Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
474/08.1TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: PROPRIEDADE
PEDIDO IMPLÍCITO
EXCESSO DE PRONÚNCIA
INDEMNIZAÇÃO
PRIVAÇÃO DO USO
CUSTAS
FUNDAMENTAÇÃO
ANÁLISE CRÍTICA DA PROVA
RECURSO
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - INST. CENTRAL - SECÇÃO CÍVEL - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.217, 496, 563 CC, 527, 615, 640 CPC
Sumário: 1 - Argumentado os autores e os réus que certa faixa de terreno pertence ao seu prédio, o pedido de declaração da sua propriedade, omitido por estes, pode ter-se por implícito.
E provando os autores a propriedade da faixa, mas apurando-se, vg., por confissão sua, que sempre permitiram que os réus por ela acedessem a um prédio destes, pode o tribunal, na decisão, e sem o vício “ultra petitum”, fazer referencia a tal limitação do seu direito de propriedade.

2. - A indemnização pela privação do uso pela ocupação de prédio rústico, não decorre automaticamente desta, sendo ainda exigível a prova de que ela impossibilitou ou limitou a sua fruição do que decorreram prejuízos juridicamente atendíveis.

3.- - O simples apuramento de que «Em altura exacta não apurada, os Réus colocaram tubos, tijolos e madeiras cobertas com plástico na faixa de terreno em referência.», não cumpre tal ónus probatório, máxime se esta faixa é, apenas ou essencialmente, usada como local de passagem, e os autores não provaram que ficaram impedidos de, assim, a utilizar.

4 - Não sendo possível, por virtude da não quantificação do pedido, a repartição das custas por critérios matemáticos, ela pode ser operada pelo juiz equitativamente e devendo ser acatada, salvo erro que se situe para além da margem de álea admissível.

5- Não encerra este erro a decisão de repartição das custas em 1/5 para os autores e 4/5 para os réus, se estes sucumbiram em 5 de 6 vertentes do pedido global, mas a vertente em que aqueles soçobraram é pedido de indemnização cujo valor nem sequer quantificaram, e, assim, não se sabendo a sua importância por reporte às restantes, aliás, outrossim, não mensuradas.

6 - A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto basta-se com a indicação dos fundamentos probatórios e da sua análise critica que, objetivamente, permitam controlar a razoabilidade das respostas dadas, não sendo necessária uma escalpelização/dissecação minuciosas de tais fundamentos.

7 - Se o recorrente da decisão sobre a matéria de facto se limita a dizer que a decisão devia ser diversa com base nos depoimentos de certas testemunhas, sem minimamente escalpelizar criticamente o seu teor e sem operar a sua comparação com outros meios probatórios produzidos e considerados na decisão, esta sua pretensão recursiva deve ser liminarmente rejeitada – artº 640º nº1 al. b) e nº2 al. a) do CPC.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

MD (…) e mulher MB (…),  intentaram e, subsequentemente, S (…) e C (…), habilitadas como herdeiras daquele, entretanto falecido, continuaram a tramitar, contra J (…) e mulher M (…), a presente ação declarativa, de condenação, com processo ordinário.

 Pediram:

 Se condenem os RR. a:

1. Reconhecerem que os AA. são donos e legítimos possuidores do prédio identificado no artº 1º da petição inicial;

2. Reconhecerem que do mesmo prédio faz parte integrante a faixa de terreno descrita nos pontos 20º a 29º da mesma petição;

3. Reconhecerem que a linha divisória entre o segundo prédio dos AA. e o prédio dos RR., situado a nascente é definida e estabelecida conforme alegado nos artºs 25º a 29º do dito articulado;

4. Removerem imediatamente os objetos por si colocados no prédio, concretamente na faixa de terreno e alegados em 41º e a recolocarem os marcos nos pontos versados sob os pontos 25º, 27º e 28º;

5. Absterem-se definitivamente de invadir, ocupar, limitar, restringir ou perturbar o livre exercício do direito de propriedade dos AA. sobre o prédio e a faixa mencionada;

6. Nos danos que se vierem a liquidar em execução de sentença, acrescentar os juros até integral pagamento.

Para tanto, alegaram:

São donos de um prédio que descrevem, tendo adquirido o rústico por partilhas e levado a cabo a construção do urbano nele implantado.

Sobre o qual, por si e ante proprietários, praticam atos há tempo e com características tais que levaram à respetiva aquisição pela via originária da usucapião.

Desse prédio faz parte uma faixa de terreno que identificam, reservada a passagem para o próprio prédio dos AA., mas também para prédios de terceiros existentes na retaguarda, a qual confina desse lado com um prédio dos RR.

Os RR. a partir de determinada altura, sem nada que o fizesse prever, passaram a divulgar que essa faixa pertence ao seu imóvel e não ao dos AA., baseando-se para tal na análise das descrições matriciais de ambos os imóveis e na mesma faixa passaram a depositar objetos e materiais contra a vontade dos AA., sabendo que a mesma não lhe pertence.

E assim causando danos aos AA., que limitam no livre uso da faixa que lhes pertence, os quais, existindo já, ainda não podem ser determinados em toda a sua extensão, posto que não terminou, ainda a conduta que os gera.

Contestaram os RR.

Alegaram que não é verdade que essa faixa integre o prédio dos AA., pois que, na realidade,  integra antes o prédio, deles, RR.

Pediram:

 A improcedência da ação e a condenação dos autores como litigantes de má fé.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual, em sede de dispositivo se plasmou:

«Face ao exposto, julgando a ação parcialmente procedente, decide o Tribunal:

1. Condenar os RR.:

a) A reconhecerem que os AA. são donos e legítimos possuidores do conjunto predial formado pelos prédios descritos em 3., 5. e 7. dos factos provados, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.

b) A reconhecerem que do mesmo faz parte integrante a faixa de terreno descrita em 26. e 27. dos mesmos factos provados.

c) A reconhecerem que a linha divisória entre o segundo prédio dos AA. e o seu prédio, situado a nascente é definida e estabelecida conforme referido em 30., 32. e 33. dos mesmos factos provados.

d) A removerem imediatamente os objectos por si colocados no prédio, concretamente na faixa de terreno e mencionados em 42. dos factos provados, bem a recolocar os marcos referidos em c);

e) A absterem-se definitivamente de invadir, ocupar, limitar, restringir ou perturbar o livre exercício do direito de propriedade dos AA. sobre o prédio e a faixa mencionada, a não para aceder ao prédio existente a sul, que actualmente lhes pertence, enquanto se mantiver o seu direito sobre esse prédio e dentro dos limites em que o correspondente direito se tenha radicado na respectiva esfera jurídica.

2. Absolver os RR. de tudo o que, de mais, havia sido peticionado.

3. Condenar AA. e RR., nas custas do processo, na proporção de 1/5 para aqueles e 4/5 para estes.

3.

Inconformados recorreram ambas as partes.

3.1.

Conclusões dos autores:

(…)

3.2.

Conclusões, sintetizadas, dos réus:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC – da qual o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

Do recurso dos autores:

1ª – Nulidade da sentença por excesso de pronuncia na 2ª parte da al. e) do decisório.

2ª – Procedência do pedido de indemnização formulado pelos autores.

3ª – Condenação  em custas das partes na proporção de 1/10 para os autores e 9/10 para os réus.

Do recurso dos réus:

4ª – Inexistência de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.

5ª – Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

6ª – Improcedência da ação.

5.

Para apreciação do recurso dos autores, e visto que estes não colocam em crise os factos dados como provados na 1ª instância, as suas pretensões têm de ser aferidas em função dos mesmos, os quais são os seguintes:

1. No dia 2 de Setembro de 1997, no Cartório Notarial de Pombal, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 35 a 36, com o título “Habilitação”, da qual consta, designadamente, que “no dia vinte e seis de Setembro de mil novecentos e oitenta e seis (…), faleceu M (…), casado com (…)”, “que o falecido não fez testamento ou qualquer disposição de última vontade e deixou como únicos herdeiros: sua mulher a referida (…) (…) e seus filhos”, sendo um deles o ora Autor MD (…).

