Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PEDRO MARTINS | ||
Descritores: | INVENTÁRIO TESTAMENTO LEGADO BEM COMUM | ||
Data do Acordão: | 11/16/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.1317, 1685, 2168, 2169, 2264, 2317 DO CC | ||
Sumário: | Se cada um de dois cônjuges tiver feito testamento em que legou, ao mesmo filho, o mesmo bem comum com o consentimento do outro cônjuge, por conta da quota disponível com o excesso a imputar na legítima, tal só deve operar relativamente ao testamento do cônjuge que primeiro falecer, porque a partir daí o segundo testamento fica ineficaz. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:
Neste processo de inventário procede-se à partilha por morte de dois cônjuges que foram casados num regime de comunhão geral de bens. Ela morreu (em 2003) primeiro que ele (que morreu em 2007). Ambos deixaram testamentos. O da Srª M L (…) dizia: lega a sua filha, M L (…) a fracção autónoma x. Que faz este legado pelas forças da sua quota disponível, sendo o excesso, se o houver, imputado na respectiva legítima. E o marido, que era segundo outorgante na escritura respectiva, disse: que presta a sua mulher o necessário consentimento para este acto. No testamento do marido, Sr. (…), feito no mesmo dia e lugar, as posições invertem-se: ele lega aquela fracção e ela consente. * A sentença destes autos homologa uma partilha feita nestes termos no que a esta questão respeita: acha-se o valor da herança da inventariada e depois o da quota disponível. E imputa-se nesta quota metade do valor da coisa legada. O mesmo se faz em relação à partilha por óbito do marido ocorrido depois: acha-se o valor da sua herança e depois o da quota disponível e imputa-se nesta quota metade do valor da coisa legada. Um dos herdeiros recorreu desta sentença, terminando as respectivas alegações – em que pede que se revogue a sentença e se altere o despacho determinativo da partilha, imputando-se o valor do legado, pela totalidade, na meação da inventariada - com as seguintes conclusões: * A legatária contra-alegou, dizendo que o despacho que determinou a partilha era correcto. * Questão que importa decidir: se cada um de dois cônjuges tiver feito testamento em que legou o mesmo bem comum ao mesmo filho com o consentimento do outro, por conta da quota disponível com o excesso a imputar na legítima, tal deve operar relativamente a cada testamento, ou só deve operar relativamente ao testamento do cônjuge que primeiro falecer? * Os factos que têm relevo para a questão e que estão provados nos autos são os constantes dos cinco primeiros parágrafos deste acórdão. Posto isto: Se bem se reparar, a partilha operada nos termos do despacho em causa, implica, em termos práticos, o entendimento de que cada um dos inventariados legou metade da coisa em causa. Ora, não foi isso o que aconteceu. O que cada um deles fez, como decorre do respectivo testamento, na parte transcrita acima, foi legar a coisa toda, com o consentimento do outro, como a lei permite [art. 1685/2c) e 3b) do Código Civil = CC]. Com a consequência de que o testamento do cônjuge que faleceu depois, já não poderia ter eficácia, pois que a coisa já tinha sido adquirida pela morte do primeiro [art. 1317/b) do CC] – ineficácia, pois, e não caducidade, como pretende o recorrente, ao invocar a norma do art. 2317 do CC. Isto seria muito mais claro se, por morte da Srª. L (…), se tivesse procedido logo à partilha da sua herança. O legado seria todo imputado na sua herança, nos termos do testamento: primeiro na quota disponível, depois na legítima da legatária e o excesso sobre a soma destas reduzido por inoficiosidade (arts. 2168 e 2169, ambos do CC, normas por isso bem invocadas no despacho recorrido, embora sem inteira aplicação nos termos em que o foram). Por morte do Sr. A (…) já o bem seria da filha e nenhuma razão