer direitos. Na verdade, por mero efeito do contrato adquire o direito a requerer o registo das acções (nominativas) ou o direito a exigir do transmitente a entrega das acções (ao portador). Mas estes são meros direitos de crédito, não são faculdades de um direito absoluto, do direito de propriedade. O contrato, por si só, não fez nascer, na esfera jurídica do adquirente, o direito de propriedade sobre as acções; a mera celebração do contrato entre o transmitente e o adquirente, desacompanhada do “modo”, não transfere para este a propriedade das acções.

A compra e venda de acções não é, assim, um contrato real quo ad effectum – é um contrato com efeitos imediatos meramente obrigacionais, como os contratos do mesmo tipo tendo por objecto títulos de crédito em papel, para cuja transmissão se exige a tradição, o endosso ou acto equivalente.

É certo que, como refere CARLOS FERREIRA DE ALMEIDA, no nosso direito o contrato de compra e venda é, por regra, um contrato real quo ad effectum. Mas, como também adverte o mesmo autor, nem sempre assim sucede, porque nem sempre os efeitos reais se produzem imediatamente e nem sempre prescindem de um outro facto jurídico.

“Quando um contrato de compra e venda tenha por objecto valores mobiliários e títulos de crédito em geral, o seu efeito translativo depende sempre de um outro facto jurídico: a entrega do título, o endosso ou a declaração de transmissão, quando sejam valores mobiliários em papel; o registo, quando sejam valores mobiliários escriturais ou equiparados. Apesar do princípio geral do artigo 408º do Código Civil, ninguém consegue, mesmo no direito português, transferir a propriedade por mero efeito do contrato, quando este tenha como objecto valores mobiliários” (Registo de Valores Mobiliários, in ESTUDOS EM MEMÓRIA DO PROFESSOR DOUTOR ANTÓNIO MARQUES DOS SANTOS, vol. I, págs. 926 e 928).

O CVM afasta o princípio consensual consagrado pelo art. 879º/a) do Cód. Civil. Só no momento da entrega das acções (ao portador) ou da declaração de transmissão, seguida de registo (acções nominativas) é que o adquirente será o titular das mesmas e poderá exercer o direito de propriedade sobre elas face ao alienante, a terceiros e à sociedade».

O que também sustenta a sequência decisória, segundo a qual, por cotejo,

«para que a transmissão de uma determinada participação social se considere perfeita, exige-se já a entrega efectiva das acções que a titulam.

Coisa que o próprio réu nem sequer alegou e muito menos provou.

E ainda que o réu tivesse logrado demonstrar estar actualmente na posse das acções em causa, tal, só por si, não acarretaria o reconhecimento do direito de propriedade cujo reconhecimento pretende».

Mais se releve, em sentido convergente ao decidido - como decorre do Ac. RG. 24-10-2013, Proc. nº 3770/12.0TBBRG-C.G1, Relatora: HELENA MELO - que:

«Tem sido discutido na doutrina e na jurisprudência se a transmissão das acções se dá por mero efeito do contrato de compra e venda, nos termos do artº 408º nº 1 do CC, ou se depende da observância das formalidades exigidas pelos artºs 80º nº1, 101ºnº1 e 102º nº 1 do Código dos Valores Mobiliários.

(…)

As regras sobre transmissão de acções constam actualmente do Código dos Valores Mobiliários (doravante designado por CVM), aprovado pelo Dec-lei 486/99, de 13 de Novembro e são as seguintes:

- as acções escriturais transmitem-se pelo registo na conta do adquirente (art. 80º/1);

- as acções tituladas ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado (art. 101º/1);

- as acções tituladas nominativas transmitem-se por declaração de transmissão, escrita no título, a favor do transmissário, seguida de registo junto do emitente ou junto do intermediário financeiro que o represente (art. 102º/1).

Face ao que dispõe o CVM e o CC - artº 408º nº 1 e - três soluções podem ser equacionadas: a transmissão da propriedade ocorre por mero efeito do contrato; a transmissão não depende da existência de um contrato, mas apenas da prática dos actos especialmente prevista no CVM; a lei estabelece um sistema misto que exige a celebração de um contrato e a prática dos actos previstos no CVM.

Não obstante as divergências entre os autores, aderimos à posição referida por último, de acordo com a qual, face ao que dispõem os nºs 1 dos artºs 80º, 101º e 102º do CVM, a transmissão das acções só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não são, só por si, bastantes para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente [Conforme se defende no Ac. do STJ de 15.05.2008, proferido no proc. 08B153, que seguimos de muito perto, sendo também a posição de Coutinho de Abreu, «Curso de Direito Comercial», Vol. II, «Das Sociedades», 2002, p. 370 e 371].

Mas a circunstâncias das acções ao portador não terem sido entregues, não fere de invalidade formal nem material o contrato celebrado entre as partes. A entrega das acções não constitui um requisito de validade do próprio contrato de compra e venda [Conforme também se defende no Ac. do STJ citado].

É que, como refere Vera Eiró [A Transmissão de Valores Mobiliários – As Acções em Especial”, publicado in “THEMIS” – Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano VI, n.º 11, 2005, págs. 370], há que não confundir entre a forma, entendida como requisito para que o negócio produza determinados efeitos (o modo) e a forma, enquanto condição de validade da declaração negocial. Enquanto a não observância da forma legalmente exigida acarreta a nulidade do contrato, a falta de forma no sentido de modo, apenas tem como consequência a não produção de determinados efeitos do contrato (no caso, a não transmissão da propriedade das acções).

Conforme se refere no Ac. do STJ de 15.05.2008, “o modo é independente do contrato: o contrato de compra e venda não transmite, por si, a propriedade das acções, apenas serve de causa à transmissão, efectuando-se esta através do modo. Os actos autónomos ao contrato que integram o modo não são formalidades ad substantiam do contrato, não consubstanciam requisitos de forma do contrato. O contrato tem, já o dissemos, natureza meramente obrigacional, valendo, para ele, o princípio da liberdade de forma ancorado no art. 219º do Cód. Civil.”

(…)

Ainda que a entrega não tenha sido efectivada, a validade do contrato não é afectada, o qual continua a obrigar as partes, nos termos acordados. A obrigação da ré, de transmitir a propriedade das acções para o comprador, mantém-se, podendo o incumprimento desta obrigação contratual gerar responsabilidade contratual nos termos dos arts. 798º e seguintes do Cód. Civil, e dar lugar a que o comprador requeira judicialmente, nos termos do art. 827º do mesmo diploma, a entrega das acções que aquela se obrigou a transmitir.

Assim, independentemente da prova que seja produzida sobre a invocada falta de entrega das acções ao comprador, o Tribunal podia desde logo conhecer da invocada nulidade, não estando o conhecimento da excepção dependente de prévia produção de prova».

Daí que se revele de perfeita compatibilidade o remate sentenciador, a significar, não obstante, que:

«nem assim o réu lograria demonstrar ser o legitimo proprietário e possuidor das acções em causa, já que nem alegou qualquer contrato subjacente à transmissão das acções.

Donde, face a tudo o que se expôs, caberá julgar a acção parcialmente procedente, declarando que o réu nunca adquiriu as acções em causa e que por via disso não é proprietário das mesmas, sem prejuízo da acção improceder quanto ao pedido no sentido de que os títulos correspondentes a estas acções nunca foram emitidos (já que o que se provou foi apenas que não foram entregues ao autor).

Sendo certo que, nesta parte, verdadeiramente, o réu até nem terá interesse em agir, já que a obrigação de emissão e entrega das acções não é sua, mas sim da sociedade, de harmonia com o previsto no artigo 304º do Código das Sociedades Comerciais, o que, aliás, o próprio autor salientou na petição inicial.

O que também não significará, por outra via, que os títulos em causa foram efectivamente emitidos.

E pelas mesmas razões, improcederá totalmente a reconvenção»

Sendo, por isso, negativa a resposta às questões em II.

III.