2. No dia 27 de Julho de 2001, no Segundo Cartório Notarial de Leiria, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 29 a 32, com o título “Partilha”, da qual consta, designadamente, que “para partilha dos imóveis pertencentes ao dissolvido casal do falecido” M (…), “os referidos quinhões vão ficar assim preenchidos: (…) Ao segundo outorgante…”, o Autor MD (…)

“…são adjudicadas as verbas Um e Dois” do documento complementar de fls. 33 e 34, correspondentes a: .“Terra de cultura, sita em (...) ; com a área de oitocentos metros quadrados; a confrontar do norte com Estrada Nacional, de sul com JS (...) , de nascente com MMD (...) e de poente com BF (...) . Inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo número 30085, com o valor patrimonial de 1.512$00”; .e “Terra de cultura, sita em (...) ; com a área de novecentos e trinta metros quadrados; a confrontar do norte com Estrada Nacional, de sul com JS (...) , de nascente com serventia e de poente com RP(...) . Inscrito na matriz predial rústica, sob o artigo número 30086, com o valor patrimonial de 1.739$00”.

3. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 09940/011221, um prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , composto por terra de cultura, com a área de 800 m2, a confrontar do norte com Estrada Nacional, do nascente com MMD (...) , do sul com JS (...) e do poente com BF (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 30085.º.

4. A aquisição do prédio aludido em 3. encontra-se registada a favor dos Autores MD (…) e MB (…), pela inscrição G-1 e mediante a respectiva apresentação n.º 09/011221, por “partilha” por óbito de M (…)

5. Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Pombal, sob o n.º 09941/011221, um prédio rústico sito em (...) , freguesia de (...) , composto por terra de cultura, com a área de 930 m2, a confrontar do norte com Estrada Nacional, do nascente com serventia, do sul com JS (...) e do poente com BF (...) , inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 30086.º.

6. A aquisição do prédio aludido em 5. encontra-se igualmente registada a favor dos Autores, pela inscrição G-1 e mediante a respectiva apresentação n.º 09/011221, por “partilha” por óbito de M (…)

7. Encontra-se inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 4038.º, a favor do Autor MD (…), uma casa de habitação composta de rés-do-chão e primeiro andar, sita em Outeiro do (...) , freguesia do (...) , com superfície coberta de 270 m2, construída em tijolo e coberta com telha, com rés-do-chão amplo e 1.º andar com 8 divisões, a confrontar do norte com Estrada, do sul, nascente e poente com o Autor.

8. Durante o período de 10, 20, 30, 40 e mais anos, M (…) e C (…) sempre cavaram, estrumaram, semearam, plantaram, sacharam, regaram e colheram produtos hortícolas, leguminosas, tubérculos e cereais dos prédios identificados em 3. e 5..

9. Dia após dia, à luz do dia e à vista da generalidade das pessoas, em particular dos donos dos prédios vizinhos.

10. Sem qualquer interrupção temporal, sem intromissão ou oposição de ninguém, sem violência em relação às pessoas e às coisas, certos de que com essa prática não lesavam outrem e sempre com o propósito de agirem como seus únicos e plenos donos.

11. Quanto à casa de habitação identificada em 7., foram os Autores que idealizaram, conceberam, projectaram e fizeram aprovar o respectivo projecto, compraram os materiais e custearam a mão-de-obra, procedendo à sua edificação.

12. Os Autores construíram a casa de habitação, onde passaram a morar com os seus descendentes, em parte dos terrenos identificados em 3. e 5..

13. Tendo ali os seus móveis, demais pertences, tendo requerido a respectiva inscrição matricial e procedido ao pagamento dos impostos devidos.

14. Sempre que necessário, confeccionam e tomam na referida casa de habitação as suas refeições, passam os seus momentos de lazer, recebem familiares e amigos.

15. Tudo sempre de forma contínua, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, convictos de que não lesavam outrem e em nome próprio.

16. Os Autores, do seu lado, construíram um muro na parte frontal e lateral esquerda da habitação e, após esta, um muro em todo o redor.

17. O chão da faixa de terreno em questão revela-se em terra calcada, endurecida e coteada pelas sucessivas passagens, bem como com marcas dos rodados.

18. A inscrição matricial da casa de habitação descrita em 7.foi efectuada em 1982.

19. No dia 3 de Dezembro de 1979, no Cartório Notarial de Pombal, foi outorgada a escritura a que se reporta o documento de fls. 75 a 79, com o título “Compra e venda”, da qual consta, designadamente, que os primeiros outorgantes J (…) e mulher, L (…), “vendem ao segundo…”, o Réu J (…), que declarou aceitar, “…pelo preço total de seiscentos e nove mil escudos que já receberam, os seguintes prédios, ambos situados na freguesia do Carriço, deste concelho: Número um: Terra de cultura nas (...) , a confrontar do norte com estrada nacional, do nascente com JM (...) , do sul com JS (...) e do poente com MMD (...) , inscrito na matriz rústica da antiga freguesia do (...) sob o artigo trinta mil e oitenta e sete (…), que vendem por trezentos mil escudos; E Número dois: Terra de cultura nas (...) , a confrontar do norte com estrada nacional, do nascente com JMB (...) , do sul com JS (...) e do poente com JM (...) , inscrito na dita matriz sob o artigo trinta mil e oitenta e oito (…), que vendem por trezentos e nove mil escudos”.

20. Encontra-se inscrita na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 30087.º, a favor do Réu J (…), uma terra de cultura sita em (...) , freguesia do (...) , com 0,193000 ha, a confrontar do norte com Estrada Nacional, do sul com JS (...) , do nascente com RG(...) e do poente com MMD (...) .

21. Encontra-se inscrita na respectiva matriz predial rústica sob o artigo 30088.º, a favor do Réu J (…) uma terra de cultura sita em (...) , freguesia do (...) , com 0,253000 ha, a confrontar do norte com Estrada Nacional, do sul com JS (...) , do nascente com JMB (...) e do poente com JM (...) .

22. Encontra-se inscrita na respectiva matriz predial urbana sob o artigo 4052.º, a favor do Réu J (…), uma casa de habitação de cave e rés-do-chão, sita em (...) , freguesia do (...) , construída em tijolo e coberta a telha, tendo a cave ampla e o rés-do-chão 6 divisões, com águas furtadas amplas, com superfície coberta de 168 m2, a confrontar do norte com Estrada, do sul com MSC(...) , do nascente com MB(...) e do poente com MD(...) .

23. O projecto da casa de habitação dos Réus foi aprovado a 30 de Abril de 1981.

24. O conjunto composto pela casa de habitação e pelos prédios referidos em 7., 3. e 5. confronta a nascente com os Réus J (...) e M (...) e a sul com JS (...) .

25. A casa de habitação dos Autores MD (…) e MB (…) foi construída no ano de 1978.

26. Do conjunto dos prédios referidos em 3. e 5. faz parte uma faixa de terreno que confronta do norte com Estrada Nacional, do sul com JS (...) , do nascente com os Réus (anteriormente com JM (...) e LM (...) ) e do poente com os próprios Autores.

27. Essa faixa é plana, com a largura aproximada de 2,60 metros e com uma extensão de 95,50 metros de comprimento.

28. Sempre foi afecta ao acesso dos Autores e antes dos seus ascendentes, para os próprios prédios, como para os donos dos prédios situados a sul, um dos quais, actualmente é propriedade dos RR..

29. Indo da própria Estrada Nacional até aos vários pontos dos prédios e destes à via pública.

30. Em tempos, tal faixa estava delimitada junto à estrada por um marco constituído por uma pedra, em parte cravada no solo e a parte saliente com manilha na valeta, esta por forma a se poder entrar, passar e aceder ao interior do prédio.

31. Tanto a pé como com veículos de tracção animal e, posteriormente, com tractores e veículos.

32. Do lado dos Réus, sensivelmente a meio, existia um outro marco (um segundo marco), em pedra cravada no solo e com parte saliente.