haveria para o ter em consideração. Tudo isto é também explicado no acórdão do TRG de 28/09/2006 (1711/06-1 da base de dados do ITIJ), secundado por Paulo Sobral Soares do Nascimento, na anotação a tal acórdão sob o título de: Legado de bem comum do casal por parte de ambos os cônjuges e ineficácia da disposição testamentária, publicada nos Cadernos de Direito Privado, nº. 30, Abril / Junho 2010, págs. 31 a 40), num caso que tem coincidência parcial com os dos autos, embora lhe acresçam particularidades. A anotação só discorda do acórdão do TRG na questão do momento em que a vontade dos dois testadores adquire relevância, o qual, segundo o anotador, que aqui se segue, é o da eficácia do primeiro testamento. As razões invocadas pela legatária, em defesa do despacho recorrido, limitam-se a assegurar a legitimidade do legado de bem comum por um dos cônjuges, o que não é algo que esteja em discussão, pelo contrário, bem como a necessidade de redução do legado por inoficiosidade, o que se está a aceitar, como se vê e se explicará ainda, mais à frente, mas que em nada releva a favor da legatária, pois que qualquer redução de um legado nunca pode favorecer os legatários…. * Concretizando o que antecede (a fim de conferir a sua correcção e de discutir em termos práticos a questão colocada), a forma à partilha deve operar-se do seguinte modo: Soma-se o valor de todos os bens, tendo em conta o acordo e a avaliação dos imóveis. O total obtido (= 132.900€) será dividido em duas partes iguais (cada de 66.450€), sendo que uma constitui a meação/herança da inventariada e a outra a meação do inventariado. A herança da inventariada é dividida por três, para se achar a quota disponível – arts. 2156, 2159 e 2162, todos do CC (com o resultado de 66.450€ : 3 = 22.150€). Na quota disponível imputa-se o valor do legado (como determinado no testamento), que é de 40.000€, havendo um excesso de 17.850€. A quota indisponível, que é de 44.300€ (= 22.150€ x 2), divide-se em 4 partes iguais, por tantos serem os herdeiros da inventariada (ars. 2157 e 2139, ambos do CC), cabendo a cada um deles 11.075€. Na parte que cabe à filha a quem foi feito o legado, imputa-se o excesso do legado sobre a quota disponível. O valor do legado feito à filha, fica reduzido à soma da quota disponível com o da sua legítima, porque o excesso sobre esta soma atingiria a legítima objectiva, sendo por isso inoficioso (arts. 2168 e 2169 do CC). No caso dos autos temos pois, por expressa vontade da testadora, a mistura de um pré-legado (“quando a um herdeiro são atribuídos determinados bens para além do seu quinhão” – art. 2264 do CC) com um legado por conta da legítima (a atribuição, pelo testador, “de um ou mais objectos a certo herdeiro por conta” da sua legítima; “os bens designados não acrescem à quota, entram no seu conteúdo; o herdeiro não recebe a quota mais os bens tais e tais; recebe a quota preenchida por estes”: arts. 2163 e 1678/2d), ambos do CC – as expressões entre aspas são citações do Direito das Sucessões, Noções Fundamentais, de Galvão Telles, 4ª edição, Coimbra Editora, 1980, págs. 168/169; no mesmo sentido, vejam-se as lições de Carvalho Fernandes, Quid Juris, 1999, págs. 389 e 451/452, respectivamente). Ou seja, a testadora fez aquilo que se tem visto defender doutrinalmente: “O legado feito a um dos legitimários, por conta da quota disponível do de cujus, consiste num pré-legado. Trata-se assim de uma deixa precípua ao cálculo das quotas hereditárias, sendo que o beneficiário é, igualmente, um herdeiro, que, à sua quota (idêntica à dos demais herdeiros), soma um legado. […] A imputação na quota disponível tem a consequência de o beneficiário alcançar uma posição privilegiada na sucessão. A solução não envolve, obviamente, qualquer fuga à eventual redução por inoficiosidades, uma vez que o legado está sempre sujeito a tal solução, tendo em vista a composição quantitativa da legítima […]. Mas, a não se suscitarem problemas de inoficiosidade [mesmo havendo questões de inoficiosidade, a questão pode ser resolvida, como aponta a doutrina, mediante a imputação subsidiária da deixa inoficiosa na legítima do obrigado à redução, com o que se obtém um resultado prático equivalente ao da redução], o beneficiário terá direito, para além do legado, à sua legítima e ao seu quinhão na quota disponível (caso esta se encontre vaga) […]” (anotação citada de Soares do Nascimento, págs. 34/35). No caso, a filha herdeira legatária, vai receber a totalidade da quota disponível (porque o valor do legado a excede) e a sua legítima (preenchida por parte daquele excesso). O resto do excesso iria ofender a legítima objectiva, isto é, a parte da legítima dos seus irmãos, tendo portanto que ficar reduzida ao valor da soma referida. Teve que se fazer este excurso todo, nesta parte, devido à posição assumida pelo recorrente nas suas alegações e no requerimento em que sugeria a forma à partilha. Ele aqui diz que “a legítima divide-se por quatro, número dos herdeiros, sendo o quociente a quota de cada um, cônjuge e filhos (art. 2139.º-1), descontando à filha ML (…) o excesso do legado já imputado na legítima”. E isto tem reflexos nas contas finais pois que, ali, ele faz referência que o quinhão final de cada herdeiro não legatário será de 38.762€, mas, como se verá já abaixo, o valor correcto é de 36.916,67€. Mas a posição do recorrente não tem suporte legal. O excesso do legado é imputado, na medida do possível, na legítima da filha herdeira legatária e não, como quer o recorrente, “descontando à filha [legatária] o excesso do legado já imputado na legítima”…. * Assim: o marido tem direito a 66.450€ (meação) + 11.075€ (quinhão hereditário) = 77.525€. Os 2 filhos não legatários recebem 11.075€ cada um. A filha legatária recebe 22.150€ (do legado) + 11.075€ (do quinhão hereditário) = 33.225€. * Note-se que no despacho determinativo à partilha não se está a proceder ao preenchimento do que cabe a cada um dos interessados, mas sim ao cálculo em abstracto do respectivo valor. Por isso, não tem qualquer relevância, aqui, o facto de a filha legatária ter direito a exigir o bem em espécie. * A herança do marido, inventariado, que é assim de 77.525€, divide-se em 3 partes iguais, por tantos serem os seus herdeiros (arts. 2157 e 2139, ambos do CC), recebendo cada um deles 25.841,667€. * Das duas heranças, cada um dos 2 filhos não legatários recebe 11.075€ + 25.841,67€ = 36.916,67€. A filha legatária recebe: 22.150€ + 11.075€ + 25.841,66€ = 59.066,66€. * O filho (…) recebeu bens no valor de 30.833,33€. Tem a receber tornas no valor de 6.083,34€. A filha (…) recebeu bens no valor de 30.833,33€. Tem a receber tornas no valor de 6.083,34€. A filha (…) recebeu bens no valor de 71.233,34€. Tem a pagar tornas de 12.166,68€. * Sumário: se cada um de dois cônjuges tiver feito testamento em que legou, ao mesmo filho, o mesmo bem comum com o consentimento do outro cônjuge, por conta da quota disponível com o excesso a imputar na legítima, tal só deve operar relativamente ao testamento do cônjuge que primeiro falecer, porque a partir daí o segundo testamento fica ineficaz. * Pelo exposto, e embora por fundamentos não inteiramente coincidentes, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se o despacho determinativo da partilha (o que implica, por arrastamento, a anulação dos subsequentes termos, incluindo da sentença de partilha), substituindo-se o mesmo por outro que imputa a totalidade da coisa legada na herança da inventariada, primeiro na quota disponível e depois na legítima da legatária, nos termos concretizados acima. Custas pelo herdeiro recorrente e pela legatária, na proporção do decaimento.
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