48.    Não terá o ora Autor qualquer legitimidade para intentar a presente acção.

49.    Ademais, sempre se dirá que o ora Autor, conforme supra referido, foi uma testa de ferro na constituição da empresa, tal como é uma testa de ferro na presente acção.

50.    Pois, o verdadeiro litigante, impulsionador e mentor da presente acção (bem como de outros nove processos envolvendo a sociedade C (…).A.) é N (…).

56.    Termos em que, por todo o supra exposto o autor carece de legitimidade, verificando-se, salvo melhor opinião, a excepção dilatória de ilegitimidade activa, conforme consta da alínea e) do artigo 577.º do C.P.C.,

57.    O que deveria ter obstando a que o Tribunal conhecesse do mérito da causa. Pelo que deve ser revogada a sentença e substituída por outra que decrete a, absolvição do Réu da instância, nos termos do n.º 2 do artigo 576.º do C.P.C.

Neste horizonte problemático (e com a anómala sequência imposta na geografia processual, quanto à sistemática da sua invocação), refira-se que a aferição da legitimidade das partes, em função da alegada titularidade do objecto do processo - que o legislador pretendeu agora consagrar no direito positivo vigente -, foi a posição adoptada por BARBOSA DE MAGALHAES, Legitimidade das Partes, na CRL. 32.°, 1919, pág. 275, por PALMA CARLOS, Projecto...., em BMJ, 102.°-59, por CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, 2.°-208 e ss., e, na actualidade, por M. TEIXEIRA DE SOUSA, A Legitimidade Singular em Processo Declarativo, em BMJ, 292.°-53 e ss., e As Partes, o Objecto e a Prova na Acção Declarativa. 1995, págs. 48 e s., o qual escreve a propósito, neste último lugar acabado de citar:

«A legitimidade processual é apreciada por uma relação da parte com o objecto da acção. Essa relação é estabelecida através do interesse da parte perante esse objecto: é esse interesse que relaciona a parte com o objecto para aferição da legitimidade. E claro que os titulares do objecto do processo são sempre titulares desse interesse, mas não se podem excluir situações em que a esses titulares não pode ser reconhecida a legitimidade processual e em que a certos sujeitos, que não são titulares desse objecto, possa ser reconhecida essa legitimidade.

Deste modo, a relação da parte com esse interesse pode ser de vários tipos. Nalguns casos, a parte é titular do objecto processual e tem um interesse directo e pessoal na sua apreciação - é o que se designa por legitimidade directa. Exemplo dessa legitimidade directa é a que é reconhecida ao credor e ao devedor na acção de cobrança de dívida, porque o credor é o titular activo do direito de crédito e o devedor o seu titular passivo. Excepcionalmente, todavia, o titular do direito pode não possuir legitimidade processual.

Noutras hipóteses, a parte não é titular do objecto do processo, mas possui um interesse indirecto na apreciação de certo objecto - a essa legitimidade chama-se legitimidade indirecta ou substituição processual. Como exemplo de substituição processual pode invocar-se a sub-rogação do credor ao devedor na acção proposta contra terceiro (art. 606.°, n.º 1, CC): o autor da acção (que é o credor sub-rogante) não é o titular do direito invocado (que é o credor sub-rogado), mas tem legitimidade para exigir o cumprimento da prestação pelo terceiro devedor.

Quando a legitimidade processual é reconhecida à parte que é titular do objecto do processo, essa legitimidade coincide com um aspecto, mais ou menos amplo, do mérito da causa. Assim, há que concluir que, sempre que o tribunal reconhece a inexistência do objecto da acção ou a sua não titularidade (activa ou passiva) por qualquer das partes, a decisão de improcedência daí decorrente consome a apreciação da ilegitimidade da parte. Por exemplo: se o tribunal conclui que o autor não é o titular activo do direito de crédito alegado ou que o réu não é o seu titular passivo, a acção condenatória termina necessariamente com uma decisão de improcedência.

A mera afirmação ou alegação pelo autor de que ele próprio e a parte demandada são os titulares do objecto do processo não tem, deste modo, qualquer relevância para a aferição da legitimidade das partes. O que se verifica nessa situação é que, de acordo com o princípio da auto-suficiência do processo, as partes são consideradas legítimas até se analisar e apreciar a sua legitimidade

Nesta conformidade, pois, a legitimidade «tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor» (M. TEIXEIRA DE SOUSA, A Legitimidade Singular ... , BMJ, 292.°-105).

O que significa que a factualidade alegada, nos termos e circunstância processual, ad probandum (impugnada, também, que vem a matéria de facto), assim o haverá de determinar.

Tendo, exactamente, como radical a circunstância de as excepções dilatórias serem as que consistem na arguição de quaisquer irregularidades ou vícios de natureza processual, que obstam - se não forem sanadas, podendo sê-lo -, à apreciação do mérito da causa. Conduzem à absolvição da instância (art. 576.°-2 CPC - 474º NCPC) - podendo a acção ser reiterada em novo processo (art. 279.°-1 CPC - 272º NCPC) -, ou, quando o vício seja a incompetência relativa, à remessa do processo para outro tribunal (arts. 576.°-2 e 105.°-3). Bem como, a defesa por excepção pode revestir duas formas, a saber: a defesa através de excepções dilatórias - defesa meramente processual - ou a defesa através de excepções materiais ou substantivas - peremptórias -, ou seja, mediante a alegação de factos que sirvam de causa modificativa, extintiva ou impeditiva do direito alegado pelo autor. Quando o réu se defende por excepção (cfr. arts. 487.° e 493.°, do CPC), em regra o facto constitutivo do direito alegado pelo autor não é posto em causa, mas tão-só se alegam outros que, segundo o direito substantivo aplicável, infirmam os seus efeitos (Ac. RL, de 11.1.2011: Proc. 5039/08.dgsi.Net). Em todo o caso, neste momento e geografia processual, sem virtualidade para, nem em função do disposto nos art.ºs  577º e/ou 576º, do NCPC, poder ser determinada, em função do que se consigna, a absolvição da instância. Assim, a prosseguir para total verificação adrede do que vem impugnado.

É, por isso, negativa a resposta às questões em III.

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Caso assim não se entenda, sempre se dirá o seguinte

IV.

58.    O Autor alega que através da compensação de créditos que tinha sobre N (…), subscreveu a sua participação social, no valor de 1000 contos.

59.    Nunca fez qualquer suprimento ou procedeu a qualquer prestação suplementar. Tal como o outro alegado acionista, testemunha nos autos, A (…)al como o pai do Réu, N (…).

60.    A sociedade esteve inactiva durante cerca de uma década, não tendo assim obtido lucros.

61.    Aquando do aumento de capital, alega o Autor que tal aumento foi uma “mera operação contabilística”.

62.    Contudo, resulta comprovado à saciedade da prova documental junta aos autos que a C ... , S.A. tem um valor real de cerca de €642.000,00 (seiscentos e quarenta e dois mil euros), mormente em património imobiliário.

63.    Ora, da prova documental resulta que quem procedeu aos suprimentos, quem contraiu empréstimo na qualidade de avalista da sociedade C (…) S.A. foi uma única e só pessoa: (…), Réu ora Recorrente. Ainda que C (…)seja uma pessoa generosa e altruísta, não o será ao ponto de investir milhares de euros do seu património pessoal numa sociedade, se não acreditasse ser o seu único accionista!!

64.    E não pode agora o Autor vir arrogar-se proprietário de 20% de uma sociedade para a qual não contribuiu com um euro que fosse.

Esta postulação problemática de sequencial alternativa encontra-se já, declaradamente, suplantada por inadequação virtual, assim a tornando prejudicada, pela circunstância de se haver já apreciado, o que aqui se faz -de novo -, ressumar, que:

«O CVM afasta o princípio consensual consagrado pelo art. 879º/a) do Cód. Civil. Só no momento da entrega das acções (ao portador) ou da declaração de transmissão, seguida de registo (acções nominativas) é que o adquirente será o titular das mesmas e poderá exercer o direito de propriedade sobre elas face ao alienante, a terceiros e à sociedade».

