Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
611/10.6T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
DEVER DE VIGILÂNCIA
PRESUNÇÃO DE CULPA
CULPA
REPRESENTANTE LEGAL
LESADO
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 342, 483,491, 493, 563, 570, 571 CC, DL Nº 347/93 DE 1/10.
Sumário: 1. A omissão das prescrições de segurança de um portão de funcionamento automático inserida em portaria destinada a garantir a segurança dos trabalhadores no local de trabalho, releva para determinação da responsabilidade civil da ré se por tal portão se efectua também o acesso dos clientes ao estabelecimento comercial cuja actividade é explorada por aquela com fins lucrativos.

2. O funcionamento de um portão automático, por meio de comando a accionar remotamente, integra-se na previsão do artigo 493.º, n.º 1, do CC, impendendo sobre a ré o ónus de ilidir a presunção de culpa.

3. Tal presunção não é ilidida se se demonstrou que a ré não cumpriu uma prescrição de segurança legalmente determinada, e, mesmo sabendo que se encontravam pessoas junto ao portão, nomeadamente crianças, omitiu um elementar dever de cuidado ao accionar o comando de abertura sem se certificar que ninguém se encontrava encostado ao portão, sendo responsável pela ocorrência do evento danoso.

4. A presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de pessoa naturalmente incapaz, prevista no artigo 491.º do CC, não se aplica quando o lesado é a pessoa que devia ser vigiada, porquanto apenas se destina aos casos em que o incapaz lesa terceiros.

5. Porém, a prova da culpa na ocorrência do evento danoso imputável ao responsável pela vigilância de um menor de 6 anos, releva para os efeitos prevenidos no artigo 570.º do CC, por força do disposto no artigo 571.º do CC, determinando, in casu, a redução proporcional da indemnização a que o lesado teria direito, se não fosse a concorrência da culpa do seu representante na ocorrência do dano.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. V (…), menor, legalmente representado por M (…) e A (…), instaurou contra VE (…), LD.ª, a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo ordinário, pedindo que a mesma seja julgada procedente por provada e, em consequência, a Ré seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 30.000,01, a título de compensação por dano morais, com juros de mora desde a citação.

Em fundamento, alegou, que:

No dia 26 de Março de 2007, pelas 14.30 horas, tendo então 6 anos de idade, ficou preso num portão automático que serve o acesso ao estabelecimento da Ré quando, juntamente com as suas mãe a avó, aguardavam no exterior pela abertura da loja;

Estando encostado ao portão quando foi accionado o mecanismo para abertura do portão, logo que foi iniciada a abertura automática deste, ficou com o ombro e o braço esquerdo entalado entre o portão e o muro;

O referido portão não estava equipado com dispositivos de segurança; não havia placa informativa de que o portão era de abertura automática e, antes da sua abertura, ninguém se certificou de que havia crianças junto ao mesmo;

Em consequência do sinistro, ficou lesionado, tendo necessitado de intervenção hospitalar e de posteriores tratamentos, tendo ainda ficado impedido de realizar tarefas básicas do quotidiano e tendo sentido dores.

2. Contestou a R., a Ré invocando que o portão em causa, de acesso ao logradouro exterior da sua loja, tem dimensões e características que, de forma imediata, sugerem a qualquer utente a sua natureza automática, sendo que o mesmo se acha identificado com placa que chama a atenção para tal facto, sendo certo que a mãe do autor conhecia tal facto por já anteriormente ter visitado tal loja;

Mais alegou que cerca de 10 a 5 minutos antes da abertura, por ali entrou um funcionário da Ré que abriu o portão com o comando, quando ali já se encontravam o autor, a mãe, a avó e os irmãos, e puderam verificar que a abertura do portão era automática, sendo que o mesmo os avisou que não se aproximassem muito do portão porque ele era automático e dentro de pouco tempo ia abrir;

Conclui que os factos descritos pelo A. apenas sucederam porque a sua mãe não o vigiou adequadamente, aduzindo ainda que quando a criança tinha três meses lhe foi diagnosticada «uma ligeira atrofia do membro superior esquerdo, por provável sequela de paralisia do plexo braquial» e que só decorrido um ano é que teve alta; sendo que em Fevereiro de 2006 teve uma fractura da clavícula direita, impugnando que as sequelas descritas pelo autor tenham sido consequência deste evento.

3. Replicou o A., negando conhecer que o portão fosse de funcionamento automático, e concluindo como na petição inicial.

4. Designada audiência preliminar, foi então lavrado despacho saneador, no qual se procedeu à selecção dos factos assentes e da elaboração da base instrutória, que não mereceram qualquer reclamação.

5. Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi designada data para a decisão sobre a matéria de facto, a qual também não foi objecto de qualquer reclamação.

6. A ré apresentou alegações de direito e seguidamente foi proferida sentença, nos termos da qual a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré condenada a pagar ao A. a quantia de € 3750, 00, com juros de mora legais desde a citação e até integral pagamento, tendo sido absolvida do demais peticionado.

7. Inconformada, a ré apresentou o presente recurso de apelação da sentença proferida, formulando as seguintes conclusões:

«1ª – A questão principal a apreciar é a de saber se, face aos factos provados, houve concorrência de culpa na produção do acidente entre a ré e a responsável pela vigilância do menor.

2ª – O pedido formulado contra a ré é feito com base na sua responsabilidade por acto ilícito.

3ª – Os pressupostos dessa responsabilidade (artº 483, nº 1 C. Civil) são: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e um nexo de causalidade entre o facto e o dano.

4ª – É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa (artº 487º, nº 1 C. Civil)

5ª – Na douta sentença recorrida foi decidido que há presunção de culpa por parte da ré, pois quem tiver em seu poder coisa móvel (o portão) com o dever de a vigiar responde pelos danos que causar, excepto se provar que não houve culpa da sua parte (artº 493º, nº 1 C. Civil)

6ª – À data dos factos a criança que sofreu os danos tinha 6 anos de idade.

7ª – Nesta idade as crianças são irrequietas, imprevisíveis e imponderadas quanto à consequência dos seus actos. Por esse motivo exigem uma vigilância mais cuidada.

8ª – A vigilância, zelo e cuidados exigíveis começam antes da verificação do resultado e esse dever tem de se adequar às circunstâncias concretas em que o menor se encontra.

9ª – Quem estiver obrigado à vigilância de outrem em razão da sua incapacidade natural responde por facto próprio dada a presunção de culpa do artº 491º do C. Civil.

10ª – Face às circunstâncias em que o acidente ocorreu e que resultam dos factos provados ter-se-á de concluir que o acidente se verificou por falta de vigilância que devia ter sido feita pela mãe em relação ao menor.

11ª – Num juízo de normalidade, e atenta a idade da criança, era exigível à mãe que tomasse precauções para que a criança não estivesse encostada ao portão de abertura automática (ou se pendurasse nele) quando o mesmo estava prestes a abrir.

12ª – A mãe do menor não alegou qualquer facto que provasse que cumpriu esse dever de vigilância ou que o acidente se teria verificado mesmo que esse dever fosse cumprido.

13ª – Há uma presunção legal de culpa da mãe do menor quanto à verificação do sinistro.

14ª – A douta sentença recorrida não decretou essa presunção de culpa, que, desde logo, afastaria a culpa da ré.

15ª – A douta sentença recorrida considerou que sobre a ré existia, na qualidade de proprietária de uma coisa móvel (o portão), o dever de vigiar o seu funcionamento. Tal teria como consequência uma presunção de culpa (artº 493º, nº 1 C.Civil)

16ª – A ré entende que o portão em causa não é coisa móvel mas parte integrante do prédio urbano onde se insere, uma vez que a ele se encontra ligado materialmente e com carácter de permanência (artº 204º, nº 3 C.Civil). De qualquer modo aplicar-se-ia a mesma disposição.

17ª – No entanto, a ré cumpriu todos os deveres de vigilância do funcionamento do portão.

Aliás, a autora não imputa à ré a falta de cumprimento do seu dever de vigilância; o que lhe imputa é a falta de cumprimento de um requisito de segurança do funcionamento do portão.

18ª – A autora invocou o não cumprimento do disposto na Portaria nº 987/93 de 06.10, o que mereceu também acolhimento na douta sentença recorrida.

19ª – A Portaria nº 987/93 de 06.10 não tem aplicação à questão dos presentes autos; ela regula as relações entre empregadores e trabalhadores com vista à segurança destes nos locais de trabalho.

20ª – O portão não está situado no local de trabalho dos trabalhadores, mas na vedação do terreno e logradouro do edifício face à estrada e distante deste 30 metros, sendo o edifício o local de trabalho.

21ª – O portão estava dotado de um mecanismo de paragem quando alguma pessoa se interpusesse quando ele fazia a manobra de fecho. São estes os requisitos legais de instalação e funcionamento e que se verificam nos locais públicos e privados, nomeadamente entradas de casas, garagens, elevadores, centros comerciais e outros.

22ª – No entanto, mesmo que existisse um mecanismo de emergência na manobra de abrir, o acidente ter-se-ia verificado na mesma, pois só após a criança ter ficado “presa” entre o portão e a coluna de suporte é que gritou e se imobilizou o portão. Não se provou agravamento dos danos, tendo o portão parado.

23ª – A existência e funcionamento do portão automático não é actividade perigosa, pelo que não se verifica a presunção de culpa prevista no artº 493, nº 2 C.C.

24ª – Mesmo que se considerasse que existia presença de culpa da ré (o que só se admite por hipótese de raciocínio) esta elidiu essa presunção.

25ª – Também ainda por hipótese de raciocínio, se se mantivesse a douta decisão recorrida o valor global da indemnização devia ser reduzida a € 3.000,00

26ª – A douta decisão recorrida deve ser revogada e a ré absolvida do pedido, considerando-se que os factos que causaram os danos se verificaram por a mãe da criança não ter exercido o seu dever de vigilância e não ter alegado que o tinha exercido ou que, mesmo que o tivesse exercido, o evento ocorreria na mesma.

27ª – Ao não decidir dessa forma a douta sentença recorrida violou o disposto nos artºs 487º, 491º e 493º do Código Civil..»

8. O autor não apresentou contra-alegações.

9. Dispensados os vistos, cumpre decidir.


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II. O objecto do recurso[2].

As questões a apreciar no presente recurso de apelação consistem em saber se:

- existe ou não culpa por parte da ré e da mãe do menor na produção do evento e se esta afasta a culpa daquela;

- se existir concorrência de culpas qual a sua medida;

- determinação do montante da indemnização ao menor.


