Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
544/10.6TBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: COMPRA E VENDA
BENS
CONSUMO
CONSUMIDOR
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/27/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 2º, Nº 1 DA LEI Nº 24/96, DE 31 DE JULHO – LEI DE DEFESA DO CONSUMIDOR (LDC). ARTºS 1º, Nº 1, E 1º-A DO DECRETO-LEI Nº 67/2003, NA REDACÇÃO DO ARTº 1º DO DECRETO-LEI Nº 84/2008, DE 21 DE MAIO. ARTº 1º DO DECRETO-LEI Nº 383/89, DE 6 DE NOVEMBRO.
Sumário: I – Para que ao contrato de compra e venda seja aplicável o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, é indispensável a prova – que vincula o comprador –, desde logo, de que o adquirente tem a qualidade de consumidor.

II - O ónus da prova quando da existência e da gravidade do defeito da coisa prestada – i.e. a existência de um vício ou a sua desconformidade com aquilo que foi acordado, ou no caso da responsabilidade do produtor, a falta de segurança daquela coisa – tanto no contexto da responsabilidade contratual do vendedor como da responsabilidade objectiva do produtor, vincula o comprador.

III - O encargo prova de que o demandado é o produtor da coisa prestada recai, também, sobre o demandante.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.

M… pediu ao Sr. Juiz de Direito do ano 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da Covilhã, contra G…, Lda., a resolução do contrato de compra e venda celebrado com a última, e a condenação desta a indemnizá-la, em valor a liquidar em execução de sentença, referente aos pagamentos de consumo de electricidade excessivos que se viu obrigada a pagar à EDP em virtude do deficiente funcionamento do sistema de aquecimento.

Fundamentou estas pretensões no facto de, nos finais de 2006, haverem acordado na compra e venda de um sistema de aquecimento central, a instalar pela ré num casa que a autora estava a construir, sistema cuja montagem foi concluída em Maio de 2007, de, segundo os cálculos efectuadas pela ré, apresentados à autora com a respectiva demonstração, o sistema absorveria uma potência de 4.130 W, o que correspondia a 0,40 W/H, significando um gasto médio mensal de € 120,00, estimativas que foram determinantes e essenciais para a formação da sua vontade em contratar, tendo o termoacumulador, as placas solares e o bloco termodinâmico uma garantia de 3, 5 e 2 anos, respectivamente, de logo após a instalação do equipamento, se verificar, nas zonas da casa, uma grande disparidade de temperaturas, verificando-se nuns quartos 16º e noutros 24º, tendo os consumos de energia disparado para € 1.380,00 bimensais, de o técnico da EDP, chamado por sugestão da ré, na sequência de reclamação da autora, assegurado que não existia qualquer avaria eléctrica susceptível de provocar consumos exorbitantes, pelo que o problema poderia estar no bloco termodinâmico e no termoacumulador, de a ré não ter aceitado nova reclamação, por o bloco ter sido fornecido por L…, pelo que deveria contactar directamente a última, de ter verificado, no contador que mandou instalar no bloco que em 5 dias havia um consumo de 728 KW, tendo a ré, a quem comunicou este resultado, respondido que não se responsabilizava por qualquer anomalia do sistema, devendo apresentar a reclamação directamente à representante da “Energie”, a L…, de ter dirigida a esta um carta, na sequência da qual um técnico da “Energie”, que compareceu na sua causa, lhe assegurou que o problema se prendia com o reduzido número de irradiadores que a ré havia colocado, pelo deveria ser esta a responsabilizar-se pelo problema, e de, por a última, instada extrajudicialmente nada ter feito, a ter feito notificar, judicial e avulsamente, no dia 11 de Dezembro de 2009, para no prazo máximo de 15 dias, proceder à eliminação dos defeitos do sistema, procedendo à montagem do número de irradiadores necessários e suficientes para garantir a climatização total do imóvel à temperatura desejada, não tendo, porém, a ré, procedido à eliminação de qualquer defeito, recusando-se a fazê-lo.

A ré G…, Lda., defendeu-se por excepção dilatória, invocando a sua ilegitimidade ad causam, e por impugnação, negando a veracidade dos factos alegados pela autora como causa petendi, e requereu a intervenção principal de L…, Lda., fornecedora do sistema Ener 24 – termoacumulador, placas solares e bloco termodinâmico.

Admitido, apesar da oposição da autora, o chamamento, a interveniente, ofereceu articulado de contestação, no qual se defendeu por excepção peremptória, alegando caducidade da acção, por a sua intervenção ter sido pedida pela ré cerca três anos e seis meses após ter vendido o equipamento à autora, por excepção dilatória, invocando, sua legitimidade ad causam, por não ter vendido nem instalado qualquer tipo de equipamento à autora, nem celebrado com esta qualquer tipo de negócio, e nem a autora nem a ré referirem qualquer defeito de fabrico do equipamento instalado, e por impugnação, afirmando desconhecer os factos alegados pela demandante.

No despacho saneador julgou-se improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade ad causam invocada pela ré, G…, Lda. – mas omitiu-se, por inteiro, a apreciação, dessa mesma excepção dilatória alegada pela interveniente – e relegou-se para final o conhecimento da excepção peremptória da caducidade invocada pela última.

Dispensada a selecção da matéria de facto e realizada a audiência de discussão e julgamento, a sentença final da causa – com fundamento em que a autora não consegui provar a alegada existência de um defeito do aquecimento em causa, tendo ficado por apurar, designadamente, a causa do alegado deficiente funcionamento do aquecimento, não tendo sido possível determinar se o mesmo se ficou a dever a um qualquer erro de cálculo da G…, Lda., no n.º de irradiadores a instalar (como alegado pela autora), na falta de adequação do equipamento escolhido, ou mesmo a factores exógenos a tal equipamento, como sejam condições do local a aquecer ou mesmo facto de a temperatura pretendida ser desadequada ao equipamento escolhido – julgou prejudicado o conhecimento da excepção da caducidade alegada e a acção totalmente improcedente, e absolveu a ré, G…, Lda., e a chamada, L…, Lda., dos pedidos.

É esta sentença que a autora impugna no recurso – no qual pede a sua revogação – tendo encerrado a sua alegação com estas conclusões:

Nas respostas ao recurso – oferecidas depois de ele já admitido – as apeladas[1] concluíram, naturalmente, pela sua improcedência.

2. Factos provados.

O Tribunal de que provém o recurso julgou provados os factos seguintes:

3. Fundamentos.

3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso.

Além de delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na instância recorrida e pela parte dispositiva da decisão impugnada que for desfavorável ao impugnante, o âmbito objectivo do recurso pode ser limitado, pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição ou, expressa ou tacitamente, nas conclusões da alegação (artº 635 nºs 2, 1ª parte, e 3 do CPC).

No direito português, o recurso ordinário visa, como regra, a reapreciação da decisão proferida, no contexto dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido, no momento do seu proferimento. O sistema obedece, portanto, ao esquema do recurso de reponderação: o recurso tem por objecto a decisão impugnada e – com ressalva da possibilidade de apreciação de qualquer matéria de conhecimento oficioso - o tribunal ad quem limita a sua actividade ao controlo dessa decisão, não se admitindo, na instância de recurso, como regra, a alegação de factos ou a formulação de pedidos novos, i.e., a produção, na instância de recurso, de um efeito jurídico novo. O recurso é concebido como um meio de impugnação da decisão e não de julgamento de questões novas.