O que também sustenta a sequência decisória, segundo a qual, por cotejo,

«para que a transmissão de uma determinada participação social se considere perfeita, exige-se já a entrega efectiva das acções que a titulam.

Coisa que o próprio réu nem sequer alegou e muito menos provou.

E ainda que o réu tivesse logrado demonstrar estar actualmente na posse das acções em causa, tal, só por si, não acarretaria o reconhecimento do direito de propriedade cujo reconhecimento pretende».

(…)

Ainda que a entrega não tenha sido efectivada, a validade do contrato não é afectada, o qual continua a obrigar as partes, nos termos acordados. A obrigação do réu, de transmitir a propriedade das acções para o comprador, mantém-se, podendo o incumprimento desta obrigação contratual gerar responsabilidade contratual nos termos dos arts. 798º e seguintes do Cód. Civil, e dar lugar a que o comprador requeira judicialmente, nos termos do art. 827º do mesmo diploma, a entrega das acções que aquela se obrigou a transmitir.

Assim, independentemente da prova que seja produzida sobre a invocada falta de entrega das acções ao comprador, o Tribunal podia desde logo conhecer da invocada nulidade, não estando o conhecimento da excepção dependente de prévia produção de prova».

-

Em tais termos, e mais convocando, confluentemente, à guisa de excurso, que o termo acção é um vocábulo polissémico, sendo utilizado em três sentidos diferentes:

«como participação social ou socialidade, ou seja, o conjunto unitário de direitos e obrigações, mas também ónus expectativas, faculdades e sujeições, de que uma pessoa, singular ou colectiva, é titular na qualidade de sócio de uma sociedade anónima (artºs 272 a), 276 e 302 do CSC) [Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, II, Das Sociedades, Almedina, Coimbra, 4ª edição, 2011, pág. 209, Alexandre Soveral Martins, Valores Mobiliários (Acções) IDET, Cadernos, nº 1, Almedina, Coimbra, 2003, pág. 20. Em sentido diverso, qualificando a participação social, a um tempo, como relação jurídica, direito subjectivo e estatuto jurídico do sócio enquanto tal, Pedro Pais de Vasconcelos, A Participação Social nas Sociedades Comerciais, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pág. 495 a 504.]; como fracção do capital social, v.g. das sociedades anónimas (artº 271 do CSC); como forma de representação da participação social, compreendendo, do mesmo passo, a representação cartular – título ou documento em papel – e escritural – registo em conta em suporte informático (artºs 274, 301 e 304 do CSC).

As acções adquiriram, porém, um outro significado de extraordinário relevo: o de produto financeiro, i.e., de instrumento financeiro negociável no mercado de capitais [Castro C. Osório, Valores Mobiliários, Conceito e Espécies, 2ª edição, UCP Editora, Porto, 1998, págs. 73 e ss.].

As acções são, pois, também valores mobiliários (artº 1 nº 1 a) do Código dos Valores Mobiliários – CVM). E como qualquer outro valor mobiliário, do ponto de vista da sua representação, as acções podem ser escriturais ou tituladas, conforme sejam representadas por registos em conta ou por documento em papel (artº 47 nº 1 do CVM). Sempre que não sejam representadas por registos em conta, as acções devem ser representadas por documentos em papel (artº 304 nº 3 do CSC).

As acções tituladas podem ser nominativas ou ao portador, conforme o emitente tenha ou não a faculdade de conhecer a todo o tempo a identidade dos seus titulares (artº 52 nº 1 do CVM e 299 nº 1 do CSC). As acções, por representarem posições patrimoniais privadas, são ainda, pois, valores mobiliários passíveis de transmissão, sendo, como regra, livremente negociáveis ou transmissíveis (artº 328 nº 1 do CSC).

A possibilidade ou impossibilidade de conhecimento da identidade do portador é consequência da diversidade de regime da transmissão das acções ao portador e das acções nominativas: as acções tituladas ao portador, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, encontrando-se depositadas, por constituto possessório, ou no caso inverso, por entrega material; as acções tituladas nominativas, fora de sistema centralizado, transmitem-se por endosso nominal e registo no emitente [De harmonia com a Portaria nº 290/2000, de 23 de Maio, o registo é feito na Parte III do regime de emissões] (artºs 102 nºs 1 e 2 do CVM) [ Isabel Vidal, Da (Ir)relevância da Forma de Representação para Efeitos de Transmissão de Valores Mobiliários, Caderno CMVM (n.j. 15), 3.].

As acções tituladas nominativas, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, por declaração de transmissão escrita no título a favor do transmissário, efectuada pelo depositário, pelo funcionário judicial ou pelo transmitente, conforme o caso; posteriormente é realizado o registo junto do emitente ou do intermediário financeiro que o represente (artºs 64 e 102 nºs 1 e 2 do CVM) [Embora nitidamente inspirado no artº 326 do CSC - revogado do artigo pelo artº 15 nº 1 d) do Decreto-Lei nº 486/99, de 13 de Novembro, que aprovou o CVM – o regime da transmissão dos títulos nominativos foi consideravelmente simplificado, tendo deixado de exigir-se, por exemplo, a intervenção notarial para o reconhecimento das assinaturas. A lei fiscal exige a observância de outras formalidades, que todavia, são estranhas à validade da transmissão.]. A transmissão produz os seus efeitos a partir da data do requerimento do registo junto do emitente (artº 102 nº 5 do CVM). O emitente e autor do registo é, portanto, terceiro em relação ao acto registado.

Para a transmissão de acções deste tipo é, naturalmente, necessário o acordo entre o transmitente e o transmissário, através da declaração de transmissão aposta no título (artº 102 nº 1 do CVM). Mas um tal acordo não é suficiente para a produção de efeitos plenos, que dependem ainda da inscrição da qualidade de accionista em registo lavrado pela sociedade emitente.

A configuração do registo não é, todavia, coincidente. Segundo alguma doutrina, a transmissão [Note-se que no caso de empréstimo de valores mobiliários, salvo convenção contrária, estes transmitem-se para o mutuário (artº 350 nº 1 CVM).] depende do registo pela sociedade emitente e, eventualmente, também da anotação no título [Alexandre Brandão da Veiga, Transmissão de Valores Mobiliários, CMVM, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 44.]; outros autores, porventura a maioria, recusam a natureza constitutiva do registo pelo emitente [José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Volume III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, pág. 45.], afirmando a sua eficácia meramente declarativa, legitimadora [Paula Costa e Silva, “A transmissão de valores mobiliários fora de mercado secundário”, Direito dos Valores Mobiliários, I, pág. 234.] ou probatória da qualidade de sócio, com variações ainda sobre a natureza ilidível – prova prima facie – ou inilidível [Osório de Castro, Valores Mobiliários, cit., pág 18.], salvo rectificação, da presunção derivada do registo.

Mas há um mínimo comum que consiste em considerar o registo como acto indispensável para a oponibilidade da transmissão à sociedade emitente, sem o qual o adquirente não pode exercer o direito de voto, o direito de crédito ao dividendo e outros direitos sociais (artº 73 nº 1 do CVM) [Jorge Manuel Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, Volume II., cit., pág. 378.].

Seja como for, a lei é terminante em atribuir ao registo igualmente uma função de legitimação activa e passiva: os direitos inerentes às acções – entre os quais se conta o direito de voto - serão exercidos de acordo com o que constar no registo do emitente e a sociedade pode realizar as prestações a que está vinculada e permitir o exercício de outros direitos a quem estiver legitimado pelo registo ou pelo título (artºs 55 nºs 1 e 3 b), 56 e 104 nº 2 do CVM).

 Como se notou, a sociedade emitente e autora do registo é terceiro em relação ao acto registado. Simplesmente, a legitimação passiva decorrente do registo não é irrestrita ou ilimitada: o emitente só fica liberado de qualquer prestação que realize ao titular legitimado pelo registo ou isento de responsabilidade no reconhecimento que lhe faça de qualquer direito – v.g., o direito de voto – se estiver de boa fé (artº 56, proémio, do CVM). A legitimação passiva decorrente do registo da transmissão junto do emitente não é, pois, absoluta, só se verificando, portanto, no caso de boa fé do emitente registador.

