Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
95/17.8GCLMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO ANDRADE
Descritores: AGRAVANTE QUALIFICATIVA
APLICAÇÃO NÃO AUTOMÁTICA
AMEAÇA
Data do Acordão: 03/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L CRIMINAL DE LAMEGO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: CONFIRMADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ART. 132, Nº 2 AL. C) ; 145 Nº 1 AL. A) E Nº 2; 153 E 155, DO CP.
Sumário: I – Não basta o preenchimento objectivo de uma qualquer ou de várias das alíneas do nº 2 do art. 132º, ou de qualquer outra circunstância substancialmente análoga às aí descritas, para que o tipo qualificado de homicídio esteja preenchido.

II - É sempre necessário que, além do preenchimento objectivo de pelo menos uma dessas alíneas ou de circunstância substancialmente análoga, também se proceda à autónoma comprovação da existência de uma especial censurabilidade ou especial perversidade do agente.

III - Não resultando da acusação que, por efeito ou “em razão da” da idade, a vítima estivesse, por alguma forma, limitada nas suas capacidades físicas ou intelectuais ou que se apresentasse, perante o agressor, como tal, nem que padecesse de qualquer fragilidade “particularmente” grave, não se verifica a agravante qualificativa.

IV – No crime de ameaças, actualmente, não se exige que tenha sido provocado, em concreto, o medo ou inquietação. Mas apenas que a ameaça seja adequada, em termos de juízo de causalidade adequada, a provocar no visado medo ou inquietação ou afectar a sua paz individual ou liberdade de determinação.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em conferência, na 4ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Nos autos, após realização da audiência pública de discussão e julgamento perante o Tribunal Singular, com exercício amplo do contraditório, foi proferida sentença com o seguinte DISPOSITIVO: - Decide-se julgar procedente por provada a acusação do Ministério Público e nessa conformidade:

1. Condenar a arguida A pela prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real:

a) - de um crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,50.

b) - de um crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143º, nº 1 do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,50.

c) - em cumulo jurídico das penas de multa, na pena única de 170 dias de multa à taxa diária de €5,50.

d) - um crime de ofensa à integridade física qualificada, p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 e 145ºn.º 1 al. a) e n.º 2 por referência ao art. 132º n.º 2 al. c) todos do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 10 meses de prisão; pena esta que se substitui por 300 dias de multa à taxa diária de €5,50.

2. Condenar a arguida B pela prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real:

a) - de um crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,50.

b)- de um crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,50.

c) - em cumulo jurídico das penas de multa, na pena única de 170 dias de multa à taxa diária de €5,50.

3. Condenar a arguida C pela prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real:

 a) - de um crime de ofensa à integridade física, p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de €5,50.

b)- de um crime de ameaça agravado p. e p. pelo art. 153º n.º 1 e 155º n.º 1 al. a) ambos do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,50.

c) - em cúmulo jurídico das penas de multa, na pena única de 140 dias de multa à taxa diária de €5,50.

4. Condenar a demandada … a pagar ao demandante … a quantia de €450,00 acrescida de juros, a titulo de danos morais. Improcedendo o pedido quanto às demandadas … e ….

5. Condenar as demandadas … a pagar à demandante … a quantia de €620,00 acrescida de juros, sendo €550,00 a titulo de danos morais. Improcedendo o pedido quanto à demandada ….

6. Condenar a demandada … a pagar à demandante … a quantia de €820,00 acrescida de juros, sendo 450,00 euros a titulo de danos morais. Improcedendo o pedido quanto às demandadas … e ….

7. Condenar as demandadas a pagar ao demandante … a quantia de €590,00 acrescida de juros, sendo 500,00 euros a titulo de danos morais.


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Inconformadas com a sentença dela recorrem, fazendo-o em conjunto, as arguidas A, B e C.

Na motivação do recurso formulam as seguintes CONCLUSÕES:

1. O Tribunal a quo decidiu condenar as arguidas nos seguintes termos: (…)

2. As arguidas não podem conformar com tal decisão, pelo que, pelo presente, recorrem da sentença proferida.

3. Desde logo entende a recorrente, que foi condenada pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada na pessoa da ofendida …, quando tal não resulta cabalmente justificado nem fundamentado na sentença recorrida.

4. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo por forma a condenar a recorrente elenca uma série de doutrina a propósito da especial censurabilidade ou perversidade do agente, mas, apenas em geral, sendo que no que concerne ao caso específico apenas refere: “Assim, temos de concluir face aos factos dados como provados que a arguida … cometeu um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa de … pois estão verificados todos os elementos constitutivos dos tipos objetivos e subjectivos do crime que é imputado e não se verificam quaisquer circunstâncias que excluam a ilicitude ou a culpa da mesma”.

5. Não procedeu o Tribunal a quo, como a tanto estava obrigado à justificação e fundamentação da sua decisão em considerar que a conduta da arguida … revestiu de tal censurabilidade que apenas poderia redundar na condenação da mesma pela prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada.

6. Para assentar a sua decisão o Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: 3. A ofendida …, nascida a 15.03.1938, à data com 79 anos de idade, que se encontrava sentada, no banco de trás do veículo, saiu do mesmo, tendo em acto contínuo, a arguida … desferido à ofendida … uma bofetada, na face do lado direito e puxou-lhe os cabelos, fazendo com que os seus óculos caíssem ao chão e partissem. 12. A arguida … actuou de forma voluntária, deliberada e consciente com intenção conseguida de molestar fisicamente, a ofendida …, causando-lhe dores e ferimentos, com as condutas acima descritas, bem sabendo que ofendida é uma pessoa frágil e de idade avançada, com 79 anos, portanto naturalmente desprotegida. 13. Sabia ainda que, pelo facto de ter relativamente a esta superioridade física, aproveitava-se das limitações derivadas da idade avançada desta, para melhor concretizar os seus intentos, o que quis e conseguiu.

