Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
973/12.0PBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: AUTO DE NOTÍCIA
QUEIXA
REQUISITOS
PROCEDIMENTO CRIMINAL
CONDIÇÃO OBJECTIVA DE PROCEDIBILIDADE
Data do Acordão: 01/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA (2.º JUÍZO CRIMINAL)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 49.º E 50.º DO CPP; ARTIGO 113.º DO CP
Sumário: I - Da “queixa” - que não está subordinada a um formalismo específico - apenas tem de resultar a vontade no sentido da instauração de procedimento criminal.

II - No caso em apreciação, pese embora a forma utilizada - “Auto de notícia” - não tenha sido a correcta - desde logo por não se tratar de crime que haja sido presenciado pelas entidades contempladas no artigo 243.º do CPP -, esse “auto”, ao conter o desejo, manifestado pelo ofendido, “de procedimento criminal contra os autores do furto, caso os mesmos viessem a ser identificados”, traduz, em substância, uma verdadeira “queixa”.

Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo Comum Colectivo n.º 973/12.0PBLRA.C1, do 2.º Juízo Criminal de Leiria, foram os arguidos A... e B... , ambos melhor identificados nos autos, submetidos a julgamento, findo o qual, por acórdão do Tribunal Colectivo do Círculo Judicial de Leiria de 02.07.2013, foi proferida decisão do seguinte teor [transcrição parcial]:

«Pelo exposto, decidem os Juízes que compõem este Tribunal Colectivo:

1) absolver o arguido A...da prática de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 1, al. f) e n.º 4 do Código Penal, que se convola na prática de um crime de furto simples p. e p. pelo art.º 203.º do Código Penal, cujo procedimento criminal se declara extinto, por falta de legitimidade do Ministério Público para a acção penal (Inq. 845/11.6PBLRA);

(…)».

2. Inconformado com a decisão, na parte em que absolveu o arguido A...de um dos crimes de furto por falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, recorre o Ministério Público, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1.ª) – Os factos participados no auto de notícia que deram origem ao inquérito n.º 845/11.6PBLRA, incorporado nos presentes autos, eram passíveis de configurar o crime de furto qualificado p. e p. nos arts. 203º nº 1 e 204º nº 1 alínea f) do C. Penal, pelo que, sendo um crime de natureza pública o Ministério Público tinha legitimidade para promover o procedimento criminal, nos termos do art. 48.º do C.P. Penal;

2.ª) – A circunstância de tal crime ter sido posteriormente convolado pelo tribunal de julgamento, para o crime de furto simples, não retira legitimidade ao M.P. no exercício da respectiva acção penal, uma vez que o facto já estava introduzido em juízo, com a legitimidade assegurada desde o início do processo, relevando tal convolação apenas para uma eventual extinção do procedimento criminal por desistência de queixa;

3.ª) – De todo o modo, constando do aludido auto de notícia, junto a fls. 234, que o lesado/ofendido manifestou o desejo de procedimento criminal e judicial contra os autores do furto caso viessem a ser identificados, tal manifestação de vontade é inequívoca e suficiente para ser encarada como uma queixa criminal para efeitos do disposto no art. 49º nº 1 do C.P.Penal.

4.ª) – Ao absolver o arguido A... com o fundamento de falta de legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal quanto a este ilícito que convolou de crime de furto qualificado para o crime de furto simples, o tribunal a quo infringiu o disposto nos arts. 48º, 49º nºs 1 e 2 e 246º todos do C.P.Penal.

5.ª) – Deve, pois, alterar-se o acórdão recorrido nesta parte e, em função da atinente matéria de facto provada, condenar-se o arguido como autor material de um crime de furto simples p. e p. no art. 203º do C.Penal, para além dos restantes ilícitos já sancionados, operando-se novo cúmulo jurídico que englobe a pena a atribuir a este ilícito.

Assim farão Vas. Exas. Justiça.

3. Por despacho exarado a fls. 717 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

4. Ao recurso respondeu o arguido A..., concluindo:

1) O Tribunal “a quo” procedeu à desqualificação do ilícito de furto, do tipo qualificado para o tipo simples, previsto e punido pelo art.º 203 do C.P.;

2) Entendeu o Tribunal a quo, que uma vez que, não foi possível apurar, da prova produzida em audiência de julgamento, qual o valor dos bens subtraídos, o seu valor teria de ser considerado diminuto, e em consequência, desqualificado o ilícito em causa, volvendo ao tipo simples;

