Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3573/17.5T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/05/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 483, 564, 566 CC
Sumário: I- O dano biológico ou dano na saúde é sempre indemnizável independentemente das suas consequências patrimoniais ou não patrimoniais, influindo estas apenas no seu quantitativo.

II - Tendo o autor 47 anos à data do acidente; tendo permanecido 221 dias em estado de doença, suportado sofrimentos (quantum doloris) situados no grau 4 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente; sendo portando de um dano estético permanente enquadrável no grau 1 da mesma escala, é ajustado fixar a indemnização por estes danos em 7.500,00 euros.

Tendo ficado com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 5 pontos numa escala ascendente de 100, que se reflete numa diminuição da capacidade do autor para praticar atividades desportivas e de lazer, de grau 3 na mesma escala, afigura-se adequada a indemnização de 17.500,00 euros.

Decisão Texto Integral:

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Tribunal da Relação de Coimbra – 2.ª Secção

Recurso de Apelação – Processo n.º 3573/17.5T8LRA .C1


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Juiz relator…………....Alberto Augusto Vicente Ruço

1.º Juiz adjunto………José Vítor dos Santos Amaral

2.º Juiz adjunto……….Luís Filipe Dias Cravo


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Sumário:

I- O dano biológico ou dano na saúde é sempre indemnizável independentemente das suas consequências patrimoniais ou não patrimoniais, influindo estas apenas no seu quantitativo.

II - Tendo o autor 47 anos à data do acidente; tendo permanecido 221 dias em estado de doença, suportado sofrimentos (quantum doloris) situados no grau 4 de uma escala de 7 graus de gravidade crescente; sendo portando de um dano estético permanente enquadrável no grau 1 da mesma escala, é ajustado fixar a indemnização por estes danos em 7.500,00 euros.

Tendo ficado com um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 5 pontos numa escala ascendente de 100, que se reflete numa diminuição da capacidade do autor para praticar atividades desportivas e de lazer, de grau 3 na mesma escala, afigura-se adequada a indemnização de 17.500,00 euros.


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Recorrente ………………Z  (…) – Sucursal Portugal, (…)

Recorrido…………………J (…)


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I. Relatório

a) O presente recurso insere-se numa ação declarativa de condenação através da qual o Autor pretende obter da Ré seguradora uma indemnização por danos que sofreu num acidente de viação, porquanto a Ré assumiu, por contrato de seguro, a responsabilidade civil resultante de danos causados pela circulação do veículo automóvel matrícula  HG (...) , a cujo condutor o Autor atribui a responsabilidade pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que sofreu.

Concretizando, pediu a condenação da Ré no seguinte:

A – A reconhecer que o condutor do veículo  HG (...)  é o único culpado do acidente descrito neste articulado de petição inicial e como tal incumbe à Ré, enquanto entidade para a qual se encontra transferida a responsabilidade civil por acidentes de viação, a obrigação de indemnizar o Autor.

B – A pagar ao Autor a quantia de 70.000,00 € (setenta mil euros), por danos patrimoniais futuros/lucros cessantes, causados pelo acidente de que o Autor foi vítima, já apurados e contabilizados até à data de entrada desta petição em juízo (de acordo com o disposto no artigo 565º do C.C), nomeadamente por danos patrimoniais futuros resultantes da incapacidade permanente, determinante para a diminuição da capacidade  geral de ganho, com a consequente diminuição dos proventos do trabalho para o Autor, tudo sem prejuízo da indemnização por danos não patrimoniais;

C- A pagar ao Autor as quantias emergentes dos tratamentos e cirurgias que o mesmo vier a ser sujeito;

D – A pagar ao Autor a quantia que se vier a apurar em execução de sentença relativa a todas as componentes indemnizatórias integrantes do dano não patrimonial sofrido pelo acidente de que o A. foi vítima, e que não pode de momento peticionar-se por se desconhecer com precisão o “quantum doloris” e o grau de incapacidade geral/ Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de que o Autor irá padecer para o resto da vida.

E – A pagar à Autor juros à taxa legal a contar da citação até integral pagamento dos montantes em débito.

A ré contestou aceitando a culpa do condutor do veículo segurado; que acidente é, ao mesmo tempo, também de acidente de trabalho, impugnando também a extensão dos danos alegados pelo autor.

● A seu tempo procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e

A- condeno a ré a pagar ao autor:

i- a quantia de € 25 000 (vinte e cinco mil euros) a título de danos morais, a que acrescem juros vincendos até integral pagamento; e

ii- a suportar as quantias necessárias aos tratamentos e cirurgias que o autor vier a ser sujeito e que sejam consequência do acidente.

B- absolvo a ré dos restantes pedidos contra si formulados.

Custas pelo autor e ré nas proporções dos respetivos decaimentos».

b) E desta decisão que vem interposto recurso por parte da Ré seguradora, cujas conclusões são as seguintes:

(…)

c) Não há contra-alegações.

II. Objeto do recurso.

De acordo com a sequência lógica das matérias, cumpre começar pelas questões processuais, se as houver, prosseguindo depois com as questões relativas à matéria de facto e eventual repercussão destas na análise de exceções processuais e, por fim, com as atinentes ao mérito da causa.

