Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
737/08.6GAMLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: DEMANDANTE
RECURSO PARTE CIVIL
CASO JULGADO PENAL
Data do Acordão: 06/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA MEALHADA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO O RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 401º CPP
Sumário: Não tendo o Ministério Público recorrido quanto à parte da decisão que absolveu o arguido, a sentença transitou em julgado quanto à matéria penal, o que tem como efeito que o recurso interposto pela demandante civil só é admissível na medida em que não contenda com a matéria de facto respeitante à responsabilidade criminal.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença proferida nos autos supra identificados, decidiu o tribunal “absolver o arguido JS... dos quatro crimes de violação de domicílio, p.p., pelo artº 190º nºs 1 e 3 do Código Penal, de que vinha acusado”.

Inconformada com o decidido, a demandante interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):
1.ª - Resulta suficientemente evidenciado dos autos, que pelo menos desde 10-05-2001 (cfr. fls. 32 e 33), o arguido sabe que a casa dos autos (art.º ....° urbano, da freguesia de Mealhada), deixou de lhe pertencer, tendo o próprio arguido concorrido pessoalmente com a aposição da sua própria assinatura, conjuntamente com a da sua então mulher (BC...), para a formalização da respectiva aquisição a favor da aqui Ofendida DF… .
2.ª - O Arguido sabia que tinha vivido nessa casa até 2005, por mero empréstimo da sua cunhada, aqui Ofendida, por mero empréstimo desta.
3.ª - A partir de 2005, o arguido desapossou-se inclusivé das chaves de tal casa, tendo ido residir para Espanha, regressando depois à cidade do Porto, onde residiu, após o que fixou residência na Avenida … em Mealhada, e regressando depois a Espanha, onde actualmente tem residência.
4.ª - Do facto de ter residido por empréstimo, até 2005, na referida casa propriedade da Ofendida, onde ficou a sua ex-mulher e os filhos do casal resulta compreensível que lá tivesse deixado inclusive por desinteresse alguma qualquer coisa que lhe tivesse pertencido, dom mesmo modo que qualquer fumador deixa o resto dum cigarro nalgum cinzeiro. O que não se compreende e que com o devido respeito não se aceita, é que se tenha dado como provado de forma conclusiva que o arguido lá tivesse deixado os seus pertences, sem que se tivesse feito prova da identidade de nenhum.
5.ª O arguido que agiu sempre de forma livre voluntária e consciente, sabia que ao proceder pelo modo como foi descrito na acusação, estava a entrar em casa alheia, servindo-se do facto facilitador de a Ofendida não se encontrar lá dentro, bem sabendo que estava a ultrapassar os limites que a lei lhe impõe, tendo procedido inclusive à danificação reiterada da referida casa, nos termos melhor descritos na acusação que aqui se dá por integrada.
6.ª Da análise ponderada da prova gravada, que se transcreve em anexo e que aqui se dá por integrada, resultam suficientemente evidenciados os factos integradores da responsabilidade civil do arguido, quer pelos danos patrimoniais que pelos danos não patrimoniais que causou à Ofendida, pelos quais se requer que seja condenado.
7.ª A Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 2.°, 26.° e 62.° da CRP e 483.° do C. Civil, pelo que na respectiva verificação se requer a sua revogação e substituição por outra, que em prudente arbítrio de V. EX.ªs condene o arguido a pagar à Ofendida os danos patrimoniais no valor de 1500,00€ e os danos não patrimoniais conforme peticionado”

Respondeu o arguido defendendo a manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido apenas quanto à parte cível, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Nesta instância a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta consignou que o Ministério Público tem interesse nem legitimidade para emitir parecer.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.