Como o pedido e a causa de pedir só podem ser alterados em 2ª instância por acordo das partes – hipótese mais que rara – isso significa que o recurso de apelação visa reapreciar o pedido formulado na 1ª instância - com a matéria de facto nele alegada (artºs 372 do CPC de 1961 e 265 do NCPC).

A recorrente, na petição inicial, com fundamento em que concluiu com a apelada G…, Lda. um contrato de compra e venda de um sistema de aquecimento central e que a última lhe prestou um equipamento defeituoso, faltando culposamente à sua obrigação, pediu a resolução daquele contrato de troca – com a consequente restituição do preço - e a condenação daquela apelada a indemnizá-la, em quantia a liquidar ulteriormente, por virtude das quantias que despendeu com consumos excessivos de energia eléctrica.

                Como a sentença impugnada lhe desamparou qualquer dessas pretensões, a recorrente ordenada, pelo propósito de garantir a sua revogação, desmultiplicou os fundamentos, tanto do pedido de resolução, como do pedido de indemnização            Assim, para o pedido de resolução do contrato, a recorrente invoca, na sua alegação do recurso, também o erro sobre os motivos determinantes em contratar e, para o de indemnização, igualmente a culpa in contraendo.

                Simplesmente, nenhuma destas questões foi suscitada ou colocada na instância recorrida, pelo que esta Relação não pode ser agora chamada a pronunciar-se sobre elas.

De resto, ainda que qualquer destas questões constituísse objecto admissível do recurso, elas sempre estariam longe de garantir à apelante a procedência dele.

De forma deliberadamente simplificadora, pode dizer-se que o erro-vício consiste na ignorância ou na falsa representação de uma realidade que poderia ter intervindo entre os motivos da declaração negocial.

Mas só há erro quando falta um elemento ou a representação está em desacordo com a realidade existente no momento da formação do negócio jurídico. Se o caso consiste na falsa representação de uma realidade futura, que se não se chega a verificar, o caso - muitas vezes impropriamente chamado de error in futurum - não é de erro, mas de falsa ou deficiente previsão (artº 437 do Código Civil).

O erro tem de respeitar a circunstâncias passadas ou presentes. Quando respeita a circunstâncias ou factos futuros, não há qualquer erro em sentido técnico-jurídico, dado que se não desconhece a realidade nem se faz dela uma falsa ou deficiente representação – e só nesse caso é que haverá erro, é que a vontade estará viciada por ele.

E face à consagração clara deste último instituto, não se mostra necessário recorrer actualmente ao error in futurum: uma deficiente previsão do evoluir das circunstâncias – um error in futurum – releva se, e na medida, em que se verifique os requisitos da alteração das circunstâncias; não é um caso de erro nem tem autonomia em face do instituto apontado.

O parecer de que o erro se reporta ao presente ou ao passado, ao passo que a pressuposição se refere ao futuro corresponde, aliás, à doutrina dominante[2]. E a afirmação de que o erro tem a ver com ignorância ou falsa representação da realidade, portanto, de factos ou circunstâncias já ocorridas, no passado ou no presente, e de que, por sua vez, a pressuposição se reporta ao futuro, tendo a ver com a convicção determinante, da vontade de contratar, de que as circunstâncias se manterão no futuro ou evoluirão em certo sentido ou de certa maneira, constitui também jurisprudência corrente[3].

Todavia, nem todo e qualquer erro se repercute no negócio jurídico. Para que o erro releve juridicamente, é necessário que nele concorram certos requisitos. De harmonia com a doutrina que se tem por preferível, é só um o requisito da relevância jurídica do erro: a causalidade ou a essencialidade[4]. É necessário – mas suficiente – que o error causam dans, que seja causa do negócio jurídico nos seus termos concretos. O erro há-de simplesmente ser essencial – não se exigindo, por exemplo, a sua desculpabilidade ou escusabilidade[5] - no sentido de que se o declarante não tivesse estado em erro não teria celebrado o negócio, ou na hipótese mais benigna, teria celebrado negócio essencialmente diferente ou diferente quanto a um elemento essencial ou fundamental dele (artºs 251 nº 1, 252 nº 1 e 254 nº 1 do Código Civil).

Na espécie do recurso, decorre da matéria de facto apurada na 1ª instância que as estimativas da apelada G…, Lda. de que o sistema de aquecimento central termodinâmico absorveria uma potência de 4130 W, o que correspondia a 0,40 W/H, significando, portanto, um gasto médio mensal de € 120, foram determinantes e essenciais, na formação da vontade da autora em contratar.

O caso é, portanto, patentemente de erro vício na declaração ou erro-obstáculo, portanto, de um erro na formação da vontade: a autora fiada nas estimativas da apelada G…, Lda., representou inexacta ou falsamente circunstâncias de facto que foram determinantes na decisão de concluir o contrato.

E um tal erro incidiu, não sobre a pessoa do declaratário - sobre a identidade ou qualidade deste - ou sobre o objecto do contrato, mas sobre a categoria residual: os motivos determinantes da vontade de contratar (artº 252 do Código Civil).

Tratando-se de erro sobre os motivos do negócio que o seu autor haja declarado serem determinantes da sua vontade, o erro reclama, para que seja fundamento de anulação desse mesmo negócio, que as partes tenham reconhecido, por acordo, a essencialidade desses motivos (artº 252 nº 1 do Código Civil). Note-se, de um aspecto, que se trata de acordo constituído por declarações de ciência e não de vontade, que podem mesmo ser puramente tácitas[6], e de outro, que a simples aceitação do negócio não vale como reconhecimento, no sentido exigido pelo preceito apontado. O que não é, de todo, suficiente é o conhecimento – ou o dever de conhecer – a essencialidade, para o declarante, do elemento sobre que recaiu o erro: é indispensável que as partes, ambas, estejam de acordo em que o aspecto em causa foi determinante da decisão do declarante.

Porém, o que os factos apurados não mostram é que a autora e a ré tenham manifestado a sua concordância quanto à essencialidade, para a primeira daqueles motivos, que estivessem de acordo, no momento da conclusão do contrato, em que aqueles elementos foram determinantes para a decisão da autora para a sua celebração – nem isso foi sequer alegado. Como a prova de um tal acordo, competia à autora, mas esta se não livrou do encargo correspondente, o referido erro dever-se-ia ter, em princípio, por irrelevante, não constituindo causa de anulação daquele contrato (artºs 342 nº 1 e 346, 2ª parte, do Código Civil e 414 do CPC).