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III – Fundamentos

III.1. – De facto

Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida e que não tendo sido impugnados se consideram assentes:

1 - O A. nasceu a 13.10.2000 (al. A).

2 – O portão em causa não é de acesso imediato ao edifício onde está instalado o estabelecimento (al. B).

3 – O estabelecimento é composto por uma zona de edifício, logradouro e terreno e toda essa zona se encontrava vedada (al. C).

4 – A vedação face à Estrada Nacional 109 é uma vedação em rede (al. D).

5 – Essa vedação está afastada da faixa de rodagem cerca de 8 a 10 metros (al. E).

6 - Sendo essa zona constituída por um piso em tout-venant que serve de estacionamento e paragem de pessoas (al. F).

7 – Entre a vedação e o edifício onde funciona o estabelecimento vai uma distância de cerca de 30 metros (al. G).

8 – Que constitui o logradouro do edifício que serve de parque de estacionamento e zona de exposição de alguns produtos (al. H).

9 – O portão em causa situa-se na zona de vedação face à EN 109 (al. I).

10 – É um portão tipo grades de ferro que abre e fecha deslizando com uma das rodas de ferro sobre uma calha (também de ferro) implantada no solo numa base de cimento (als. J) e L).

11 – Esse portão é de uma só “folha” que abre através de um motor que é accionado por comando e faz deslizar nessa calha (al. M).

12 – Essa entrada tem a largura de 5 metros (al. N).

13 – Em cada um dos lados da entrada existe uma coluna em betão que também serve de apoio à estrutura de funcionamento do portão (al. O).

14 – O portão, ao abrir, desloca-se da direita para a esquerda (considerando quem, do exterior, estiver de frente para o portão), de uma forma lenta e contínua (als. P) e Q).

15 – O portão tem uma altura de cerca de 2 metros (al. R).

16 – Numa das colunas do portão, do lado exterior, está fixado o horário de abertura e fecho (al. S).

17 – No dia 26.3.07, pelas 14: 30 horas, o menor V ( ...) ficou preso no portão automático da empresa aqui Ré (resposta ao 1º da BI).

18 - O menor, a sua mãe, a avó e três irmãos encontravam-se a aguardar que o referido estabelecimento abrisse ao público para aí adquirir um aquário (resposta ao 2º da BI).

19 – Encontravam-se todos juntos a um portão de grades existente na parte da frente do estabelecimento (resposta ao 3º da BI).

20 – Nesse mesmo local encontravam-se outras pessoas que também aguardavam a abertura do estabelecimento (resposta ao 4º da BI).

21 – O acesso ao referido estabelecimento, tanto de peões como de veículos, faz-se por uma entrada que tem um portão de correr com funcionamento automático (resposta ao 5º da BI).

22 – Quando foi accionado o mecanismo para iniciar a abertura do portão, o menor encontrava-se encostado ao mesmo, no seu lado esquerdo (resposta ao 6º da BI).

23 – O portão abre da direita para a esquerda (resposta ao 7º da BI).

24 – Assim, logo que teve início a abertura do portão, o menor ficou com cotovelo esquerdo preso entre as grades do portão, sendo arrastado no sentido em que o portão se movimentava, acabando por ficar com o braço entalado entre o portão e o muro (resposta ao 8º da BI).

25 – Face a tal facto, as pessoas presentes no local começaram a gritar e todos se agarraram ao portão, na tentativa de fazer parar o mesmo para que o menor não ficasse cada vez mais entalado (resposta ao 9º da BI).

26 – Até que, entretanto, alguém dentro do estabelecimento se apercebeu do sucedido e accionou o mecanismo para parar o portão (resposta ao 11º da BI).

27 – Antes de accionar o mecanismo de abertura, ninguém se certificou de que havia crianças próximas do portão (resposta ao 12º da BI).

28 – O portão faz um ruído quando é accionado o motor para se iniciar a abertura (resposta ao 14º da BI).

29 – E continua a fazer ruído típico à medida que vai abrindo e que resulta do atrito das rodas do portão na calha onde desliza (resposta ao 15º da BI).

30 – Qualquer pessoa, ao olhar para o portão e a forma como ele está enquadrado na vedação e na estrada, verifica que o mesmo é de abertura automática (resposta ao 16º da BI).

31 – Nesse portão existia, à data dos factos, e ainda existe, uma placa afixada e que tem letras de cor vermelha a dizer “ATENÇÃO” e “Portão de abertura e fecho automático” (resposta ao 17º da BI).

32 – Esse portão tem “células” do lado de dentro para interromper o movimento do portão quando este fecha (resposta ao 18º da BI).

33 – A mãe da criança já por várias vezes tinha ido ao estabelecimento da Ré (resposta ao 19º da BI).

34 – Cerca de 10 a 15 minutos antes da ocorrência dos factos, um trabalhador do estabelecimento entrou através do portão (resposta ao 22º da BI).

35 – E, para isso, abriu o portão com o comando (resposta ao 23º da BI).

36 – Nessa altura, já aí se encontrava a criança, a mãe, a avó e os irmãos (resposta ao 24º da BI).

37 – Nessa altura, esse trabalhador, quando entrou, disse às pessoas presentes que não se aproximassem muito do portão porque ele era automático e dentro de pouco tempo iria abrir (resposta ao 26º-A).

38 – Em consequência directa e necessária do sucedido, o A. sofreu lesões, tendo sido transportado ao Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira (resposta ao 26º-B da BI).

39 – Tendo sido observado pelo serviço de Urgência, pelas 15:30 horas, apresentando dor à palpação no ombro e no cotovelo esquerdos (resposta ao 27º da BI).

40 – Foram feitos exames de raio-X e ministrados medicamentos anti-inflamatórios e foi dada indicação para fazer gelo (resposta ao 28º da BI).

41 – Teve alta no mesmo dia, por volta das 21 horas (resposta ao 29º da BI).

42 – Apesar de estar a tomar a medicação prescrita e estar a fazer gelo, as dores continuavam (resposta ao 30º da BI).

43 – No dia 28.3.07, foi novamente observado no serviço de urgências do Hospital de S. Sebastião, apresentando dor, edema e impotência no braço esquerdo (resposta ao 31º da BI).

44 – Foram feitos, novamente, exames de raixo-X e foi-lhe diagnosticado deslocamento do cotovelo de grau I (resposta ao 32º da BI).

45 – Após imobilização do braço com tala gessada antalgica, teve alta, mas foi orientado para consulta externa de ortopedia do Hospital de S. Sebastião (resposta ao 33º da BI).

46 - O A. foi consultado no serviço de ortopedia do Hospital de S. Sebastião (resposta ao 34º da BI).

47 – O menor esteve imobilizado do membro superior esquerdo com tala gessada aproximadamente 6 semanas (resposta ao 35º da BI).

48 – Após retirar imobilização gessada foi recomendada fisioterapia em casa, nomeadamente, foi dada indicação para fazer movimentos de abrir e fechar a mão, usando para tal uma pequena bola (resposta ao 36º da BI).

49 - Teve alta em 03/07/2007 e teve um período de défice funcional parcial de 100 dias (resposta ao 37º da BI).

50 - Desde a data dos factos e durante seis semanas, devido à imobilização gessada do braço esquerdo, o menor não pôde, de todo, realizar tarefas simples da sua vida quotidiana, como tomar banho sozinho, vestir-se e dormir de forma confortável, passear, correr e brincar livremente com os seus amigos, fazer educação física (resposta ao 38º da BI).

51 - Durante esse tempo, na escola e em casa, o menor necessitou da presença de alguém para lhe prestar auxílio para a realização das tarefas mais simples, para garantir a imobilização do braço e evitar novas lesões (resposta ao 39º da BI).

52 - O menor sentiu medo por causa do acidente sofrido (resposta ao 40º da BI).

53 - E sofreu dores físicas com o deslocamento do cotovelo, dores que se mantiveram por vários dias, tendo sido medicado por causa destas, sendo o quantum doloris de 1/7 (resposta ao 41º da BI).

54 - O tempo passado no serviço de emergência do hospital, a imobilização do braço, as consultas médicas efectuadas bem como exames de RX efectuados causaram dores e incómodos ao menor (resposta ao 42º da BI).

55 - Em Janeiro de 2001 foi diagnosticado ao menor V ( ...) , uma ligeira atrofia do membro superior esquerdo, por provável sequela de paralisia do plexo braquial (resposta ao 43º da BI).

56 - Em Janeiro de 2002 teve alta com a indicação de que deveria fazer vida normal (resposta ao 44º da BI).

57 - O menor tem dores nas variações climáticas (resposta ao 48º da BI).


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III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. – Da responsabilidade civil

Conforme decorre dos autos, o ora Autor – que no dia 26.3.07, pelas 14:30 horas, sendo menor de 6 anos de idade, ficou preso no portão automático da empresa aqui Ré - fundou o seu pedido com base na responsabilidade civil por factos ilícitos, acção por excelência destinada à reposição da situação que existiria na esfera do credor caso não tivesse ocorrido o facto ilícito levado a cabo pelo devedor, assentando a ocorrência do evento danoso no não cumprimento pela ré das prescrições mínimas de segurança previstas no DL n.º 347/93, de 1 de Outubro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 89/654/CEE do Conselho, de 30 de Novembro, cujo artigo 4.°, previa que as normas técnicas de execução daquele diploma seriam objecto de portaria do Ministro do Emprego e da Segurança Social, a qual veio a ser publicada em 6 de Outubro, com o n.º 987/93, e cujo artigo 12.º, n.º 3, decorre que «as portas e os portões de funcionamento mecânico não devem constituir factor de risco para os trabalhadores, devendo possuir dispositivos de paragem de emergência facilmente identificáveis e acessíveis».

Nos termos do artigo 342.º do Código Civil[3], ao autor incumbia a prova dos factos consubstanciadores do direito invocado, enquanto fundamentadores dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, como a configura o artigo 483.º do Código Civil, preceito que consagra os respectivos princípios gerais, e que dispõe:

            "Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

            Os pressupostos deste tipo de responsabilidade, designada por responsabilidade por factos ilícitos, agrupam-se num elenco de cinco, a saber: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano[4].

Assim, o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como ocorre quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar[5].

            Já quanto à imputação do facto ao lesante, a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente perante o facto, consistindo, em sentido amplo, na referida imputação do facto ao agente[6], ou ainda num enquadramento normativo, entendido como a omissão da diligência que seria exigível ao agente medida de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[7], sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do CC).

