Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
128/11.1TBACN-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ AVELINO GONÇALVES
Descritores: FUNDO DE GARANTIA SALARIAL
SUB-ROGAÇÃO
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
Data do Acordão: 11/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 182º CIRE; 322º DA LEI Nº 35/2004, DE 29 DE JULHO; 592º E 593º DO CÓDIGO CIVIL; 336º CÓDIGO DO TRABALHO.
Sumário: I – Nas situações em que o Fundo de Garantia Salarial não paga a totalidade dos créditos dos trabalhadores a parte remanescente continua na esfera jurídica destes, beneficiando ambos dos mesmos privilégios creditórios.

II - Na fase dos pagamentos devem ambos ser colocados no mesmo patamar, isto é, no mapa de rateio final do processo de insolvência contemplado no artigo 182º do CIRE devem ambos nele ser incluídos e contemplados, paritária e proporcionalmente caso tal se revele necessário.

III - Assim, gozando os créditos dos trabalhadores e do FGS pela via da sub-rogação, da mesma garantia – privilégio creditório - nunca poderiam ser graduados em 1º lugar os daqueles em relação ao Fundo.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

1.Relatório

Escrevemos, como relator, que a questão dos autos apresentava manifesta simplicidade - atendendo à Jurisprudência já fixada acerca da matéria em causa nos autos -, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 705º do Código do Processo Civil, decidimos sumariamente.

            Os recorrentes dela vêm reclamar para a conferência, aconchegados na norma do artigo 700º, nº 2 (agora artigo 652º, nº 3) do Código do Processo Civil.

Apresentamos a história do processo.

A fls. 137 e ss. dos autos, o Fundo de Garantia Salarial – adiante FGS - veio requerer que o tribunal da 1.ª instância o considerasse sub-rogado nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente, privilégios creditórios das trabalhadoras da insolvente, Z…, Lda.

Alega ter efectuado pagamentos aos mesmos no valor total de € 18.915,83 (dezoito mil, novecentos e quinze euros e oitenta e três cêntimos), nos termos do preceituado no artigo 380º do Código do Trabalho e nos artigos 316º e seguintes da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho.

Devidamente informados do requerimento apresentado pelo FGS os apelantes nada disseram.

A Sr.ª Juíza do Tribunal de Alcanena decidiu assim:

“Importa, em face do teor dos documentos juntos aos autos e do silêncio a que se remeteram os notificados, considerar assente a factualidade alegada pelo Fundo de Garantia Salarial.

Assim sendo e atento o disposto no artigo 322º da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho, e nos artigos 592º e 593º do Código Civil, defiro o requerido, julgando o Fundo de Garantia Salarial sub-rogado nos direitos de crédito, respectivas garantias e privilégios creditórios dos trabalhadores e credores da insolvente, melhor identificados no mapa anexo ao requerimento em apreço, fazendo-o, naturalmente, na medida dos pagamentos efectuados, no montante global de € 18.915,83 (dezoito mil, novecentos e quinze euros e oitenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora vencidos e vincendos. “.

A protesto dos apelantes e em despacho posterior foi esclarecido o alcance da decisão nos seguintes termos:

“…os créditos advindos ao Fundo de Garantia Salarial por via da sub–rogação devem ser graduados a par dos créditos parciais dos trabalhadores que não foram pagos por ele, dando-se pagamento aos mesmos, rateadamente, na proporção dos respectivos montantes.”

Os credores reclamantes nos autos e ex – trabalhadores da insolvente Z…, Ld.ª, … vêm recorrer desta decisão, apresentando as seguintes conclusões:

1. A manutenção do privilégio creditório dos trabalhadores mantém-se, pelo que o crédito subsistente deverá ser graduado em 1º lugar.

2. Não decidindo desta forma a decisão violou as normas dos artigos 593º, nº 2 do Código Civil e 333º do Código do Trabalho.

O Fundo de Garantia Salarial apresentou contra alegações, assim concluindo:

2. Do objecto do recurso

Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das ale­ga­ções dos recorrentes cumpre apreciar a seguinte questão:

Os credores reclamantes nos autos e ex–trabalhadores da insolvente Z…, Ld.ª, … mantém o privilégio creditório, pelo que o crédito subsistente deverá ser graduado em 1º lugar remetendo para 2º a sub-rogação do FGS – por ter pago aos trabalhadores da empresa insolvente, Z…, Ld.ª, montantes relativos a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação?