A responsabilidade in contraendo obriga a indemnizar (artº 227 nº 1 do Código Civil). Discute-se, porém, se essa responsabilidade tem natureza aquiliana ou antes obrigacional. A maioria da doutrina – com apoio de alguma jurisprudência – inclina-se para a sua qualificação como responsabilidade obrigacional, com fundamento na existência de um prévio dever de prestar, constituído, por influxo da lei, com o início dos contactos negociais, sendo francamente minoritária a doutrina que a concebe como responsabilidade ex-delicto ou mesmo que a situe, reconhecendo-lhe uma autonomia institucional, num meio-termo entre aquela e esta espécie de responsabilidade[7].

Porém, a responsabilidade civil pré-contratual, por violação das regras da boa fé na formação do contrato, não se restringe aos contratos não concluídos, embora seja esta a hipótese em que o instituto da culpa in contraendo tem conhecido recentemente maior desenvolvimento e mais aplicações. Para além desse caso, há dois outros conjuntos de situações típicas em que pode ocorrer uma responsabilidade daquela espécie: contratos inválidos ou ineficazes e contratos válidos e eficazes. Neste último caso, tem-se em vista, desde logo, os contratos convalidados que, por inacção do lesado, não tenham sido efectivamente anulados (artº 287 do Código Civil). Todavia, mesmo no tocante a contratos desprovidos ab initio de qualquer vício é também possível em abstracto – mas seguramente mais difícil em concreto – a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual[8]. Em qualquer caso deve exigir-se a demonstração – que cabe ao lesado - da violação do dever pré-contratual – v.g., de informação, de lealdade ou outro – quer esse dever seja estabelecido por lei, com especial densidade, como sucede, por exemplo, nas relações de consumo ou de intermediação financeira, ou se deduza directamente da boa fé, portanto, sem amparo em qualquer preceito legal de concretização ou densificação (artº 342 nº 1 do Código Civil).

Realmente, os pressupostos da responsabilidade civil pré-contratual são absolutamente simétricos aos pressupostos da responsabilidade civil subjectiva: ilicitude, imputabilidade, culpa, dano e nexo de causalidade entre o facto ilícito e o dano - consistindo, neste domínio, a ilicitude na violação de algum dos deveres de boa fé pré-contratual, geralmente incluídos na tríade indicada: dever de protecção, dever de informação, dever de lealdade.

                Ora, no caso, a matéria de facto apurada não torna patente a ofensa, pela apelada G…, Lda., de qualquer dever pré-contratual, nem isso, foi aliás, alegado pela recorrente.

Quer dizer: ainda que o erro sobre os motivos e a culpa in contraendo constituíssem objectos admissíveis do recurso, nem aquele nem este fundamento da impugnação se deveriam ter por procedentes.

A apelante abre a sua alegação com afirmação de que a sentença ora em crise enferma de erros notórios na apreciação da matéria de facto, sendo em si mesma contraditória com a prova produzida e a matéria da mesma constante dada como provada.

Mas temos por certo que a impugnação não tem por objecto nem a decisão da matéria de facto – sendo, que, de resto, é patente, que a recorrente não cumpriu o ónus de impugnação dessa matéria – nem mesmo a nulidade daquela sentença – por contradição intrínseca – dado que este valor negativo da sentença não é de conhecimento oficioso, exigindo, por isso, uma arguição da parte prejudicada[9], que, no caso, não se mostra individualizada (artºs 615 nº 4 e 640 do CPC).

Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação das partes, a questão concreta controversa que importa resolver é a de saber se - face à matéria de facto apurada na instância recorrida - a recorrente dispõe do direito potestativo de resolução do contrato que concluiu com a apelada G… e do direito de ser indemnizada do dano representado pelos consumos excessivos de energia eléctrica e, caso afirmativo, se qualquer desses direitos foi atingido pela caducidade.

De outro aspecto, como se admitiu – bem ou mal, não interessa - através da intervenção principal, a participação de um terceiro – L…, Lda. – como titular passivo de uma situação subjectiva própria, paralela à alegada pela ré G…, Lda., há que apreciar o direito daquela (artº 328 nº 1 do CPC).

A resolução destes problemas vincula à qualificação do contrato concluído entre a recorrente e a apelada G…, Lda. e à determinação do respectivo regime jurídico, e à ponderação das consequências jurídicas do cumprimento defeituoso das obrigações que dele emergem, do modo de extinção das pretensões do comprador, assentes nesse mau cumprimento, representado pela caducidade e, por último, à definição da posição jurídica da interveniente.

3.3. Qualificação do contrato concluído entre a apelante e a apelada, G…, Lda.

A sentença impugnada foi terminante na afirmação de que entre a recorrente e a apelada G…, Lda., foi celebrado um contrato de compra e venda – e um contrato de compra e venda de bem de consumo. Permitimo-nos discordar desta última conclusão.

Por consumidor entende-se todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça, com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios (artº 2 nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho – Lei de Defesa do Consumidor (LDC)).

Vale entre nós, portanto – segundo um entendimento maioritário – uma noção estrita de consumidor, entendendo-se como tal, a pessoa singular que adquire a fornecedor profissional bens ou serviços para uso não profissional[10]. Portanto, para que o contrato seja de compra e venda de bem de consumo, há-de tratar-se de compra e venda celebrada entre vendedor profissional e comprador consumidor ou comprador não profissional, e só para esse caso é que vale o regime jurídico específico da venda de bens de consumo (artºs 1 nº 1, 1-A do Decreto-Lei nº 67/2003, na redacção do artº 1 do Decreto-Lei nº 84/2008, de 21 de Maio).

Portanto, para que este particular regime seja aplicável, aquelas qualidades das partes devem estar demonstradas, pelo que na falta da sua prova, não é possível qualificar o contrato como de compra e venda de consumo. O ónus da prova daquelas qualidades vincula o comprador, uma vez que, nas circunstâncias mais comuns, será ele a parte beneficiada com a aplicação do regime da venda de bens de consumo (artº 342 nº 1 do Código Civil)[11].

Ora, no caso, em face da matéria de facto apurada, não está demonstrada a qualidade de consumidor da apelante, visto que não se provou – nem, aliás, foi objecto de adequada alegação – que o bem tenha sido adquirido por aquela para um uso não profissional. Nestas condições, vale, para aquele contrato de troca, o regime geral.

É axiomático que entre a recorrente e a recorrida G…, Lda., foi celebrado um típico contrato de compra e venda, qualificação a que não obsta o facto de, a par da sua obrigação de entrega da coisa vendida, a apelada se ter vinculado à realização de uma outra prestação - a de proceder à sua instalação ou montagem – uma vez que o de harmonia com a factualidade assente, o centro de gravidade do negócio é constituído pela prestação de coisa e não de trabalho[12] (artºs 874 e 875 do Código Civil).

Do contrato de compra e venda emergem no Direito Português, três efeitos primordiais: o efeito translativo do direito; a obrigação de entrega da coisa e a obrigação de pagamento do preço (artºs 408 nº 1 e 879 do Código Civil). Não oferece dúvida, a qualificação deste contrato como bivinculante, sinalagmático e oneroso: do contrato derivam obrigações para ambas as partes, como contrapartida uma das outras e ambas suportando esforço económico.

A distinção mais importante entre as modalidades do contrato de compra e venda é que cinde a compra e venda de coisa, quer dizer, do direito de propriedade sobre a coisa – da compra e venda de direito. No caso, estamos nitidamente perante a primeira modalidade.