Tendo em consideração que o âmbito objetivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (artigos 639.º, n.º 1, e 635.º, n.º 4, ambos do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões que este recurso coloca são as seguintes:

1- A primeira questão colocada pelo recurso respeita à impugnação da matéria de facto.

a) A recorrente pretende que sejam declarados «não provados» os seguintes factos declarados «provados»:

«1.11 - as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares»;

«1.20 - O Autor sempre exerceu a sua atividade profissional bem como a sua vida diária com normalidade sem quaisquer limitações físicas, antes do acidente ora em causa nos presentes autos»; e

«1.25 - O trabalho realizado pelo Autor implica esforço físico, por o mesmo consistir na abertura de roços para reparação de canalizações».

b) E pretende que seja ainda declarado provado o seguinte facto, considerando o depoimento prestado em audiência pela esposa e pelo filho do Autor:

«Atualmente o Autor continua a trabalhar na Câmara Municipal de  P (...) , exercendo agora funções como vigilante na rodoviária».

2 – Em segundo lugar, em sede de mérito da causa, a Recorrente pretende a alteração da decisão, no sentido de se relegar para liquidação posterior a indemnização devida ao autor por danos não patrimoniais, por não ser ainda possível definir tais danos, devendo-se eliminar da decisão o pagamento da quantia de 25.000,00 euros, a título de indemnização relativa a danos de natureza não patrimoniais.

Ou, subsidiariamente, fixar-se uma indemnização em montante inferior porquanto o Autor já padecia de limitações físicas que se repercutiam negativamente na sua atividade profissional.

III. Fundamentação

a)  Impugnação da matéria de facto.

1- Como se disse, a Recorrente pretende ver declarado «não provado» o seguinte facto «provado»:

«1.11 - as sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual, mas implicam esforços suplementares».

A Ré argumenta que o Autor continua a trabalhar para a Câmara Municipal de  P (...) , mas deixou de exercer funções na divisão de águas e saneamento da Câmara Municipal de  P (...) , tendo passado a exercer funções de vigilante na Rodoviária de  P (...) .

Sendo assim, as lesões sofridas pelo Autor poderão não implicar para si a realização de esforços acrescidos no exercício das novas funções laborais de vigilante na rodoviária.

Para alcançar este resultado, a Ré também pretende que este novo facto relativo ao exercício de novas funções seja declarado provado, como se verá mais abaixo, para poder ser levado em consideração nos autos.

Por conseguinte, sem necessidade de produzir mais considerações, este facto impugnado poderá ser redigido de um modo mais concreto, que seja compatível com a pretensão da Ré quanto ao novo facto, sem que com isso se descaraterize a correspondência entre a matéria de facto e a realidade.

Por conseguinte reformula-se o facto que passará a ter a seguinte redação.

 «1.11 - As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual de assistente operacional da divisão de águas da C.M. de  P (...) , no exercício da qual abre e escava manualmente sulcos para saneamento básico, mas implicam esforços suplementares».

Deste modo, se se vier a considerar provado que o Autor já não exerce estas funções, então este facto poderá ser articulado com o novo facto sem que haja contradições.

2- A Autora pretende também ver declarado «não provado» o seguinte facto «provado»:

«1.20 - O Autor sempre exerceu a sua atividade profissional bem como a sua vida diária com normalidade sem quaisquer limitações físicas, antes do acidente ora em causa nos presentes autos».

  A Recorrente argumenta que consta do relatório médico-legal que o Autor já padecia anteriormente ao acidente de várias patologias.

Assiste razão à Recorrente.

Com efeito consta do relatório que o Autor padecia anteriormente de espondilose lombar nas vértebras L4, L5 e L5-S1 e que o mesmo numa consulta realizada em 28 de agosto de 2014, no Hospital de Santo André, em Leiria, se queixou de dores incapacitantes e persistentes tendo sido seguido no hospital com vista ao tratamento destas patologias.

Consta também do relatório (fls. 12 e 13) que «Em virtude das lesões sofridas no presente acidente (fractura de L1), o Autor não necessita de ser submetido a tratamento cirúrgico. O tratamento cirúrgico entretanto realizado – “fixação transpedicular L4 L5 S1. Fenestração L4-L5 esquerda e discectomia. Fenestração e foraminectomia L5-S1 esquerda” – teve por objectivo o tratamento de patologia que não guarda relação com o presente acidente”. (…) Adicionalmente às queixas/sequelas acima referidas, o Autor padece ainda de lombociatalgia esquerda, para a qual foi submetido a tratamento cirúrgico, sequelas estas que resultam de patologia prévia ao acidente, conforme se pode verificar nos dados documentais acima transcritos, não guardando por isso relação com o acidente».

Verifica-se, por conseguinte, que o facto em questão deve ser alterado, mas não eliminado, tendo a recorrente dito mais que aquilo que pretendia.

Com efeito, se o facto fosse eliminado ficaríamos na mesma situação, ou seja, ficaríamos sem esta factualidade e teria de se partir do princípio que o autor gozava de boa saúde.

Por isso, deve corrigir-se o facto, porque é essa a intenção da recorrente, de modo a que espelhe a situação real, histórica, mencionando-se as patologias de que o mesmo padecia.

Ficará com esta redação:

«1.20- Antes do acidente o Autor vivia a sua vida diária e exercia a sua atividade profissional com as limitações físicas decorrentes do facto de ser portador de espondilose lombar nas vértebras L4, L5 e L5-S1».