33. Em tempos, ao fundo, ou seja, no lado sul, existia um terceiro marco constituído por várias pedras colocadas todas juntas, no solo.

34. A linha divisória entre os prédios identificados em 3., 5. e 7. e o de José e LM (...) (antigos donos do prédio contíguo, situado a nascente) era tirada pelos aludidos marcos, ou seja, do 1.º para o 2.º e deste para o 3.º e vice-versa.

35. Os Réus, após terem adquirido esse prédio contíguo, plantaram videiras em latada ou corrimão a seguir à dita linha divisória.

36. Posteriormente, retiraram-na e no mesmo sítio construíram, em parte, um muro de vedação e um barracão.

37. Respeitando sempre os marcos até que eles se encontraram no local, deixando-os livres e desimpedidos.

38. Os Autores sempre limparam e cuidaram da faixa de terreno, como acesso à caixa do correio e ao contador de água da rede pública, até ao portão de acesso do pátio da habitação.

39. E à própria escada exterior desde o rés-do-chão ao primeiro andar.

40. Bem assim para limpeza, manutenção, conservação do muro e para a apanha dos frutos das árvores, cujas ramadas propendem para aquela faixa de terreno.

41. Os marcos desapareceram.

42. Em altura exacta não apurada, os Réus colocaram tubos, tijolos e madeiras cobertas com plástico na faixa de terreno em referência.

43. No projecto para a construção da casa dos Autores, não foi abrangida a dita faixa de terreno, faixa essa que foi assinalada a nascente, mas deixada fora da área de implantação, propriamente dita.

44. Em data exacta não apurada, nos prédios identificados em 15. e 16., os Réus iniciaram as obras de construção da casa de habitação referida em 17., em redor da qual ajardinaram uma faixa.

45. Em altura exacta não apurada construíram um muro junto à casa, deixando totalmente livre a passagem.

46. Em altura exacta não apurada edificaram um barracão para arrumos cuja parede do lado poente dista cerca de 0,5 metros relativamente ao limite da faixa de terreno.

47. Alguns dos prédios existentes a sul dos supra mencionados não têm acesso à via pública sendo a passagem para alguns deles, feita pela faixa de terreno mencionada.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

6.1.1.

O segmento normativo ínsito na al. d) do artº 615º do CPC  conexiona-se com o estatuído nos arts. 152º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º.

 Há decisão “ultra petitum” sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido “ex officio”, questão não submetida à sua apreciação.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464

Por outro lado e como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

Tal como, de igual sorte, é, em princípio, inócua, qualquer observação ou comentário produzidos pelo juiz, mesmo que não diretamente relacionada com o thema decidendum gizado pelas partes em função dos pedidos nela formulados, ou a seu propósito, desde que tais comentários não sejam corporizados ilegalmente, ie. fora de tal thema, a final, em sede de dispositivo.

6.1.2.

Urge ainda uma palavra para a problemática do pedido tácito ou implícito.

Na verdade, tal como uma declaração negocial, também uma decisão ou um articulado da parte devem ser devidamente analisados e interpretados de sorte a que deles se retire o seu  real e verdadeiro fundamento, sentido e fito.

Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica alcançar o real e essencial pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt.

Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para o alcançar, máxime se aquele verdadeiro fundamento e finalidade se indiciarem tácitos ou implícitos.

Ora: «A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que ‘com toda a probabilidade a revelem» -artigo 217.º, n.º 1 do CC.

Assim: «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, no sentido de auto regulamento tacitamente expresso, seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade …A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico. Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial.

 Já a autorização ou aceitação implícita não tem de se inferir de factos por inequivocamente se conter na declaração integrando-se na vontade que esta exprime» - Ac. do STJ de  01.07.2008, p. 08A1920 in dgsi.pt, citando Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 425.

Nesta conformidade tem sido entendido que, por ex., na ação de reivindicação, quando o autor pede e vê reconhecido o seu direito de propriedade, tem direito à restituição da coisa, mesmo que não tenha expressamente formulado tal pedido – cfr. Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712.

E demonstrada a propriedade – cujo pedido de reconhecimento pode ser implícito – a restituição só pode ser recusada excepcionalmente e apenas nos casos previstos na lei, assumindo-se pois a entrega/restituição como consequência da constatação daquele direito, por o direito de reivindicar ser uma manifestação da sequela – artº 1311º nº2 do CC e Acs. do STJ de  13.07.2010 e de 08.02.2011, dgsi.pt, p. 122/05.1TBPNC.C1.S1 e 12/09 9T2STC.E1.S1.

A aceitação do pedido tácito ou implícito verifica-se outrossim no âmbito de outras figuras ou institutos jurídicos.

Como, vg., no direito de preferência.

Na verdade: «Pedindo o preferente que,…lhe fosse reconhecido o direito de preferência nos prédios em questão, com as legais consequências, nestas se podem integrar a substituição do adquirente pelo preferente, a entrega do preço e da sisa, o direito do adquirente revelar o que gastou - escritura e registo e o anulamento do registo efectuado pelo adquirente, embora o pedido dos preferentes devesse ter sido mais concreto e alargado, apesar de nas acções constitutivas não haver pedido de condenação.»  - Ac. do STJ de  s. 004.10.1994, p. 085781.

E na impugnação de escritura de justificação notarial.

Efetivamente: «Requerida e concedida a nulidade da escritura de justificação notarial para aquisição por usucapião, não está quedo ao tribunal ordenar o cancelamento, no registo predial, da inscrição da propriedade a favor dos Réus, lavrada com base em tal escritura, mesmo que este cancelamento não tenha sido peticionado, expressis verbis, pelo autor» - Ac. da RL de  05.06.2007, p. 2109/2007, de que o presente também foi relator.

Esta tese jurisprudencial veio a ganhar consagração legal.

Pois que enquanto o artº 8º nº2 do CRP, na redação anterior  ao DL n.º 116/2008, de 04/07 estatuía que:

 1 - Os factos comprovados pelo registo não podem ser impugnados em juízo sem que simultaneamente seja pedido o cancelamento do registo.

2 - Não terão seguimento, após os articulados, as acções em que não seja formulado o pedido de cancelamento previsto no número anterior.

Já a sua atual redação introduzida por tal DL estipula:

1 - A impugnação judicial de factos registados faz presumir o pedido de cancelamento do respetivo registo.

6.1.3.

No caso vertente o objeto da ação ficou delimitado apenas pelo pedido complexo formulado pelos autores, nas várias vertentes supra referidas.

Isto porque os réus se limitaram a impugnar a pretensão dos demandantes, alegando que a faixa em causa não integra o prédio destes mas antes faz parte do seu prédio.

E não deduzindo qualquer pedido reconvencional.

O que, lógica e consequentemente com os fundamentos antes aduzidos, deveriam ter efetivado.

Porém, e subsumindo o caso na referida problemática do pedido tácito ou implícito, seria admissível que, em caso de prova da propriedade da faixa por banda dos réus, o tribunal emitisse a consequente e lógica declaração de propriedade da mesma em seu favor.

Pois que, apesar de os réus não terem, adrede, impetrado a emissão de tal declaração jurisdicional, ao tribunal não estava, em função do alegado pelos réus, inelutavelmente vedado o poder/dever de a proferir, caso os factos constitutivos de tal direito se tivessem apurado.

Mas como se não provaram o problema nem sequer se coloca.

Serve porém, este arrazoado para se concluir pela sem razão dos autores neste seu pedido concreto.

 Pois que, desde logo e em primeiro lugar, as observações do tribunal e as consequências dimanantes da final observação plasmada na 2ª parte da al. e) da decisão final, representam um minus relativamente à possibilidade de o tribunal condenar na base de um pedido  implícito nos termos supra mencionados.