Além do efeito real, a compra e venda produz, ainda, dois outros efeitos obrigacionais, um dos quais é a obrigação que recai sobre o vendedor de entregar a coisa (artº 879 b) do Código Civil).

3.4. Consequências jurídicas do cumprimento defeituoso da prestação de coisa emergente do contrato de compra e venda.

As obrigações de entrega da coisa, a cargo do vendedor, e de pagamento do preço, a cargo do comprador, são obrigações simples. Mas sendo obrigações simples, elas surgem sempre acompanhadas de deveres acessórios. Entre os deveres acessórios específicos da compra e venda e que derivam de lei expressa, contam-se, naturalmente, os deveres legais atinentes á responsabilidade por vícios ou defeitos da coisa.

O comprador, adstrito ao dever de entregar a coisa objecto mediato do contrato, pode violar esse seu dever de prestar por uma de duas formas: ou pelo puro e simples incumprimento ou impossibilitando a prestação (artºs 798 e 801 nº 1 do Código Civil). Existe, no entanto, uma terceira possibilidade, que, relativamente ao contrato de compra e venda, é objecto de previsão específica: a de ter havido um cumprimento defeituoso ou inexacto (artº 913 e ss. do Código Civil). O comprador não está só adstrito à obrigação de entregar certa coisa; ele encontra-se ainda vinculado a entregar uma coisa isenta de vícios e conforme com o convencionado, quer dizer, sem defeitos (artº 913 Código Civil).

Coisa defeituosa é, portanto, aquela que tiver um vício ou se mostrar desconforme com aquilo que foi acordado. O vício corresponde a imperfeições relativamente à qualidade normal de coisas daquele tipo; a desconformidade representa uma discordância com respeito a fim acordado[13].

Quando não houver acordo das partes acerca do fim a que a coisa se destina, atende-se à função normal de coisas da mesma categoria (artº 913 nº 2 do Código Civil). Há, portanto, um padrão normal relativamente à função de cada coisa: é com base nesse padrão que se aprecia a existência de vício. Por exemplo, pressupõe-se que o veículo automóvel vendido esteja em condições, físicas e jurídicas, de circular.

O conceito de defeito abrange, assim, quatro categorias: vícios que desvalorizam a coisa; vícios que impedem a realização do fim a que a coisa se destina; falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; falta de qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina. Numa palavra: diz-se defeituosa a coisa imprópria para o seu uso concreto a que é destinada contratualmente – função concreta programada pelas partes – ou para a função normal das coisas da mesma categoria ou tipo, se do contrato não resultar o fim a que se destina[14].

A lei assinala à prestação de coisa defeituosa, várias consequências jurídicas que assentam num plano comum: a culpa, ainda que meramente presumida do vendedor: a responsabilidade deste pelo cumprimento defeituoso é necessariamente subjectiva (artº 799 nº 1 do Código Civil)[15].

Assim e em primeiro lugar, faculta-se ao comprador a supressão do contrato, fonte de qualquer daquelas obrigações (artº 905, ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil). E supressão não pela da anulação do contrato, mas através da resolução dele.

Efectivamente, apesar da remissão que é feita para o regime da venda de bens onerados, a venda de coisa defeituosa faculta ao comprador, não a anulação do contrato – mas a sua resolução (artº 905, ex-vi, artº 913 do Código Civil)[16].

Em segundo lugar, reconhece-se ao comprador a possibilidade de exigir a reparação do defeito, caso esta seja possível, ou a substituição da coisa defeituosa, naturalmente se esta for fungível e se a entrega da coisa de coisa substitutiva não corresponder a uma prestação excessivamente onerosa para o vendedor, atento o proveito do comprador (artºs 914 e 921 do Código Civil); em terceiro lugar, atribui-se ao comprador o direito de reclamar a redução do preço convencionado (artº 911 ex-vi artº 913 nº 1 do Código Civil; por último, concede-se ao comprador a faculdade de pedir uma indemnização (artº 911, ex-vi artº 913 do Código Civil).

O direito de indemnização reconhecido ao comprador de coisa defeituosa assenta necessariamente na culpa do vendedor (artº 908, ex-vi artº 913 do Código Civil). Ao contrário do que sucede na venda de coisas oneradas, na venda de coisas defeituosas, só foi estabelecida uma responsabilidade subjectiva (artº 915 do Código Civil). Esta obrigação de indemnização não é independente das demais pretensões do devedor, estando, pelo contrário, sujeita aos mesmos pressupostos e é complementar dessas pretensões. Ela não pode ser pedida em substituição de qualquer dos outros pedidos - mas é complemento deles, com vista a reparar o prejuízo excedente.

Da prestação de coisa defeituosa podem emergir danos na própria coisa vendida (danos circa rem) – por exemplo, diminuição do seu valor ou da utilidade – bem como danos pessoais sofridos pelo comprador ou ocasionados no seu património (dano extra rem)[17]. Quando a prestação defeituosa causa, em simultâneo, danos dessas duas espécies, o comprador tem direito a indemnização, mas há concurso de normas, embora não de responsabilidades.

Os diversos meios jurídicos facultados ao comprador no caso de prestação de coisa defeituosa, não podem ser exercidos em alternativa, estando entre si numa ordem lógica: em primeiro lugar o vendedor está adstrito a eliminação do defeito da coisa; depois à sua substituição; frustrando-se estas pretensões, o comprador pode reclamar a redução do preço e, por fim, a extinção do contrato.

Apesar de apenas a propósito do contrato de empreitada a lei se referir aos defeitos ocultos e aos defeitos aparentes ou reconhecíveis, esta distinção deve valer também para a compra e venda, desde que se admita, como se deve – sob pena de se premiar a negligência do comprador - o dever deste de proceder, no momento da entrega da coisa, á verificação do defeito (artº 1218 do Código Civil)[18].

No contexto da compra e venda, defeito oculto é, portanto, aquele que, sendo desconhecido do comprador pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente, i.e. não era reconhecível pelo bonus pater familias[19]; defeito aparente é aquele que é detectável mediante um exame diligente, que o comprador se poderia ter apercebido usando de normal diligência[20].

Maneira que o defeito da coisa prestada só faculta ao comprador os meios jurídicos enunciados se o desconhecer sem culpa. Por outras palavras: a responsabilidade emergente de coisas defeituosas só existe em caso de defeito oculto.

Aos vícios supervenientes, i.e., sobrevindos após a celebração do contrato de compra e venda e antes da entrega da coisa, como de resto, à venda de coisa futura ou de coisa genérica, manda a lei aplicar as regras relativas ao não cumprimento das obrigações (artº 918 do Código Civil). Esta estatuição mostra que lei reporta a garantia edilícia apenas aos vícios preexistentes ou contemporâneos da conclusão do contrato e tem directamente em vista a venda de coisa específica, certa e determinada[21].

A distribuição do ónus da prova quando à existência e à gravidade do defeito, observa as regras gerais: é o comprador que está adstrito à demonstração de qualquer daqueles factos (artº 342 nº 1 do Código Civil)[22].