Não parece que esteja aqui em causa uma boa fé objectiva, dada a ausência de remissão para regras e princípios jurídicos, mas antes uma boa fé subjectiva, portanto, ligada ao estado do emitente. Resta saber se trata de uma boa fé subjectiva em sentido puramente psicológico ou antes em sentido ético, que, portanto, traga implicada deveres de cuidado e de indagação. Tendo em conta, de um aspecto, o facto de o requerimento do registo e do acesso a este mesmo registo apenas provar a legitimidade formal do adquirente, nada reflectindo, em princípio, sobre a sua falta de legitimidade substancial, e de outro, de o sistema postular a celeridade de transmissões, o que por si, é adverso a uma exigência de deveres de indagação por parte do emitente, autor do registo, parece dever exigir-se neste domínio apenas um boa fé em sentido psicológico – o simples desconhecimento da falta de legitimidade substancial do titular do registo [Assim, para o lugar da paralelo da boa fé do adquirente a pessoa não legitimada, portanto, a non domino, de valores mobiliários, regulada pelo artº 58 do CVM, Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra, págs. 340 e 341. Sustentando, porém, que a má fé consiste, neste contexto, no saber ou ter o dever de saber que falta legitimidade ao alienante, Alexandre Brandão da Veiga, Transmissão de Valores Mobiliários, cit., pág. 107.]. Deste entendimento da boa fé, resulta, naturalmente, como seu reverso, a noção de má fé: o conhecimento da falta daquela legitimidade substancial.

O que pode perguntar-se é sobre quem recai o encargo da prova da boa fé. Por aplicação do critério de repartição do ónus da prova que se encontra estabelecido na lei – orientado pela chamada doutrina da construção da proposição jurídica ou teoria das normas – de harmonia com o qual, se pode dizer, numa formulação simples, que cada parte está onerada com a prova dos factos subsumíveis à regra jurídica que lhe atribui um efeito favorável, a resposta exacta é esta: o fardo da demonstração da boa fé do emitente registador recai sobre o este, dada a sua clara natureza de elemento estrutural da eficácia liberatória da prestação realizada ao titular do registo e da extinção de responsabilidade pelo reconhecimento a este de qualquer direito (artº 342 nºs 1 e 2 do Código Civil).

Em face do apontado regime de transmissão, instalou-se, na doutrina e na jurisprudência, uma acesa controvérsia, sobre se a compra e venda de valores mobiliários assenta numa compra e venda real – sistema do título – ou antes no sistema do título e do modo – registo [No último sentido, Vera Eiró, “A transmissão de valores mobiliários – acções em especial, Themis, RDFUN, 2005, VI, págs. 145 e ss, Coutinho de Abreu, Curso de Direito Comercial, cit., págs. 379 e 380, e Ferreira de Almeida, “Registo de valores mobiliários”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marques dos Santos, Volume I, Coimbra, 2005, págs. 924 e ss.; no primeiro e – por todos - Pedro de Albuquerque, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, volume I, Tomo I, Almedina, Coimbra, 2008, págs. 99 e ss. A jurisprudência orienta-se no primeiro dos sentidos apontados: Acs. do STJ de 15.05.08 e de 13.03.07, da RP de 18.11.11 e da RC de 03.07.12.].

Mas esta discussão não releva para a economia do recurso. Para a apreciação do objecto da impugnação, interessa apenas notar, que quer no caso de acções tituladas ao portador, não integradas em sistema centralizado, quer relativamente a acções tituladas nominativas igualmente não integradas em sistema centralizado, não basta, para a sua transmissão, a entrega material ou o seu endosso, respectivamente, e o registo: exige-se, em qualquer dos casos, sempre, a existência, a validade e a procedência de uma justa causa de atribuição [Alexandre Soveral Martins, Valores Mobiliários, Acções, cit. pág. 35.].

As acções tituladas nominativas, não integradas em sistema centralizado, transmitem-se, por declaração de transmissão escrita no título a favor do transmissário. Mas só por si, não nos diz a que título. Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O regime da transmissão dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base».   

A transmissão, inter vivos, das acções exige, sempre, um contrato transmissivo, típico ou atípico que tenha sido concluído entre as partes: na falta ou na invalidade dele, aquele efeito translativo não se produz (Cf. Ac. RC. de 19-02-2013, Proc. nº 894/11.4TBPBL.C1, Relator: HENRIQUE ANTUNES).

Deste modo, também, a validar, como emergência do que se deixa considerado (e que o decisório não deixou de considerar), que:

“no caso de acções tituladas ao portador, não integradas em sistema centralizado, quer relativamente a acções tituladas nominativas igualmente não integradas em sistema centralizado, não basta, para a sua transmissão, a entrega material ou o seu endosso, respectivamente, e o registo: exige-se, em qualquer dos casos, sempre, a existência, a validade e a procedência de uma justa causa de atribuição

(…) Quer isso dizer que pode operar por via de qualquer contrato, típico ou atípico, que assuma eficácia transmissiva: compra e venda, dação em pagamento, sociedade, doação ou outras figuras diversas. O regime da transmissão dependerá, portanto, do acto que, concretamente, estiver na sua base.

(…) A transmissão, inter vivos, das acções exige, sempre, um contrato transmissivo, típico ou atípico que tenha sido concluído entre as partes: na falta ou na invalidade dele, aquele efeito translativo não se produz.”

A significar (mais uma vez) que nem assim o réu lograria demonstrar ser o legitimo proprietário e possuidor das acções em causa, já que nem alegou qualquer contrato subjacente à transmissão das acções.

O que determina responder negativamente às questões em IV.

V.

65.    Consta do facto provado elencado sob o número 15 que “o autor remeteu à C (…), SA, uma carta registada com aviso de recepção, datada de 15 de Junho de 2011, com o teor constante de fls. 30 dos autos.”

66.    Ou seja o Autor reclamou a entrega dos títulos representativos das 2.000 (duas mil) acções com o valor nominal de €5,00 (cinco euros) da C (…)S.A., que alegadamente lhe pertencem, passados mais de quinze anos sobre a data da constituição da sociedade, e mais de dez sobre o aumento de capital. Tal pretensão não foi satisfeita.

67.    Contudo até à presente data o Autor nunca instaurou qualquer acção judicial contra a C (…), S.A. para obter a entrega de tais títulos.

68.    Ora, estabelece o artigo 174.º do Código das Sociedades Comerciais um prazo de prescrição de cinco anos dos direitos dos sócios e fundadores contra a sociedade.

69.    Dispõe ainda o C.S.C., no seu artigo 304.º/3, que os títulos definitivos devem ser entregues aos accionistas nos SEIS MESES SEGUINTES ao registo definitivo do contrato de sociedade ou do aumento de capital.

70.    Realça-se: “Devem ser entregues aos accionistas nos seis meses seguintes…”, obviamente pela sociedade.

71.    Pois nos termos do Artigo 95.º do Código dos Valores Mobiliários, a emissão e entrega dos títulos ao primeiro titular constitui dever do emitente, que suporta os respectivos encargos, sendo que o emitente é a sociedade.

72.    Ora, resulta do facto provado elencado sob o ponto 7) que “pela inscrição datada de 03/11/1995, procedeu-se ao registo do contrato de sociedade supra referido na Conservatória de Registo Comercial de Coimbra”.

73.    No caso concreto, as ações deveriam ter sido entregues até 03/05/1996.Nestes termos, os sócios/accionistas tinham até 03/05/2001 para demandar a sociedade incumpridora, peticionando a entrega das acções.

74.    Ainda que se tenha em consideração a data do aumento de capital e renominalização do valor das acções de escudos para euros, o que ditou a substituição das acções, ou seja 20/12/2001, o prazo de prescrição de cinco anos foi amplamente ultrapassado.