3- A Recorrente pretende ainda ver declarado «não provado» este facto declarado «provado»:

«1.25 - O trabalho realizado pelo Autor implica esforço físico, por o mesmo consistir na abertura de roços para reparação de canalizações».

Coloca-se a mesma questão antes referida a propósito do facto provado «1.11», podendo até eliminar-se este facto dada a redação anteriormente dada ao facto provado «1.11».

Por conseguinte, reformula-se o facto que passará a ter a seguinte redação.

«1.25 - O trabalho realizado pelo Autor no exercício da atividade habitual de assistente operacional da divisão de águas da C.M. de  P (...)  implica esforço físico, por o mesmo consistir na abertura de roços para reparação de canalizações».

Deste modo, se se vier a provar-se que o Autor já não exerce estas funções, então este facto será ponderado conjuntamente com o novo facto.

4 – A Recorrente pretende que seja declarado «provado» o seguinte facto superveniente, considerando o depoimento da esposa e do filho do Autor em audiência:

«Atualmente o Autor continua a trabalhar na Câmara Municipal de  P (...) , exercendo agora funções como vigilante na rodoviária».

O que implicaria voltar à fase da audiência de julgamento.

Não pode ser dada razão à Ré, pelos seguintes motivos:

A introdução de factos novos no processo e na matéria factual que serve de fundamento à decisão de mérito obedece a requisitos que já não podem ser considerados neste momento.

Com efeito, nos termos do n.º 1 do artigo 588.º do Código de Processo Civil, «Os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes podem ser deduzidos em articulado posterior ou em novo articulado, pela parte a quem aproveitem, até ao encerramento da discussão».

O facto em questão é modificativo do direito invocado na petição, na medida em que em abstrato introduz uma alteração na extensão dos danos, sem os suprimir.

Os factos supervenientes têm de ser factos, como resulta da norma transcrita, que se enquadrem dentro da causa de pedir invocada na petição, como é o caso dos autos.

Porém, como não foi deduzido articulado superveniente antes do encerramento da discussão da causa, não pode agora, já em fase de recurso, retroceder-se no caminho já feito pelo processo até esse momento, pois nada há para anular e voltar, pelo caminho da anulação, à fase anterior em que podia ser deduzido o articulado.

O princípio processual da preclusão diz-nos que «Há ciclos processuais rígidos, cada um com a sua finalidade própria e formando compartimentos estanques. Por isso os actos (maxime as alegações de factos ou meios de prova) que não tenham lugar no ciclo próprio ficam precludidos [...].

O princípio traduz-se portanto, essencialmente, na preclusão das deduções das partes» - Manuel de Andrade. Noções Elementares de Processo Civil. Coimbra Editora/1979, pág. 382.

O apelo feito pela recorrente ao disposto no artigo 611.º do CPC, relativo à atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes não melhora a situação.

Com efeito, como referiram os autores Antunes Varela/Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a atendibilidade dos factos jurídicos supervenientes «É o reflexo decorrente, aliás, da ampliação correspondente introduzida no âmbito dos articulados supervenientes (art. 506.º)» - Manual de Processo Civil, 2.ª edição. Coimbra Editora, 1985, pág. 681.

No âmbito do atual código de processo civil Paulo Pimenta exprime-se nos mesmos termos:

«Face ao prescrito no citado n.º 1 do art. 611.º, impõe-se carrear para o processo tais factos. De que modo? Através dos articulados supervenientes, previstos nos arts. 588.º e 589.º, preceitos que relevam haver diversos momentos para a alegação dos factos supervenientes» - Processo Civil Declaratório. Almedina, 2014, pág. 209.

Ultrapassada a fase processual prevista para a dedução do articulado superveniente, fica precludida a possibilidade de se obter a finalidade que com ele se poderia eventualmente conseguir.

Só os factos instrumentais e complementares poderão ser acrescentados fora do procedimento do articulado superveniente, porque isso é permitido ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b), do n.º 2, do artigo 5.º do CPC, mas o facto em questão como se viu já é modificativo, ou seja, trata-se de um facto principal que não cabe na previsão destas alíneas.

Concluir assim implica rejeitar a possibilidade de poder ser averiguado tal facto, improcedendo, por isso, esta pretensão da Recorrente.

b) 1. Matéria de facto – Factos provados

1- No dia 03 de agosto de 2015, pelas 8 h e 15 min, na rotunda da Fonte Luminosa - Largo do Cardal, em  P (...) , o Autor, como habitualmente, conduzia a sua bicicleta para se deslocar para o seu local de trabalho quando foi atropelado pelo veículo ligeiro de mercadorias matrícula  HG (...) .

2- O veículo matrícula  HG (...) , propriedade da S (…), Lda., cuja responsabilidade civil estava transferida para a Ré, através da apólice n.º (…), era conduzido por F (…).

3- No dia e hora indicados, o Autor circulava de bicicleta, marca Órbita, cor preta, já no interior da rotunda da «Fonte Luminosa» - Largo do Cardal  P (...) , no sentido da Rua Albergaria dos Doze quando foi embatido pelo veículo automóvel de matrícula  HG (...) , proveniente do Viaduto Eng. Guilherme dos Santos que entrou na referida rotunda interrompendo a circulação do Autor, nele embatendo e provocando a sua queda. Na sequência do embate o Autor caiu no pavimento, foi transportado na Ambulância para o Hospital de  P (...) , onde foi assistido.