Assim, é ao comprador que compete fazer a prova do defeito. Feita essa prova, é ao vendedor – por se presumir a sua culpa – que terá de demonstrar que o mau cumprimento ou o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua (artº 799 nº 1 do Código Civil).

O direito de indemnização reconhecido ao comprador de coisa defeituosa assenta também necessariamente na culpa do vendedor (artº 908, ex-vi artº 913 do Código Civil). Ao contrário do que sucede na venda de coisas oneradas, na venda de coisas defeituosas, só foi estabelecida uma responsabilidade subjectiva (artº 915 do Código Civil). Esta obrigação de indemnização não é independente das demais pretensões do devedor, estando, pelo contrário, sujeita aos mesmos pressupostos e é complementar dessas pretensões. Ela não pode ser requerida em substituição de qualquer dos outros pedidos - mas é complemento deles, com vista a reparar o prejuízo excedente.

Apesar da complexidade do regime, podem dar-se por certas estas conclusões: em caso de cumprimento de defeituoso, pelo vendedor, da sua prestação de coisa o primeiro direito que assiste ao comprador é o de exigir a reparação ou substituição dela; no caso de o vendedor não cumprir definitivamente qualquer destas obrigações ou se constituir relativamente a qualquer delas na situação de mora, ao comprador assiste, no primeiro caso, o direito de resolver o contrato, e em qualquer hipótese, o de ser indemnizado pelos danos decorrentes desse não cumprimento ou desta mora; esta indemnização não sofre qualquer restrição e compreende, por isso, tanto os danos emergentes com os lucros cessantes (artºs 564, 798 e 804 nº 1 do Código Civil).

3.5. Extinção, por caducidade das pretensões assentes no mau cumprimento do contrato de compra e venda.

Para que o vendedor de coisa defeituosa se mostre constituído em responsabilidade exige a lei que o defeito lhe seja denunciado: o comprador deve comunicar ao vendedor o facto de a coisa prestada sofrer de determinado defeito, ou seja que tem um vício ou vícios ou que não corresponde à qualidade convencionada.

O comprador está, portanto, sujeito, excepto no caso de dolo, a um verdadeiro ónus de denúncia - que se resolve numa declaração receptícia, sem forma especial, através da qual o comprador, de uma forma circunstanciada, e o mais exacta possível, comunica ao vendedor os defeitos de que a coisa se encontra ferida (artº 916 nº 1 do Código Civil).

Tratando-se de coisa móvel, a denúncia deve ser feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e nos seis meses anos posteriores à entrega da coisa. Assim, em coisas daquela espécie, o comprador tem trinta dias anos a contar da entrega dela para descobrir o defeito; depois de descoberto o defeito, tem seis meses para o comunicar ao vendedor (artº 916 nº 2 do Código Civil).

Apenas a acção que tenha por objecto a anulação do contrato é expressamente sujeita a um prazo de caducidade de seis meses (artº 917 do Código Civil). Contudo esta disposição deve ser objecto de interpretação extensiva de modo a aplicar-se a todas as demais pretensões reconhecidas ao comprador no contexto da garantia edilícia e a ela ligadas[23].

Portanto, os diversos direitos, no caso de violação positiva do contrato ou de cumprimento defeituoso das obrigações que dele emergem para o vendedor, que a lei reconhece ao comprador, estão sujeitos a caducidade.

Assim, se o comprador não tiver denunciado o defeito, a acção com base na responsabilidade por cumprimento defeituoso deve ser intentada nos prazos fixados para a denúncia; nesse caso, a acção a intentar contra o vendedor tem o valor de uma denúncia, pois não é obrigatório que, antes da propositura da acção, tenha havido denúncia do defeito.

Porém, se o comprador tiver procedido à denúncia do defeito, terá de intentar a acção judicial nos seis meses posteriores à denúncia; este prazo de seis meses conta-se a partir da data em que foi feita a denúncia (artº 917 do Código Civil).

Para as coisas móveis, o limite máximo da garantia retira-se da conjugação de dois prazos: o de denúncia, que é de seis meses a contar da entrega e o prazo para interpor a acção judicial, que é de seis meses desde a denúncia (artºs 916 nº 2 e 917 do Código Civil). O prazo da garantia edilícia pode, assim, estender-se até um ano a contar da entrega.

A caducidade traduz a extinção de uma posição jurídica pela verificação de um facto stricto sensu, dotado de eficácia extintiva[24]. Em sentido estrito, a caducidade exprime a cessação de situações jurídicas pelo decurso de um prazo a que estejam sujeitas. A caducidade só é impedida pela prática do acto a que a lei ou a convenção atribuam semelhante efeito (artº 331 nº 1 do Código Civil).

No caso, da leitura ainda que meramente oblíqua dos preceitos que a estabelecem conclui-se que se trata de uma caducidade simples, quer dizer, não punitiva, dado que se limita a prever a cessação da situação jurídica pelo decurso do prazo, legal, visto que é predisposta directamente pela lei, e relativa a matéria disponível: a sua apreciação não é oficiosa (artºs 330, 331 nº 2 e 333 do Código Civil).

A caducidade produz, ao contrário da prescrição, um efeito extintivo, na espécie sujeita, dos direitos do comprador, assentes na prestação de coisa defeituosa. Dado que este direito é disponível, a caducidade confere ao devedor o direito potestativo de, através de declaração de vontade, que consiste em invocá-la, por termo àquele direito[25].

3.6. Posição jurídica da interveniente, L…, Lda.

A exposição precedente teve por objecto o regime clássico ou comum da responsabilidade do vendedor, tal como surge recortado no Código Civil. Há, porém, que ponderar, entre outros, o regime especial da responsabilidade do produtor, que coexiste com aquela responsabilidade contratual (artº 13 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro)[26]. Este ponto é significante dado que no caso – de harmonia com a matéria de facto apurada na instância recorrida – a apelante e interveniente principal, L…, Lda., não se mostram entre si ligadas por qualquer vínculo contratual, designadamente o que decorre do contrato de compra e venda. Esta circunstância obsta, definitiva e irremissivelmente, ao reconhecimento à autora, relativamente à apelada L…, Lda., de qualquer direito, que suponha uma vinculação contratual, como sucede, lógica e necessariamente, com o direito potestativo à resolução do contrato. Mas o mesmo não sucede com o direito à indemnização que bem pode – ao menos em abstracto - fundar-se, por exemplo, na responsabilidade que vincula o produtor.

A responsabilidade do produtor caracteriza-se, desde logo, por esta nota fundamental: trata-se de uma responsabilidade puramente objectiva. O produtor, declara terminantemente a lei, responde, independentemente de culpa, pelos danos causados pelos defeitos dos produtos que põe em circulação (artº 1º do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro).

A natureza objectiva da responsabilidade do produtor não produz qualquer refracção às regras gerais do ónus da prova: é ao lesado pelo produto defeituoso que tem de provar, além do dano, o defeito – e o nexo causal entre um e outro[27]. A única coisa que o lesado não terá de provar é a culpa ou sequer a ilicitude da conduta do produtor, dado que nem uma nem outra são elementos constitutivos da responsabilidade objectiva que o vulnera o último.