3) Não se encontrando formulada nos autos, uma queixa apresentada e subscrita pelo presumível titular dos interesses que a lei pretendeu proteger com a incriminação e uma vez que, o procedimento criminal pelo crime de furto simples depende, efectivamente, do exercício desse poder/dever de queixa (art.º 203 n.º 3 CP), sempre terá de entender-se, que falece, por isso, a legitimidade do Ministério Público para promover o processo (art.º 49 n.º 1 do CPP);

4) Já que o princípio da oficialidade da promoção processual, sofre as limitações e excepções decorrentes da existência dos crimes semipúblicos e particulares;

5) Da legitimidade atribuída do Ministério Público para promover o processo penal (artigo 48º C.P.P.), logo aí se ressalvam as restrições constantes dos artigos 49.º a 52.º, as quais conformam, justamente, as excepções a que o n.º 2 do artigo 262º se refere;

6) Nos crimes semi-públicos e particulares a promoção do procedimento pelo Ministério Público está condicionada pelo poder/dever de apresentação de queixa pelas pessoas para tal legitimadas;

7) Sem o exercício do direito de queixa, o Ministério Público carece de legitimidade para promover o processo, sendo que, no caso dos crimes semi-públicos, esta constitui um pressuposto (processual) da admissibilidade do mesmo, já que, a denúncia não substitui a acusação, mas tem necessariamente de a preceder.

8) Andou bem o Tribunal a quo, ao entender declarar extinto o procedimento criminal contra o Arguido, quanto aos factos em apreço, por falta do exercício do direito de queixa, pelo seu titular;

9) Devendo V. Excelências, manter a decisão recorrida, por força da declaração da falta de legitimidade do Ministério Público para o exercício da acção penal, por falta de exercício do direito de queixa, pelo presumível titular dos interesses que a lei pretendeu proteger com a incriminação;

10) Pelo que, V. Exas. deverão declarar a improcedência do recurso ora interposto, mantendo integralmente o douto acórdão recorrido, por ser de Lei, Direito e Justiça.

5. Remetidos os autos à Relação, pronunciou-se o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitindo parecer, no qual, concordando no essencial com a posição do recorrente, aduz:

a) – O ofendido C..., conforme consta do auto de notícia de fls. 233 e 234 vº, participou à P.S.P. contra desconhecidos o assalto à sua garagem, da qual se apropriaram de 10 garrafas de whisky e 5 de aguardente;

b) – Do próprio auto de notícia consta a fls. 234 vº, “que o ofendido C... deseja procedimento criminal contra o(s) autor(es) do furto, caso venham a ser identificados”;

c) – Ora, atendendo a que foi denunciado um crime de natureza pública (furto qualificado), que, durante o julgamento e por não ter sido apurado o valor dos bens furtados, foi convolado para um crime de furto simples, de natureza semi-pública, parece que, atendendo ao preceituado no art. 246º, nº 1 do C.P.P., deverá ser considerado ter existido queixa por parte do ofendido e ter o Mº Pº legitimidade para o exercício da acção penal.

Conclui, assim, no sentido de o recurso dever ser julgado procedente.

6. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do CPP, não houve reacção.

7. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

       De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

        No caso em apreço a única questão que suscita a reacção do recorrente, reside no facto de ter sido julgado extinto, por falta de legitimidade do Ministério Público, o procedimento criminal no que concerne ao crime de furto simples, para que foram «convolados» os factos constantes do Auto de notícia que integra o Inquérito n.º 845/11.6PBLRA.

2. A decisão recorrida

Na parte que releva para a apreciação do presente recurso, limitado nos termos supra expostos, ficou a constar do acórdão recorrido [transcrição parcial]:

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA:

Da discussão da causa, com relevância para a decisão da mesma, resultou provada a seguinte matéria de facto:

Inquérito 845/11.6PBLRA:

1) Em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 29 de Julho de 2011 e o dia 21 de Agosto de 2011, o arguido A... entrou na garagem sita na (...) correspondente ao 2º andar esquerdo, pertença de C...;

2) E dali retirou dez garrafas de whisky e cinco garrafas de aguardente, de valor não apurado;

Inquérito 817/11.0PBLRA

(…)

23) O arguido A... conhecia os factos acima descritos e quis agir da forma como o fez com o propósito, concretizado, de fazer seus os objectos identificados, que retirou de cada uma das garagens acima identificadas, bem sabendo que agia contra a vontade dos respectivos donos;

(…)

26) O arguido A... sabia que todas as suas descritas condutas são proibidas e punidas por lei;

Mais se provou:

[Factos 27. a 46. relativos às condições pessoais, percurso de vida, bem como antecedentes criminais do arguido A...].

2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA:

Não se provaram quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa, designadamente:

A) As garrafas referidas em 2) valiam € 250,00;

(…)

K) Qualquer outro facto em oposição com os dados como provados.