Acresce, e em segundo lugar, que, versus o pugnado pelos recorrentes, a asserção vertida pelo tribunal no corpo da sentença, a saber: «Na realidade, como se conclui dos factos provados, a dita faixa de terreno é reservada a passagem, não só para o prédio dos próprios AA. como para outros prédios existentes a sul, um dos quais, actualmente pertence aos próprios RR. os quais, obviamente, em quanto proprietários desse mesmo prédio, poderão continuar a usar a faixa de terreno em referência, para a ele aceder, dentro dos limites em que o correspondente direito se tenha radicado na respectiva esfera jurídica, não obstante o declarado direito dos  AA., que terão que ser condenados a respeitar em tudo o demais, não obstante este tenha que se ter por comprimido, nessa parte.», não é peregrina e infundamentada.

Antes colhendo, na sua essencialidade relevante, respaldo nos factos apurados  - e contra os quais os réus não se insurgem -, quais sejam, os apurados nos seguintes pontos:

27. Essa faixa é plana, com a largura aproximada de 2,60 metros e com uma extensão de 95,50 metros de comprimento.

28. Sempre foi afecta ao acesso dos Autores e antes dos seus ascendentes, para os próprios prédios, como para os donos dos prédios situados a sul, um dos quais, actualmente é propriedade dos RR..

29. Indo da própria Estrada Nacional até aos vários pontos dos prédios e destes à via pública.

30. … por forma a se poder entrar, passar e aceder ao interior do prédio.

31. Tanto a pé como com veículos de tracção animal e, posteriormente, com tractores e veículos.

17. O chão da faixa de terreno em questão revela-se em terra calcada, endurecida e coteada pelas sucessivas passagens, bem como com marcas dos rodados.

Em terceiro lugar, e bem vistas e interpretadas as coisas,  a asserção vertida na 2ª parte da al. e) do decisório, não se consubstancia como uma condenação  - ou, ao menos, não tanto uma condenação -, dos autores, mas apenas como uma observação condicionante, como uma limitação, do seu direito, tendencialmente pleno, de propriedade sobre a faixa de terreno.

Em quarto lugar, tal observação alcança-se como a natural decorrência dos factos apurados supra referidos, e que o foram com base na própria confissão dos autores, os quais, no seu artº 23º da pi, admitiram que, desde sempre, tanto eles como os seus ascendentes permitiram aos proprietários dos prédios situados a sul a passagem pela faixa em causa.

Pois que, tendo em consideração as pretensões das partes, e perante os factos apurados, é evidente que os réus, ao menos, se acharão com o direito de continuarem a usar a faixa para acederam ao seu prédio, na sequência do que já vem acontecendo com a permissão dos autores, pois que, pelos vistos, o seu prédio a sul está encravado, sendo ela o único caminho para a ele aceder, ou o que menos incómodos causará.

Em quinto lugar, apreciando as fotografias constantes no processo e os factos supra referidos, alcança-se que a faixa está perfeitamente delimitada por muros, pelo menos em parte da sua extensão, tem a terra calcada, o que demonstra um uso intensivo, etc.

 Do que tudo ressuma que, independentemente da sua propriedade, o que os interessados, incluindo os autores, essencialmente, perspetivam no uso e frutificação do terreno, é a passagem e o acessamento através dela para os respetivos prédios.

E sempre assim tendo sido, segundo a versão dos autores, não é admissível, em função das regras da boa fé, que, no futuro, salvo circunstancias excecionais, deixe de o ser.

Assim, e em conclusão, verifica-se que a observação plasmada no segmento decisório, ora posta sub sursis, apenas alerta para a necessidade da manutenção de uma situação de facto, a qual é decorrência natural, lógica e razoável, dos factos apurados e da própria aceitação dos recorrentes.

Não obstante, urge notar que a ela não se assume, summo rigore, como  constitutiva de uma servidão de passagem, pois que, os factos apurados não a permitem declarar, e tal implicaria, aqui sim, um pedido formal nesse sentido, e sendo certo que até seria duvidoso que ele fosse processualmente admissível.

È, assim, apenas e simplesmente, uma compressão/constrangimento/afetação do direito de propriedade dos autores, que vale o que vale, e apenas vale, na sequência das circunstâncias apuradas no processo.

6.2.

Segunda questão.

6.2.1.

Como é consabido a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da existência de danos e pressupõe a verificação do nexo de causalidade entre eles e o facto ilícito lato sensu -artº 563º do CC.

Acresce que, em regra, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem.

Assim, a indemnização em dinheiro e o respetivo cálculo, não dispensam o apuramento de factos que revelem a existência de dano ou prejuízo na esfera patrimonial  ou pessoal da pessoa afetada.

O lesado tem o ónus de provar, qualitativa e quantitativamente, o seu direito a ser indemnizado.

Ademais, e tal como decorre do brocardo latino, de minimus non curat praetor, a tutela e indemnização de direitos lesados implica e exige alguma relevância ou gravidade do prejuízo.

Tal princípio geral tem densificação legislativa expressa no que aos danos não patrimoniais tange, os quais apenas são atendíveis se, pela sua gravidade, merecerem a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

 Efetivamente: «...os prejuízos insignificantes ou de diminuto significado, cuja compensação pecuniária não se justifica, que todos devem suportar num contexto de adequação social, cuja ressarcibilidade estimularia uma exagerada mania de processar e que, em parte, são pressupostos pela cada vez mais intensa e interactiva vida social hodierna. Assim não são indemnizáveis os diminutos incómodos, desgostos e contrariedades, embora emergentes de actos ilícitos, imputáveis a outrem e culposos» - R. Capelo de Sousa, O Direito Geral de Personalidade, Coimbra, 1995 p.555/556. (sublinhado nosso).

Por outro lado:

«A possibilidade de condenação “no que vier a ser liquidado”, prevista no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, - hoje 609º - não tem cabimento quando não foram oportunamente alegados factos que sustentem a condenação, ou quando se não conseguiu fazer prova de tais factos. Destina-se a permitir a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença, seja por estar dependente de cálculos a efectuar, seja por não terem ainda cessado os danos a ressarcir.» -  Ac. do STJ de 15.03.2012, p. 925/08.5TBSJM.P1.S1.

6.2.2.

No caso vertente  os autores clamam pelo seu direito à indemnização, a liquidar posteriormente, alicerçados na ocupação que os autores efetivaram da faixa de terreno.

Já o tribunal entendeu inexistir direito a indemnização porque não se provou o dano, expendendo a propósito:

 «…não só nada resultou provado, como até os AA. nada alegavam e a ocorrência de dano não é automática, muito menos num caso destes em que estamos a falar de uma disputa de uma faixa só usada com finalidades muito específicas e que não consta, os próprios AA. hajam sido impedidos de exercer…».

Com relevância para esta questão apurou-se o seguinte acervo factual:

42. Em altura exacta não apurada, os Réus colocaram tubos, tijolos e madeiras cobertas com plástico na faixa de terreno em referência.

Versus o defendido pelos recorrentes, o facto provado em 41: «41. Os marcos desapareceram» – é inócuo para a presente questão.

Certo é que desapareceram, mas não se sabe quem os fez desaparecer, rectius, se foram os réus.

Assim a decisão que condena os autores a reporem os marcos não se afigura curial, pois que não recolhe respaldo nos factos apurados; com a consequência infra a retirar.

Resta, pois, aferir se aquele simples facto é o bastante para sustentar o dever de indemnizar, ademais apenas a quantificar em incidente de liquidação, com todas as acrescidas delongas e despesas daí advenientes.

Como é quasi evidente, de tal facto, só por si, não ressuma qualquer prejuízo.

Quando muito poderia este dimanar da concatenação do mesmo com a ocupação do terreno, ou seja, poderá ser colocada a hipótese da indemnização pela privação do uso.

Ora constitui jurisprudência maioritária mera privação do uso é insuscetível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, pois que pode não ter qualquer repercussão negativa no património ou esfera pessoal do lesado, ou seja, dela não resultar um dano específico, emergente ou na vertente de lucro cessante.