75.    Daí o Autor não ter instaurado a acção contra a C (…) S.A. mas sim contra C (…), aproveitando o facto do Réu se arrogar proprietário de todas as acções- por ser a realidade- contornando assim o prazo de prescrição,..

76.    Termos em que não se pode aceitar que seja ao fim de 16 anos que o “pretenso” accionista (…) se tenha lembrado que não tinha os títulos das acções ao Portador…

79.    Ora o Autor bem sabe que nos termos do n.º 1 do artigo 104.º do Código dos Valores Mobiliários o exercício de direitos inerentes aos valores mobiliários titulados ao portador depende da posse do título ou de certificado passado pelo depositário, nos termos do n.º 2 do artigo 78.º.

Neste particular, vincula o disposto no art. 174º do CSC (prescrição). Nesse referencial, acentue-se haver de se levar em consideração que, “afastando-se do regime geral e dos regimes especiais disciplinados nos arts. 309º CCiv., o art. 174º disciplina os prazos de prescrição dos direitos subjetivos que o CSC confere à sociedade, aos sócios e a terceiros.

Em causa está o funcionamento do instituto da prescrição extintiva, por via da qual os direitos se extinguem quando não exercitados pelo período de tempo que a lei determina - no caso do art. 174º, um período de cinco anos. Na prescrição sobrelevam, portanto, razões de conveniência e oportunidade ligadas aos valores da certeza e segurança jurídicas, que o art. 174º evidencia no carácter relativamente curto dos prazos que comina (não se esqueça que o prazo ordinário da prescrição é de 20 anos - art. 309º do CCiv.). Pretende-se, ainda, "exercer uma pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efetivação, quando não queiram abdicar deles'", assim como "relevar o devedor da prova do cumprimento, passado muito tempo sobre o mesmo'".

Em tudo o que o art. 174º não contempla, vigora o regime geral do Código Civil - nomeadamente quanto à suspensão da prescrição (arts, 318º a 332º do CCiv.) e quanto à sua interrupção (arts. 323º a 327º). A prescrição é um instituto indisponível: são nulos os negócios que visem modificar os prazos ou facilitar ou dificultar o seu funcionamento (art. 300º do CCiv.) e é proibida a renúncia antecipada à prescrição (art. 302º, 1).

Recorde-se que a prescrição, para operar o seu efeito extintivo, carece de ser invocada pelo devedor demandado (art.303º do CCiv.). O simples decurso do prazo não extingue o direito do credor, apenas transforma o lado passivo do vínculo em obrigação natural (art. 304º, 2 do CCiv.). Assim, caso o devedor não invoque a prescrição e cumpra espontaneamente a prestação, não poderá exigi-la de volta o credor goza da soluti retentio” [Cf. Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Vol. II, Jorge M. Coutinho de Abreu (Coord.), pp. 814-815].

Em todo o caso, sem que se possa desgrudar, interpretativamente, do preciso alcance redactorial da norma em causa:

“1. Os direitos da sociedade contra os fundadores, os sócios, os gerentes, os administradores, os membros do conselho fiscal e do conselho geral e de supervisão, os revisores oficiais de contas e os liquidatários, bem como os direitos destes contra a sociedade, prescrevem no prazo de cinco anos, contados a partir da verificação dos seguintes factos:

a)      O início da mora, quanto à obrigação de entrada de capital ou de prestações suplementares;

b)     O termo da conduta dolosa ou culposa do fundador, do gerente, administrador, membro do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, revisor ou liquidatário ou a sua revelação, se aquela houver sido ocultada, e a produção do dano, sem necessidade de que este se tenha integralmente verificado, relativamente à obrigação de indemnizar a sociedade;

c) A data em que a transmissão de quotas ou ações se torne eficaz para com a sociedade quanto à responsabilidade dos transmitentes;

c)      O vencimento de qualquer outra obrigação;

e)      A prática do ato em relação aos atas praticados em nome de sociedade irregular por falta de forma ou de registo.

2. Prescrevem no prazo de cinco anos, a partir do momento referido na alínea b) do número anterior, os direitos dos sócios e de terceiros, por responsabilidade para com eles de fundadores, gerentes, administradores, membros do conselho fiscal ou do conselho geral e de supervisão, liquidatários, revisores oficiais de contas, bem como de sócios, nos casos previstos nos artigos 82º e 83º.

(…)

Desde logo, porque não pode a presente situação subsumir-se, no nº1 da norma em causa, já que de direitos da sociedade se não trata. Sendo que, em função do seu nº2 é o “termo da conduta dolosa ou culposa…”, que funciona como marco temporal de referência e que, como os Autos revelam, ainda não cessou (!…).

O que, de resto, a própria formulação da específica questão em causa não deixou, à sua maneira, de indiciar ao assinalar, precisando:

“75.  Daí o Autor não ter instaurado a acção contra a C(…), S.A. mas sim contra (…)”.;

Articulado, do mesmo modo, com o pedido e causa de pedir formulados entre as partes individualizadas, em termos de alteridade.

O que potencia apreciar, como diz Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 1987, págs. 182 e 189), que o texto ou letra da lei é o ponto de partida da interpretação e, como tal, cabe-lhe desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer correspondência ou ressonãncia nas palavras da lei. A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.°, n.º 2 Código Civil: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso».

No mesmo sentido, Oliveira Ascensão escreve: a letra é não só o ponto de partida mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito (O Direito, 6.ª ed., 1991, pág. 368).

O que atribui resposta negativa às questões em V.

VI.

82.    Por outro lado, requer-se a reapreciação da prova gravada, e conjugado com as demais provas, devendo a Sentença ora recorrida em consequência de tal reapreciação, ser revogada e substituída por outra, em que os pontos b), c), d), e), e f) dos factos não provados sejam dados como provados, decidindo-se em conformidade mormente no sentido de que o Autor não é acionista da sociedade C ... nunca tendo participado no capital social, absolvendo-se por conseguinte o  Réu.

83.    Resumindo, deve ser modificada a decisão proferida sobre a matéria de facto, devendo dar-se como provados os factos dados como não provados sob os pontos b), c), d), e), f) na sentença, de que se recorre, porquanto dos elementos probatórios carreados para os autos, resulta que o Autor limitou-se a emprestar o seu nome para a constituição da sociedade, devendo absolver-se por conseguinte o Réu dos pedidos formulados sob as alíneas A), C) e D) da P.I.

A tal pretexto, diga-se que, na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do Código de Processo Civil).

Este tribunal forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados (Abrantes Geraldes, Recursos, 3ª edição, 2010, Almedina, pág.320.)

Mas não deixa de ser pertinente, como assinala o acórdão de 3.12.2013, desta Relação, no processo 194/09.0TBPBL.C1, em www.dgsi.pt. "quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas - nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” (Cf. Ac. RC nº70/14.4T8PBL.C1, de 17.05.17, Relator: Fernando Monteiro, in www.dgsi.pt.).

No âmbito do n.º 1 deste artigo integram-se as eventuais violações das regras do direito probatório material, designadamente o desrespeito, pelo tribunal recorrido, da força plena de certo meio de prova "o que ocorre quando, apesar de ter sido junto ao processo um documento com valor probatório pleno relativamente a determinado facto (arts. 371.°, n.º 1, e 376.º, n.º 1 do CC), o considere não provado, relevando para o efeito prova testemunhal produzida. Ou, quando tenha sido desatendida determinada declaração confessória, constante de documento, ou resultante do processo (art. 358.º do CC e arts. 484.º, n.º 1, e 463.º do CPC), ou acordo estabelecido entre as partes, nos articulados, quanto a determinado facto (art. 574.º, n.º 2, do CPC), optando por se atribuir prevalência à livre convicção formada a partir de outros elementos probatórios (v.g. documento particular sem valor confessório ou prova pericial). Ou, ainda, nos casos em que tenha sido considerado provado certo facto com base em meio de prova legalmente insuficiente (v.g presunção judicial ou depoimento testemunhal, nos termos dos arts. 351.º e 393.º do CC), situação em que a modificação da decisão da matéria de facto passa pela aplicação ao caso da regra de direito probatório material (art. 364.º, n.º 1, do CC)" (ABRANTES GERALDES, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, ps. 225 e s.). Com o princípio da livre apreciação de provas consignado no art. 655.°, n.º 1, do Cód. Proc. Civil (607º NCPC), a só ceder perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifiquem nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (arts. 350.°, n.1, 358.°, 371.° e 376.°, todos do Cód. Civil) (Ac. RE, 20-9-1990: BMJ, 399.°-603).