Por seu turno, no tocante ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, o artigo 563.º do CC, consagrou a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, na sua formulação positiva, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado, e ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja causa adequada do dano; e, na sua formulação negativa, a condição deixa de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, a mesma era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para a ocorrência desse dano[8].

            Já no que respeita à existência de um dano, este é condição essencial da obrigação de indemnizar: o facto ilícito e culposo tem que causar um prejuízo a alguém, o sofrimento de uma perda nos seus interesses patrimoniais ou mesmo não patrimoniais.

            Devidamente enquadrados, e revertendo agora ao caso dos autos, sendo este absolutamente essencial para a existência da obrigação de indemnizar, na apreciação dos referidos pressupostos seguiremos a ordem legal e analisaremos em primeiro lugar, o pressuposto principal que é a ocorrência de um facto ilícito imputável à ré que consequentemente dê lugar à obrigação de indemnizar em caso de causar prejuízo.


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III.2.1.1. Da ilicitude

            A este respeito, entendeu-se na sentença recorrida que «o A. faz apelo, na sua pi, a normas que têm como campo de aplicação as relações dos empregadores com os seus trabalhadores em ordem a ver-se preservada a segurança destes nos locais de trabalhos. Neste campo específico não pode deixar de ser assim, quando se verifica que existem fontes de risco significativas nos mais variados ambientes laborais cabendo a quem tem domínio sobre tais ambientes a tomada das medidas necessárias ao afastamento ou diminuição do risco. É por isso que a dita Portaria (347/93, de 1.10), contém norma precisa sobre as exigências de segurança de portas e portões automáticos, impondo o referido artº 12º, nº3, que os mesmos possuam dispositivos de paragem de emergência facilmente identificáveis e acessíveis.

Ora, a relação entre a Ré e seus clientes não é a mesma que intercede entre a Ré e seus trabalhadores, mas isso não significa que o cuidado exigível à demandada, proprietária de um estabelecimento aberto ao público, seja menor quando se trata de zelar pela segurança dos inúmeros clientes que, tal, como os seus trabalhadores, frequentam as suas instalações.

No portão em causa existem células que detectam o movimento que se processa através do espaço que medeia entre o portão e as suas partes laterais quando aquele está fechando, como sucede vulgarmente com a maioria dos portões automáticos que se usam a nível particular, nas garagens e espaços quejandos. Tal mecanismo destina-se a evitar que as pessoas fiquem presas, no fecho do portão, entre este e a estrutura lateral onde encosta o respectivo batente.

Todavia, já não demonstrou a Ré que o portão estivesse dotado de idêntico dispositivo ou de outro que, na abertura, detectasse a presença de obstáculo que, junto do portão, fosse por este apanhado, de forma a tal portão ser de imediato travado ou, pelo menos, como alude a norma, não demonstrou a existência de dispositivo de paragem de emergência facilmente identificável e acessível de molde a que quem se encontrava junto da pessoa que ficou presa no portão pudesse de imediato pará-lo. Veja-se que só pelos gritos das pessoas que estavam no exterior, alguém do interior, único local de onde seria possível dominar o movimento de abertura do portão, accionou o mecanismo que parou aquele movimento, evitando assim maiores complicações.

Quer isto dizer que, tal como para a segurança no trabalho, cujas regras, como se vê, a Ré infringiu mesmo para os seus trabalhadores, também se impõe aos empresários que mantêm abertos ao público estabelecimentos que equipam com mecanismos automáticos que mantenham domináveis tais fontes de risco, mormente mediante os equipamentos manuais de emergência em caso de sinistro.»

Portanto, como é bom de ver, a Mm.ª Juiz do tribunal “a quo”, não assentou a responsabilidade da ré, como a mesma pretende, directamente na violação da referida Portaria. O que salientou foi que a ré, tendo um estabelecimento aberto ao público, não tomou todas a providências necessárias a acautelar o risco decorrente do funcionamento do portão, mormente, não tendo acautelado a segurança imposta por tal norma mesmo para os seus trabalhadores.

No entanto, ao invés do que pretende a ré, podia tê-lo feito, porquanto, é nosso entendimento que o caso em apreço se insere na segunda variante de ilicitude a que alude o artigo 483.º do CC, ou seja, existe facto ilícito da ré por violação de lei que protege interesses alheios.

Na verdade, este segmento normativo trata da «infracção das leis que, embora protejam interesses particulares, não conferem aos respectivos titulares um direito subjectivo a essa tutela; e de leis que, tendo também ou até principalmente em vista a protecção de interesses colectivos, não deixam de atender aos interesses particulares subjacentes (de indivíduos ou de classes ou grupos de pessoas).

Além disso, a previsão da lei abrange ainda a violação das normas que visam prevenir, não a produção do dano em concreto, mas o simples perigo do dano, em abstracto»[9].

Nestas se enquadra seguramente a norma inserida em portaria que estabelece a regulamentação das prescrições mínimas de segurança e saúde nos locais de trabalho, que estabelece que «as portas e os portões de funcionamento mecânico não devem constituir factor de risco para os trabalhadores, devendo possuir dispositivos de paragem de emergência facilmente identificáveis e acessíveis».