Donde que seja um ónus do lesado não apenas a alegação em abstrato de danos decorrentes da privação, sendo necessária a alegação concreta de que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efetivo – de proceder à sua fruição, mesmo que essa fruição ou gozo se traduza em atividades não lucrativas e se enquadre em aspetos úteis, lúdicos ou beneméritos. – Cfr. Acs. do STJ de 13-12-2007 p.07A3927, de 16-09-2008 p.8A2094,  de 30-10-2008 p.08B2662,  de 30-10-2008  p. 07B2131, de 16/3/011 p.3922/07.4TBVCT.G1.S1, de 10.01.2012, p.189/04.0TBMAI.P1.S1, de 04.07.2013 p. 5031/07.7TVLSB.L1.S1.,  e de  03.10.2013, p.9074/09.8T2SNT.L1.S1,  todos in  dgsi.pt., essencialmente atinentes à privação do uso de viatura automóvel, mas aplicáveis, mutatis mutandis, ao caso presente.

Efetivamente a diferença da situação patrimonial supra referida, que consecute o quantum da indemnização, apenas se alcança se o uso ou gozo tiver um valor material concreto, não um valor abstrato. O uso pressupõe uma utilização e a impossibilidade concreta desta analisa-se ou numa diminuição patrimonial ou numa frustração de aumento do património; é nesta diferença patrimonial concreta e efetiva, resultante quer da diminuição, quer do não aumento, que consiste o dano da privação do uso.

Enfim, atente-se no seguinte aresto, no qual  se formulou numa síntese curial:

« A privação do uso de uma coisa pode constituir um ilícito gerador da obrigação de indemnizar, uma vez que impede o seu dono do exercício dos direitos inerentes à propriedade, isto é, de usar, fruir e dispor do bem, nos termos genericamente consentidos pelo art. 1305.º do CC.

 Não é suficiente, todavia, a simples privação em si mesma: torna-se necessário que o lesado alegue e prove que a detenção ilícita da coisa por outrem frustrou um propósito real – concreto e efectivo – de proceder à sua utilização.

A privação do uso é condição necessária, mas não suficiente, da existência de um dano correspondente a essa realidade de facto

O que na essência define o dano da privação do uso, independentemente de outros prejuízos concretos que possam alegar-se e provar-se associados a essa ocorrência (danos emergentes e lucros cessantes), é a impossibilidade de usar a coisa por virtude da conduta ilícita do lesante, e enquanto essa impossibilidade subsistir.- Ac. do STJ de 03.05.2011, p. 2618/08.06TBOVR.P1.

(sublinhado nosso)

Ora no caso concreto não está provado que os autores, por virtude da ocupação por banda dos réus, tenham ficado impedidos de usar a faixa de terreno.

Maxime considerando a sua finalidade, a qual, em função do que se retira dos factos apurados, apenas ou essencialmente, respeita à passagem para vários donos de vários prédios acederem aos mesmos.

Na verdade, os autores não  provaram, e nem sequer alegaram, que, por virtude da ocupação, aparentemente apenas parcial e relativamente diminuta, dos réus, ficaram impedidos, ou, sequer, limitados,  no uso e fruição da faixa; e, muito menos, que tenham ficado impedidos ou prejudicados – e desde quando – atenta a adstrição finalística da mesa, qual seja, servir de acessamento a vários prédios.

Assim sendo, não colhe a sua pretensão de condenação em indemnização, nem, sequer, o apuramento do seu quantum em futura liquidação, pois que eles não cumpriram o ónus de provar factos que se colocam a montante desta liquidação e que têm a ver com a existência e/ou a dignidade numérica do prejuízo.

6.3.

Terceira questão.

Pugnam ainda os autores pela ilegalidade da sentença na parte em que condenou no pagamento das custas na proporção de 1/5 e aos réus na proporção de 4/5.

Considerando que mais ajustada será a condenação na proporção de 1/10 e 9/10, respetivamente.

Para tanto aduzem que os réus deram causa à ação, o que equivale a dizer, a toda a litigância processual realizada, incluindo um procedimento cautelar, ao longo de 6 anos, e que pelo menos 95% dos pedidos por eles formulados foram julgados procedentes.

Perscrutemos.

Releva, como expendem os recorrentes, o disposto no artº 527º do CPC, a saber:

1. A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa, ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.

2. Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for.

Temos assim que a responsabilização pelo pagamento das custas obedece ao princípio da causalidade, o qual assenta na ideia de que apenas deve pagar custas a parte que der causa à ação, entendendo-se que dá causa, a parte vencida.

Se ficar totalmente vencida paga as custas na íntegra.

Se ficar apenas parcialmente vencida, paga as custas na proporção ou na medida de tal sucumbência – Cfr. Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.128.

A determinação desta concreta medida em situações de parcial sucumbência é facilmente atingida quando ela se materializa singelamente num determinado montante.

Já para aqueles casos em que existe uma plêiade algo complexa de pedidos cuja concretização  pecuniária não é consecutível ou é de difícil consecução, como, vg., os atinentes a declarações de direitos ou a prestações de facere, o valor da sucumbência é, regra geral, de impossível ou difícil concretização.

Nestes casos cumpre ao juiz fixar a medida ou proporção da repartição das custas.

O que deve operar sensata e razoavelmente por apelo a critérios de equidade.

Na verdade também aqui, em sede de condenação em custas, como noutras áreas e institutos jurídicos, o julgador não se assume como um simples autómato de aplicação de critérios legais, inelutável e inultrapassavelmente pré definidos.

Mas antes como um criterioso aplicador da lei cujo leit motiv passará pela conjugação e compaginação do facto com a previsão legal de um modo dialético, vivificante e plástico, de sorte a que a interpenetração dos mesmos se efetive o mais adequadamente possível.

Pois que apenas assim se atinge – ressalvada e aceite, desde que se situe dentro da álea admissível, a inelutável margem de erro – o fito primordial  do múnus jurisdicional, qual seja, a almejada justiça material do caso concreto.

Esta faculdade, este poder/dever funcional  perpassa e dimana, p.ex.,  de alguns segmentos normativos  do próprio Regulamento das Custas Processuais, a saber.

Artº 6º nº 5 - O juiz pode determinar, a final, a aplicação dos valores de taxa de justiça constantes da tabela i-C, que faz parte integrante do presente Regulamento, às acções e recursos que revelem especial complexidade.

Artº 8º nº 9 - Nos restantes casos a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii.

Artº 10º - A taxa sancionatória é fixada pelo juiz entre 2 UC e 15 UC.

Artº 27º nº4 - O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste.

No caso vertente os autores formularam um pedido complexo que se desdobrou em seis vertentes, nos termos supra referidos.

Nenhuma destas vertentes os autores quantificaram, tendo apenas atribuído à ação o valor, processual, de 30 mil euros.

A última vertente do pedido respeitava a indemnização por danos derivados pela ocupação, a qual não foi atendida.

Sendo de frisar que os autores nem sequer concretizaram o quantum de tal indemnização pretendendo que  ela fosse determinada em futura liquidação.

Ou seja, da concatenação das vertentes em que os autores tiveram ganho de causa com aquela – indemnização – em que ficaram vencidos, o tribunal não possuía elementos numéricos concretos que lhe permitissem operar uma repartição das custas baseada em simples, mas rigorosos, critérios matemáticos.

Défice este que, como se viu, deve ser imputado aos autores, pois que nem sequer alegaram, e, logo, provaram, o valor do pedido indemnizatório que formularam e no qual soçobraram.

Por conseguinte, a repartição das custas não poderia deixar de ser fixada por apelo ao referido juízo équo.

E, tudo visto e ponderado, não se vislumbra que a repartição efetivada bula com os requisitos de sensatez e razoabilidade supra mencionados e se situe fora da margem de álea e erro aqui admissível.

A tal não obstando, versus o expendido pelos recorrentes, qual das partes é mais, e por mais tempo, litigante, ou o vencimento/fenecimento em providências cautelares.

Pois que, quanto aquele argumento, pode dizer-se que ele é irrelevante, já que, como se disse, o que releva é o valor da sucumbência; e, no atinente a este, colhe a argumentação de que o incidente é taxado autonomamente, em nada relevando – salvo o seu atendimento nos termos do artº 539º nº2 do CPC – para a definição da concreta repartição das custas na ação principal.