7. O Tribunal a quo teve como preenchida e operante a circunstância qualificadora da alínea c) do nº 2 do artº 132º do CP que estatui: “É suscetível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras a circunstância de o agente: Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão de idade, deficiência, doença …

8. Pessoa particularmente indefesa neste contexto é aquela que se encontra à mercê do agente, incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz, em função de qualquer das qualidades previstas na norma, concretamente em situação de desamparo, como fala Figueiredo Dias (Comentário, Tomo I, página 31). E concretamente estará nessa situação a pessoa que, em razão da idade, doença ou deficiência física ou psíquica, não tem capacidade de movimentos, destreza ou discernimento para tomar conta de si e, logo, para verdadeiramente se defender de uma agressão.

9. Da análise dos factos dados como provados apenas resulta o juízo formulado pelo Tribunal a quo da alegada “fragilidade” em função da idade da ofendida, 79 anos de idade, em contraponto com a idade da arguida, ora recorrente, tendo o tribunal a quo dado como provado: A ofendida …, nascida a 15.03.1938, à data com 79 anos de idade (facto 3), …A arguida … actuou de forma voluntária, deliberada e consciente… bem sabendo que ofendida é uma pessoa frágil e de idade avançada, com 79 anos, portanto naturalmente desprotegida. (facto 12)

10. Para além da idade da vítima nenhum facto foi dado como provado no sentido de atestar a alegada fragilidade, antes pelo contrário da prova produzida resultou que apesar da idade a ofendida … é uma pessoa autónoma, independente e activa, note-se que se deu como provado que a mesma saiu do carro de forma autónoma e rápida para interpelar a arguida, atente-se ao facto 3: “A ofendida …, nascida a 15.03.1938, à data com 79 anos de idade, que se encontrava sentada, no banco de trás do veículo, saiu do mesmo” e até se provou que mesmo após os acontecimento a ofendida deslocou-se, por si mesma, à Óptica e à GNR, - Vide pontos 23. e 24. dos factos provados, sem precisar de auxílio .

11.Em concreto, nenhum facto foi dado como provado e que ateste qualquer fragilidade da ofendida …, pelo contrário, provou-se que a mesma, apesar da idade, não tinha qualquer problema de saúde ou limitação, tanto mais que, de acordo com os factos, dados como provados e ainda a sua filha estava sentada no carro, já a ofendida tinha saído e interpelado a arguida.

12.A idade da ofendida …, por si só, não pode, sem mais, ser vista como geradora de incapacidade da vítima, para retirar-lhe a autonomia. E a “fragilidade”, sendo um mero conceito, teria de ser integrado por factos, não se bastando a conclusão tirada pelo tribunal a quo, no facto 12. “A ofendida é uma pessoa frágil e de idade avançada, com 79 anos, portanto naturalmente desprotegida”.

13.Mal andou o Tribunal a quo, ao considerar que o exemplo-padrão em discussão se preenche com a simples superioridade em razão da idade, que não vai além de uma agravante de carácter geral, ou seja, fez uma aplicação automática em função da idade da ofendida. A especial maior culpa subjacente a esta circunstância qualificativa exige uma atitude, bem mais distanciada dos valores, o que salvo melhor opinião não foi feito pelo Tribunal a quo.

14.Não se preenchendo a circunstância da alínea c) do nº 2 do artº 132º do CP, nem outra ali prevista ou que apresente análoga estrutura valorativa, tem de concluir-se que os factos provados integram somente o crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo art.º 143º do Código Penal.

15.O Tribunal recorrido ao ter considerado que a arguida … praticou um crime de ofensa à integridade física qualificada, na pessoa da ofendida …, ao invés de um crime de ofensa à integridade física simples, incorreu em erro na aplicação do artigo 132°, nº 2, alínea c) do C.P, por remissão do artº 145º nº 2 do Código Penal, o que deve ser apreciado revisto e reformulado por Vªs Exªs, reformulando-se nessa sequência a medida da pena aplicada à recorrente à luz do tipo de ofensa à integridade física simples ao invés de ofensa à integridade física qualificada.

16.Entende ainda a recorrente … que, mal andou o Tribunal a quo, na parte em que a condenou em autoria material, na forma consumada, em concurso real de um crime de ameaça agravado p. e p. pelo art. 153º n.º 1 e 155º n.º 1 al. a) ambos do Código Penal, na pessoa de …, na pena de 80 dias de multa à taxa diária de €5,50, na medida em que esta condenação está errada existindo erro na aplicação do direito aos factos uma vez que, das expressões que vieram a ser dadas como provadas não resulta a ameaça de um mal futuro, pelo que não poderia esta arguida ser condenada pela prática do referido crime.

17.Para sustentar esta condenação o Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos: 6. A arguida …, nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar e enquanto se encontravam a aguardar a chegada das autoridades policiais dirigiu-se ao ofendido … e disse “já houve quem disse que te ia cortar o pescoço, mas agora sou eu que te corto o pescoço, vou-te cortar o pescoço nem que seja no cemitério”.15. Ao actuar da forma descrita, dirigindo-se ao ofendido …, nos termos supra citados, a arguida … tinha o intuito de a atemorizar, causando-lhe receio pela sua integridade física e vida. 16. A arguida … estava consciente de que o procedimento que adoptava era apropriado a criar em …, um sentimento de insegurança e inquietação que coibia a sua liberdade de determinação. 26. O demandante … em consequência directa e necessária da conduta da arguida …, o demandante civil sofreu ansiedade, sentiu-se humilhado.