Na circunstância, reproduzida a prova na sua integral dimensão, designadamente, no renovo, de outiva, pelo Tribunal da Relação dos depoimentos prestados, pelos intervenientes processuais referenciados, não pode inferir-se - declaradamente -, que se haja de alterar a resposta aos pontos em causa.

Concretizando:

A sentença, quanto à matéria de facto, deu como não provados, os seguintes factos, que, agora, se controvertem:

b) Os accionistas fundadores de facto da empresa C (…), SA, foram o réu (…) e o seu irmão (…)

c) Quer o A., quer (…)apenas se limitaram a “emprestar” o seu nome, assinando a escritura de constituição da referida sociedade, não tendo nenhum deles entrado, de facto, com qualquer participação no capital da sociedade.

d) O aumento de capital foi realizado exclusivamente pelo réu.

e) As acções representativas da totalidade do capital social, representativo das 10.000 (dez mil) acções com o valor unitário de € 5,00 (cinco euros), estão na posse do accionista C ...

f) O autor não participou com qualquer quantia para a constituição do capital social da sociedade C ... – Investimentos Imobiliários, S.A.

Havendo de se referir, a este respeito, como elemento pressuponente de aferição, nos Autos convertido em problema judiciário, que constitui excepção à regra do art. 394.° Código Civil (convenções contra o conteúdo de documentos ou além dele), por isso, concedendo ter sido permitida a prova por testemunhas, no caso de o facto a provar estar já tornado verosímil por um começo de prova por escrito. Também, ter sido admitida tal prova testemunhal, existindo já prova documental susceptível de formar a convicção da verificação do facto alegado, quando se trate de interpretar o conteúdo de documentos ou completar a prova documental (Mota Pinto, CJ, 1985,3.°.9).

Na dimensão das respostas, quanto à alínea b) -

“Os accionistas fundadores de facto da empresa C (…)SA, foram o réu (…)e o seu irmão (…)”.

Não pode sair contrariada tal consagração, desde logo, pela sua correspondência - reproduzida que foi, de outiva, da prova testemunhal, através do confronto com todos os depoimentos prestados dos intervenientes processuais - também a tal prova produzida, assim determinante da autónoma convicção, formulada pelo Tribunal ad Relação. Como sua emergência, deriva que só se poderia considerar ter existido confissão do Autor se as suas declarações assumissem essa expressão. O que decorre da circunstância de vincular, do seu dizer expressivo, no que indubitavelmente se pode reter, mesmo “ao referir ter sido o (…) a entregar a quantia necessária para a sua subscrição por conta de compensação de crédito”. Exactamente, porque - art.  352.º Código Civil (noção) -, a confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária. Sendo que a indivisibilidade da confissão só surge se o autor quiser aproveitar-se da confissão como meio de prova plena e tem como consequência, na confissão complexa aceite, a inversão do ónus da prova quanto à parte favorável ao confitente. Já tal não sucede no caso de não ser o autor quem invocou a confissão do R., em que o julgador pode e deve, na fundamentação da sentença, tornar em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou confissão (!) reduzido a a escrito (Ac. RE, 27 – 4 -1993; BMJ, 426.°- 547). Com isso, também, a significar que, nos termos do art. 360.° do Cód, Civil, quer se trate de uma confissão qualificada ou de uma confissão complexa, a confissão  é sempre indivisível e, como tal, quem quiser aproveitar-se da mesma tem de aceitá-Ia na íntegra - facto favorável e facto desfavorável - salvo provando a inexactidão dos factos que lhe são desfavoráveis (Ac. STJ, 12-1-1999: BMJ, 483.°-160).

No que respeita aos depoimentos

(…)

 

Tendo em conta a sua proximidade conceitual, e inafastável relação, reconhecendo, pese muito embora a utilização da negativa na formulação da al. f), no contexto da resposta, as razões alegadas, designadamente a fls. 1021, maxime, itens 122-125 e 137-142, mais não consubstanciam que expressão de específico decisionismo voluntarista de parte, sem sustentáculo determinante. Nem sequer, no universo da prova produzida, aqui especificamente analisada, capaz de fazer inflectir o sentido e alcance da consagração efectuada. Com efeito, nenhum outro elemento arvorado consegue derribar a holística motivação decisória que os sustenta. Nem, mesmo, as próprias afirmações do expresso por N ... , incluindo as nos Autos transcritas, em resposta a perguntas que as provocaram - aqui e além, notoriamente indiciadoras -, como se pode verificar, v.g., a fls.1021-1022; 1024-1025.

Sendo que, o se consagrou na própria assentada, de fls.883-884 dos Autos, em função do disposto no art. 463º NCPC (redução a escrito do depoimento de parte), se revela interpretado com o alcance, em decisório, que lhe pôde, e pode, ser atribuído, justificando a consagração firmada. Tanto assim que não deve confundir-se entre depoimento de parte e confissão, já que aquele é apenas uma das vias através das quais se pode obter a confissão. Prestado o depoimento de parte, há que distinguir: se este conduz à confissão de factos que são desfavoráveis ao depoente, deve ser-lhe atribuído o valor probatório previsto no art. 358.°, n.º 1, de CC; se o mesmo não conduz a confissão, sendo, nesse caso, o respectivo valor probatório apreciado livremente pele tribunal nos termos do art. 655.° do CPC (607º NCPC). Nesta segunda vertente, também há que distinguir, as situações em que o depoente reconhece factos que lhe são desfavoráveis mas que não possam valer como confissão, caso em que tal admissão vale como elemento probatório que o tribunal apreciará livremente (art. 361.° do CC); das situações em que o depoente narra outros factos ou circunstâncias tendentes a infirmar a eficácia do facto confessado ou a modificar ou extinguir os seus efeitos, caso em que a parte que queira aproveitar a confissão como prova plena, também tem que aceitar como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se provar a sua inexactidão (art. 360.° do CC). O depoimento de parte que não redunde em confissão, por respeitar apenas a factos favoráveis ao depoente, pode ser livremente apreciado pelo tribunal, constituindo um simples elemento probatório a atender segundo o prudente critério do julgador (Ac. RC, de 13.11.2012: Proc. 470/11.1T2ILH.C1.dgsi.Net).

No que concerne à matéria de facto não provada do ponto da al.) d):

d) O aumento de capital foi realizado exclusivamente pelo réu.

Os documentos referenciados com os nºs 5, 6, 7, 8 e 9 da contestação e os documentos nºs 6 e 13, juntos com a tréplica, mesmo correspondendo a “diversas entradas em dinheiro”, revelam-se irrelevantes quanto à sua pretendida adstringência a título específico do referido “aumento de capital”, tendo em conta, desde logo, a sua posterior temporalidade e o seu próprio tratamento contabilístico de (não) correspondência adrede (“suprimentos”).

Do mesmo modo, e em função de todo esse tipo de revelação nos Autos, se mostrando adequada a razão firmada de motivação ao se fazer consignar (como provado), também, que:

«(…) não obstante o declarado e deliberado na assembleia geral realizada em 20/12/2001, o valor de cinco milhões e vinte e quatro mil e cem escudos, correspondente ao aumento deliberado, não deu entrada na caixa da sociedade, tendo sido realizada uma mera operação contabilística, considerando o alegado pelo réu no artigo 27º da contestação e confessado pelo autor em sede de depoimento de parte».