6.4.

Quarta questão.

6.4.1.

O artº 607º nº4 do CPC estatui que «na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos  que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiencia».

Este preceito mostra-se mais discriminativo do que o seu homónimo da anterior redação do CPC, qual seja o artº 653º nº2, que tinha o seguinte teor:

 «após declarar quais os factos dados como provados e não provados, o julgador deverá fundamentar as suas respostas, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.»

Isto para que, a um tempo, ao julgador sejam fornecidos ex vi lege, todos os elementos e princípios norteadores da apreciação da prova, e, a outro tempo, para que este interiorize ainda mais a necessidade de uma fundamentação adequada.

Não obstante a essência e ratio dos dois mantém-se a mesma.

São eles, desde logo, a decorrência lógica do disposto nos artºs 208º nº 1 da Constituição e 158º nº 1 do CPC que impõem  o dever  de as decisões sobre qualquer pedido controvertido ou sobre qualquer dúvida suscitada no processo serem sempre fundamentadas.

A motivação tem uma dupla finalidade: por um lado convencer os interessados do bom fundamento e da correção  da decisão, o que implica a sua legitimação; por outro lado permitir ao tribunal superior, em caso de recurso, a possibilidade da sua sindicância.

Nesta conformidade a motivação da decisão sobre a matéria de facto não pode reconduzir-se a uma mera indicação genérica dos meios de prova que conduziram ao resultado enunciado.

O que poderia descambar num mero juízo arbitrário ou de convicção e, como tal, insindicável, sobre a realidade, ou não, de um facto.

Antes devendo ser especificados os concretos meios de prova, submetê-los a uma análise critica e explicitado o processo lógico-dedutivo que levou à convicção expressa na resposta, o como e o porquê dessa convicção cfr. J. Pereira Batista, Reforma do Processo Civil, 1997, p.90 e segs. e Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.189.

Mas, por outro lado, esta exigência não deve ser levada a limites de exagero.

Até porque uma fundamentação exaustiva e perfeita é de muito difícil e, por vezes, impossível, consecução.

Assim: «…o que deve e pode exigir-se do julgador é a explicação das razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto. Quando o juiz decide que certo facto está provado é porque foi levado a esta conclusão por um raciocínio lógico, que tem de ter, na sua base, elementos probatórios produzidos. O que se determina nesta disposição é que o juiz revele essa motivação, de modo a esclarecer o processo racional que o levou à convicção expressa na resposta…» -  Rodrigues Bastos, Notas ao CPC. vol. III, ed. de 2001, em anotação ao artigo 653º.

Ou seja: «o tribunal deve indicar os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção sobre o julgamento do facto provado ou não provado. A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão…» - M. Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o Novo Processo Civil, págs. 348.

E não estando o julgador obrigado a descrever, de modo minucioso, o processo de raciocínio ou o iter lógico-racional que incidiu sobre a apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e decidir como decidiu – cfr. Ac. da Relação de Coimbra de 28.03.2000, CJ 2º, 22 e Acs. do STJ de 06.12.2004, dgsi.pt, ps. 04B3896, de 02.10.2008, p. 07B1829 e de 14.01.2009, p.08S934.

Decorrentemente, pode considerar-se que se cumpriu a exigência do citado segmento normativo quando o juiz procedeu a uma explicitação dos diversos meios de prova que serviram para formar a  sua convicção, bem como da sua valoração, o que passa pela menção da sua relevância e da razão da credibilidade que lhe  mereceram.

 O que, repete-se, pode efetivar de uma  forma não  necessariamente exaustiva, mas suficientemente convincente, de acordo com as regras da experiência comum e da lógica.

Ou seja, deve entender-se que estão satisfeitas as exigências legais de fundamentação quando, vg., é indicada a razão de ciência das testemunhas, são referidos os motivos por que mereceram a credibilidade do Tribunal, e é feita a articulação dos depoimentos prestados com os outros meios de prova– cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004  cit.  e Ac. do STJ de. 20.05.2010, p. 5322/05.1TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Pois que, nestes casos -  e mesmo que na decisão exista alguma deficiência ou insuficiência - ela não poderá taxar-se de arbitraria e será, em todo o caso, o que é o que realmente interessa, sindicável.

 Ademais, importa considerar que não é de boa técnica nem satisfaz a exigência legal, uma motivação em bloco, reportada a todos os factos objeto da prova, mediante mera indicação das provas relevantes para a formação da convicção do juiz.

Mas o preceito em análise não exige – ainda que tal seja preferível - que a fundamentação das respostas aos quesitos seja indicada separadamente em relação a cada um deles.

Não sendo de excluir a possibilidade de fundamentação conjunta de mais que um facto,  pelo menos sempre que, por exemplo, os factos se encontrem ligados entre si e tenham sido objeto, no seu núcleo essencial, dos mesmos meios de prova. Em tal caso, uma motivação conjunta além de admissível deve ter-se mesmo por aconselhável - cfr. Ac. do STJ de 25.03.2004, dgsi.pt, p.02B4702 e Ac. da RC de 7.11.2012, p. 781/09.6TBMGR.C1

6.1.2.

No caso sub Judice defendem agora os réus que a decisão sobre a matéria de facto não está fundamentada, tendo ainda inexistido «operação jurídica chamada de análise crítica das provas».

Atentemos.

A Sra. Juíza fundamentou as respostas dadasnos seguintes, nucleares, termos:

« A convicção do Tribunal assentou, desde logo, na análise dos documentos autênticos ou suas cópias com idêntica força juntos aos autos, dos quais e retiraram os factos referentes às aquisições dos imóveis, inscrições matriciais e composição fiscal e inscrição registral dos imóveis em causa nos autos, datas e autorias das inscrições e proveniência dos mesmos (fls. 28 a 34, 35 e 36, 37 a 39, 65 a 71, 75 a 79, 81 e 82, 84, 90 a 97, 99 a 104, 129 a 134.

Igualmente foi tida em conta a posição assumida por ambas as partes nos respectivos articulados, que se traduzia na admissão de factos articulados pela parte contrária, aqui se ressaltando que os RR. aceitaram expressamente os factos articulados pelos AA. no que se refere aos actos levados a cabo sobre o prédio que dizem ser seu, à existência e localização dos prédios deles RR., bem como as exactas características da faixa de terreno em causa nos autos e a própria conduta que os AA. lhes imputam questionando apenas o invocado direito de propriedade sobre essa referida faixa (que dizem ser parte integrante do seu prédio em causa nos autos), assim se justificando a consignação positiva de todos os demais factos invocados pelos AA..

Teve ainda o Tribunal em consideração, em ordem à sustentação da sua convicção positiva no que se refere às características físicas do local (prédios, sua descrição, faixa de terreno), o resultado da prova pericial levada a cabo, com os resultados plasmados em relatório a fls. 195 a 198, as fotografias juntas aos autos, por ambas as partes a inspecção judicial levada a cabo e o levantamento topográfico junto aos autos pelos autores, que relataram os factos correspondentes da forma que se dá como provada.

Restando, apenas e só, o apuramento dos factos referentes à propriedade dobre a faixa de terreno sobre a qual incide a discórdia das partes, importa nesta parte referir que em audiência foi produzido, essencialmente um bloco de depoimentos apresentado pelas testemunhas (…), todos eles naturais das (...) , embora os dois primeiros ali já não residam actualmente, mas com declarada razão de ciência, pois ali ajudaram ao cultivo, efectuaram passagens, apascentaram gado, tomaram conta do prédio dos AA., enquanto ausentes do país ou simplesmente avistavam o local, por morarem muito próximo.

Todos eles apresentaram versões, no essencial coincidentes, repletas de pormenores espontâneos que as credibilizaram, que vão precisamente no sentido de confirmar a tese factual invocada pelos AA., de que a faixa de terreno reservada a serventia pertence, desde sempre ao prédio dos AA. e existiam marcos que isso mesmo indicavam colocados do lado do prédio dos RR. (apenas aí), sendo que a situação sempre foi pacífica até data exacta não apurada, mas que colocam na altura em que houve obras no IC8, pouco tempo antes da propositura da acção, tendo desaparecido esses marcos e começado a haver discórdia entre as partes neste processo relacionada com essa referida faixa e o outro, em sentido oposto, no sentido de confirmar a tese dos RR. de argumentação exactamente oposta.