4- Do acidente em que foi interveniente resultaram para o Autor:

- Traumatismo da coluna lombar com fratura da L1;

- Traumatismo da bacia;

- Traumatismo facial.

5- A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 01/03/2016

6- O Défice Funcional Temporário Parcial foi de 212 dias, entre 03/08/2015 e 01/03/2016,

7- A Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total foi de 212 dias, entre 03/08/2015 e 01/03/2016

8- O Quantum doloris é de grau 4 numa escala de sete graus de gravidade Crescente

9- O Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica é de 5 pontos.

10- É de perspetivar a existência de Dano futuro.

11- As sequelas são compatíveis com o exercício da atividade habitual de assistente operacional da divisão de águas da C.M. de  P (...) , no exercício da qual abre e escava manualmente sulcos para saneamento básico, mas implicam esforços suplementares.

12- Dano Estético Permanente é de grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

13- Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer é de grau 3, numa escala de sete graus de gravidade crescente.

14- É recomendável um regular acompanhamento fisiátrico.

15 - No serviço de urgência foram efetuados exames radiológicos e foi o Autor medicado para as dores, tendo sido encaminhado para tratamento posterior no Centro Hospitalar de São Francisco.

16- Já no Centro Hospitalar de São Francisco o Autor efetuou novos exames radiológicos foi-lhe prescrito tratamento com colete de Jewett, durante 8 meses, medicação para as dores e posteriormente fisioterapia.

17- Passou depois a ser seguido pelo Médico de Família (Centro de Saúde de  P (...) ), através do qual foi orientado para consulta de neurocirurgia no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) onde foi sujeito a intervenção cirúrgica, no dia 28/11/2017 (SIGIC). Teve alta após 3 dias de internamente, mantendo seguimento em consulta pós-operatória, inicialmente no CHSF e posteriormente no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra.

18- Em abril de 2018 iniciou tratamentos de fisioterapia que mantém até a data.

19- Uma vez que foi efetuada a participação pela entidade patronal do Autor, foi a seguradora F (…)– Companhia de Seguros, S.A. (…) para a qual havia sido transferida a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, quem procedeu aos pagamentos dos salários correspondentes ao período de incapacidade permanente e temporária na proporção da incapacidade atribuída ao Autor para o trabalho, assim como às despesas de tratamento efetuado pelo mesmo.

20- Antes do acidente, o Autor vivia a sua vida diária e exercia a sua atividade profissional com as limitações físicas decorrentes do facto de ser portador de espondilose lombar nas vértebras L4, L5 e L5-S1.

21- O Autor continua a sentir fortes dores, tem frequentemente falta de força nas pernas.

22- O Autor tem dificuldades em tomar banho.

23- Autor tem sofrido muitas dores, limitação na sua mobilidade, não consegue dormir nem descansar convenientemente.

24- O A. na altura do acidente tinha 47 anos, desenvolvia a atividade de assistente operacional no Município de  P (...) , no departamento da Divisão de Águas e saneamento, auferindo à data a quantia mensal base de € 530,00.

25- O trabalho realizado pelo Autor implica esforço físico, por o mesmo consistir na abertura de roços para reparação de canalizações.

26- O Autor tem três filhos, todos em idade escolar e a sua esposa aufere uma parca pensão de reforma por invalidez.

27- O Autor tem sofrido muitas dores e angústia por toda esta situação

2. Matéria de facto – Factos não provados

1- As fortes dores incapacitam o autor para a prática das suas normais funções de trabalho.

2- Em consequência do acidente viu também afetada a sua vida sexual.

3- No estado em que atualmente se encontra, o Autor não tem qualquer possibilidade de retomar a sua atividade profissional.

c) Apreciação da restante questão objeto do recurso

(I) A Recorrente pretende a alteração da decisão no sentido de relegar para liquidação posterior a indemnização devida ao autor por danos não patrimoniais, por não ser ainda possível definir tais danos, devendo-se eliminar da decisão o pagamento da quantia de 25.000,00 euros, a título de indemnização relativa a danos de natureza não patrimoniais.

Esta pretensão improcede porquanto se baseava na alteração da matéria de facto, no sentido de se vir a provar que o Autor já não necessita de fazer esforços acrescidos por causa das sequelas deixadas pelas lesões sofridas no acidente, pois já não exerceria a antiga atividade profissional, mas outra menos gravosa em termos físicos.

Como tal factualidade não faz parte da matéria de facto, esta circunstância implica, só por si, a improcedência deste fundamento recursivo.

(II) A Recorrente pretende subsidiariamente a diminuição do quantitativo da indemnização porquanto o Autor já padecia de limitações físicas que se repercutiam negativamente na sua atividade profissional, alegando que o tribunal levou em consideração tais limitações na fixação da indemnização.

Assiste razão à Recorrente, em parte.

Com efeito, consta da fundamentação da sentença o seguinte:

«Assim, atendendo aos dias de doença (221), ao Quantum doloris de grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente; ao Dano Estético Permanente de grau 1, numa escala de sete graus de gravidade crescente; ao facto de que o acidente causou uma diminuição da capacidade do autor nas n*as Atividades Desportivas e de Lazer de grau 3, também numa escala de sete graus de gravidade crescente; aos exames, tratamentos e cirurgias a qua foi sujeito; e , finalmente, ao esforço acrescido que o Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica de 5 acarreta para o autor, e que tais factos constituem, indubitavelmente, danos não patrimoniais que pela sua gravidade e relevância merecem a tutela do direito, entende-se ser adequado conceder ao autor uma compensação no montante de € 25.000».