No referencial da matéria de facto não provada do ponto da al. e):

e) As acções representativas da totalidade do capital social, representativo das 10.000 (dez mil) acções com o valor unitário de € 5,00 (cinco euros), estão na posse do accionista (…)

nenhuma das objecções formuladas se revelou capaz, por insuficiente virtualidade, de ultrapassar a patente circunstância de

«não se ter provado que as acções representativas da totalidade do capital social, representativo das 10.000 (dez mil) acções com o valor unitário de € 5,00 (cinco euros), estão na posse do accionista C ... (alínea e) dos factos não provados)».

A pretexto, exactamente, de que, não obstante as testemunhas (…)o hajam referido, essas acções não foram apresentadas pelo réu. Sendo certo que as suas declarações, mais não consubstanciaram, a esse respeito, que mero testemunho de ouvir dizer e não por observação directa e inequívoca de verificação, de todas elas, e reconhecimento, com inserção sistemática temporal precisa, em termos de data, em correspondência.

Sem que, para o efeito, se possa arredar que as testemunhas em causa não se encontram feridas de inabilidade para depor. Todavia, o seu a sua circunstância. Nem o facto de ser conferido maior ou menor valor a tais depoimentos não viola o princípio da igualdade das partes. O princípio da igualdade processual das partes significa que são iguais em direitos, deveres, poderes e ónus, estando colocadas em perfeita paridade de condições e gozando de idênticas possibilidades de obter a justiça que lhes seja devida (Ac. STJ, de 18.5.2004: Proc. 04A1417.dgsi.Net).

A lei, com efeito, não veda tal tipo de depoimentos. A regra hoje formulada pela lei substantiva, é a de que a prova testemunhal é admitida em todos os casos em que não seja directa ou indirectamente afastada (art. 392.° CC). E o mesmo se diga da lei adjectiva. O actual art. 616.° CPC (495º NCPC) aceita o princípio da capacidade de todas as pessoas para depor, desde que não estejam interditos por anomalia psíquica e tenham aptidão física e mental para se pronunciarem sobre o objecto da prova (Ac, RL, de 28.6.2007: Proc. 363912007-6.dgsi.Net).

Tal a significar que o regime jurídico que disciplina a prova testemunhal está legalmente fixado, mormente nos arts. 616.° a 618.° do CPC (495º a 497º NCPC). Não tendo sido impugnada, sequer, a admissão de tais testemunhas, não pode deixar de se subordinar à demonstração da verdade dos factos obtida por esse meio de prova. Por sua vez, é consabido que a prova testemunhal, apesar de falível e precária, é aquela que, na prática, assume a maior importância, por ser a única a que pode recorrer-se na demonstração da realidade de muitos factos, como ensinava Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2.ª edição, p. 614). O mesmo acrescentava que «se a vida moderna, por uma questão de segurança, tende a documentar um número cada vez maior de actos jurídicos, continua a ser enorme o contingente dos factos imprevistos e dos próprios factos previsíveis, com relevância para o julgamento dos litígios, em que o único meio de prova utilizável é o recurso ao depoimento das pessoas (terceiros) que tiveram acidentalmente percepção desses factos ou de ocorrências a ele ligados por qualquer nexo de instrumentalidade» (ibidem). O citado Professor rematava apelando ao particular cuidado - «o prudente senso crítico» - que o Tribunal, não podendo prescindir de tal meio de prova, deve ter no interrogatório e na ponderação do depoimento testemunhal, relembrando o vetusto brocardo do Digesto «testium fides diligenter examinanda». Sendo um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, não pode, mesmo, o Supremo Tribunal sindicar a sua apreciação (Ac. STJ, de 17.11.20 II: Proc. 2190/07.2TBFAT.G1.S1.dgsi.Net).

Assim, é esse, na convicção autónoma do Tribunal da Relação, o sentido preciso dos depoimentos em causa. O que, de resto, se intensifica, decorrendo, do próprio registo fragmentário empreendido e junto pela parte recorrente, a fls. 1024 -1028.

Elementos referenciais que, no seu conjunto, também impõem reconhecer a adequação de conformidade, lá, como aqui, decorrente do relato da própria testemunha G ..., dele resultando, pois, que:

«a dado momento, o réu pediu-lhe para imprimir as acções novas, na sequência do aumento, substituindo as antigas, acções que depois entregou de novo ao réu, sem que a testemunha tivesse sabido precisar quantas acções lhe foram entregues e em que circunstâncias se encontravam com o réu e, muito menos, de que forma as acções em causa teriam sido entregues ao réu. Sem que resulte de tal relato, manifestamente, se as acções em causa titulavam todo o capital da C (…) (sendo certo que a testemunha até referiu que não estavam assinadas) e se a sua impressão/emissão foi regular ou legitima».

Confronta-se, também, como elemento de sufrágio do que, assim, se consagrou em decisório e sobre o sentido e alcance do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 607º NCPC, a pertinência do delineamento noticiado pelo Trib. Constitucional no Ac. n.º 198/2004 (DR. II, de 2.6.2004, págs. 8545 e s.), embora formulada com referência ao processo penal, mas transponível para o processo civil, segundo o qual

 

«O acto de julgar é do tribunal, e tal acto tem a sua essência na operação intelectual da formação da convicção.

Tal operação não é pura e simplesmente lógica-dedutiva, mas, nos próprios termos da lei, parte de dados objectivos para uma formação lógico-intuitiva (...).

Esta operação intelectual não é uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis).

Para a operação intelectual contribuem regras, impostas por lei, como sejam as da experiência, a da percepção da personalidade do depoente (impondo-se por tal a imediação e oralidade), a da dúvida inultrapassável (regras do ónus da prova).

A lei impõe princípios instrumentais e princípios estruturais para formar a convicção. O princípio da oralidade, com os seus corolários da imediação e publicidade da audiência, é instrumental relativamente ao modo de assunção das provas, mas com estreita ligação com o dever de investigação da verdade jurídico-prática e com o da liberdade de convicção; com efeito, só a partir da oralidade e imediação pode o juiz (melhor) perceber os dados não objectiváveis atinentes com a valoração da prova.

(...).

É pela imediação, também chamada "princípio subjectivo", que se vincula o juiz à percepção, à utilização, à valoração e à credibilidade da prova.

A censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode consequentemente assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção».

Do mesmo modo, levando a responder negativamente às questões em VI.

VII.

Sem prescindir, tendo havido um pedido improcedente do autor, deveria ter havido, salvo o devido respeito, uma repartição de custas.

A este respeito, considera-se que a responsabilidade pela dívida de custas nos processos integra a chamada relação jurídica tributária, de tipo obrigacional, resultante da lei e da actividade jurisdicional desenvolvida, encabeçada pelo Estado, sujeito activo, e pelos utentes do serviço de justiça vencidos ou que do processo tiraram vantagem, sujeitos passivos, cujo objecto imediato e mediato se consubstancia, respectivamente na vinculação dos últimos ao respectivo pagamento e na prestação pecuniária concernente. Dada a estrutura da referida relação jurídica de custas, a condenação no seu pagamento por quem vencido ficou na causa não depende de pedido adrede formulado pelo vencedor (Ac. STJ, de 5.2.2004: Proc. 0383809/ITIJ/Net).

Assim, pois que as custas consistem nas despesas que as partes são obrigadas a fazer para a condução do processo, afora as remunerações (honorários) dos seus advogados e as despesas pessoais das próprias partes, isto é, os encargos. Preparos são as importâncias que vão sendo exigidas às partes a título de antecipação de custas, antes de chegar à altura em que estas devem ser contadas e satisfeitas. A sentença, ou outra decisão final, deve regular entre as partes o encargo das custas, condenando no respectivo montante uma delas, ou distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Com esta condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença, nesta parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação eventual ou condicional. Aqueles critérios legais constam principalmente dos arts. 446.° e 449.º do CPC (527º e 535º NCPC). Os mais importantes são dois: a) - paga as custas quem dá causa a elas; b) - paga as custas quem tira proveito do processo. (Ac. RL, de 22.3.2007: Proc. 1669/2007-6.dgsi.Net).

