Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
421/09.3TTFIG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: AZEVEDO MENDES
Descritores: AMPLIAÇÃO DO PEDIDO
ADMISSIBILIDADE
Data do Acordão: 10/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTºS 273º, NºS 1 E 2, DO CPC; E 28º DO CÓDIGO PROCESSO DO TRABALHO
Sumário: I – O artº 28º do CPT refere-se à situação de cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir.

II – O nº 3 do citado artº 28º permite que o autor adite novos pedidos (com novas e ajustadas causas de pedir), se justificar a sua não inclusão na petição.

III – Não comportando a forma do processo seguida a existência de réplica, o pedido apenas pode ser alterado (ampliado) nos termos do artº 273º, nº 2, do CPC, isto é, se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. O autor intentou contra as rés a presente acção declarativa de condenação, na forma comum, pedindo designadamente que os contratos a termo que celebrou com as 1ª, 2ª e 3ª rés sejam declarados nulos, tendo sido feitos para “camuflar” verdadeiro contrato de trabalho que celebrou com a 4ª ré, e que esta seja condenada a reconhecer despedimento ilícito, bem como nos créditos daí decorrentes. Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, quanto à 4ª ré, pede que todas eles sejam condenadas a pagar as quantias peticionadas.
Alegou, em síntese útil, que de Abril de 2003 a 31.12.2008 trabalhou na fábrica da 4ª ré, exercendo sempre as mesmas funções. Que essa ré não contratou consigo directamente, mas através das outras rés, mediante a outorga de contratos a termo. Alegou, ainda, mês a mês quantias que as 1ª, 2ª e 3ª rés lhe foram pagando, com vista a fundamentar créditos por diferenças salariais decorrentes da aplicação de IRCT que identifica.

Mais tarde, em requerimento autónomo, veio deduzir ampliação do pedido, ao abrigo do disposto no artigo 273.º n.º 2 do C. P. Civil, alegando:
- que na petição invocou a existência de diferenças salariais, liquidando o seu quantitativo, mas por lapso não pediu, a final, a condenação da 4ª ré no seu pagamento;
- que alegou na petição que prestou trabalho para a 4ª ré em horários que descriminou, decorrendo daí que prestou 40 horas de trabalho semanal, quando pelo IRCT aplicável deveria ter trabalhado não mais do que 35 horas semanais, pelo que prestou em cada semana 5 horas de trabalho suplementar;
- que de Abril de 2003 a 31/12/2005, como alegou na petição, trabalhou em regime de 3 turnos rotativos, pelo que o trabalho suplementar prestado deveria ter sido compensado com 28 dias de folga de compensação, à excepção do ano de 2003, em que deveria ter gozado 21 dias de folga de compensação.
Em face disso, procede a liquidação das quantias devidas por trabalho suplementar, alegando que não lhe foram pagas, e, concluindo, requereu a ampliação dos pedidos, principal e subsidiário, pedindo agora, mais, a condenação das rés a pagarem-lhe (ou a 4ª ré, a título principal, ou todas elas, a título subsidiário) as seguintes quantias:
- € 11.234,24, somatório das diferenças salariais calculadas nos arts. 121.º a 212.º da petição inicial;
- € 7.584,52, somatório do trabalho suplementar prestado nos 77 dias de folga de compensação a que tinha direito e em que trabalhou, nos anos de 2003, 2004 e 2005;
- € 9.159,42, somatório do trabalho suplementar prestado nos anos de 2006, 2007 e 2008;
- juros de mora sobre essas quantias, contados desde a citação até integral pagamento.

O Sr. Juiz do tribunal recorrido, perante a ampliação, proferiu o seguinte despacho:

Face à ampliação do pedido agora efectuada, que se admite (art. 273.º/2/2ª parte do CPC), dou sem efeito a data de audiência de julgamento e ordeno a notificação das rés para, querendo, contestarem a ampliação, no prazo legal.”

 

É deste despacho que a ré Regivir – Empresa de Cedência de Pessoal e Serviços de Limpeza, Lda vem agora recorrer apresentando, nas correspondentes alegações, as seguintes conclusões:

[…]

O Sr. juiz do tribunal recorrido sustentou a sua decisão.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, pronunciou-se o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, defendendo que o recurso não deve merecer provimento.


*

III.  As conclusões da alegação da recorrente delimitam o objecto do recurso, não podendo o tribunal conhecer de questões nelas não compreendidas, salvo tratando-se de questões de conhecimento oficioso.
Decorre do exposto que a questão que importa dilucidar e resolver é a da admissibilidade da ampliação do pedido acima mencionada e apenas no que toca à matéria do trabalho suplementar, já que a ampliação circunscrita ao pedido de condenação na quantia de “€ 11.234,24, somatório das diferenças salariais calculadas nos arts. 121.º a 212.º da petição inicial” não vem posta em causa.