Ora, verifica-se que por causa do acidente o Autor não foi submetido a qualquer cirurgia.

A cirurgia que vem referida no facto provado 17 («Passou depois a ser seguido pelo Médico de Família (Centro de Saúde de  P (...) ), através do qual foi orientado para consulta de neurocirurgia no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) onde foi sujeito a intervenção cirúrgica, no dia 28/11/2017 (SIGIC). Teve alta após 3 dias de internamente, mantendo seguimento em consulta pós-operatória, inicialmente no CHSF e posteriormente no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra») respeita às patologias anteriores ao acidente.

Isso resulta claro do relatório médico-legal onde se refere:

«Boletim de Alta do C.H. São Francisco:

Submetido a cirurgia a 28/11/2017 por Lombociatalgia esquerda.

Realizada fixação transpedicular L4 L5 S1. Fenestração L4-L5 esquerda e discectomia. Fenestração e foraminectomia L5-S1 esquerda.

Alta a 30/11/2017…».

Por conseguinte, constando da fundamentação da sentença que o autor foi submetido a cirurgia só se pode referir à que consta dos factos provados, a qual não se relaciona comas lesões sofridas no acidente.

Porém cumpre referir que, como se vê pelo teor do relatório médico legal, a pontuação «5» foi atribuída unicamente em relação à incapacidade produzida pelas lesões sofridas no acidente, não tendo o perito, como seria de esperar, levado em consideração patologias anteriores ao acidente.

Cumpre, face ao exposto reavaliar a indemnização, não entrando em linha de conta com a referida cirurgia.

Não se faz o enquadramento jurídico da situação porquanto se mostra já feito na sentença e não é objeto de recurso

Vejamos então as diversas expressões do dano.

(I) Como se refere na sentença, o Autor, com 47 anos à data do acidente, padeceu 221 dias de doença para se curar das lesões. O quantum doloris suportado pelo autor na recuperação das lesões é quantificável como de grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente.

(II) Em termos de dano estético permanente a sua situação é enquadrável no grau 1 da mesma escala.

(III) O acidente causou uma diminuição da capacidade do autor nas atividades desportivas e de lazer de grau 3, na mesma escala.

(IV) Ficou portador de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 5 pontos numa escala ascendente de 100 pontos.

Temos vários tipos de dano, eventualmente suscetíveis de diversa arrumação, mas em todo o caso sempre presentes.

Por um lado, o dano designado por «biológido», referente ao défice funcional permanente de integridade físico-psíquica, com expressão na diminuição da capacidade do autor nas atividades desportivas e de lazer e os danos não patrimoniais resultantes dos sofrimentos sentidos pelo Autor durante a sua recuperação (quantum doloris) e dano estético.

Quanto à caraterização do dano biológico, nas palavras de Armando Braga:

«O dano moral consiste, em princípio, numa perturbação psicológica temporária da vítima, constituindo um dano-consequência, em sentido próprio, do evento lesivo. Por seu turno, o dano biológico revela-se no efeito interno do evento lesivo da saúde, devendo a sua existência ser provada, independentemente da relevância assumida pelas eventuais consequências externas do evento lesivo (com efeitos de ordem moral ou patrimonial).

Deste modo, passou a considerar-se que o dano biológico não constitui uma nova categoria de dano pessoal, antes integrando a sua essência. A inovação da jurisprudência italiana consiste na admissão da ressarcibilidade, em qualquer caso, do dano corporal ou dano à saúde, independentemente das consequências morais e patrimoniais, independentemente dos (eventuais) reflexos na capacidade laboral da vítima. O reconhecimento jurídico do bem saúde na integridade corporal (física e psíquica) vem, deste modo, assumir uma importância que no passado não existia ou era descurada, quando a integridade da pessoa era concebida essencialmente como integridade corporal apenas em correlação e conexão com os seus reflexos laborais e de produção de rendimentos.

O dano corporal ou dano à saúde protege o “valor Homem” na sua vertente não lucrativa, abrangendo as tarefas quotidianas (vestir-se, cuidar da própria pessoa, caminhar, assistir a um filme, conduzir, fazer compras, cozinhar, etc.) que a lesão impede ou dificulta e as repercussões negativas em qualquer domínio em que se desenvolva a personalidade humana. A lesão à saúde constitui prova, por si só, da existência do dano.

Assim, se o dano biológico não existe no caso concreto, não é dano reparável; se o dano biológico existe, deverá ser reparado e eventualmente deverá ser ressarcido também o dano patrimonial da redução da capacidade laboral, caso se demonstre a sua existência e nexo de causalidade com o dano biológico. Consequentemente, o responsável pelo “dano biológico” deve reparar o dano em qualquer caso, mesmo quando se prove que a vítima não desenvolvia qualquer actividade produtora de rendimento.

Deste modo, se para além do “dano biológico” puder ser verificado um concreto dano à capacidade laboral da vítima, tal representa um ulterior coeficiente ou plus de dano a acrescentar ao dano corporal. Também o “dano moral” poderá ser considerado, se se verificarem os requisitos jurídicos da ressarcibilidade, sendo representado pelo estado de sofrimento psíquico provocado na vítima, habitualmente transitório, da ofensa produzida e das suas consequências.