A este respeito, consignou-se em decisório:

«Nos termos do artigo 527º nºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, a decisão que julgue a acção condenará em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da acção, quem do processo tirou proveito, entendendo-se que deu causa às mesmas a parte vencida o processo, na proporção em que o for.

Assim, considerando a procedência parcial da acção e a total improcedência da reconvenção, mas igualmente a repercussão económica referente à parte do pedido do autor não procedente no confronto com critérios que determinaram o valor da acção, entende-se que o réu será responsável pelo pagamento integral das custas».

 

É, assim que a regra geral da responsabilidade pelo pagamento das custas assenta, a título principal, no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual, sendo aquele indiciado pelo princípio da sucumbência, pelo que deverá pagar as custas a parte vencida, na respectiva proporção. Todavia, no processo nem sempre pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, passando a reger o princípio subsidiário do proveito processual, em razão do qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou (SALVADOR DA COSTA, Regulamento das Custas Processuais, 2.ª ed., 2009, p. 46).

Trata-se, no entanto, de hipótese que, aqui, se não perfila, no seu esquisso, reciprocamente impetrante, com esta inteira amplitude. Daí que se não justifique a alteração da regra geral. Daí que, do mesmo modo, sem derrogar tal princípio, se justifique, antes, quanto àquela fixação, proceder à sua alteração, utilizando também, critérios de equidade rectificativos, estabelecer: Custas na proporção de em 1/3 para o Autor e 2/3 para o Réu, fixando-se a taxa de justiça em 2UC..

Assim respondendo afirmativamente à questão em VII.

**

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7 NCPC), que:

1.

A legitimidade, baseada na posição (subjectiva) da pessoa perante a relação controvertida distingue-se do interesse em agir, traduzido na necessidade objectivamente justificada de recorrer à acção judicial. Como nos Autos expresso e peticionado, por isso sem perfil de integração na referida excepção dilatória (processual) invocada. Assim, o interesse na tutela (a que alude o n.º 1 do art. 26.° CPC – 30º NCPC) não se confunde com o interesse processual ou interesse em agir (repercutido no art. 26.°, n.º 2 CPC – 30º NCPC).

2.

A transmissão das acções tituladas e escriturais, fora do mercado bolsista, só fica perfeita com a entrega (acções tituladas ao portador), a declaração de transmissão escrita no título (acções tituladas nominativas), ou o registo em conta (acções escriturais); mas estes actos – que integram e traduzem o modo – não bastam, só por si, para operar a transmissão, que exige que eles se apoiem num título válido, num negócio jurídico, o negócio causal subjacente.

3.

Tal significa que a transmissão não se opera por mero efeito do contrato, nem apenas e só por efeito do modo, só se efectuando por força do contrato e do modo.

4.

A compra e venda de acções não é um contrato real quoad effectum – é um contrato com efeitos imediatos meramente obrigacionais, como os contratos do mesmo tipo tendo por objecto títulos de crédito em papel, para cuja transmissão se exige a tradição, o endosso ou acto equivalente.

5.

Os actos exigidos por lei, e que integram o modo, não se referem ao contrato, mas sim à transmissão da propriedade das acções: são actos essenciais para a transmissão destas, mas não contendem com a validade formal do contrato.

6.

Assim, um contrato de compra e venda de acções ao portador não deixa de ser válido pelo facto de o transmitente não ter feito entrega, ao adquirente, dos títulos representativos das acções; e este pode requerer judicialmente o cumprimento do contrato, a entrega das acções.

7.

A legitimidade (art. 30º NCPC) tem de ser apreciada e determinada pela utilidade (ou prejuízo) que da procedência (ou improcedência) da acção possa advir para as partes, face aos termos em que o autor configura o direito invocado e a posição que as partes, perante o pedido formulado e a causa de pedir, têm na relação jurídica material controvertida, tal como a apresenta o autor.

8.

O disposto no art. 174º do CSC (prescrição). Nesse referencial, acentue-se haver de se levar em consideração que, “afastando-se do regime geral e dos regimes especiais disciplinados nos arts. 309º CCiv., o art. 174º disciplina os prazos de prescrição dos direitos subjetivos que o CSC confere à sociedade, aos sócios e a terceiros. Em causa está o funcionamento do instituto da prescrição extintiva, por via da qual os direitos se extinguem quando não exercitados pelo período de tempo que a lei determina - no caso do art. 174º, um período de cinco anos. Na prescrição sobrelevam, portanto, razões de conveniência e oportunidade ligadas aos valores da certeza e segurança jurídicas, que o art. 174º evidencia no carácter relativamente curto dos prazos que comina (não se esqueça que o prazo ordinário da prescrição é de 20 anos - art. 309º do CCiv.). Em tal conformidade, não pode a presente situação subsumir-se, no nº1 da norma em causa, já que de direitos da sociedade se não trata. Sendo que, em função do seu nº2 é o “termo da conduta dolosa ou culposa…”, que funciona como marco temporal de referência e que, como os Autos revelam, ainda não cessou (!…).

9.

A letra, o enunciado linguístico, é, assim, um ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.°, n.º 2 Código Civil: não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) «que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso. A letra é não só o ponto de partida, mas também um elemento irremovível de toda a interpretação, funcionando também o texto como limite da busca do espírito.

10.

Na reapreciação dos factos, o Tribunal da Relação altera a decisão proferida sobre a matéria de facto se a prova produzida, reapreciada a pedido dos interessados, impuser decisão diversa (art.662º, nº1, do Código de Processo Civil). Este tribunal - tal como empreendido -, forma a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos impugnados.

11.

Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas - nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. O que, circunstancialmente, não ocorre.

12.

Deste modo concluindo que a censura quanto à forma de formação da convicção do tribunal não pode, consequentemente, assentar de forma simplista no ataque da fase final da formação dessa convicção, isto é, na valoração da prova; tal censura terá de assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente porque não existem os dados objectivos que se apontam na motivação, ou porque se violaram os princípios para a aquisição desses dados objectivos ou porque não houve liberdade na formação da convicção.

13.

A sentença, ou outra decisão final, deve regular entre as partes o encargo das custas, condenando no respectivo montante uma delas, ou distribuindo-o por ambas, conforme os critérios legais. Com esta condenação é que surge a obrigação das custas, sendo a sentença, nesta parte, sempre constitutiva, e não durante a lide como obrigação eventual ou condicional. Aqueles critérios legais constam principalmente dos arts. 446.° e 449.º do CPC (527º e 535º NCPC). Os mais importantes são dois: a) - paga as custas quem dá causa a elas; b) - paga as custas quem tira proveito do processo.

14.

No processo nem sempre pode funcionar o princípio da causalidade consubstanciado no da sucumbência, passando a reger o princípio subsidiário do proveito processual, em razão do qual pagará as custas do processo quem deste beneficiou.

15.

Trata-se, no entanto, de hipótese que, aqui, se não perfila, no seu esquisso, reciprocamente impetrante, com esta inteira amplitude. Daí que se não justifique a alteração da regra geral. Daí que, do mesmo modo, sem derrogar tal princípio, se justifique, antes, quanto àquela fixação, proceder à sua alteração, utilizando também, critérios de equidade rectificativos.

15.1.

Verificando-se, pois, que na sentença recorrida constam os factos e as razões de direito em que o tribunal alicerçou a sua decisão e esta é consequência lógica daquela fundamentação, é evidente que aquela peça processual não está inquinada de qualquer nulidade (art. 668º, nº1, alíneas b), c) e e) do CPC - 615º NCPC).

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se parcial provimento ao recurso interposto, julgando-se a reconvenção parcialmente procedente, tão só quanto a custas processuais, procedendo-se à sua alteração, relativa à decisão proferida, agora se fixando na proporção de em 1/3 para o Autor e 2/3 para o Réu, com a taxa de justiça de 2UC., no mais se confirmando a decisão recorrida.

Custas, no presente recurso, pelo Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

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António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo