Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
729/11.8TACBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: PROIBIÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE GREVISTAS
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
ASSOCIAÇÃO SINDICAL
ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 02/26/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 535.º, N.º 1 E 543.º, DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I - O bem jurídico protegido no tipo de crime dos artigos 535.º, n.º 1, e 543.º, ambos do Código do Trabalho (proibição de substituição de grevistas), é a autonomia e independência sindical.

II - A legitimidade dos sindicatos, enquanto estruturas representativas dos trabalhadores, estende-se quer à defesa dos interesses colectivos que representam, quer à defesa colectiva dos interesses individuais dos representados.

II - Assim, por referência ao crime de substituição de grevistas, tem legitimidade para se constituir assistente no processo respectivo a associação sindical representativa dos trabalhadores cujos direitos se mostrem afectados.

Decisão Texto Integral: Recurso e processo n.º  729/11. 8TACBR-A.C1  


Em conferência na 2.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
1 - No Tribunal de Instrução criminal de Coimbra, no processo acima referido, por despacho judicial de fls. 24, o Mmo juiz indeferiu a constituição como assistente do Sindicato A....

       2 - Inconformado, vem o dito Sindicato interpor recurso, concluindo assim a motivação:
A questão colocada à apreciação deste Tribunal consiste em saber se, decorrente do crime previsto no art. 535.º, n.º 1 do CTrabalho, relativo à proibição de substituição de grevistas, assiste legitimidade ao ora recorrente Sindicato A... (SNTCT), para se constituir como assistente no processo supra identificado.
E isto, porquanto, a senhora juíza a quo entendeu que o Sindicato ora recorrente carecia de legitimidade para se constituir assistente no caso dos autos.
Acontece que, das disposições conjugadas do n.º 1 do art. 531.º e n.º 1 do art. 532.º do CTrabalho, compete ao ora recorrente não só declarar a greve, mas também representar os trabalhadores grevistas durante a greve. Do mesmo passo, a defesa dos interesses coletivos dos trabalhadores mostra-se conferida aos sindicatos pela norma do n.º 1 do art. 56.º da CRP.
Donde se torna manifesto que a defesa dos direitos violados dos trabalhadores, em resultado da imputada violação da proibição da substituição de grevistas, efectuada pelos arguidos, é da exclusiva competência dos sindicatos, in casu, do ora recorrente. Que é, indiscutivelmente, o titular dos interesses que a norma incriminadora do art. 543.º do CT visa proteger, condição essencial para determinar a legitimidade para a constituição de assistente.
Pelo que, o recorrente tem legitimidade para se constituir assistente, por força da al. a) do n.º 1 do art. 68.º do CódProcPenal, como, oportunamente, requereu.

3 - Nesta Relação, o Exmo PGA emitiu douto parecer em que se pronuncia pela procedência do recurso. 

4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.
                                                                                                                                   
5- O despacho recorrido diz, no essencial, o seguinte:
«0 Sindicato A... veio requerer a sua constituição coma assistente. Em causa nos autos está o crime do artigo 535°,n.º 1 do CTrabalho - Proibição de substituição de grevistas.
Ora, não se pode afirmar que tal norma queira proteger o referido Sindicato, mas sim os trabalhadores.
A ser assim, a situação não cai no artigo 68.º do Código de Processo Penal. Por outro lado, também não existe norma especial a conferir legitimidade ao dito Sindicato para a constituição de assistente pretendida.
0 Sindicato foi o denunciante e os autos prosseguiram porque o crime em questão é público.
Pelo que fica dito, por falta de legitimidade, não se admite o SindicatoAY... a intervir nos autos como assistente (...)».
Prescreve o art. 530.º do Código do Trabalho: «Direito à greve: 1 - A greve constitui, nos termos da Constituição, um direito dos trabalhadores. 2 – Compete aos trabalhadores definir o âmbito de interesses a defender através da greve (...)».
O art. 531.º do mesmo diploma estatui: «Competência para declarar a greve: 1 – O recurso à greve é decidido por associações sindicais. 2 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, a assembleia de trabalhadores da empresa pode deliberar o recurso à greve desde que a maioria dos trabalhadores não esteja representada por associações sindicais, a assembleia seja convocada para o efeito por 20 % ou 200 trabalhadores, a maioria dos trabalhadores participe na votação e a deliberação seja aprovada por voto secreto pela maioria dos votantes.
E o art. 532.º refere: «Representação dos trabalhadores em greve : 1 – Os trabalhadores em greve são representados pela associação ou associações sindicais que decidiram o recurso à greve ou, no caso referido no n.º 2 do artigo anterior, por uma comissão de greve, eleita pela mesma assembleia 2 – As entidades referidas no número anterior podem delegar os seus poderes de representação.
Por sua vez, diz o art. 535.º : «Proibição de substituição de grevistas: 1 – O empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço nem pode, desde essa data, admitir trabalhadores para aquele fim. 2 – A tarefa a cargo de trabalhador em greve não pode, durante esta, ser realizada por empresa contratada para esse fim, salvo em caso de incumprimento dos serviços mínimos necessários à satisfação das necessidades sociais impreteríveis ou à segurança e manutenção de equipamento e instalações e na estrita medida necessária à prestação desses serviços. 3 – Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos números anteriores».
Finalmente, o art. 543.º do mesmo CT dispõe: «Responsabilidade penal em matéria de greve: A violação do disposto no n.º 1 ou 2 do artigo 535.º ou no n.º 1 do artigo 540.º é punida com pena de multa até 120 dias».
Já o n.º 1-a) do artigo 68.º do CódProcPenal, estabelece que podem constituir-se assistentes no processo penal «os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”.
      Escreve Figueiredo Dias (Direito
Processual Penal, Coimbra, 1984, p. 505) que é ofendido « a pessoa que, segundo o critério que  se retira do tipo preenchido pela conduta criminosa, detém a titularidade do interesse jurídico-penal por aquela violado ou posto em perigo»,
Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, Lisboa, 2000, p. 264) refere que não é ofendido qualquer pessoa prejudicada com o crime; ofendido é «somente o titular do interesse que constitui objecto da tutela imediata pela incriminação do comportamento que o afecta».
O interesse jurídico mediato é sempre o interesse público, o imediato é que pode ter por titular um particular. E caso a incriminação proteja uma pluralidade de bens jurídicos, é sempre necessário para constituição como assistente que a ofensa ponha em causa um dos bens jurídicos que a incriminação pretende salvaguardar (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Lisboa, 1993, pp. 668 e 669 ; Acs do STJ nº 1/2003, in DR, 1.ª série, de 2003.01.27 e nº 8/2006, in DR 1.ª série, de 2006.11.28 ).
De essencial daqueles normativos do Código de Trabalho acima referidos ressalta que (1) a competência para declarar a greve é fundamentalmente atribuída às associações sindicais, (2) os trabalhadores em greve são representados pela associação ou associações sindicais que decidiram o recurso à greve, que podem delegar os seus poderes de representação e (3) o empregador não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que, à data do aviso prévio, não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço nem pode, desde essa data, admitir trabalhadores para aquele fim.
Claramente se vê que o bem jurídico protegido naquelas normas é a autonomia e independência sindical, assim se assegurando o exercício do direito de representação que cabe às estruturas de trabalhadores, e por isso a legitimidade dos sindicatos se estende, quer à defesa dos interesses colectivos que representam, quer à defesa colectiva dos interesses individuais dos trabalhadores – Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol I, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 742.
A mesma filosofia emerge, de resto, do dispositivo do art. 5.º do Código de Processo do Trabalho actualmente em vigor:
«Legitimidade de estruturas de representação colectiva dos trabalhadores e de associações de empregadores:
1 - As associações sindicais e de empregadores são partes legítimas como autoras nas acções relativas a direitos respeitantes aos interesses colectivos que representam.
2 - As associações sindicais podem exercer, ainda, o direito de acção, em representação e substituição de trabalhadores que o autorizem: a) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra trabalhadores que pertençam aos corpos gerentes da associação sindical ou nesta exerçam qualquer cargo; b) Nas acções respeitantes a medidas tomadas pelo empregador contra os seus associados que sejam representantes eleitos dos trabalhadores; c) Nas acções respeitantes à violação, com carácter de generalidade, de direitos individuais de idêntica natureza de trabalhadores seus associados.
3 - Para efeito do número anterior, presume-se a autorização do trabalhador a quem a associação sindical tenha comunicado por escrito a intenção de exercer o direito de acção em sua representação e substituição, com indicação do respectivo objecto, se o trabalhador nada declarar em contrário, por escrito, no prazo de 15 dias.
4 - Verificando-se o exercício do direito de acção nos termos do n.º 2, o trabalhador só pode intervir no processo como assistente.
5 - Nas acções em que estejam em causa interesses individuais dos trabalhadores ou dos empregadores, as respectivas associações podem intervir como assistentes dos seus associados, desde que exista da parte dos interessados declaração escrita de aceitação da intervenção.
6 - As estruturas de representação colectiva dos trabalhadores são parte legítima como autor nas acções em que estejam em causa a qualificação de informações como confidenciais ou a recusa de prestação de informação ou de realização de consultas por parte do empregador».
Portanto, a legitimidade para a constituição como assistente do ora recorrente advém da própria lei geral, substantiva e processual, pelo que o recurso é procedente no mesmo sentido, em caso semelhante, o Ac RL, n.º 774/09.3TDLSB.L1-3, de 7-7-2010). 
 
6- Pelo exposto:
- Concede-se provimento ao recurso, devendo ser proferido despacho que admita o recorrente como assistente.

Sem custas.
                                                                              
Coimbra, 26 de Fevereiro de 2014


 (Paulo Valério - Relator)


 (Frederico Cebola)