A jurisprudência italiana já considerou como sintomas da existência de um dano biológico, entre outros, as seguintes situações: modificação do aspecto exterior, isto é, das características morfológicas da pessoa; redução da eficiência psicofísica, ou seja, diminuição da possibilidade de utilizar o próprio corpo; redução da capacidade social, isto é, os efeitos na atitude  da vítima em afirmar-se no contexto de relacionamento interpessoal; diminuição da capacidade laboral genérica, ou seja, da atitude do homem perante o trabalho em geral; perda de chances  laborais ou lesão do direito à liberdade de escolha do trabalho; maior fadiga na execução do trabalho, sem perda de rendimentos; uso de forças laborais suplementares, quando não seja possível a pré-reforma» - A Reparação do Dano Corporal na Responsabilidade Civil Extracontratual. Coimbra: Livraria Almedina, 2005, pág. 47-49.

Neste sentido, veja-se, a título de exemplo o Acórdão do S.T.J. de 5-12-2017, no processo 505/15.9T8AVR.P1.S1 (Ana Paula Boularot), onde se ponderou o seguinte, na respetiva fundamentação:

«Quer dizer, seguiu-se o entendimento prevalente neste Supremo Tribunal de Justiça que o dano biológico derivado de incapacidade geral permanente, de cariz patrimonial, é susceptível de justificar a indemnização por danos patrimoniais futuros, independentemente de o mesmo se repercutir na vertente do respectivo rendimento salarial, já que constitui um dano de esforço, porquanto o sujeito para conseguir desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitando de um maior empenho, de um estímulo acrescido, cfr. Ac STJ de 4 de Outubro de 2005 (Relator Fernandes Magalhães), 4 de Outubro de 2007 (Relator Salvador da Costa), 21 de Março de 2013 (Relator Salazar Casanova), de 2 de Dezembro de 2013 (Relator Garcia Calejo) e de 25 de maio de 2017 (Relatora Graça Trigo), in www.dgsi.pt.

In casu, estamos face a um dano que se irá reflectir no futuro, perfeitamente previsível, porque irá influir directamente na actividade psicossomática da Autora, não só no esforço acrescido para desempenhar a sua função normal, como também, na evolução normal da sua carreira, a qual se ressentirá necessariamente, pois traduz um défice funcional permanente, repercutindo-se na sua qualidade de vida, presente e futura, e, nesta perspectiva, consideramos o dano biológico como dano patrimonial, atendível pelo direito em termos de ressarcimento autónomo, não nos merecendo qualquer ajuste a indemnização fixada pelo segundo grau».

Por conseguinte, independentemente de existir uma maior ou menor dificuldade no exercício da atividade habitual, por causa das sequelas deixadas pelas lesões sofridas, o dano biológico existe em si mesmo e pede, por isso, a respetiva indemnização.

Vejamos então que indemnização atribuir ao Autor relativamente ao denominado dano «biológico».

Trata-se de uma operação de difícil concretização devido à incerteza da realidade com que se opera, pois, muito embora se trate de um dano permanente, é incerto nas suas manifestações quotidianas e variável de pessoa para pessoa, de acordo com o modo de vida, a constituição físico-psíquica de cada um, etc.

Desta forma, fazer refletir a imagem do dano biológico num outro plano diverso, agora com conteúdo pecuniário, por forma a assegurar a paridade ou simetria entre uma e outra destas realidades, é sempre tarefa de difícil ou mesmo impossível concretização.

Vejamos alguns exemplos retirados da nossa jurisprudência.

Acórdão do S.T.J. de 29-10-2019, relativo ao processo n.º 7614/15.2T8GMR.G1.S1 (Henrique Araújo):

«(…) III - Numa situação em que ao lesado, com 34 anos, foi atribuído um défice funcional de 16 pontos por força das lesões sofridas, sem rebate profissional mas com a subsequente sobrecarga de esforço no desempenho regular da sua atividade profissional (vendedor e empresário de materiais de construção civil e produtos agrícolas), afigura-se ajustado o montante de €36 000,00 para indemnizar tal dano futuro.

IV - Considerando (i) as cinco intervenções cirúrgicas a que o autor se submeteu, (ii) os tratamentos de fisioterapia durante cerca de dois anos, (iii) a dor física que padeceu (grau 4 numa escala de 1 a 7), (iv) o dano estético (grau 3 numa escala de 1 a 7), a afetação permanente nas atividades desportivas e de lazer (grau 3 numa escala de 1 a 7), (v) a limitação funcional do membro superior esquerdo em relação a alguns movimentos, (vi) a dor ligeira da anca no máximo da flexão e ao ficar de cócoras, (vii) a tristeza, a depressão e o desgosto, considera-se adequado compensar estes danos não patrimoniais no montante de €30 000,00, reduzindo-se, assim, a indemnização fixada pela Relação».

Acórdão do S.T.J. de 6-12-2018, no processo n.º 652/16.0T8GMR.G1.S2 (Maria do Rosário Morgado):

«…II - Dado que à data do acidente, o recorrente contava com 40 anos de idade e ficou a padecer de um défice funcional de 10% (com possível agravamento com o decorrer do tempo) que o obriga a esforços acrescidos para o desempenho da sua profissão, revela-se equitativa e conforme aos padrões jurisprudenciais o montante de €60 000 fixado pela Relação para ressarcir esse dano».