18.O Tribunal recorrido com base em tais factos, que considerou provados, condenou a recorrente …, em concurso real, pela prática de um crime de ameaça agravado p. e p. pelo art. 153º n.º 1 e 155º n.º 1 al. a) ambos do Código Penal, na pessoa de ….

19.Das afirmações dadas como provadas, não se infere uma anunciação de um mal futuro, pelo contrário, das mesmas resulta apenas uma observação “no calor dos acontecimentos” sem que da mesma se pudesse inferir qualquer ameaça.

20. Ainda que a arguida se tenha dirigido ao ofendido … e lhe tenha dito “sou eu que te corto o pescoço” sem qualquer acto consequente e reportando-se ao presente tal não poderia ter sido considerado pelo Tribunal como facto suficiente para efeitos de condenação pelo crime de ameaça.

21.São elementos essenciais do crime de ameaça do art. 153 do C. Penal o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime; que esse anúncio provoque receio, medo ou inquietação ou lhe prejudique a sua liberdade de determinação e que o agente tenha actuado com dolo.

22.No caso em concreto entende a arguida … que as expressões por si proferidas não foram susceptíveis desde logo de consubstanciar um anúncio de um mal futuro resultando antes de um estado de enorme perturbação por parte da arguida tendo em conta a contenda em que estavam envolvidos, pelo que para além da ausência de mal futuro nem sequer se pode equacionar qualquer dolo por parte da arguida.

23.Acresce ainda que para que se preencha o tipo de crime em causa esse anúncio futuro deve provocar receio, medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do ofendido.

24.Da matéria de facto dada como provada não resulta que o ofendido …to haja sentido receio, medo ou inquietação, nem tão pouco que viu prejudicada a sua liberdade de determinação.

25.Não se provando que a arguida agiu com dolo nem que o ofendido se viu limitado nas suas acções em função das palavras da arguida ou que as mesmas lhe tenham causado medo efectivo, nem tão pouco que das referidas palavras resultasse a ameaça de um mal futuro, entende a arguida que não se encontra preenchido o tipo de crime de ameaça e nessa medida deverá ser revogada a decisão recorrida na parte em que condenou a arguida … pela prática de um crime de ameaça agravado p. e p. pelo art. 153º n.º 1 e 155º n.º 1 al. a) ambos do Código Penal, na pessoa de ….

26.Mais se entende que a decisão recorrida enferma de erro da decisão na fixação da medida concreta da pena nos termos do disposto nos artºs 40º, 70º e 71º do Código Penal.

27. A sentença recorrida peca na medida em que é exagerada e desproporcional face às circunstâncias do caso concreto.

28.O Tribunal a quo errou na aplicação da medida concreta da pena, condenando as arguidas a penas tão pesadas e desajustadas quando, quando as circunstâncias do caso concreto não potenciariam uma condenação tão distante do limite mínimo da pena aplicável, devendo ainda ser tidas em consideração circunstâncias atenuantes em favor das arguidas bem como valorar-se a parca relevância dos factos dados como provados sendo que em suma da matéria dada como provada apenas resulta “uma escaramuça” entre famílias sem danos evidentes a não ser uns certos puxões de cabelos de parte a parte.

29.O art. 71.º do Código Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, sendo que as imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função da reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases da coesão comunitária e para aquietação dos sentimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

30.Sendo que tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

31.A pena não pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

32.Sopesados todos os factos, entendem as recorrentes que a serem condenadas, a pena teria de ser fixada em moldes próximos do mínimo legal, por a isso acarretarem todos os factos atenuantes apresentados pelas arguidas, ora recorrentes.

33.Resulta dos autos, e embora tal não tenha tido relevo no presente processo uma vez que as arguidas apenas respondem nesta qualidade, que foram os ofendidos quem iniciaram a contenda provocando a arguida … e quando esta procurou justificações se iniciou o conflito que acabou por envolver ambas as famílias.

34.Também resulta que as arguidas tiveram de receber tratamento hospitalar pelo que, indirectamente resulta que as mesmas também foram vítimas do crime de ofensa à integridade física por parte dos ofendidos.

35.Pese embora a versão que tenha colhido nos autos foi a apresentada pelos ofendidos, a verdade é que as arguidas foram agredidas pelos referidos ofendidos tendo apresentado também a competente queixacrime, processo este que corre termos sob o nº sob o nº 140/18.0T9LMG, e que se encontra a aguardar marcação de julgamento, não tendo sido apensado aos presentes autos por estarem à data da realização da audiência de julgamento em fases processuais diferentes.

36.Pelo que resulta que as arguidas sofreram danos contra a sua integridade física por parte dos ofendidos tendo inclusive recebido tratamento hospitalar.

37.Acresce ainda nenhuma das arguidas tinha antecedentes criminais, facto este que se entende não ter sido tomado em devida consideração pelo Tribunal a quo.

38.Como fundamentação para a medida concreta da pena e no que concerne a todas as arguidas o Tribunal a quo formulou a seguinte ponderação: “Em concreto e relativamente a todos os ilícitos pondera-se: as exigências, significativas, de prevenção geral que no caso se fazem sentir, face ao elevado índice de criminalidade deste tipo que se regista na nossa sociedade, gerador de um sentimento geral de insegurança, a ilicitude do facto, média, atentas as lesões provocadas, o dolo, directo; a culpa da arguida, de também de relevo, atento o concreto grau da ilicitude dos factos e modo de actuação; as exigências de prevenção especial, que se afiguram não assumir particular intensidade em face da inexistência de antecedentes criminais, Tudo visto e ponderado, mostra-se adequada a aplicação a esta arguida das seguintes penas:”

39.Ou seja a fundamentação da medida da pena a aplicar às arguidas foi geral e abstracta sem se ter pronunciado o Tribunal quanto às circunstâncias de cada uma das arguidas e que abonavam em seu favor.

40.Se por um lado se aceitam as considerações de prevenção geral que o tipo de crime fazem sentir por outro a verdade é que no caso em concreto tudo não passou de “uma contenda” “uma escaramuça” entre famílias sem quaisquer danos significativos a considerar.

41.As penas concretamente aplicadas às arguidas violam assim os ditames da razoabilidade e proporcionalidade na escolha da medida concreta da pena.

42.Atendendo às circunstâncias concretas do caso em apreço revela-se inteiramente proporcional, adequado e justo reduzir substancialmente as penas aplicáveis para próximo do mínimo legal, atendendo todas as circunstâncias que abonam em favor das recorrentes.

43.No que concerne à arguida … sempre se terá de ter em consideração a reformulação da sentença em causa na medida em que a mesma não poderia ser condenada pelo crime de ofensa à integridade física qualificada como o foi, pelo que primeiramente, deverá o Tribunal alterar tal condenação para após encontrar uma medida concreta dentro da moldura legal aplicável ao crime de ofensa à integridade física simples.

44.Entendem ainda as arguidas que o arbítrio das indemnizações aos ofendidos é exagerado, infundado e desproporcional, sendo que face às circunstâncias do caso concreto não deveriam as arguidas ser condenadas a pagar qualquer indemnização aos ofendidos, desde logo porque como já se referiu as próprias arguidas também sofreram elas danos passíveis de ressarcimento.

45.O episódio descrito nos autos não teve danos de maior resultando a descrição dos autos essencialmente de uma “escaramuça com puxões de cabelos e estalos” entre duas famílias.

46.Pelo que, desde logo atenta a redução das penas supra referida devem por maioria de razão e pelos mesmos argumentos ser reduzidos os quantitativos indemnizatórios fixados aos ofendidos.

47.Entendem ainda as arguidas que ainda que assim não fosse os montantes arbitrados são desproporcionais comparativamente com casos similares decididos pelo mesmo Tribunal de primeira instância.

NESTES TERMOS, e nos melhores de Direito deverá conceder-se integral provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença recorrida - por violação entre outros do disposto nos artigos 379º nº 1 al c) do CPP, 40°, 70°, 71º, 72º, 73º e 74º 132°, nº 2, alínea c) do C.P, por remissão do artº 145º nº 2, 153º n.º 1 e 155º n.º 1 al. a) todos do Código Penal, declarando-a ilegal e reformulando-a nos termos supra sugeridos.


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Respondeu o digno magistrado do MºPº junto do tribunal recorrido sustentando a total improcedência do recurso.

Responderam os assistentes …, … e … sustentando, também, a total improcedência do recurso.

Neste Tribunal o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual conclui:

- o recurso interposto pelas arguidas deve ser julgado procedente na parte em que, no que à agressão que vitimou a assistente … respeita, reivindica a condenação da arguida … apenas pelo crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artº 143º.1 do Cód. Penal. e, em consequência e nos termos do art. 431º, aI. a), do CPP, ser esta arguida condenada em pena de multa, pena esta que se admite possa ser de igual duração e valor diário daquelas outras duas em que foi condenada, operando-se, após, o necessário cúmulo jurídico entre as três penas, nos termos do art. 77º.1 do Cód. Penal;

ou, assim não se entendendo,

- deve a douta sentença recorrida ser declarada nula no que à fundamentação da qualificação do referido crime respeita, nos termos das disposições conjugadas dos artºs 374º.2 e 379º.1, aI. al, do CPP, reenviando-se os autos à 1ª Instância para a correção do apontado vício;

- em tudo o mais, deve o recurso interposto pelas arguidas improceder.

Corridos vistos, mantendo-se a validade do processo afirmada no despacho liminar do relator, cumpre apreciar os fundamentos do recurso e decidir.


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II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Síntese das questões a decidir

Vistas as conclusões, que definem o objeto do recurso, este incide exclusivamente sobre matéria de direito. Sendo colocadas à consideração deste tribunal as seguintes questões: - não verificação, no caso, em relação o crime de ofensa à integridade física na pessoa da … pelo qual vem condenada a recorrente …, da qualificativa prevista no art. 132º, 2, c) do C. Penal (conclusões 2 a 15); - não verificação dos pressupostos (mal futuro) do crime de ameaça agravado pelo qual vem condenada a recorrente … (conclusões 16 a 24); - medida concreta das penas (conclusões 26-43); - valor das indemnizações arbitradas (conclusões 44-47); - nulidade da sentença por falta de fundamentação da qualificação do crime na pessoa da …, questão suscitada subsidiariamente no douto parecer.

Para proceder à apreciação importa ter presente a matéria de facto provada.

2. A MATÉRIA DE FACTO PROVADA, não impugnada, é a seguinte:

1. No dia 05 de Setembro de 2017, pelas 12h20, na Rua …, …, (...) , as arguidas …e …, viram o veículo de matrícula …, marca Ford, modelo Focus, em que se fazia transportar (o ofendido … – como descrito na acusação) juntamente com as ofendidas …e ….

2. Após o veículo do ofendido se encontrar imobilizado, no referido local, as arguidas … e … abeiraram-se junto da porta da frente do lado do passageiro daquele e aproveitando que o vidro se encontrava aberto, a arguida … desferiu através do mesmo, várias bofetadas na face do lado direito da ofendida … bem como lhe puxou os cabelos e a arguida … também desferiu da mesma forma, murros na cabeça da ofendida …, puxando-a para o exterior do veículo, o que lhe provocou ferimentos no braço direito.

3. A ofendida …., nascida a 15.03.1938, à data com 79 anos de idade, que se encontrava sentada, no banco de trás do veículo, saiu do mesmo, tendo em acto contínuo, a arguida … desferido à ofendida … uma bofetada, na face do lado direito e puxou-lhe os cabelos, fazendo com que os seus óculos caíssem ao chão e partissem.

4. Neste seguimento, o ofendido … e a arguida …, chegaram ao local.

5. Quando o ofendido … se aproximou das três arguidas, estas agarraram-no e empurraram-no contra o muro, projectando-o no chão, causando-lhe ferimentos, nomeadamente no joelho.

6. A arguida …, nas supra referidas circunstâncias de tempo e lugar e enquanto se encontravam a aguardar a chegada das autoridades policiais dirigiu-se ao ofendido … e disse “já houve quem disse que te ia cortar o pescoço, mas agora sou eu que te corto o pescoço, vou-te cortar o pescoço nem que seja no cemitério".

7. Mercê das referidas condutas, o ofendido … sofreu:

- no membro superior direito, múltiplas escoriações lineares, avermelhadas, localizadas na face posterior do antebraço maiores das quais com 2 cm de comprimento; no membro superior esquerdo, múltiplas escoriações lineares, avermelhadas, localizadas na face posterior do antebraço maiores das quais com 5 cm de comprimento;

- no membro inferior direito, escoriação avermelhada de 7 cm por 5 cm de maiores dimensões.

Tais lesões determinaram 8 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

8. Mercê das referidas condutas, a ofendida … sofreu:

-no membro superior direito, cinco equimoses de coloração amarelo-verde-arroxeada, localizadas na face anterior do terço superior do antebraço com 7 cm por 5 cm; com 4 cm por 3 cm; com 5 cm por 4 cm; com 5 cm por 2,5 cm, outras duas na face ântero-lateral do punho com 1,5 cm de maior diâmetro, mobilidade do braço com limitação dolorosa;

- no membro superior esquerdo, equimose de coloração amarelo-verde-arroxeada, localizada na face ântero-Iateral do punho com 1,5 cm de maior diâmetro, mobilidade do punho com limitação dolorosa.

Tais lesões determinaram 8 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

9. Mercê das referidas condutas, a ofendida … sofreu:

- na face, escoriações com crosta acastanhada, localizadas na metade direita da região frontal com 0,5 cm de comprimento, na hemiface direita com 0,7 cm de comprimento, no terço superior do dorso do nariz com 0,5 cm, tumefacção na região zigomática a direita sem dores à palpação.

- no membro superior direito, área de escoriação com crosta acastanhada, localizada na face postero-Iateral do terço inferior do braço com 4 cm por 3 cm; duas áreas de equimoses de coloração amarelo-verde-arroxeada, localizadas na face lateral do braço das quais superior com 4 cm por 2 cm e inferior com 7 cm por 3 cm de maiores dimensões;

- no membro superior esquerdo, equimose de coloração amarelo-verde-arroxeada, localizada na face lateral do braço com 2 cm por 2 cm de maiores dimensões.

Tais lesões determinaram 6 dias para cura, sem afectação da capacidade de trabalho geral.

10. A arguida … actuou de forma voluntária, deliberada e consciente com intenção conseguida de molestar fisicamente, os ofendidos … e …, causando-lhes dores e ferimentos, com as condutas acima descritas.

11. A arguida … actuou de forma voluntária, deliberada e consciente com intenção conseguida de molestar fisicamente, os ofendidos … e …, causando-lhes dores e ferimentos, com as condutas acima descritas.

12. A arguida … actuou de forma voluntária, deliberada e consciente com intenção conseguida de molestar fisicamente, a ofendida …, causando-lhe dores e ferimentos, com as condutas acima descritas, bem sabendo que ofendida é uma pessoa frágil e de idade avançada, com 79 anos, portanto naturalmente desprotegida.

13. Sabia ainda que, pelo facto de ter relativamente a esta superioridade física, aproveitava-se das limitações derivadas da idade avançada desta, para melhor concretizar os seus intentos, o que quis e conseguiu.

14. A arguida … actuou de forma voluntária, deliberada e consciente com intenção conseguida de molestar fisicamente, o ofendido …, causando-lhe dores e ferimentos, com as condutas acima descritas.

15. Ao actuar da forma descrita, dirigindo-se ao ofendido …, nos termos supra citados, a arguida … tinha o intuito de a atemorizar, causando-lhe receio pela sua integridade física e vida.

16. A arguida … estava consciente de que o procedimento que adoptava era apropriado a criar em …, um sentimento de insegurança e inquietação que coibia a sua liberdade de determinação.

17. Agiram todas as arguidas, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que as condutas que adoptavam eram proibidas e punidas pela lei.

18. Em virtude das lesões sofridas, o ofendido e demandante civil … deslocou-se ao Gabinete Médico-Legal de X (...) , na cidade de X (...) , para realização de exame médico-legal, pelo que fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside, tendo percorrido, no total, cerca de 116 Km, ida e volta.

19. O demandante civil … efectuou numero não concretamente apurado de deslocações ao Centro de Saúde de (...) , sito na cidade de (...) , para consulta médica e curativos, pelo que fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside, tendo percorrido,

20. O demandante … em virtude da referida conduta das demandadas sofreu dores físicas e ficou transtornado, envergonhado com a humilhação pública.

21. A demandante … teve que comprar novas lentes para os seus óculos onde gastou a quantia de € 300,00 (trezentos euros).

22. A demandante civil … deslocou-se ao Gabinete Médico- Legal de X (...) , na cidade de X (...) , para realização de exame médico-legal, pelo que fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside, tendo percorrido, no total, cerca de 116 Km, ida e volta.

23. A demandante … deslocou-se duas vezes à Óptica médica - PARENTE ÓPTICA MÉDICA - sita em (...) , (...) , pelo que fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside.

24. A demandante … deslocou-se ao Posto Territorial da (...) Nacional Republicana (G.N.R.) de (...) , sito na cidade de (...) , pelo que, fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside.

25. Em virtude da conduta da arguida …, a demandada … sofreu dores físicas, designadamente no couro cabeludo, na face e no braço e sentiu ansiedade, transtornada e envergonhada com a humilhação pública.

26. O demandante … em consequência directa e necessária da conduta da arguida …, o demandante civil sofreu ansiedade, sentiu-se humilhado.

27. A demandante … deslocou-se ao Gabinete Médico- Legal de X (...) , na cidade de X (...) , para realização de exame médico-legal, pelo que fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside, tendo percorrido, no total, cerca de 116 Km, ida e volta.

28. Deslocou-se ao Centro de Saúde de (...) , sito na cidade de (...) , para realização de consulta médica, pelo que fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside.

29. De igual modo, a demandante civil deslocou-se ainda a Lamego para realização de um T AC, pelo que fez despesas com os transportes, desde …, localidade onde reside, tendo percorrido,

30. Em virtude da conduta da arguida … e …, e como resultado directo de tais agressões, sofreu a demandante … dores físicas, ansiedade, transtornada e envergonhada com a humilhação pública.

31. As arguidas não têm antecedentes criminais.

32. A arguida … aufere cerca de €500,00 mensais; vive com o marido e duas filhas menores de idade; vivem em casa própria; pagam as prestações mensais de cerca de €300,00 e €150,00 relativas a empréstimos contraídos, para aquisição de habitação e de carro, respectivamente.

33. A arguida …está desempregada, vive com os pais.

34. A arguida … é doméstica; o marido trabalha ao dia na agricultura; moram em casa própria.

35. As arguidas são tidas por pessoas respeitadas e respeitadoras por quem as conhece.


***

3. Apreciação

3.1. Verificação da agravante qualificativa prevista no art. 132º, 2, c) do C. Penal em relação ao crime de ofensa à integridade física na pessoa da … pelo qual vem condenada a recorrente ….

Neste âmbito vem invocada no douto parecer, ainda que subsidiariamente, a questão da nulidade da sentença por falta de fundamentação.

Por uma questão de precedência lógica, importa apreciar a questão desde já.

A sentença recorrida enfrenta especificamente a questão concluindo pela sua verificação por (mero) efeito da idade de 79 anos da vítima.

Afigura-se assim perfeitamente identificável o percurso valorativo em que assenta a decisão recorrida. Aliás a recorrente compreendeu a aludida motivação, tanto que impugna o mérito dessa valoração efectuada, em via de recurso. Designadamente quando alega (cfr. conclusão 20) “Para além da idade da vítima nenhum facto foi dado como provado no sentido de atestar a alegada fragilidade”.

A questão será assim do mérito da fundamentação aduzida que não propriamente da sua ausência.

Passando à apreciação de mérito

Está em causa a qualificativa prevista no art. 132º, 2, c) do C. Penal, por remissão do art. 145º, nº 1, a) e nº2.

Postula o preceito em questão: 2- É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente: (…) c) Praticar o facto contra pessoa particularmente indefesa, em razão da idade, deficiência, doença ou gravidez.

As circunstâncias previstas no nº 2 do artº 132º do Código Penal são elementos da culpa, enquanto susceptíveis de, entre outras, revelar a especial censurabilidade ou perversidade do arguido. Deste modo, o legislador enveredou pela técnica dos exemplos-padrão como fundamento para a afirmação de uma culpa agravada.

Aqui a culpa (atitude interna do agente) é algo de materializável, susceptível de graduações e as circunstâncias do caso devem ser globalmente apreciadas.

Enquanto a especial censurabilidade se reporta às componentes da culpa relativas ao facto, com a referência à especial perversidade tem-se em vista as componentes da culpa relativas ao agente. A especial censurabilidade ou perversidade está ligada ao conceito de “reprovabilidade” (grau de rejeição, de incompreensão, da sociedade a quem repugnam as tendências egoístas do agente) e não tanto ao conceito de “perigosidade”.

Como ensina Figueiredo Dias (Comentário Conimb., Tomo I, págs. 25/26), no homicídio qualificado “a qualificação deriva da verificação de um tipo de culpa agravado, assente numa cláusula geral e extensiva e descrito com recurso a conceitos indeterminados: “a especial censurabilidade ou perversidade” do agente referida no nº 1; verificação indiciada por circunstâncias ou elementos, uns relativos ao facto, outros ao autor, exemplarmente elencados no nº 2. Elementos estes assim, por um lado, cuja verificação não implica sem mais a realização do tipo de culpa e a consequente qualificação; e cuja não verificação, por outro lado, não impede que se verifiquem outros elementos substancialmente análogos (não deve recear-se o uso da palavra “análogos”) aos descritos e que integrem o tipo de culpa qualificador. Deste modo devendo afirmar-se que o tipo de culpa supõe a realização dos elementos constitutivos do tipo orientador (…) que resulta de uma imagem global do facto agravada correspondente ao especial conteúdo da culpa tido em conta no art. 132º- 2”

Como decidiu o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19 de Fevereiro de 2003 (acessível em www.dgsi.pt), “as circunstâncias referidas no nº 2 do art. 132º do C.P. constituem apenas indícios da existência de especial censurabilidade ou perversidade, isto é, não são automáticas”.

Por conseguinte, não basta o preenchimento objectivo de uma qualquer ou de várias das alíneas do nº 2 do art. 132º, ou de qualquer outra circunstância substancialmente análoga às aí descritas, para que o tipo qualificado de homicídio esteja preenchido. É sempre necessário que, além do preenchimento objectivo de pelo menos uma dessas alíneas ou de circunstância substancialmente análoga, também se proceda à autónoma comprovação da existência de uma especial censurabilidade ou especial perversidade do agente.