Retiramos dos autos, os seguintes factos com interesse para esta decisão:

1. A empresa Z…, Ld.ª foi declarada insolvente.

2. O FGS efectuou pagamentos aos trabalhadores – ora apelantes - no valor total de € 18.915,83 (dezoito mil, novecentos e quinze euros e oitenta e três cêntimos), nos termos do preceituado no artigo 380º do Código do Trabalho e nos artigos 316º e seguintes da Lei nº 35/2004, de 29 de Julho.

A 1.ª instância, julgando o FGS sub-rogado nos direitos de crédito, respectivas garantias e privilégios creditórios dos trabalhadores e credores da insolvente, melhor identificados no mapa anexo ao requerimento em apreço - no montante global de € 18.915,83 (dezoito mil, novecentos e quinze euros e oitenta e três cêntimos) -, decidiu que os créditos advindos ao Fundo de Garantia Salarial por via da sub–rogação devem ser graduados a par dos créditos parciais dos trabalhadores que não foram pagos por ele, dando-se pagamento aos mesmos, rateadamente, na proporção dos respectivos montantes.

Pensamos que acertadamente.

De facto, o FGS veio reclamar os seus créditos, para efeitos de sub-rogação, pelo facto de ter pago aos trabalhadores da empresa insolvente, Z…, Ld.ª, montantes relativos a créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua cessação.

Tais créditos referem-se a fracções de prestações que ficaram em dívida por parte da empresa insolvente aos trabalhadores.

Nos termos da norma do artigo 336º do Cód. do Trabalho - na versão da Lei 7/2009-, “o pagamento de créditos de trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil, é assegurado pelo Fundo de Garantia Salarial, nos termos previstos em legislação específica”.

 O artigo 380º de tal diploma, na versão antiga, dispunha que “a garantia do pagamento dos créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador que não possam ser pagos pelo empregador por motivo de insolvência ou de situação económica difícil é assumida e suportada pelo Fundo de Garantia Salarial nos termos previstos em legislação especial”.

A regulamentação aí prevista foi feita pelos artigos 317º a 323º da Lei 35/2004, de 29 de Julho.

Daí nasce o dever do Estado, através do FGS e nos casos de declaração de insolvência, de assegurar o pagamento parcial dos créditos dos trabalhadores - em relação aos salários que se tenham vencido nos seis meses que antecedem a data da propositura da acção -.

Naturalmente, pagando o Estado, o FGS fica sub-rogado nos direitos de crédito e respectivas garantias, nomeadamente privilégios creditórios dos trabalhadores, na medida dos pagamentos efectuados acrescidos dos juros de mora vincendos - art.º 322º.

Como sabemos, a sub-rogação é uma forma de transmissão de créditos, definindo-se como sendo “a substituição do credor, na titularidade do direito a uma prestação fungível, pelo terceiro que cumpre em lugar do devedor ou que faculta a este os meios necessários ao cumprimento” – neste sentido, o Prof. Antunes Varela, no seu livro Das Obrigações em Geral, vol. II, 4ª. edição, pág. 324 -.

Nos precisos termos da norma do artigo 593º do Código Civil:

“ 1. O sub-rogado adquire, na medida da satisfação dada ao direito do credor, os poderes que a este competiam.

2. No caso da satisfação parcial, a sub-rogação não prejudica os direitos do credor ou do seu cessionário, quando outra coisa não for estipulada.

3. Havendo vários sub-rogados, ainda que em momentos sucessivos, por satisfações parciais do crédito, nenhum deles tem preferência sobre os demais “.

Como se escreve no Acórdão desta Relação de Coimbra de 5.3.2013,”…sendo pacífico o entendimento de que nas situações em que FGS não paga a totalidade dos créditos dos trabalhadores a parte remanescente continua na esfera jurídica destes, com o mesmo âmbito e beneficiando dos mesmos privilégios creditórios, já o mesmo não se verifica a respeito da preferência ou não no pagamento de uns em relação aos outros.

Na verdade, as divergências em relação a tais situações gravitam à volta da previsão dos nºs 2 e 3 do citado Art. 593º do C.C., havendo quem defenda que não prejudicando a sub-rogação os direitos do credor, no caso de satisfação parcial do crédito, o remanescente deve ser pago em primeiro lugar, de acordo com o que dispõe o referido nº 2 do citado Art. 593º – cfr., v.g. Ac. da Rel. do Porto de 14/07/2010, in www.dgsi; enquanto outros entendem que tendo o legislador consagrado um sistema jurídico em que o Fundo entra no lugar do trabalhador, sendo transferidos para aquele todos os direitos que este tinha, na medida em que os tenha satisfeito, deve o Fundo ser pago em primeiro lugar - cfr., v. g. Ac. da Rel. do Porto de 17/02/2009, in www.dgsi.pt, e, uma terceira corrente, seguida por aqueles cujo entendimento vai na defesa de uma posição paritária dos créditos do Fundo e do remanescente dos créditos dos trabalhadores não pago por aquele – cfr., v. g., Ac. do S.T.J. de 20/10/2011, Acs. da Rel. de Guimarães de 27/02/2012 e de 29-05-2012 e Ac. da Rel. de Coimbra de 22/03/2011…”.