No caso apreciado o autor padeceu um  quantum doloris de grau 5 em 7; dano estético permanente de 2 em 7; repercussão permanente nas atividades desportivas e de lazer de 4 em 7;  repercussão permanente na atividade sexual de 2 em 7; défice funcional permanente de 10% (com possível agravamento ao longo dos anos) que, muito embora não o impossibilite de exercer a sua atividade profissional, o obriga a desenvolver um esforço superior ao que desenvolvia antes do acidente e o impede de se dedicar a outras atividades que anteriormente exercia, como a equitação e de condutor de charrete.

Acórdão do S.T.J. de 6-12-2017, no processo n.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1 (Tomé Gomes):

«…IX. No caso vertente em que as limitações de mobilidade de que o lesado ficou afetado, correspondentes a um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 25,6%, a partir da alta médica em 14-03-2012 (data em que o A. contava quase 60 anos de idade), além do acréscimo de esforço físico no exercício do tipo de atividade profissional habitual que vinha então desenvolvendo, implicam inegável redução da sua capacidade económica geral para se dispor ao desempenho de atividades económicas, concomitantes ou alternativas, que, presumivelmente, ainda lhe pudessem surgir na área da sua formação profissional e até para a execução de tarefas quotidianas, ao longo da sua expetativa de vida, mesmo para além da idade-limite da reforma.

X. Nessas circunstâncias, sem esquecer o tempo decorrido entre a data da alta médica (14-03-2012) e a data da sentença da 1.ª instância (09/06/2016), no quadro dos padrões da jurisprudência mais recente, tem-se como razoável valorar o dito dano biológico, na respetiva vertente patrimonial, na quantia de €100.000,00, tida por atualizada à data da sentença.

Acórdão do S.T.J. de 6-12-2017 no processo n.º 559/10.4TBVCT.G1.S1 (Maria da Graça Trigo):

 «(…) VI - Resultando da factualidade provada que a autora: (i) tinha 31 anos de idade à data do sinistro; (ii) a esperança média de vida das mulheres situava-se, na altura, entre 75 e 80 anos; (iii) em consequência do acidente, ficou a padecer de um índice de incapacidade geral permanente de 2 pontos; (iv) apresenta cervicalgias, sempre que roda a coluna cervical para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte para a esquerda e para a direita, sempre que a flecte no sentido ante-posterior; (v) com toda a probabilidade terá, a médio e longo prazo, repercussões negativas na sua capacidade de trabalho, com diminuição dos seus rendimentos, tanto no exercício da profissão habitual (operária fabril) como no exercício de actividades profissionais alternativas, compatíveis com as suas competências, considera-se justa e adequada a fixação da indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de €20 000.

VII - Tendo ainda em atenção as lesões que a autora sofreu em consequência do acidente, em concreto traumatismo da coluna cervical, com as inerentes dores e incómodos que teve de suportar, sendo que o quantum doloris ascendeu ao grau 4, numa escala de 1 a 7, e os tratamentos a que teve de se submeter e bem assim as sequelas de que ficou a padecer, considera-se ser de manter o montante indemnizatório fixado pela Relação por danos não patrimoniais no montante de €15 000».

Acórdão do S.T.J. de 19-2-2015, no processo n.º 99/12.7TCGMR (Oliveira Vasconcelos), onde foi fixada uma indemnização de €25 000,00 relativamente a uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos compatível com o exercício da atividade profissional habitual, sem redução da capacidade de ganho e a quantia de €20 000 arbitrada a título de danos não patrimoniais «…tendo em atenção que (i) à data do acidente o autor tinha 43 anos de idade; (ii) em consequência do acidente sofreu traumatismo do ombro direito, com fratura do colo do úmero, fratura do troquiter, traumatismo do punho direito, com fratura do escafóide, traumatismo do ombro esquerdo, com contusão, (iii) foi submetido a exames radiológicos e sujeito a imobilização do ombro com “velpeau”; (iv) foi seguido pelos Serviços Clínicos em Braga e submetido a uma intervenção cirúrgica ao escafóide; (v) foi submetido a tratamento fisiátrico; (vi) mantém material de osteossíntese no osso escafóide; (vii) teve de permanecer em repouso; (viii) ficou com cicatriz com 5 cms, vertical, na face anterior do punho; (ix) teve dores no momento do acidente e no decurso do tratamento; e (x) as sequelas de que ficou a padecer continuam a provocar-lhe dores físicas, incómodos e mal-estar que o vão acompanhar toda a vida e que se acentuam com as mudanças do tempo, sendo de quantificar o quantum doloris em grau 4 numa escala de 1 a 7».

Acórdão do S.T.J. de 3-11-2016, no processo n.º 1971/12.0TBLLE (Lopes do Rego) atribuiu €25.000.00 relativamente a um dano biológico a um coeficiente de desvalorização de 4 pontos («… atendendo essencialmente à idade do sinistrado, ao coeficiente de desvalorização sofrida e , muito em particular, à circunstância de resultar da matéria de facto provada que a sua capacidade futura de angariar meios de subsistência ficará afectada, não só na medida da redução da sua integridade psicossomática plena, mas igualmente em função dos esforços que terá de fazer para exercer as suas funções profissionais»).