Estas testemunhas referiram, ainda que aquele era aliás, o único acesso para o prédio hoje dos AA., embora também se destinasse a permitir a passagem para outros prédios a sul, cujos proprietários anteriores e actuais, identificaram com maior ou menor rigor enquanto o prédio hoje dos RR., junto à estrada, tinha um outro, acesso.

Disseram ainda, na sua esmagadora maioria (mas não todos, unanimemente) que eram os AA. e seus anteproprietários quem no leito da serventia efectuava tarefas de corte de erva quando isso era necessário.

As testemunhas (…) …relatou que…

(…), disse...

Por seu turno, (…), disse …

(…), com um evidente e declarado interesse na questão em litígio, porque é dono de um dos prédios situados a sul a declara-se com direito de passagem na serventia/faixa de terreno em discussão, apresentou um depoimento compatível com esse interesse,

(…), disse ser familiar (primo) dos RR., …disse …

(…), foi convidado pelo falecido A. para em 1993 fazer o muro frontal e lateral da sua casa…

 (…)… disse …

Da análise do que fica dito se retira, em nosso entender claramente que o bloco de depoimentos apresentado pelas testemunhas arroladas pelos AA., supra mencionadas, não só não evidenciou contradições de relevo, como apresentou uma versão fundada em termos de razão de ciência (aqui ressalta-se que todos são naturais da localidade onde se situam os prédios, na qual residiram durante vários anos e excepção feita aos dois primeiros, ali permanecem diariamente).

Todas elas se revelara equidistantes relativamente às partes e aos factos em discussão que em nada os afectam.

A sua versão, no essencial, não é contrariada pelos elementos documentais e físicos existentes no local, que pelo menos em parte, até aparentam confirmá-la.

De facto, contra a tese que apresentaram, não milita a circunstância de os AA. Terem vedado a sua propriedade, tendo deixado de fora o leito da passagem, nem o facto de no projecto de construção da sua casa, terem excluído essa dita faixa, sido pois outro tanto fizeram os RR., como se pode constatar da análise de ambos os projectos de construção juntos aos autos e das fotografias elucidativas das características de ambos os prédios.

Contra isso não milita também o facto de na descrição matricial do prédio dos RR. constar a confrontação com os AA., enquanto na destes constar confrontação com serventia, não só porque a serventia não tem existência de per si, mas pertence a um prédio concreto, o que pode justificar a divergência, mas também porque as matrizes rústicas, como se sabe, foram feitas na remota década de 50 do século passado, com base em informações verbais, tantas vezes pouquíssimo rigorosas e fomentadoras de conflitos, não beneficiando a descrição correspondente de qualquer presunção de fidedignidade, seja de facto, seja de direito.

A favor dessa tese, pelo contrário, milita a conduta dos AA., que deixaram duas aberturas para aquele lado (um portão, com dimensão para passagem de veículos e uma porta para acesso pedonal), as quais a fazer fé nos depoimentos das duas testemunhas supra mencionadas arroladas pelos RR., como tendo participado nas respectivas construções, foram levadas a cabo em duas ocasiões distintas espaçadas no tempo, actuações a que os RR. não reagiram, sequer tendo sido eles quem tomou a iniciativa de propor qualquer acção judicial, apesar de aqui (em acção contra si proposta pelos AA. Mal eles adoptaram conduta no leito da passagem) virem dizer não só que aquela faixa é da sua propriedade como até que os AA. não têm qualquer direito efectivo de por ali passar.

Confirmação dessa tese obtém-se, ainda do facto de os AA. terem deixado um contador de água da sua casa no muro, virado para aquele lado.

Diga-se, aliás, que ao contrário, os RR., no seu muro, só têm uma pequena abertura já na parte final do seu imóvel, junto ao barracão, a qual apenas permite acesso pedonal.

Aqui se ressalta que o depoimento da testemunha (…), que nos pareceu absolutamente credível, relatou um conflito com o antepassado da R. mulher, mas relacionado com a passagem no prédio lá atrás e nunca junto à estrada o que nos indicia que o prédio dominante nessa zona pertencesse a pessoa/família diversa.

O depoimento da testemunha (…), que não obstante não saber precisar a quem pertencia o direito de propriedade sobre a dita faixa de terreno, confirma a existência de marcos do seu lado, já no seu tempo (e não por qualquer actuação dos pais dos AA. Em atacar a destinação da faixa a serventia, pois a referida testemunha é peremptória ao dizer que no seu tempo nunca houve qualquer problema) e confirma também expressamente que os proprietários dos prédios hoje dos AA., sempre por ali passaram, contribuiu, também para credibilizar aquelas versões (confirmação essa que se obtém também noutros pormenores, como no que se refere a um acesso próprio e restrito a meio do prédio ou prédios hoje dos RR., adquiridos à dita LM (...) ).

Como quer que seja, é bom de ver que excepção feita á questão dos marcos que os RR. aceitaram expressamente que existiam do seu lado (embora algumas das testemunhas por si arroladas o negassem), pelo que esses factos teriam que se dar como provado (o mesmo já não se podendo dizer quanto aos do lado oposto, cuja existência os AA. negam, a qual se não pôde com segurança, retirar do depoimento das testemunhas que não são unânimes nessa matéria), os factos relativos à propriedade da faixa, que são confirmados pelas testemunhas mencionadas, não mereceram prova suficientemente credível do contrário, pelo que teriam que se dar como provados.

Da generalidade dos referidos depoimentos pôde concretizar-se que um dos prédios a sul, cujo acesso era feito pela faixa de terreno em causa nos autos (o que já era genericamente dito pelos próprios AA. e os RR. aceitavam), embora sem que qualquer deles o tivessem exactamente identificado, pertence hoje aos RR., motivo pelo qual, se consignou tal facto concretizador das alegações das partes que, como infra se verá, tem relevo na apreciação de uma das pretensões deduzidas nos autos.

Resta acrescentar que todos os meios de prova supra mencionados foram analisados em conjugação entre si e à luz das regras de experiência comum, que igualmente foram consideradas, sendo que os demais invocados, ou foram desmentidos pela prova produzida e valorada no apontado sentido ou não mereceram qualquer prova ou prova credível bastante em seu benefício.»

 (sublinhado nosso).

Verifica-se assim que a julgadora apelou a todos os meios de prova produzidos, que foram muitos, expôs, pormenorizadamente, o teor dos depoimentos, e esclarecendo a sua relação com as partes bem como a sua razão de ciência.

Mais operou uma análise crítica dos depoimentos que deve taxar-se de profunda, dissecante, escalpelizante e esmiuçante.

Perante esta discriminação da prova testemunhal e a concatenação dos depoimentos com os outros elementos de prova, como sejam, vg., a perícia e a inspeção ao local – os quais, aliás se revelam, neste tipo de ações, decisivos para apreciar o objeto do processo -  pode perfeitamente sindicar-se,  objetiva, lógica e racionalmente, a formação da convicção da julgadora para, sobre ela, emitir, ou não, um juízo de censura quanto às respostas dadas.

Não pode, assim, de todo em todo, considerar-se a decisão infundamentada.

Antes pelo contrário ela se revelando cabal e profusamente alicerçada na plêiade de meios probatórios produzidos, pelo que, meridianamente, improcede esta alegação recursiva.

6.5.

Quinta questão.

6.5.1.

Urge ter presente que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

 Ademais a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

6.5.2.

Ademais, e em termos de direito positivo, urge atentar que o impugnante da decisão sobre a matéria de facto tem de cumprir, desde logo liminarmente e  com  o maior rigor possível, as exigências formais do artº 640º do CPC.