Seguindo de perto o Acórdão do STJ de 20.10.2011 – citado pelo FGS nas suas contra alegações -,“o crédito (parcial) dos trabalhadores e o crédito advindo ao FGS (sub-rogado), apesar da sua fragmentação continuam a manter a sua natural interligação, isto é, completam-se mutuamente; e esta sua unitária configuração há-de ser sempre tomada em consideração em todos os momentos jurídico-processuais em que esta especificada circunstância venha a ter relevância jurídico-positiva. Esta complementaridade entre ambos os créditos faz com que não possa ser exercido o crédito do trabalhador contra o crédito do Fundo, mas também que o crédito deste não possa assumir a preferência sobre o daquele na concretização do seu pagamento.

E, porque o remanescente dos créditos dos trabalhadores e o crédito do Fundo beneficiam dos mesmos privilégios creditórios, a conclusão lógica a retirar é de que, na fase dos pagamentos, devem ambos ser colocados no mesmo patamar, isto é, no mapa de rateio final do processo de insolvência contemplado no artigo 182º do CIRE, devem ambos nele ser incluídos e contemplados, paritária e proporcionalmente.

Além de que, se os dinheiros disponíveis não chegarem para liquidar o crédito dos trabalhadores e o crédito do FGS, haverá que proceder a rateio entre um e outro, de acordo com o disposto no Artº 175º do CIRE, sendo, pois, levados a rateio em plena igualdade de circunstâncias…”.

Neste mesmo sentido consultámos, ainda, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 29.1.2013, da Relação do Porto de 23.4.2013 e da Relação de Guimarães de 28.2.2013 - as decisões referidas foram retiradas do site www.dgsi.pt - que assim concluíram:

“Concorrendo o crédito dos trabalhadores com o crédito do FGS, resultante de sub-rogação nos direitos daqueles, na medida do que lhes pagou, na respectiva graduação relativa não há que ter em conta o disposto no art.º 593º, nº 2 do CC, devendo tais créditos ser graduados a par”.

“Tendo o Fundo de Garantia Salarial satisfeito parte dos créditos laborais que os trabalhadores detinham sobre a entidade patronal, o crédito que assim adquire por sub-rogação nos direitos destes, nos termos do artº 322º da Lei nº 35/2004, de 29/07, caso concorra, em insolvência, com o crédito remanescente, que tais trabalhadores aí reclamem, não vê a respectiva graduação condicionada pelo disposto no artº 593º, nº 2, do Código Civil.

Se o dinheiro disponível na conta da massa não chegar para liquidar os créditos dos trabalhadores e o do FGS, uns e outros dotados dos privilégios previstos no artº 380º do Código do Trabalho, devem ser graduados a par, ficando sujeitos a rateio”.

Nestes termos, mantemos a decisão proferida pela 1.ª instância.

Alinhavamos o seguinte sumário:

1. Nas situações em que o Fundo de Garantia Salarial não paga a totalidade dos créditos dos trabalhadores a parte remanescente continua na esfera jurídica destes, beneficiando ambos dos mesmos privilégios creditórios.

2. Na fase dos pagamentos, devem ambos ser colocados no mesmo patamar, isto é, no mapa de rateio final do processo de insolvência contemplado no artigo 182º do CIRE devem ambos nele ser incluídos e contemplados, paritária e proporcionalmente, caso tal se revele necessário.

 3. Assim, gozando os créditos dos trabalhadores e do FGS pela via da sub-rogação, da mesma garantia – privilégio creditório - nunca poderiam ser graduados em 1º lugar os aqueles em relação ao Fundo.

3.Decisão

Nos termos expostos, acordam os Juízes desta Relação em indeferir o pedido de alteração da decisão singular, proferida pelo relator no dia 1 de Outubro de 2013, que julgou o recurso de apelação improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal Judicial de Alcanena.

Custas pelos reclamantes.

Coimbra, 5 de Novembro de 2013

(José Avelino Gonçalves - Relator -)

(Regina Rosa)

(Artur Dias)