Esta responsabilidade objectiva vulnera o produtor. Dada, naturalmente, a sua importância, a lei teve o cuidado de dar uma noção de produtor (artº 2 nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro).

Trata-se de uma definição ampla que compreende, no seu perímetro, o produtor real ou produtor em sentido estrito, i.e., toda a pessoa, física ou meramente jurídica que, sob a sua responsabilidade, participa na criação do produto, seja do produto acabado, de uma parte componente ou da matéria-prima (artº 2 nº 1, 1ª parte, do Decreto nº 383/89, de 6 de Novembro); o produtor aparente ou quase-produtor, quer dizer, aquele que se apresente como tal pela oposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo (artº 2 nº 1, 2ª parte, do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro); o produtor presumido, entendendo-se como tal o produtor que, na Comunidade Económica Europeia – ou numa leitura actualista, na União Europeia – e no exercício da sua actividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição (artº 2 nº 2 b) do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro) e, finalmente, o fornecedor de produto anónimo, i.e., qualquer fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado, salvo se, notificado por escrito, comunicar ao lesado, no prazo de três meses, igualmente por escrito, a identidade de um ou de outro, ou a de algum fornecedor precedente (artº 2 nº 2, b) do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro)[28].

Produto é, no contexto da responsabilidade civil do produtor, qualquer coisa móvel, ainda que incorporada noutra coisa móvel ou imóvel, sendo indiferente que se trata de bens de consumo ou de bens duradouros ou que as coisas, com a sua incorporação, percam ou não a sua autonomia (artº 3 nº 1 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro). Cabem, portanto, aqui, todos os tipos de bens produzidos – com excepção dos imóveis – independentemente de se tratar de bens de consumo – v.g., electrodomésticos, brinquedos – bens de produção – v.g. materiais de construção – bens industriais – v.g. máquinas – ou até bens artesanais

Por defeito entende-se, neste domínio, a falta de segurança legitimamente esperada - e não a falta de conformidade ou qualidade, a inaptidão ou inidoneidade da coisa para a realização do fim a que se destina[29] (artº 4 nº 1 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro).

Não há assim uma rigorosa coincidência entre a conformidade ou qualidade do produto – em que assenta a garantia edilícia – e a segurança do produto: este último conceito é nitidamente conceito é mais compreensivo, o que permite a extensão da tutela disponibilizada pela responsabilidade civil do produtor a todos os lesados por produtos que causam danos utilizados na específica função para que foram concebidos e fabricados. Em contrapartida, o produto pode ser impróprio para o fim a que se destina - e, portanto, desconforme com o contrato – e, não obstante, não ser inseguro.

Esta diferença mais não reflecte que a diversidade de fundamentos finais da falta de segurança do produto e da falta de conformidade ou idoneidade do fim a que esse mesmo produto se destina: no primeiro o objectivo é a protecção da vida e da integridade física e psíquica das pessoas; no segundo visa-se, limitadamente, garantir o equilíbrio entre a prestação e a contraprestação, subjacente ao cumprimento pontual do contrato, através da realização de uma prestação de coisa com as qualidades e características adequadas ao fim a que se destina, de harmonia com o convencionado.

Produto defeituoso é, portanto, o produto que, no momento da sua entrada em circulação e de harmonia com a utilização que dele possa razoavelmente ser feita, comporta um grau de insegurança ou perigosidade com que legitimamente se não pode contar, compreendo quer a que resulta de vícios intrínsecos – defeitos de concepção e de fabrico - como a que deriva de vícios extrínsecos – defeitos de informação.

Por último, deve ter-se presente que nem todos os danos causados por defeitos de segurança de um produto são ressarcíveis.

O produtor apenas está vinculado a reparar os danos resultantes de morte ou lesão pessoal e os danos diversos em coisas diversas do produto defeituoso, desde que seja normalmente destinada ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino (artº 8 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro).

No caso de morte ou lesão pessoal – seja da integridade física ou psíquica - são ressarcíveis todos os danos sejam patrimoniais ou não patrimoniais (artº 496 do Código Civil). Na determinação da extensão dos danos, do quantum debeatur, valem, por inteiro, as regras gerais de direito comum (artº 566 nº 2 do Código Civil).

No tocante aos danos causados em coisas, apenas são reparáveis os danos causados em coisa diversa do produto defeituoso, desde que normalmente destinado ao uso ou consumo privado e o lesado lhe tenha dado principalmente esse destino, com dedução de uma franquia de 500,00€ (artº 8 nº 1 e 9 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro)[30]. Excluem-se, portanto, do perímetro da reparabilidade, os danos sofridos no próprio produto defeituoso, os danos ulteriores que possam resultar da destruição das coisas de uso privado e os danos patrimoniais puros, i.e., os danos que são autónomos e independentes da violação de direitos absolutos.

O contraste entre os danos da morte ou na lesão pessoal e a danificação de coisas revela, no plano subjectivo, esta diferença fundamental: ao passo que no plano danos pessoais a tutela é disponibilizada a qualquer pessoa, ainda que seja um profissional que utiliza o produto no exercício da sua profissão, no domínio dos danos em coisas, apenas se protege o consumidor em sentido estrito, i.e., aquele utilizava a coisa destruída ou danificada pelo produto defeituoso, para um fim privado, pessoal ou doméstico e não para um fim profissional (artº 2 nº 1 da Lei nº 24/96, de 31 de Julho).

O direito ao ressarcimento, assentes na responsabilidade do produtor, estão sujeitos, do mesmo passo, a prescrição e a caducidade: o direito ao ressarcimento prescreve no prazo de três anos a contar da data em que lesado teve ou deveria ter conhecimento do dano, do defeito e da identidade do produtor, e caduca decorrido dez anos sobre a data em que o produtor pôs em circulação o produto causador do dano, salvo se estiver pendente acção interposta pelo lesado (artºs 11 e 12 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro).

Por último, deve sublinhar-se que esta responsabilidade civil do produtor não afasta a responsabilidade decorrente de outras disposições legais (artº 13 do Decreto-Lei nº 383/89, de 6 de Novembro). A responsabilidade civil do produtor concorre cumulativamente com outras fontes de responsabilidade, permitindo ao lesado optar por outro ou outros regimes de responsabilidades porventura mais favoráveis.

Este viaticum habilita-nos a decidir a espinhosa questão que constitui objecto do recurso.

3.7. Concretização.

Resulta da petição inicial oferecida pela autora que o defeito patenteado pela coisa adquirida pela recorrente à apelada G…, Lda. – de que decorre a diferença da temperatura dos diversos espaços do imóvel em que foi instalado e um aumento dos consumos de energia eléctrica acima das expectativas da apelante – e cuja eliminação reclamou, judicial e avulsamente daquela, é este: a insuficiência do número de irradiadores instalados para garantir a climatização total do imóvel.

A recorrente sustenta na sua alegação que resultou provado que o sistema de aquecimento central fornecido e instalado não se mostra apto a proceder e prosseguir o fim para o qual foi adquirido, isto é, a climatização de toda a casa, por escassez do número de irradiadores montados. Esta alegação não é exacta.