2.3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO:

O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de julgamento, apreciada segundo as regras da experiência comum e a livre convicção do Tribunal.

O arguido A... confessou a prática dos factos relativos aos inquéritos 845/11.6PBLRA, 817/11.0PBLRA, 507/11.4PCLRA, 648/12.0PBLRA e 533/12.6PCLRA, embora desconheça o valor concreto dos bens que retirou em cada uma daquelas ocasiões.

A admissão da autoria decorre, estamos em crer, da circunstância de, em todos aqueles inquéritos, terem sido recolhidos vestígios lofoscópicos, que vieram a ser identificados como pertencentes ao arguido.

Assim,

Inquérito 845/11.6PBLRA:

Os factos considerados provados resultam das declarações do arguido A..., que admitiu tê-los praticado, conjugadas com o teor de fls. 242 e fls. 239, 243-244 e 250-257.

No que respeita ao valor dos bens, nenhuma prova foi produzida quanto ao mesmo, sendo que o arguido, como se disse, declarou desconhecer qual ele fosse.

Por outro lado, atendendo à natureza dos bens subtraídos (10 garrafas de whisky e 5 de aguardente), desconhecendo-se outros elementos acerca dos bens, não consegue o Tribunal fazer qualquer cálculo do valor dos mesmos. É bem conhecida a grande diversidade de garrafas de whisky e de aguardente que existe, bem como os distintos valores que apresentam, indo dos poucos Euros a centenas de Euros. Assim, nada mais resta que concluir pela indeterminação do valor dos bens subtraídos.

Inquérito 817/11.0PBLRA:

(…)

2.4. ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA:

(…)

Ponderando os factos apurados e as considerações vindas de enunciar, constata-se que o arguido praticou os seguintes crimes de furto qualificado:

1) Inquérito 845/11.6PBLRA: um crime de furto qualificado pela alínea f) do n.º 1 do art.º 204.º uma vez que o arguido entrou na garagem e dali retirou bens que não lhe pertenciam, de valor que se desconhece.

Contudo, neste ponto importa atentar no preceituado no art.º 204º, nº 4 do Código Penal – Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor.

Considera-se valor diminuto aquele que não exceder uma unidade de conta avaliada no momento da prática do facto – cfr. art.º 202º, al. c) do Código Penal.

À data da prática dos factos, a unidade de conta correspondia a € 102,00.

Por outro lado, não se conseguindo apurar o valor da coisa furtada, tem de considerar-se, para o efeito previsto no n.º 4 do art.º 204º do Código Penal, que esse valor é diminuto – cfr., v.g., ac. T.R.P., 29/4/2009, Proc. 89/06.9PAVCD.P1, www.dgsi.pt.

Logo, há que, por força da lei, desqualificar o ilícito em causa, volvendo ao tipo simples do artº 20.º do Código Penal, cujo procedimento criminal depende de queixa (cfr. n.º 3 deste preceito legal).

Percorridos os autos verifica-se que C... não formalizou queixa relativamente aos factos em apreço, havendo apenas um auto de notícia subscrito pela autoridade policial competente, pelo que carece o Ministério Público de legitimidade para a acção criminal – cfr. art.ºs 48º e 49º do Código de Processo Penal.

Assim, por falta de queixa, haverá que declarar extinto o procedimento criminal contra o arguido, quanto aos factos denunciados no inquérito supra identificado.

(…).

3. Apreciação

Conforme assinalado em sede de delimitação do objecto do recurso, a questão que urge dirimir traduz-se, tão só, em saber se, no caso em apreço - com referência aos factos concernentes ao Inquérito 845/11.6PBLRA -, tendo concluído o Colectivo pela desqualificação, em função do valor diminuto da coisa subtraída, do crime de furto – de acordo com o juízo formulado no acórdão p. e p. pelo artigo 204.º, n.º 1, al. f) do Código Penal -, convolando-o para o crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203.º do Código Penal, podia ter decidido no sentido da extinção do respectivo procedimento criminal em consequência da falta de legitimidade do Ministério Público.

Divergindo, embora, da tese sufragada pelo recorrente na parte em que defende que uma vez assegurada a legitimidade do Ministério Público em função da natureza pública do crime, a mesma se mantém, pese embora a convolação, entretanto verificada, do crime de público em semi-público para a prossecução da respectiva acção penal, afigura-se-nos, em face dos elementos constantes dos autos, assistir-lhe razão.