Vejamos:

O autor invocou o disposto no art. 273.º, n.º 2, do Cód. Proc. Civil para justificar a ampliação do pedido inicial.

O Sr. juiz, no despacho recorrido, apoiou-se no mesmo preceito para admitir a ampliação.

A recorrente vem dizer que nem esse preceito, nem o disposto no art. 28.º do Cód. Proc. do Trabalho, permitem a ampliação

Ora, dispõe o art. 273.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil, o seguinte:

1. Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada na réplica, se o processo a admitir, a não ser que a alteração ou ampliação seja consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor.

2. O pedido pode também ser alterado ou ampliado na réplica; pode, além disso, o autor, em qualquer altura, reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

Por sua vez, estabelece o art. 28.º do Cód. Proc. do Trabalho:

1. É permitido ao autor aditar novos pedidos e causas de pedir, nos termos dos números seguintes.

2. Se até à audiência de discussão e julgamento ocorrerem factos que permitam ao autor deduzir contra o réu novos pedidos, pode ser aditada a petição inicial, desde que a todos os pedidos corresponda a mesma espécie de processo.

3. O autor pode ainda deduzir contra o réu novos pedidos, nos termos do número anterior, embora esses pedidos se reportem a factos ocorridos antes da propositura da acção, desde que justifique a sua não inclusão na petição inicial”.

O artigo 28.º do CPT refere-se, como se observa da sua epígrafe, à situação de cumulação sucessiva de pedidos e causa de pedir e é diversa da situação enunciada no art. 273.º do CPCivil.

No caso, o art. 28.º n.º 3 permitiria ao autor aditar novos pedidos (com novas e ajustadas causas de pedir) se justificasse a sua não inclusão na petição.

Ora, como a recorrente refere, o autor não apresentou justificação (qualquer justificação) para essa inclusão. De resto não apoiou o seu pedido de ampliação neste dispositivo.

De modo que está afastado que a ampliação em causa possa fundar-se aí.

Não comportando a forma do processo a existência de réplica, o pedido apenas poderia ser alterado (ampliado), nos termos do art. 273.º n.º 2 do CPC “se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo”.

Está para nós claro que ele não é consequência do pedido primitivo. Nenhum pedido foi formulado na petição que possa ter como consequência o pedido de pagamento de trabalho suplementar.

In casu, o fundamento do pedido resulta de ter prestado trabalho suplementar e de ele não lhe ter sido pago.

Mas esta causa de pedir é diversa da que suporta os pedidos efectivamente formulados na petição inicial, sabendo-se que os mesmos se referiam nuclearmente às consequências da ilicitude de despedimento.

E, sendo a causa de pedir o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido, isto é, ao pedido, não nos merecem dúvidas que o pedido formulado no requerimento do autor não é o desenvolvimento do pedido efectuado na petição inicial, pois derivam de diferentes factos concretos. Estamos perante diferentes causas de pedir e de diferentes pedidos.

Por isso, o disposto no art. 273.º, n.º 2, 2ª parte, do Cód. Proc. Civil não tem aplicação na vertente hipótese, pois a norma pressupõe sempre a mesma causa de pedir e um só pedido, quando aqui estamos perante duas causas de pedir e distintos pedidos a eles correspondentes.

O pedido de pagamento de trabalho suplementar não é assim desenvolvimento ou consequência do pedido de declaração de ilicitude do despedimento e da condenação na reintegração do trabalhador, na indemnização decorrente do despedimento ilícito, nas retribuições de tramitação ou nos juros de mora sobre as quantias daí decorrentes.

Por isso, o despacho agravado não pode subsistir na medida da impugnação feita no recurso, não sendo admissível a ampliação impugnada.

Procede, assim, o recurso de agravo.


*

III- DECISÃO
Pelos fundamentos expostos, delibera-se julgar procedente o agravo e, em consequência, alterar a decisão recorrida, admitindo-se apenas a ampliação requerida pelo autor quanto ao pedido de condenação no pagamento de € 11.234,24, somatório das diferenças salariais calculadas nos arts. 121.º a 212.º da petição inicial, e indeferindo-se quanto ao mais pedido.

Custas pelo autor.


AZEVEDO MENDES (RELATOR)
FELIZARDO PAIVA
FERNANDES DA SILVA