Realmente, por mais que se leiam os factos julgados provados pelo Tribunal de que provém o recurso, a verdade é que entre eles não se conta aquele facto capital. A única coisa que se provou foi que um técnico da “E…” que compareceu na casa da Autora, lhe assegurou que o problema se prendia com o reduzido número de irradiadores que a Ré havia colocado. Quer dizer: a única realidade que, em face da decisão da matéria de facto, se deve ter demonstrada, é que aquele técnico garantiu ou asseverou que a deficiência do sistema de aquecimento resultava da insuficiência do número de irradiadores instalados – mas não que esse seja, efectivamente, o defeito patenteado por aquele mesmo sistema.

E desde que a recorrente não demonstrou o defeito da coisa prestada, do qual fazia derivar o direito à resolução do contrato bem como à indemnização do dano alegado, a improcedência de qualquer destas pretensões, assentes na garantia edilícia, tem-se por irremissível (artºs 414 do CPC e 346, 2ª parte, do Código Civil).

Em qualquer caso, mesmo que a recorrente tivesse cumprido o ónus da prova da realidade do defeito que alegou, sempre se imporia recusar a procedência de qualquer destes pedidos no tocante à interveniente, L…, Lda. Desde logo, porque esta não concluiu com a apelante qualquer contrato, pelo que sempre estaria radicalmente excluída qualquer pretensão fundada numa responsabilidade ex-contractu – o que, aliás, torna incongruente a alegação, pela última, da caducidade dos direitos alegados pela primeira, disposta na lei - para o contrato de compra e venda. Em boa lógica, se a interveniente não concluiu com a apelante qualquer contrato, designadamente um contrato de compra e venda, carece de sentido alegar a caducidade dos direitos do comprador, emergentes – do contrato de compra e venda. A alegação desta excepção peremptória apenas era facultada ao vendedor - a apelada G…, Lda. – e esta, compreensivelmente, não a invocou.

 Depois, porque a única fonte plausível de constituição da interveniente no dever de indemnizar só poderia assentar na sua qualidade de produtor do bem vendido.

Simplesmente, não ficou, sequer, demonstrado que a interveniente tenha sido o produtor do bem, que este padeça do vício da falta de segurança, nem que a recorrente tenha sofrido um dano da espécie daqueles cuja ressarcibilidade se compreenda no perímetro da responsabilidade do produtor. Aliás, de harmonia com a matéria de facto julgada provada na instância recorrida, a interveniente é apenas a representante da E…, não se sabendo mesmo qual foi exactamente a qualidade em que qualquer destas interveio no tocante ao bem que a apelada G…, Lda. vendeu à recorrente.

O recurso não dispõe, pois, de bom fundamento. Cumpre julga-lo improcedente.

Síntese conclusiva:

a) Para que ao contrato de compra e venda seja aplicável o regime jurídico específico da venda de bens de consumo, é indispensável a prova – que vincula o comprador – desde logo, que o adquirente tem a qualidade de consumidor;

b) O ónus da prova quando da existência e da gravidade do defeito da coisa prestada – i.e. a existência de um vício ou a sua desconformidade com aquilo que foi acordado, ou no caso da responsabilidade do produtor, a falta de segurança daquela coisa – tanto no contexto da responsabilidade contratual do vendedor como da responsabilidade objectiva do produtor, vincula o comprador;

c) O encargo prova de que o demandado é o produtor da coisa prestada recai, também, sobre o demandante.

A recorrente sucumbe no recurso. Deverá, por esse motivo, suportar as custas dele (artº 527 nºs 1 e 2 do CPC).

4. Decisão.

Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.

Custas pela apelante.

                                                                                                              14.05.27

                                                                                                              Henrique Antunes - Relator

                                                                                                              Regina Rosa                                       

                                                                                                              Artur Dias


[1] Abstrai-se do facto de uma das respostas ao recurso, se indicar como apelada E…, Lda., que, comprovadamente não é parte na causa e, correspondentemente, no recurso. Partes na acção e no recurso são apenas, além da autora, a ré G…, Lda. e a interveniente principal, L…, Lda., únicas que foram citadas para a causa e que a contestaram. Tanto quanto decorre da matéria de facto julgada provada na instância recorrida, E…, Lda. é a representada – não se percebe se em sentido técnico - da interveniente L…, Lda. Dada a fundamental identidade dos fundamento da resposta daquela ao recurso e da contestação oferecida por L…, entende-se que a menção, naquela resposta, relativa a E…, Lda. resulta de ostensivo lapso de escrita que apenas dá lugar a correcção (artº 249 do Código Civil e 146 nº 1 do CPC).