Efectivamente, apesar de a prescrição legal se destinar directamente à protecção da segurança dos trabalhadores no local de trabalho o certo é que a mesma se destina prima facie a acautelar a segurança dos trabalhadores enquanto pessoas, ou seja, o que se pretende com a referida determinação legal - cujo incumprimento configura a prática de uma contra-ordenação – é que os empregadores criem no local de trabalho, as condições necessárias à diminuição do risco decorrente do exercício da actividade laboral para as pessoas que ali se encontrem, mormente para os trabalhadores que ali exercem as suas funções.

E o que é legalmente considerado o local de trabalho? Apenas o edifício em que se exerce funções, como pretende a ré, ou mais do que isso?

Esta questão tem resposta legal no DL n.º 441/91, de 14 de Novembro, cujo artigo 3.º, alínea e), define o conceito que importa ao caso.

Assim, o local de trabalho é definido como sendo todo o local onde o trabalhador se encontra, ou donde ou para onde deve dirigir-se em virtude do seu trabalho, e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.

No caso em apreço, provado que o estabelecimento da ré é composto por uma zona de edifício, logradouro e terreno e toda essa zona se encontrava vedada, sendo essa zona constituída por um piso em tout-venant que serve de estacionamento e paragem de pessoas; entre a vedação e o edifício onde funciona o estabelecimento vai uma distância de cerca de 30 metros que constitui o logradouro do edifício que serve de parque de estacionamento e zona de exposição de alguns produtos, sendo que o portão em causa situa-se na zona de vedação face à EN 109, fazendo-se o acesso ao referido estabelecimento, tanto de peões como de veículos, pela entrada com a largura de 5 metros que tem este portão de correr com funcionamento automático, pelo qual, cerca de 10 a 15 minutos antes da ocorrência dos factos, um trabalhador do estabelecimento entrou abrindo, para o efeito, o referido portão com o comando, não subsistem quaisquer dúvidas que o portão em causa nos autos se integra no local de trabalho dos trabalhadores desta empresa, nos termos em que se mostra legalmente definido, porquanto é através dele que os mesmos acedem ao edifício e logradouro onde a ré exerce a sua actividade comercial, sendo irrelevante que o mesmo não seja o acesso imediato ao edifício onde está instalado o estabelecimento.

Como assim, este portão, em face da referida imposição legal, tinha que estar dotado com o referido dispositivo de paragem de emergência facilmente identificável e acessível, e não estava.

De facto, a respeito do tipo de portão em apreço, a ré, considerando que a legislação indicada nos autos pelo autor, não se aplicava ao caso, não alegou – como lhe incumbia, e já veremos porquê - a existência deste mecanismo, aduzindo apenas outras características de segurança do portão, todas elas provadas.

Na verdade, a ré provou que este portão tem uma altura de cerca de 2 metros, é constituído por grades de ferro, que abre e fecha deslizando com uma das rodas de ferro sobre uma calha (também de ferro) implantada no solo numa base de cimento; que é de uma só “folha” que abre através de um motor que é accionado por comando e faz deslizar nessa calha; que em cada um dos lados da entrada existe uma coluna em betão que também serve de apoio à estrutura de funcionamento do porta; que o portão, ao abrir, desloca-se da direita para a esquerda (considerando quem, do exterior, estiver de frente para o portão), de uma forma lenta e contínua; que qualquer pessoa, ao olhar para o portão e a forma como ele está enquadrado na vedação e na estrada, verifica que o mesmo é de abertura automática, sendo que nesse portão existia, à data dos factos, e ainda existe, uma placa afixada e que tem letras de cor vermelha a dizer “ATENÇÃO” e “Portão de abertura e fecho automático”, tendo o portão em apreço “células” do lado de dentro para interromper o movimento do portão quando este fecha.

Portanto, quanto a regras de segurança, a ré provou que tratando-se visivelmente de um portão de abertura automática, pela sua inserção, ainda assim tem uma placa afixada a alertar para tal facto, e células do lado de dentro para interromperem o movimento do portão caso exista obstáculo, quando este se fecha.

Significa isto que nada existe que impeça que o portão se abra se tiver obstáculo, nomeadamente, inexiste qualquer mecanismo de paragem de emergência em caso de detecção de qualquer perigo na abertura, conforme legalmente imposto enquanto regra de segurança dos próprios trabalhadores da empresa.

Ora, a inexistência deste dispositivo de segurança, configura uma omissão de imposição legal que tem reflexos ao nível da responsabilidade civil por acto (ou omissão) ilícita, atento o preceituado no artigo 486.º do CC, donde decorre que as simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando havia, por força da lei – como era o caso – o dever de praticar o acto omitido.

É certo que a imposição legal omitida tem como fim a segurança dos trabalhadores no local de trabalho.

Porém, como já se aflorou supra, é uma regra que tem como escopo último a segurança das pessoas.

Trata-se, do estabelecimento de regras preventivas da verificação do dano, regras que visam diminuir o perigo da sua ocorrência, protegendo a saúde e integridade física das pessoas.

Daí que se entenda que a tutela dos interesses particulares figura, de facto, entre os fins da norma violada.

Acresce que, tendo o fim da norma em vista, em primeira linha, a protecção das pessoas que trabalhem no local, o certo é que quando visa prevenir a ocorrência de acidentes tem também em vista a segurança de todas pessoas que ali se encontrem ou circulem devidamente, uma vez que o trabalhador é protegido como tal porque o fim da norma é a segurança do indivíduo face aos meios potenciadores de perigo existentes nos locais de trabalho.