Questões a decidir segundo a recorrente:

- Erro na apreciação da prova

- Integração jurídica dos factos

- Absolvição do pedido de indemnização civil

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

“A) Com potencial importância para o crime ainda em discussão o Tribunal apenas apurou que:
1. No âmbito do acção de processo ordinário nº 228/2001 que correu termos no Tribunal Judicial da Mealhada, o arguido JS… e esposa BC… reconheceram a aquisição por acessão industrial imobiliária por DF…, entre outros, do prédio composto por casa de habitação de rés do chão e logradouro sito na Rua …, no lugar de …, freguesia da ...inscrito sob o artigo ...º da matriz predial urbana daquela freguesia e descrito na Conservatória de Registo Predial da ...sob o nº …, por transacção homologada por sentença transitada em julgado, tendo DF… procedido ao respectivo registo na Conservatória de Registo Predial.
2. Porém, no dia 12 de Dezembro de 2008, cerca das 09h30m, o arguido, sem consentimento de DF…, dirigiu-se à casa referida em 1) abriu os portões cortando os dois cadeados que os fechavam e entrou no pátio.
3. Após, no terraço da residência, o arguido, com objecto não concretamente apurado, forçou a fechadura da porta de alumínio que a vedava até conseguir abri-la, acedendo assim ao interior deste compartimento.
4. Depois, no interior da marquise, o arguido partiu parte da portada em madeira que cobria a janela até a conseguir abrir e partiu o vidro da janela, introduzindo a mão até ao mecanismo de fecho da janela, abrindo-a pelo interior e entrando numa sala da residência.
5. No interior da residência, o arguido, a fim de ocultar a sua entrada, dirigiu-se ao aparelho de alarme que aí se encontrava instalado e que foi accionado pelo comportamento supra descrito, partiu a tampa da caixa para a retirar e aceder aos cabos, tendo depois cortado os fios de ligação do alarme à central para evitar que este fosse activado.
6. Depois, o arguido retirou o canhão da fechadura da porta da cozinha, colocando outro que trouxe consigo, do qual guardou as respectivas chaves.
7. Em seguida o arguido dirigiu-se à porta da garrafeira e, com objecto não concretamente apurado, forçou-a para a conseguir abrir.
8. Uma vez que o alarme foi accionado, AX… recebeu uma mensagem de voz da Central de Alarmes informando-a do sinal de intrusão na residência, após o que informou a GNR, solicitando a presença de militares no local.
9. Chegados ao local, os militares CR… e RR... encontraram no interior da habitação o arguido que, questionado sobre o que fazia naquele local, afirmou ser proprietário da residência, entregando aos militares um atestado de residência da freguesia da ...datado de 05.11.2008 e cópia de uma factura emitida em seu nome, com a aludida morada indicada como residência.
10. Posteriormente, o alarme e as fechaduras foram reparadas e o vidro da janela trocado, prejuízos cuja reparação importou as quantias de (322,80 relativamente ao alarme, (98,00 para troca de fechadura, (60,00 relativamente à mão-de-obra do carpinteiro e (32,00 relativamente aos dois cadeados cortados.
11. Não obstante, no dia 02 de Janeiro de 2009 o arguido JS...dirigiu-se novamente à residência sita na ..., nº ..., melhor descrita em 1), e, de forma não concretamente apurada, transpôs os portões que a vedavam entrando no pátio.
12. Após, no terraço da residência dirigiu-se à marquise e, com objecto não concretamente apurado mas seguramente de metal forçou a janela de alumínio até a conseguir abrir.
13. Assim, entrou para a marquise e arrancou a portada da sacada em madeira que cobria a janela da cozinha, forçou a janela até partir os fechos e entrou no seu interior.
14. Entretanto, foi solicitada por AX… a intervenção da GNR no local, tendo-se deslocado aí uma patrulha composta pelos Cabos CR... e PC…, acompanhados por AX..., que, depois de verem a porta da marquise partida avistaram no interior da habitação o arguido e lhe solicitaram que saísse o que este fez.
15. De novo foi a porta da marquise reparada, a portada em madeira e os fechos da janela, prejuízos cuja reparação importaram a quantia de €170,00 relativamente aos materiais e mão-de-obra do carpinteiro.
16. No entanto, no dia 28 de Fevereiro de 2009, cerca das 13h45m, o arguido aproximou-se da vedação em madeira que circunda a habitação referida em 1) e com uma tesoura de cortar ferro que levou consigo cortou dois pregos em ferro, bem como parte da corrente onde estava preso um cadeado que fechava o portão até o conseguir abrir.
17. Depois de entrar, o arguido voltou a fechar o portão em madeira, colocando em volta a mesma corrente que fechou com dois dos cadeados que trazia consigo.
18. Dirigiu-se o arguido depois aos portões metálicos localizados na frente da residência e colocou e fechou as correntes já aí existentes com dois cadeados que levou consigo.
19. Depois o arguido deslocou-se à marquise e com duas alfaias agrícolas em ferro que retirou de um anexo da residência forçou a janela de alumínio e trespassou a rede mosqueira que ali se encontrava até conseguir aceder ao interior daquele compartimento.
20. Aí dentro o arguido partiu o vidro de uma janela de madeira que dava acesso à cozinha, mas sem que a tenha aberto.
21. Entretanto, tendo sido accionado o alarme de intrusão da residência, dirigiu-se ao local uma patrulha composta pelos soldados  … e … que saltaram a vedação para aceder à residência onde encontraram no interior da aludida marquise o arguido JS…, que abandonou o local na companhia dos militares.
22. Foram colocados novos cadeados e reparada a janela de alumínio da marquise e o vidro partido, prejuízos cujo montante não foi concretamente apurado mas seguramente não inferior a (170,00.
23. Porém, no dia 19 de Junho de 2009, cerca das 18horas, o arguido deslocou-se novamente à residência identificada em 1), saltou o muro que veda a propriedade, entrando desse modo no pátio anexo à habitação.
24. Após, o arguido dirigiu-se à residência e, de forma não concretamente apurada, forçou a fechadura da portada que dá acesso a um quarto sito no rés-do-chão, partindo a persiana, até a conseguir abrir, entrando desse modo no interior da residência.
25. Depois, no exterior da residência, o arguido arrancou uma câmara de vigilância de valor não concretamente apurado que aí se encontrava instalada, atirando-a ao chão e partindo-a.
26. O arguido actuou de forma livre, voluntária e consciente ao partir os vidros, as portadas, a câmara de vigilância e o alarme, ao forçar as fechaduras e cortar os cadeados como acima referido.
27. Com a reparação dos estragos aludidos nos pontos 40 a 280 a ofendida despendeu 1.500 euros.
28. O arguido não tem antecedentes criminais.
29. O arguido era encarregado de construção civil, mas está reformado por invalidez, decretada em Espanha; aufere cerca de 192/196 euros por mês a título da respectiva pensão; a empresa em que trabalhou paga-lhe a renda de casa; vive com uma companheira, que não trabalha; vivem com a ajuda de terceiros.
30. O arguido é conhecido como pessoa pacífica.
31. O imóvel aludido em 1. trata-se de uma casa de habitação construída por arguido e ex cônjuge (irmã da ofendida DF…), num terreno comprado pelo pai do arguido.
32. A transacção aludida em 1º foi simulada, pretendendo o arguido com a mesma afastar o seu património, entre o qual o bem aludido em L, da responsabilização por eventuais dívidas para com terceiros.
33. Até 2008, ano em que arguido e sua cônjuge se incompatibilizaram em definitivo, nunca o arguido deixou de tratar a dita habitação como sua casa, designadamente aí estando quando se encontrava em Portugal, aí guardando pertences e titulando as respectivas contas da água e da luz.
34. Por outro lado, nunca a ofendida DF... se lhe opôs na qualidade de proprietária ou habitante da dita casa.
35. Todavia, a partir dessa data, a ofendida, munida do título aludido em 1., passou a arrogar-se a titular dos poderes de facto correspondentes à propriedade, impedindo o arguido de aí entrar, através da colocação de alarmes, cadeados e alteração de fechaduras.
36. Quando agiu da forma supra dada por provada, o arguido agiu convencido de que entrava na sua habitação, onde estavam os seus pertences que necessitava ir buscar e só por isso aí entrou.
37. Não representando que entrava em local onde DF... tivesse alguma vez tido morada, ou do qual a mesma tivesse, por alguma forma, exercido de facto os poderes próprios dos proprietários ou sequer habitantes.
38. Quando agiu da forma supra dada por provada, o arguido agiu convencido de que agia em nome de um direito próprio, nomeadamente, para entrar na sua própria habitação e aí ir buscar os seus próprios pertences, de que necessitava.”