Acórdão do S.T.J. de 13-7-2017, no processo n.º 3214/11.4TBVIS (Tomé Gomes) onde se atribuiu uma indemnização de 100.000,00 euros pelo dano biológico a um sinistrado que ficou a padecer de um défice funcional de 30%, mas não impeditivo do exercício da sua atividade profissional de eletricista e €60.000,00 a título de danos não patrimoniais, relevando um quantum doloris de 7 pontos numa escala crescente de 1 a 7; dano estético de 4 pontos em igual escala; repercussão na atividade sexual de 4 pontos na mesma escala e prejuízo para a afirmação pessoal de 4 pontos numa escala de 1 a 5.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 11-06-2019, no processo n.º 107/17.5T8MMV.C1 (Emídio Santos):

«I – É equitativo compensar com o montante de €10 000,00 [dez mil euros] o défice de 2 pontos na integridade física de uma jovem com 22 anos de idade, estudante do Curso de Ciências do Desporto e Educação Física, quando esse défice funcional, embora compatível com a sua condição de estudante, limita-a quando estejam em causa actividades desportivos em que haja contacto físico intenso ou outras que exijam um maior esforço do membro superior direito.

II - É equitativa a indemnização de vinte mil euros [€ 20 000,00] no seguinte quadro de danos não patrimoniais: a) dores físicas e psíquicas avaliadas no grau 4, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; b) dores na face superior do ombro direito com as mudanças de temperatura e com os movimentos do braço direito nos últimos graus da abdução/antepulsão e rotação externa do ombro; c) dano estético, representado por cicatriz na omoplata direita, avaliado num grau 2, numa escala de 7 graus de gravidade crescente; d) desgosto pelo facto de ter ficado com cicatriz na omoplata; e) limitações na actividade física e de lazer, resultantes do facto de ter deixado de praticar futsal, actividade que contribuía para o seu bem-estar e satisfação; f) condicionamento da sua autonomia na realização dos actos correntes da vida diária, familiar e social, desde o acidente até à consolidação das lesões; g) ausência de culpa quanto à produção dos danos.

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22-01-2019, no processo n.º 342/17.6T8CBR (Moreira do Carmo):

«…3. No que respeita ao dano biológico, provado que a A. ficou com sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual, que implicam esforços suplementares, e tendo-se em conta a idade da mesma, de 33 anos, a incapacidade geral permanente de 7 pontos, a mediana gravidade das lesões e sequelas físicas (com perspectiva de agravamento futuro) e psíquicas do acidente, a longevidade de vida previsível, estimada em 83 anos para as mulheres, é adequado e ajustado a indemnização de 30.000 € (…).

6. No que respeita ao dano moral, provando-se que a A. ficou curada em cerca de 400 dias, sendo de 35 dias o período de défice funcional temporário total, que a mesma sofreu um quantum doloris médio de grau 4/7 e dano estético de grau médio-baixo de 2/7, além do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável de 7 pontos, bem como repercussão permanente nas actividades de lazer de grau médio de 4/7, ponderando tais elementos (…), considera-se justo e équo a indemnização no valor de 20.000 €».

Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19-12-2018, no processo n.º 762/15.0T8LRA. (Emídio Santos):

«… II. Não são de considerar como danos não patrimoniais particularmente graves o sofrimento físico fixado no grau 4, numa escala de 1 a 7, e o défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1 ponto, numa escala de 100 pontos.

III. É equitativa a indemnização de dez mil euros [€10000,00] pelos seguintes danos não patrimoniais: sofrimento físico e psíquico vivido pelo autor, fixado, no grau 4, défice funcional permanente da integridade física ou psíquica, fixado em 1 ponto, e desgosto causado pelo facto de a vítima ter deixado, durante vários meses, de andar de bicicleta e de jogar futebol, atividades que eram do agrado dela».

Estes exemplos servem para formar uma ideia do montante das indemnizações que vêm sendo fixadas noutros casos, quer semelhantes quer diversos, para, sem deixar de atender ao caso concreto, alinhar a presente decisão com a valoração que habitualmente vem sendo feita nos tribunais de modo a conseguir alguma uniformidade que contribuirá para promover o princípio da igualdade.

Voltando ao caso dos autos, tendo em consideração os exemplos que acabam de ser dados, afigura-se ajustado manter a indemnização fixada na 1.ª instância, apesar de aí se ter considerado o padecimento suportado pelas intervenções cirúrgicas que não são imputáveis ao acidente que agora não é considerado.

Fazendo a separação dos montantes indemnizatórios, tendo o autor 47 anos à data do acidente; tendo permanecido 221 dias em estado de doença, suportado sofrimentos (quantum doloris) situados no grau 4 numa escala de 7 graus de gravidade crescente e sendo portando de um dano estético permanente enquadrável no grau 1 da mesma escala, tendo em conta as situações antes referidas de outros lesados, afigura-se adequado fixar a indemnização por estes danos em 7.500,00 euros.

Relativamente ao dano biológico expressado num défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 5 pontos numa escala ascendente de 100 pontos que se reflete numa diminuição da capacidade do autor para praticar atividades desportivas e de lazer de grau 3, na mesma escala, afigura-se adequada a indemnização de 17.500,00 euros, perfazendo ambas as quantias a soma fixada na sentença.

Como a procedência parcial da impugnação da matéria de facto não tem relevância na decisão sobre o mérito da causa, o recurso improcede na sua totalidade.

IV. Decisão

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente e mantém-se a sentença recorrida. Custas pela Recorrente.


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Coimbra, 5 de maio de 2020

Alberto Ruço ( Relator )

Vítor Amaral

Luís Cravo