 Por isso, pode concluir-se que o dano se registou no círculo de interesses que a lei visa tutelar: a segurança das pessoas.

Ademais, no caso em apreço, não estamos perante a intrusão de alguém, por forma indevida, não autorizada, ou mesmo ilegal, em local ao qual estava impedido de aceder[10], porquanto o acidente ocorreu num portão que veda o acesso a um estabelecimento comercial, cuja actividade é precisamente destinada aos clientes que ali se dirijam.

Como tal, a segurança das pessoas em geral, é também uma imposição genericamente dirigida a todos os que exploram uma actividade económica a estas destinada, impendendo sobre quem beneficia da exploração dessa actividade lucrativa o dever de acautelar a segurança de quem frequenta o local, e a alegação e demonstração de que tomou todas as providências adequadas para tal desiderato.

Conclui-se, portanto, pela verificação do requisito relativo à ilicitude da omissão da ré, cumprindo agora apreciar se tal omissão se deveu a culpa desta.

III.2.1.2. – Da culpa

III.2.1.2.1 – Da ré

Conforme salientou o Supremo Tribunal de Justiça em recente acórdão[11] proferido em caso com alguma semelhança com o dos autos, que enquadrou na presunção legal prevista no artigo 493.º, n.º 1, do CC, estamos nestes casos ainda perante uma responsabilidade delitual e não de índole objectiva. «Mas nota-se já aqui a inversão do ónus da prova no que toca à culpa; o encarregado da vigilância, que pode ser ou não o proprietário, responde pelos danos que a coisa causar, excepto se conseguir provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam verificado ainda que não houvesse culpa sua».

Trata-se do domínio da chamada “nova responsabilidade civil” onde «e mais de perto relacionado com a problemática que aqui nos ocupa, surge-nos a violação dos “deveres de tráfego” que ocorre quando alguém controle uma fonte de perigo, cabendo-lhe adoptar as medidas necessárias a prevenir o dano; o conteúdo dos “deveres de tráfego” é multifacetado, nele cabendo uma pluralidade de situações, podendo dizer-se que abrange os casos em que alguém “crie ou controle uma fonte de perigo, cabendo-lhe então as medidas necessárias para prevenir ou evitar danos”. Neste âmbito se insere, entre nós, a responsabilidade a que alude o artigo 493º nº 1».

Indo ao encontro destes ensinamentos, na sentença recorrida enquadrou-se - e bem - a questão na previsão do artigo 493.º, n.º 1, do CC[12], nos termos do qual, quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, responde pelos danos que a coisa causa, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua, fazendo impender sobre a ré esta presunção legal de culpa. O ónus da prova destes factos que afastam a presunção legal, impende sobre a ré.

Invoca a este respeito a ré que não pode considerar-se o portão coisa móvel porque o mesmo está fixo e, como tal, integrado no imóvel, nos termos referidos no artigo 204.º, n.º 3, do CC.

É questão completamente inútil, porquanto, conforme se retira do preceito em referência, o artigo 493.º, n.º 1, do CC aplica-se às coisas móveis e imóveis, pelo que é irrelevante qualificar o portão em qualquer uma das modalidades, aceite que o mesmo é uma coisa, nos termos em que se mostra definida no artigo 202.º, n.º 1, do CC, e pertence ao estabelecimento da ré conforme se vê da discrição dos factos supra. Portanto, sobre esta impende o dever de o vigiar, conservar, enfim, garantir o seu funcionamento em segurança, assegurando elementares deveres de cuidado.

Assim, decidiu também a Relação de Lisboa, em recente acórdão proferido num caso em que estava em causa o momento em que fora accionado o comando de encerramento de portão automático por um condómino, julgando ter sido «claramente não adequado, sendo merecedor de censura, o comportamento do R. na situação, em particular no momento em que accionou o comando para fechar o portão, sem se assegurar previamente que o podia fazer sem perigo para terceiros. Estando o veículo da A. imobilizado debaixo do portão, e a buzinar, era seguramente exigível ao R. que se tivesse apercebido dessa presença, e agido em conformidade, não fechando o portão.

Julga-se que um elementar dever de cuidado impunha ao R., e a qualquer pessoa na mesma situação, a verificação da situação envolvente do portão antes de accionar o comando para o fechar. É que, depois de accionado o encerramento do portão, se a A. não pudesse inverter essa ordem, nem conseguisse fazer recuar o seu veículo em tempo útil, este veículo seria atingido pelo portão.

Ora, não só o réu não teve esse cuidado, como nem sequer se apercebeu, e era suposto ter-se apercebido, das repetidas buzinadelas emitidas pelo veículo da A., um sinal adicional da sua falta de atenção naquele momento»[13].

Assente que sobre a ré impende esta presunção legal de culpa, resta apreciar se a mesma a logrou ou não afastar, mormente se conseguiu provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam verificado ainda que não houvesse culpa sua.

E pode concluir-se, desde já, que não provou que nenhuma culpa houve da sua parte.