Focando o caso dos autos, a idade da vítima constitui uma das 4 situações previstas no preceito, susceptíveis de (“em razão de”), como referido, integrar a previsão “particularmente indefesa”.

Ora, não resulta da acusação que, por efeito ou “em razão da” da idade, a vítima estivesse, por alguma forma, limitada nas suas capacidades físicas ou intelectuais ou que se apresentasse, perante o agressor, como tal. Muito menos que padecesse de qualquer fragilidade “particularmente” grave.  

Do mesmo modo, do ponto de vista subjectivo, por maioria da razão, não resulta provado qualquer aproveitamento, pré - ordenado, pela arguida, de qualquer situação de fragilidade ou incapacidade de … que a tornasse especialmente vulnerável ou de que a arguida quisesse, de alguma forma, aproveitar-se.

Pelo contrário, em sentido oposto apontam as seguintes circunstâncias:

- … encontrava-se bem de saúde, sem qualquer limitação intelectual ou de movimentos, numa situação corrente do dia-a-dia – tinha chegado ao local, de automóvel, sentada no banco de trás;

- Não se encontrava só ou desamparada – vinha acompanhada, além do condutor, pela também ofendida …;

- Não era, sequer, a pessoa visada quando as arguidas se abeiraram do automóvel e deram início à contenda - pelo contrário as arguidas dirigiram-se à porta da frente do lado do passageiro do veículo onde se encontrava a ofendida … (pessoa que visavam) a quem ofenderam corporalmente e puxaram para o exterior do veículo;

- …, apenas foi ofendida depois de sair do automóvel, por sua iniciativa, em auxílio de … – portanto sem qualquer limitação física aparente;

- Não existindo, tão-pouco, qualquer motivação subjetiva, específica da arguida, pré – ordenada ou dirigida à sua pessoa.

Não se verificam, pois, os pressupostos da aludida qualificativa, nem do tipo objectivo nem, tão-pouco, do ponto de vista subjectivo. Impondo-se assim a procedência do recurso nesta parte.

3.2. Crime de ameaça pelo qual vem condenada a recorrente … (conclusões 16 a 24)

Alega a recorrente neste âmbito, em suma, que “das expressões que vieram a ser dadas como provadas não resulta a ameaça de um mal futuro (…) ainda que a arguida se tenha dirigido ao ofendido … e lhe tenha dito «sou eu que te corto o pescoço» sem qualquer acto consequente e reportando-se ao presente tal não poderia ter sido considerado pelo Tribunal como facto suficiente para efeitos de condenação pelo crime de ameaça”.

Questiona assim a decisão na vertente da inexistência de ameaça de um mal futuro e de qualquer acto consequente, o mesmo é dizer de resultado.

Nos termos previstos no artigo 153º, n.º1 do C. Penal (redacção introduzida pela reforma de 1995 - DL n.º 48/95, de 15.03 - mantida inalterada pela revisão de 2007 operada pela Lei 59/2007 de 04.09) pratica o crime de ameaça “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.

Como resulta claro do enunciado do tipo acabado de reproduzir, o crime perfectibiliza-se com a ameaça com a prática de crime (…) “adequada a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação”.

Com a revisão de 1995 (que introduziu o enunciado reproduzido) o crime deixou de ser um crime de resultado passando a constituir um crime de mera acção e perigo concreto - cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal tomo 1, pág. 348/349.

Não se exige que tenha sido provocado, em concreto, o medo ou inquietação. Mas apenas que a ameaça seja adequada, em termos de juízo de causalidade adequada, a provocar no visado medo ou inquietação ou afectar a sua paz individual ou liberdade de determinação.

O nexo de causalidade adequada deve “ser referido ao momento em que a acção se realiza, como se a produção do resultado não se tivesse ainda verificado, isto é de um juízo ex ante. Este juízo deve ser feito segundo as regras da experiência comum aplicadas às circunstâncias concretas da situação, segundo as regras da experiência normais e as circunstâncias concretas em geral conhecidas, não se devendo porém abstrair, para a sua determinação, das circunstâncias que o agente efectivamente conhecia” – cfr. Eduardo Correia, Direito Criminal, I vol., p. 257 “

O critério da relevância da ameaça pode assim ser qualificado de objectivo-individual; objectivo no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que, tendo em conta as circunstâncias em que é produzida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar qualquer pessoa; individual no sentido de que devem relevar as características psíquico-mentais da pessoa ameaçada conhecidas do agente.

Constituem elementos do tipo do crime de ameaça previsto e punido no art. 153º do CP:

a) o anúncio de que o agente pretende infligir a outrem um mal que constitua crime, tanto podendo ser pessoal (vg integridade física) como patrimonial (vg destruição de um objecto);

b) o mal anunciado é futuro, ou seja não pode ser iminente;

c) a ocorrência do mal tem que estar na dependência da vontade do agente, não bastando o simples aviso ou advertência para se considerar cometido o crime de ameaça;

d) a ação tem que revelar-se adequada a provocar medo ou inquietação no visado ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.

A que acrescem os elementos do tipo subjectivo doloso, em qualquer das modalidades previstas no art. 14º do C. Penal – previsão e vontade de realização da ameaça adequada a provocar medo ou intranquilidade.

Ora, no caso sob apreciação, resulta do ponto 6 da matéria provada que a arguida … dirigiu-se ao ofendido … e disse “já houve quem disse que te ia cortar o pescoço, mas agora sou eu que te corto o pescoço, vou-te cortar o pescoço nem que seja no cemitério".

No contexto da matéria apurada a arguida não estava munida de instrumento nem em vias de facto para cortar o pescoço, ali, na hora, ao visado nem ensejou fazê-lo, no momento. É manifesto que a ameaça se referia a um momento futuro, propício. Potenciando aliás o receio pela incerteza do momento.