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):
“B) Com potencial importância para o crime ainda em discussão o Tribunal apenas não logrou apurar que:
- No entanto (apesar do referido em 1. dos factos provados), DF… continuou a permitir que o arguido residisse naquela morada até data não concretamente apurada do ano de 2005, altura em que o arguido abandonou a habitação entregando-lhe as respectivas chaves;
- A partir dessa altura, DF… passou a usar a referida casa, nela guardando os seus pertences e nela residindo quando se deslocava a Portugal;
- Na sequência do dado por provado em 26, o arguido agiu bem sabendo que aquela residência e esses bens não lhe pertenciam, e que ao actuar como acima descrito, actuava contra a vontade do seu proprietário;
- O arguido actuou ainda de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que entrava no pátio anexo e na casa que sabia ser residência da ofendida, cortando os cadeados que a fechavam, forçando as fechaduras das portas até as conseguir abrir e partindo os vidros das janelas, bem sabendo que a entrada naquele local não lhe era permitida por aquela e que, ao agir como acima descrito, actuava contra a vontade de DF…, o que quis;
- Mais sabia que estas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;
- A ofendida despendeu 1.3745 euros com honorários ao Ilustre mandatário que a representa em sede de pedido cível, nestes autos;
- Na sequência da actuação do arguido a ofendida DF... sofreu angústias e depressões, surpresa pela actuação do seu cunhado e mau estar profundo.”