Das mesmas sobressai a indicação – nº 1 al. b) – «Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente identificar, sob pena de rejeição: os concretos meios probatórios constantes no processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão… diversa da recorrida»

Sendo que -nº2 al. a) - «quando os meios probatórios…tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição imediata do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso…».

Na verdade:

« Em caso de impugnação da matéria de facto, a especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada, sob pena de imediata rejeição do recurso nessa parte, da indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o seu recurso – art.º 640º, n.º 2, a), do Novo C. Processo Civil.» - Ac. da RC de 17.06.2014, p. 405/09.1TMCBR.C1.

E sendo certo que:

 «A exacta indicação das passagens da gravação, que se exigia no 685º-B, nº 2 do CPC e que se exige agora no artº 640º, nº 2, a), do NCPC, não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa. Não se entender assim equivale a ter-se como exigida uma indicação exacta dos depoimentos e não, propriamente, das passagens.

 Daí que ao recorrente, para indicar, com exactidão, o que a lei exige no artº 640º, nº 2, a), do NCPC (a exemplo do que ocorria no âmbito do pretérito artº 685º-B, nº 2 , do CPC), seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17.12.2014, p. 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi.pt.

 Acresce que, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem julga é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma concreta e discriminada análise objetiva, crítica, logica e racional da prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Sendo que, repete-se, a intolerabilidade destas tem de ser demonstrada pelo recorrente através de uma concreta e dilucidada análise hermenêutica de todo o acervo probatório produzido ou, ao menos, no qual se fundamentou a resposta - Neste sentido, cfr. Ac. da RC de  15.01.2013, p. 1796/10.7T2AVR.C1 in dgsi.pt.

6.5.3.

In casu os recorrentes  colocam em crise uma dúzia de factos dados como provados e não provados.

Para o efeito limitam-se a dizer que tais factos se encontram incorretamente julgados e que se impõe decisão diversa da recorrida.

Nem sequer indicando, concretamente qual deveria ter sido essa decisão, se provados, não provados e em que medida.

Ademais e para tanto limitam-se a invocar os depoimentos de certas testemunhas que identificam.

Nada mais.

Ou seja:

Não extratam ou remetem para o núcleo essencial (passagem) de cada depoimento (pois que nem todo será relevante para os concretos pontos de facto que impugnam).

Não reportam o(s) depoimentos ao(s) factos para que relevam (pois que nem todos relevarão para todos).

Não operam a mínima análise crítica de tais depoimentos, em si mesmos e por reporte a outros que poderiam ter deposto em sentido contrário.

Não consecutem a mínima apreciação crítica, conjugada, concatenada, de todos os meios probatórios produzidos.

E foram muitos, como da fundamentação da julgadora dimana, alguns dos quais, como supra já se referiu – a prova pericial, a inspeção ao local – são consabida e pacificamente aceites como de grande relevância para ações do jaez da presente.

Em suma: limitam-se, com base numa invocação meramente genérica e abstrata da prova testemunhal, a querer impor a sua opinião à análise, da julgadora, esta sim concreta, dialética e criticamente efetivada.

É evidente que não pode ser assim.

 Muito simplesmente porque  os recorrentes não apresentaram a este tribunal ad quem  elementos de analise concreta que densifiquem a sua posição/versão.

E apenas esta versão alicerçada em tais elementos podia permitir a  sua necessária comparação com a posição da julgadora que se encontra perfeita e logicamente sustentada.

Comparado só pode ser o que é comparável.

 E comparável não é uma ideia abstrata e genérica, uma conclusão final infundamentada, com uma decisão sufragada numa minuciosa exposição e analise critica e dialética de toda a prova produzida.

Porque, como se disse, é ao juiz que a lei atribui o poder/dever de julgar, e apenas a sua decisão podendo ser censurada se o recorrente convencer, em concreto e nos termos supra referidos, da ilegalidade desta.

Ónus que, in casu, os recorrentes não lograram cumprir minimamente.

Por conseguinte, e na rejeição liminar desta pretensão, os factos a considerar são os já supra mencionados.

6.6.

Sexta questão.

Como é facilmente atingível, a pretensão dos recorrentes dependeria da alteração da decisão sobre a matéria de facto no seu núcleo essencial, qual seja, o atinente à propriedade da faixa de terreno em disputa.

Tendo sido dado como provado que ela pertence ao prédio dos autores, naturalmente que a decisão não merece censura, já que ela não enferma de erro de subsunção, ou de inadmissível interpretação das normas jurídicas atinentes, quais sejam: as que regem para a atribuição e o exercício do direito de propriedade – artº 1305º e sgs. do CC.

Apenas um reparo.

Foram os réus condenados «a recolocar os marcos referidos em c)»

Em primeiro lugar não se alcança em que al. c) se faz referência aos marcos.

Em segundo lugar apenas ficou provado que «os marcos desapareceram» - ponto 41 dos factos assentes.

Assim, não se apurou quem os arrancou, nomeadamente se foram os réus.

Logo, a sua condenação a repô-los, nos sítios e com o alinhamento provados, vislumbra-se como inadmissível.

Tal não obsta, porém, a que os autores, eles próprios, demarquem a faixa, a expensas suas, nos termos apurados.

Improcede, salvo neste minudente conspeto, o recurso.

7.

Sumariando.

I - Argumentado os autores e os réus que certa faixa de terreno pertence ao seu prédio, o pedido de declaração da sua propriedade, omitido por estes, pode ter-se por implícito;

E provando os autores a propriedade  da faixa, mas apurando-se,  vg., por confissão sua,  que sempre permitiram que os réus por ela acedessem a um prédio destes, pode o tribunal, na decisão, e sem o vício “ultra petitum”, fazer referencia a tal limitação do seu direito de propriedade.

II - A indemnização pela privação do uso pela ocupação de prédio rústico, não decorre automaticamente desta, sendo ainda exigível a prova de que ela impossibilitou ou limitou a sua fruição do que decorreram prejuízos juridicamente atendíveis.

III - O simples apuramento de que «Em altura exacta não apurada, os Réus colocaram tubos, tijolos e madeiras cobertas com plástico na faixa de terreno em referência.»,  não cumpre tal  ónus probatório, máxime se esta faixa é, apenas ou essencialmente, usada como local de passagem, e os autores não  provaram que ficaram impedidos  de, assim, a utilizar.

IV - Não sendo possível, por virtude da não quantificação do pedido, a repartição das custas por critérios matemáticos, ela pode ser operada pelo juiz equitativamente e devendo ser acatada, salvo erro que se situe para além da margem de álea admissível.

V - Não encerra este erro a decisão de repartição das custas em 1/5 para os autores e 4/5 para os réus, se estes sucumbiram em 5 de 6 vertentes do pedido global, mas a vertente em que aqueles soçobraram é pedido de indemnização cujo valor nem sequer quantificaram, e, assim, não se sabendo a sua importância por reporte às restantes, aliás, outrossim, não mensuradas.

VI – A fundamentação da decisão sobre a matéria de facto basta-se com a indicação dos fundamentos  probatórios e da sua análise critica que, objetivamente, permitam controlar a razoabilidade das respostas dadas, não sendo necessária uma escalpelização/dissecação  minuciosas de tais fundamentos.

VII - Se o recorrente da decisão sobre a matéria de facto se limita  a dizer que a decisão devia ser diversa com base nos depoimentos de certas testemunhas, sem minimamente escalpelizar criticamente o seu teor e sem operar a sua comparação com outros meios probatórios produzidos e considerados na decisão, esta sua pretensão recursiva deve ser liminarmente rejeitada – artº 640º nº1 al. b) e nº2 al. a) do CPC.

8.

Deliberação.

Termos em que se concede parcial provimento ao recurso dos réus e se absolvem estes da obrigação de recolocação dos marcos.

No mais, e no essencial, se desatendendo os recursos, e se confirmando a sentença.

Custas pelos autores e réus na proporção fixada na 1ª instância: 1/5 e 4/5, respetivamente.

Coimbra, 2015.03.17

Carlos Moreira ( Relator )

Anabela Luna de Carvalho

Moreira do Carmo