Por outro lado a adequação da ação, no contexto da prática dos factos, de litígio aberto, amadurecido, surge como manifesta – nem é verdadeiramente posta em causa no recurso, perspetivado para a inexistência do resultado e não da mera adequação para causá-lo.

Improcede assim o recurso nesta parte.

3.3. Medida concreta das penas (conclusões 26-43)

Por efeito da desqualificação operada do crime de ofensa à integridade física na pessoa de …, a moldura abstrata da pena aplicável ao crime correspondente, de prisão até 4 anos (crime qualificado) passa a pena de prisão até 3 anos ou multa até 240 dias (crime p e p pelo art. 143º).

A natureza diferente da pena agora aplicável, em abstracto, ao crime obriga à consequente modificação da pena a aplicar em concreto.

Na opção entre a prisão ou a multa, dentro da economia da decisão recorrida (não questionada neste particular) designadamente na parte relativa aos dois outros crimes pp pelo art. 143º CP praticados pela recorrente …, atento o disposto no art. 70º do CP, será aplicada, também a este crime, pena de multa.

No que toca à medida concreta da pena de multa a aplicar, esta relaciona-se com as críticas dirigidas às duas penas de multa, aplicadas pela decisão recorrida como pena principal. Pelo que se procede à (re)apreciação conjunta da medida das três penas de multa.

Depois de optar pela aplicação da multa, numa moldura até 240 dias a sentença recorrida aplicou salomonicamente a cada uma das arguidas, por cada um dos crimes de ofensa à integridade física, 120 dias de multa.

Ao crime de ameaça – numa moldura abstrata de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias – aplicou 80 dias de multa.

Os fundamentos invocados pelas recorrente são de que:

- a arguida … não poderia ser condenada pelo crime de ofensa à integridade física qualificada;

- “as próprias arguidas também sofrerem elas danos passíveis de ressarcimento”.

O primeiro fundamento foi já apreciado supra para efeito de moldura abstrata.

O segundo, não tendo suporte na matéria de facto provada, tem que improceder.

No mais alegam os recorrentes genericamente (cfr. em especial a conclusão 39), que “a fundamentação da medida da pena a aplicar às arguidas foi genérica e abstracta sem se ter pronunciado quanto às circunstâncias de cada arguida (…) devem ser reduzidas substancialmente as penas aplicáveis para próximo do mínimo legal”.

Ora tal fundamentação não cumpre o ónus imposto, para a matéria de direito, no art. 412º, nº2, alínea b) do CPP. Não impugnando especificadamente os fundamentos da decisão recorrida dentro dos pressupostos da sentença - nem quanto ao número de dias de multa (critério do art. 47º nº1 do CP) nem quanto à respectiva taxa diária (critério do art. 47º, 2 do CP).

Pelo que, tendo em vista, ainda que o nº de dias de multa foi arbitrado significativamente abaixo do meio-termo da moldura abstracta e a taxa diária rente ao limite mínimo, não existe fundamento para modificar a decisão recorrida no âmbito das penas de multa aplicadas.

No que diz respeito ao crime pp no art. 143º, 1 do CPP na pessoa de … (qualificação supra operada), tendo em vista os fundamentos não rebatidos da sentença recorrida quanto aos restantes crimes da mesma natureza e o equilíbrio relativo entra as múltiplas penas relativas ao mesmo tipo de crime, não pode deixar de ser fixada nos mesmos 120 dias, para cada crime, à mesma taxa diária.

3.4. Valor das indemnizações arbitradas (conclusões 44-47)

Os montantes arbitrados pela decisão recorrida são questionados apenas com base na procedência, prévia, do recurso na parte relativa à responsabilidade criminal conexa com a responsabilidade civil.

Alegam as recorrentes que “não deveriam as arguidas ser condenadas a pagar qualquer indemnização (…) porque as próprias arguidas também sofrerem elas danos passíveis de ressarcimento”.

Trata-se, porém, de pressuposto fáctico não apurado por não resultante da matéria provada. Pelo que, improcedendo a premissa, dela decorre a improcedência da conclusão que a tem como pressuposto.

No mais, tendo em vista a natureza dos danos (lesões corporais, ofensas à integridade física) e o valor módico das quantias arbitradas dentro dos critérios previstos nos artigos 494º-496º do Civil ex vi do art. 129º do CPP, também aqui as recorrentes não cumprem ónus imposto no art. 412º, nº2, alínea b) do CPP, não invocando outros fundamentos específicos atendíveis dentro do aludido quadro legal, capazes de impor decisão diversa da recorrida.

Pelo que, sem necessidade de mais extensas considerações, se impõe a improcedência do recurso também nesta parte.

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, decide-se:

- Julgar o recurso parcialmente procedente, na parte relativa ao crime de ofensa á integridade física na pessoa de …, condenando a arguida … pela prática, do crime de ofensa à integridade física (simples), p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa daquela …, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos); e

- Reformular o cúmulo jurídico, por efeito da decisão anterior, nele englobando agora, além das duas penas de multa aplicadas pela decisão recorrida, a pena de multa ora aplicada pelo crime de ofensa à integridade física p. p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa daquela …, condenando a arguida …, em cúmulo jurídico, na pena única de 220 (duzentos e vinte) dias de multa, à taxa diária de €5,50 (cinco euros e cinquenta cêntimos);

- Julgar improcedente o recurso interposto pelas arguidas em relação a tudo o mais não previsto nos pontos anteriores em que é mantida a decisão recorrida.

Sem custas (decaimento não total – artigo 513º, 1 do CPP)

            Coimbra, 27 de Março de 2019

               Belmiro Andrade (relator)

               Luís Ramos (adjunto)