[2] Cfr., por todos, António Pinto Monteiro, Erro e Vinculação Negocial, Almedina, Coimbra, 2002, págs. 18 a 20.
[3] V.g., Acs. do STJ de 10.12.74, BMJ nº 242, pág. 254, da RP de 09.02.93, CJ, XVIII, I, pág. 227, e da RC de 01.03.95, CJ, XX, II, pág. 5
[4] João de Castro Mendes, Teoria Geral do Direito Civil, Volume II, AAFDL, Lisboa, 1995, pág. 109, e António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, págs. 606 a 608.
[5] Note-se, porém, que deve entender-se que, no caso de erro culposo, os interesses da contraparte, não obstante a anulação do negócio, não ficam inteiramente desprotegidos, dado que o errante, admitido embora a invocar a anulabilidade, incorre em responsabilidade pré-negocial, ficando constituído num dever de indemnizar (artº 227 do Código Civil). Cfr. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Coimbra, 2005, págs. 510 e 511.
[6] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume, I, 4ª edição, Coimbra, 1987, pág. 236, e Acs. do STJ de 12.06.84, BMJ nº 338, pág, 385, e da RL de 13.12.72, BMJ nº 222, pág. 463.
[7] Como salienta Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol. I, Introdução, Da Constituição das Obrigações, 2ª edição, Almedina, Coimbra, 2002, pág. 338; Acs. do STJ de 04.07.91, BMJ nº 409, pág. 735 e da RL de 29.10.98, CJ, XVIII, IV, pág. 132.
[8] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, Conceito, Fontes, Formação, 2ª edição, Almedina, 2003, pág. 175 e 180, Galvão Teles, O Direito, Ano 125 (1993), III-IV, págs. 346 e 347, e José Alberto Vieira, Negócio Jurídico, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, págs. 33 e 34; Acs. do STJ de 17.10.02, 04.04.06 e 25.06.13, e da RP de 03.05.07, www.dgsi.pt.
[9] Acs. do STJ de 11.02.93, CJ, STJ, 93, I, pág. 191, e da RL de 15.12.94, CJ, 94, V, pág. 127.
[10] Sustentando uma concepção restrita de consumidor, na jurisprudência, o Ac. da RL de 31.05.97, www.dgsi.pt., e na doutrina, Teresa Almeida, Lei de Defesa do Consumidor Anotada, 2001, pág. 25, Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, pág. 58, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, pág. 118, e Venda de Bens de Consumo, Decreto-Lei nº 67/2003, de 8 de Abril, Comentário, 4ª edição 2010, pág. 55, Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro, pág. 233, e Ferreira de Almeida, Os Direitos dos Consumidores, 1982, pág. 208; contra, Paulo Duarte, O Conceito Jurídico de Consumidor, segundo o art.º 2.º. 1, da Lei de Defesa do Consumidor, BFDUC, LXXV, 1999, pág. 649 e Sara Larcher, “Contratos celebrados através da internet; garantias dos Consumidores contra vícios na Compra e Venda de Bens de Consumo”, in Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Vol. II, 2005, pág. 155.
[11] Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2103, pág. 239.
[12] Ac. da RP de 28.11.05, www.dgsi.pt.
[13] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, Coimbra, 1994, pág. 185. É portanto, à luz do fim da coisa prestada pelas partes – concepção subjectivo-concreta de defeito – ou, na sua falta, à luz do uso corrente, habitual – noção objectiva do defeito – que se aprecia a existência do vício. Cfr. João Calvão da Silva, Estudos Jurídicos (Pareceres), Almedina, Coimbra, 2001, págs. 335 e 336.
[14] Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, Coimbra, 1990, págs. 189 e 190, e Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 41.
[15] Ressalva-se, evidentemente, a responsabilidade sem culpa do vendedor, se for dada garantia de bom funcionamento (artº 921 do Código Civil). Mas esta responsabilidade objectiva não vale para todas as pretensões edilícias – mas apenas para os deveres de reparar a coisa e de proceder à sua substituição.
[16] Pedro Romano Martinez, Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, págs. 129 e ss. e Da Cessação do Contrato, Almedina, Coimbra, 2005, págs. 264 e 265. Quanto a este ponto, a jurisprudência é acorde no sentido de aplicar o regime do incumprimento e não o da anulabilidade. É, possível contudo, estabelecer um distinguo, entre as decisões que, aludindo à anulação com base no erro, não retiram qualquer conclusão do regime do erro – e aquelas que sustentam, peremptoriamente, que o caso não é de erro, mas de incumprimento. Para ilustrar a primeira daquelas posições, cfr., v.g., os Acs. do STJ de 25.02.93, CJ, STJ, I, pág. 54, da RL de 30.07.81, CJ, VI, IV, pág. 92, e de 27.05.93, CJ, XVIII, III, pág. 116; como exemplo da segunda podem apontar-se, v.g., os Acs. do STJ de 21.05.81, BMJ nº 307, pág. 250, de 03.04.90, BMJ nº 396, pág. 376, de 26.09.95, CJ, STJ, II, pág. 143 e da RP de 23.05.93, CJ, XVIII, III, pág. 201 e de 05.05.97, CJ, XIII, III, pág. 179.
[17] Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., pág. 260 e ss. e Acs. RC de 31.01.94, CJ, XIX, III, pág. 22, da RL de 6.12.88, CJ, XIII, V, pág. 114, RE de 31.01.91, CJ, XVI, pág. 292, de 20.02.92, CJ XVII, I, pág. 237 e STJ de 31.5.94, BMJ nº 356, pág. 349.
[18] Pedro Romano Martinez, Compra e Venda e Empreitada, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil, e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, Coimbra Editora, págs. 246 e 247 e Contratos em Especial, UCP, Lisboa, 1996, pág. 128 e João Calvão da Silva, cit. pág. 336;
[19] Ac. da RL de 21.02.91, CJ, XVI, I, pág. 161
[20] Ac. da RP de 17.11.92, CJ, XVIII, V, pág. 224.
[21] João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Conformidade e Segurança. Almedina, Coimbra, 2001, págs. 82 a 84. Mas o ponto é duvidoso. Cfr., no sentido da aplicação, no tocante às situações de defeito superveniente, as regras específicas da venda de coisas defeituosas – e, portanto, propondo uma interpretação restritiva do preceito no sentido de que se pretendeu unicamente esclarecer, que no caso previsto, têm aplicação as regras gerais relativas à transferência da propriedade e do risco - Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, cit., págs. 214 e 215 e 224 a 227.
[22] Acs. da RE de 23.01.97 e do STJ de 03.03.98 e 20.10.09, www.dgsi.pt. e Nuno Manuel Pinto de Oliveira, Contrato de Compra e Venda, Noções Fundamentais, Almedina, Coimbra, 2007, pág. 294.
[23] Neste sentido, João Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, Coimbra, 2001 e Pedro Romano Martinez, Cumprimento Defeituoso, pág. 372 e Direito das Obrigações, pág. 144 e nota (4) e o Assento do STJ de 04.12.96, DR, I Serie, de 30 de Janeiro de 1997 e, v.g., o Ac. do STJ de 02.11.06, www.dgsi.pt. Mas esta solução não vale para pretensões que não se compreendam no artº 913 do Código Civil, quer dizer, para os casos em violação culposa dos deveres do devedor que não se refere a vício orgânico ou extrínseco da coisa; nesta hipótese, a responsabilidade ex contracto está sujeita ao prazo ordinário de prescrição (artº 309 do Código Civil). Neste sentido João Calvão da Silva, Compra e Venda, cit., pág. 72 e Ac. do STJ de 22.02.07, www.dgsi.pt.
[24] António Menezes Cordeiro, Da Caducidade no Direito Português, Estudos em Memória do Professor Doutor José Dias Marques, Almedina Coimbra, 2007, pág. 7.
[25] Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, Coimbra Editora, 2008, págs. 26 a 30.

[26] Com as modificações que lhe foram introduzidas pelo Decreto-Lei nº 131/2001, de 24 de Abril.
[27] João Calvão da Silva, Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, Coimbra, 1998, págs. 495 e 496, e Compra e Venda de Coisas Defeituosas, Almedina, Coimbra, 2001, pág. 187, e Acs. do STJ de 05.03.96, CJ, STJ, I, pág. 119 e de 25.03.10, www.dgsi.pt, da RC de 08.04.97, CJ, II, pág. 38, e de 06.03.01, CJ, II, pág. 16 e da RL de 23.05.95, CJ, III, pág. 113.
[28] José A. Engrácia Antunes, Direito dos Contratos Comerciais, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 279 e 280. Ao contrário do que sucede com o produtor real, com o produtor aparente e com o produtor presumido, a responsabilidade do fornecedor de produto anónimo é meramente subsidiária, visto que este último só responde se não indicar ao lesado a identidade do produtor ou de qualquer outro distribuidor que o proceda na cadeia comercial.
[29] É também sobre a falta de segurança com que razoavelmente se pode contar que assenta a noção de defeito contida no artº 2 nº 1 b) do Decreto-Lei nº 311/95, de 20 de Novembro – entretanto alterado pelo Decreto-Lei nº 16/2000, de 29 de Fevereiro – que transpôs para a nossa ordem jurídica a Directa 02/59/CEE, de 29 de Junho de 1992, relativa à segurança geral dos produtos.
[30] Ac. do STJ de 27.04.04, www.dgsi.pt. Na redacção originária deste preceito, esta franquia era apenas de 70 000$00. Em contrapartida, estabelecia-se como limite máximo global de responsabilidade a quantia de 10 000 milhões de escudos.