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O recurso é manifestamente improcedente.

Explicando

Começando pelas conclusões, diremos que salta à evidência que a assistente apresentou conclusões que desrespeitam em absoluto o determinado no artº 412º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal[[1]]: não indica as normas jurídicas violadas, o sentido em que, no seu entendimento, o tribunal recorrido interpretou cada norma ou com que a aplicou e o sentido em que ela devia ter sido interpretada ou com que devia ter sido aplicada, tal como não indica as normas jurídicas que, no seu entendimento, deveriam ter sido aplicadas, nem especificou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Limitou-se a, sob o termo «CONCLUSÕES», a emitir opiniões sobre o que deveria ter ficado provado e a pedir que o arguido fosse condenado no pedido de indemnização civil.

Uma simples leitura das mesmas evidencia com toda a clareza o que acabámos de afirmar e torna desnecessário proceder a maiores explicações.

Contudo, até por força do disposto no n.º 4, do art.º 417º[[2]], não é caso para convidar à reformulação das conclusões uma vez que, constituindo o texto da motivação (stricto sensu) limite absoluto que não pode ser extravasado nas conclusões[[3]] e sendo estas, logicamente, um resumo dos fundamentos porque se pede o provimento do recurso[[4]], há que concluir que o que não constar das motivações stricto sensu, não pode constar das conclusões[[5]][[6]].

Ora, lendo a motivação do recurso conclui-se que o que nela consta nunca levaria à procedência, ainda que parcial, do recurso.

Com efeito, o que o recorrente pretende é que a matéria de facto dada por provada e por não provada seja alterada de modo a que fique provado o crime, ou seja, a causa de pedir do pedido de indemnização civil e, consequentemente, seja este julgado procedente.

Não põe em causa o que ficou provado no âmbito dos “danos” que diz ter sofrido, mas sim a matéria que ficou ou não ficou provada e que foi determinante na absolvição crime.

A este respeito, é elucidativo o seguinte trecho das motivações:

«Após a realização da audiência de julgamento, veio o arguido a ser absolvido, julgando-se que alegadamente na “mente do arguido não foi representado que se estava a introduzir na habitação de outra pessoa”
Ora, da análise da prova produzida em audiência, outra teria que ser a decisão do tribunal»  

Com base nesta asserção, parte para a demonstração de que o tribunal a quo apreciou mal a prova produzida em julgamento e que devia ter ficado provada toda a matéria da acusação, ou seja, que o arguido cometeu os crimes por que vinha acusado.

Por isso, ficava provada a causa de pedir do pedido de indemnização civil e, consequentemente, deveria ter sido condenado no mesmo.

Ora, a recorrente não se constituiu assistente nos autos e é mera demandante civil.

Tal facto é determinante no que respeita ao objecto do recurso.

Explicando:

Diz-nos o artº 401º, nº 1, alínea c. que “têm legitimidade para recorrer (…) as partes civis, da parte das decisões contra cada uma proferidas”, ou seja, a legitimidade do recorrente não assistente, limita-se à específica questão cível suscitada no processo e pode afectar o caso julgado formado quanto à responsabilidade penal.