Com efeito, os factos em questão respeitantes ao Inquérito n.º 845/11.6PBLRA, de acordo com a matéria de facto dada por assente – não colocada em «crise» - ocorreram em data não concretamente apurada, mas situada entre o dia 29 de Julho de 2011 e o dia 21 de Agosto do mesmo ano, sendo que o ofendido C..., conforme resulta do Auto de Notícia de fls. 234, no dia 21 de Agosto de 2011, manifestou o desejo de procedimento criminal contra os autores do furto, caso os mesmos viessem a ser identificados.

Ora, pese embora a «forma» utilizada - «Auto de notícia» - não tenha sido a correcta, desde logo por não se tratar de crime que haja sido presenciado pelas entidades contempladas no artigo 243.º do CPP, o certo é que o «documento» em questão traduz, em substância, uma inequívoca manifestação de vontade por parte do ofendido de perseguir criminalmente, pelos factos do mesmo constantes – e por si, naturalmente, fornecidos - o seu autor ou autores.

Significa, pois, que o dito «Auto de notícia» materialmente, também, não deixa de encerrar uma «queixa», verbalmente apresentada, embora não «corporizada» na forma processualmente adequada, circunstância, no caso - atento o respectivo teor e a natureza do crime que, então, se perfilava -, insusceptível de alguma dúvida criar sobre a vontade do ofendido.

Como escreve Figueiredo Dias «No que toca à forma da queixa, tanto o CP como o CPP são omissos, devendo por isso entender-se que ela pode ser feita por toda e qualquer forma que dê a perceber a intenção inequívoca do titular de que tenha lugar procedimento criminal por um certo facto … Indispensável é só que o queixoso revele indubitavelmente a sua vontade de que tenha lugar procedimento criminal contra os agentes (eventuais) pelo substrato fáctico que descreve ou menciona» – [cf. “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 675].

No mesmo sentido se pronunciou o acórdão do STJ de 29.01.2007, onde se lê: «I. A queixa, exterior à acção típica, funciona nos crimes de natureza semi-pública (ou particular) como condição objectiva de procedibilidade, do exercício da perseguibilidade penal, de natureza processual, embora regulamentada no âmbito do direito penal substantivo, assim sendo concebida pela jurisprudência e pela doutrina mais autorizada (cf. Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, I, pág. 117). II. Não se exige que da queixa conste a fórmula sacramental de desejo de procedimento criminal; o seu conteúdo é muito menos exigente e tecnicista, situando-se ao nível da simples descrição fáctica. III. Não se exige, ainda, a identificação, total ou parcial, do sujeito activo do delito, que o ofendido pode ignorar, competindo a sua individualização à entidade dirigente do inquérito. IV. O que não dispensa é que dos seus termos ou dos que lhe seguirem se conclua, de modo inequívoco, a manifestação de vontade de perseguir criminalmente os autores de um facto ilícito, o que sucede claramente quando, segundo o auto de notícia, a ofendida compareceu no dia …, pelas …, no Posto da GNR, descrevendo os factos imputados aos arguidos …» - [cf. proc. n.º 4458/06 – 3.ª, Rel. Armindo Monteiro].

Do que se vem de citar, podemos, pois, concluir que da queixa – não estando, a mesma, subordinada a um formalismo específico – apenas tem de resultar a vontade no sentido da instauração do procedimento criminal.

Ora, no caso concreto nenhuma dúvida relevante se pode suscitar quanto à manifestação de vontade por parte do ofendido de ver instaurado pelos factos denunciados – com concretização do tempo, circunstâncias envolventes e lugar donde os objectos [que identifica] foram subtraídos - procedimento criminal pelo furto.

Conclui-se, pois, no sentido de mal ter andado o tribunal a quo ao haver declarado extinto, por falta de legitimidade do Ministério Público, em consequência de ausência de queixa – circunstância que não se tem por verificada - o procedimento criminal relativo ao crime de furto simples, p. e p. pelo artigo 203º do Código Penal, resultante de «convolação» - não objecto de contestação – entretanto operada, relativamente ao arguido/recorrido A..., assistindo, nesta medida, razão ao recorrente.

III. Decisão

Termos em que, acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido na parte em que, com fundamento na falta de legitimidade do Ministério Público, declarou extinto o procedimento criminal relativamente à prática, pelo arguido/recorrido A...de um crime de furto simples p. e p. pelo artigo 203º do Código Penal [Inquérito n.º 845/11.6PBLRA], determinando-se a remessa dos autos à 1.ª instância, com vista à prolação de novo acórdão o qual, em face da decisão ora tomada - não sobrevindo obstáculo de outra natureza - decida em conformidade com as consequências daí decorrentes, designadamente quanto à reformulação do cúmulo jurídico efectuado.

Sem tributação

(Maria José Nogueira - Relatora)

(Isabel Valongo)