Daqui resulta que as partes civis carecem de legitimidade para recorrer dos aspectos penais da sentença, ainda que para efeitos meramente civis.

Por isso, não tendo o Ministério Público recorrido quanto à parte da decisão que absolveu o arguido, a sentença transitou quanto à matéria penal, o que tem como efeito que o recurso interposto pela demandante civil só é admissível na medida em que não contenda com a matéria de facto respeitante à responsabilidade criminal.
Aliás, a jurisprudência é uniforme neste sentido (vg, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2008, de 30 de Abril de 2003 e da Relação do Porto de 19 de Maio de 2010).

Ora, como acima foi explicado, a recorrente pretende unicamente a alteração da matéria de facto de modo a que fique provado o crime.

Para que tal pretensão pudesse ser apreciada teria que estar constituída assistente, o que não acontece.

Assim, embora tenha legitimidade para recorrer da parte cível (o que aconteceu, pois que apenas pede que o arguido seja condenado a indemnizá-la), não pode fundamentar o seu pedido numa alteração à matéria de facto que colida com a factualidade em que assentou a decisão da parte crime da sentença.

Por isso, sendo esta a única causa de pedir do recurso, é manifesto que o mesmo sempre teria que improceder.

Pelo exposto, decorrendo da motivação que o recurso não tem qualquer viabilidade, não há que dar cumprimento ao disposto no artº 417º, nº 3, mas sim rejeitá-lo por manifesta improcedência (artº 420º, nº 1, alínea a.)

***

Nesta conformidade, acorda-se em rejeitar o recurso dada a sua manifesta improcedência.

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Custas pela recorrente, fixando-se em 4 UC a taxa de justiça e em igual montante a importância a que se refere o artº 420º, nº 3 do Código de Processo Penal.

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Luís Ramos (Relator)
Calvário Antunes


[1] Diploma a que pertencerão, doravante, todos os normativos sem indicação da sua origem
[2] O aperfeiçoamento previsto no número anterior não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação”
[3] Neste sentido e entre muitos outros, v.g., Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2005, de 11 de Janeiro de 2001, processo n.º 3408/00-5, de 8 de Novembro de 2001 e processo n.º 2453/01-5, de 4-12-03 (www.pgdlisboa.ptpgdljurelstj)
[4] Neste sentido, v.g., Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, processo n.º 328/98 (cfr. Código de Processo Penal Anotado de Simas Santos e Leal-Henriques, II Volume, 2ª edição, pág. 824)
[5] A este respeito, escreve-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2008: “O STJ tem-se pronunciado no sentido de que o não cumprimento do ónus de impugnação da matéria de facto não justifica o convite ao aperfeiçoamento, pois só se pode corrigir o que está mal cumprido e não o que se tem por incumprido - acórdãos de 08-03-2006, processo 185/06-3ª; de 04-10-2006, processo 812/06-3ª; de 04-01-2007, processo 4093/06-3ª e de 10-01-2007, processo 3518/06-3ª, podendo ler-se a este propósito no acórdão de 09-03-2006, processo 461/06-5ª: “Se o recorrente não faz, nem nas conclusões, nem no texto da motivação, as especificações ordenadas pelos números 3 e 4 do art. 412º do CPP, não há lugar ao convite à correcção das conclusões, uma vez que o conteúdo do texto da motivação constitui um limite absoluto que não pode ser extravasado através do convite à correcção das conclusões da motivação”.
[6] Sobre o dever das menções dos n.ºs 3 e 4 do art.412.º do C.P.P. constarem das conclusões da motivação, o STJ já se pronunciou no sentido de que a redacção do n.º 3 do art.412.º do C.P.P., por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem de dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que “versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda (…)”, já o n.º 3 se limita a prescrever que “quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (…)”, sem impor que tal aconteça nas conclusões. Perante esta margem de indefinição legal, tendo o recorrente procedido à mencionada especificação no texto da motivação e não nas respectivas conclusões, ou o Tribunal da Relação conhece da impugnação da matéria de facto ou, previamente, convida o recorrente a corrigir aquelas conclusões. – cfr. acórdão do STJ, de 5 de Julho de 2007, proc. n.º 07P1766.