De facto, para além de não ter o dispositivo de segurança que permitiria que, logo que o menor ficou entalado no portão, este pudesse ter sido, de imediato, parado por um dos presentes, demonstrou-se ainda, por alegação da própria ré, que o menor, a sua mãe, a avó e três irmãos encontravam-se a aguardar que o estabelecimento abrisse ao público para aí adquirir um aquário, encontrando-se todos juntos ao portão em causa existente na parte da frente do estabelecimento juntamente com outras pessoas que também aguardavam a abertura do estabelecimento.

Ora, nestas circunstâncias, cerca de 10 a 15 minutos antes da ocorrência dos factos, um trabalhador do estabelecimento entrou através do portão e, para isso, abriu o portão com o comando, dizendo às pessoas presentes que não se aproximassem muito do portão porque ele era automático e dentro de pouco tempo iria abrir, sendo certo que no local estava o horário de abertura.

Portanto, não há dúvidas de que este funcionário alertou as pessoas para o perigo decorrente da abertura do portão, não podendo estas ignorar a sua existência. Só que, esta situação funciona nos dois sentidos. Ou seja, apesar deste funcionário da ré saber que junto ao portão se encontravam clientes do estabelecimento que aguardavam a sua abertura, antes de accionar o mecanismo de abertura, ninguém se certificou de que havia crianças próximas do portão, sendo que tal podia facilmente ser feito, tanto mais que o portão permitia a visibilidade desde o edifício do estabelecimento até ao exterior, por ser de grades, estando demonstrado que quando foi accionado o mecanismo para iniciar a abertura do portão, o menor encontrava-se encostado ao mesmo, no seu lado esquerdo, razão pela qual logo que teve início a abertura do portão, ficou com o cotovelo esquerdo preso entre as grades do portão, sendo arrastado no sentido em que o portão se movimentava, acabando por ficar com o braço entalado entre o portão e o muro.

Vendo isto, as pessoas presentes no local começaram a gritar e todos se agarraram ao portão, na tentativa de fazer parar o mesmo para que o menor não ficasse cada vez mais entalado, até que, entretanto, alguém dentro do estabelecimento se apercebeu do sucedido e accionou o mecanismo para parar o portão.

Dos factos carreados pela própria ré para aos autos resulta claramente quer a relevância nos acontecimentos da omissão do mecanismo de paragem de emergência, que teria permitido a imediata paragem do portão por algum dos presentes quando o menor ficou com o cotovelo preso, impedindo que o braço entalasse entre o portão e o muro, até que alguém no interior se tivesse apercebido e accionado o comando para parar o portão; quer a omissão do cuidado que a abertura do mesmo manifestamente implicava no dia em questão, por ser sabido que junto ao mesmo aguardavam vários clientes, entre os quais havia, pelo menos, uma criança de tenra idade, o ora autor.

Conclui-se, portanto, que a ré não afastou a referida presunção legal culpa que sobre si impendia, porquanto se encontra demonstrado que o facto danoso ocorreu em virtude da omissão de deveres de cuidado que sobre si impendiam.

III.2.1.2.2 – Da legal representante do autor

Vejamos agora, se sobre a mãe do menor impende uma presunção legal de culpa, como a ré pretende.

A este respeito decorre da matéria de facto assente que o ora autor tinha 6 anos à data dos factos. Consequentemente, em face do que dispõe o artigo 488.º do CC, presume-se naturalmente incapaz e, como tal, inimputável, o que significa que não responde pelas consequências do facto danoso, precisamente por não ter capacidade de entender ou querer.

Porém, o artigo 491.º do CC, preceitua que as pessoas que por lei forem obrigadas a vigiar outras, por virtude da incapacidade natural destas são responsáveis pelos danos que estas causem a terceiros, salvo se demonstrarem que cumpriram o seu dever de vigilância ou que os danos se teriam produzido ainda que o tivessem cumprido.

A presunção de culpa estabelecida neste preceito assenta na consagração legal duma constatação decorrente das regras da experiência comum: a de que muitos dos actos ilícitos praticados pelos incapazes apenas ocorrem em virtude da ausência duma cabal vigilância por parte dos adultos responsáveis que os têm a seu cargo.

Daí que seja entendimento pacífico que as pessoas obrigadas a indemnizar por força da presunção estabelecida neste preceito legal, não respondem por facto de outrem (o incapaz), mas sim por facto próprio, isto é, pela omissão da vigilância adequada a evitar a ocorrência danosa[14].

Por força do disposto nos artigos 1877.º e 1878.º do CC, a mãe do menor ora autor, está obrigada a velar pela sua saúde e segurança até à sua maioridade, e este deve-lhe obediência até então.

Por isso, caso a conduta do menor tivesse provocado dano a terceiro, funcionaria a referida presunção da culpa in vigilando, por banda da sua mãe[15].

Acontece que, no caso em apreço, o menor não provocou danos a terceiro. Ele é o único lesado por ter ficado com o braço entalado aquando da abertura automática do portão.

Ora, da letra do artigo 491.º do CC decorre claramente que a presunção de culpa ali estabelecida se refere aos danos que o incapaz causar a terceiro. Portanto, a mesma não se aplica aos danos causados por falta dessa vigilância na pessoa que deve ser vigiada.

Assim, quanto aos danos sofridos pela pessoa que legalmente deve ser vigiada, decorrentes da omissão do dever de vigilância por quem tem tal obrigação legal, vigoram os princípios gerais[16].

Portanto, no caso em apreço, sobre a mãe do menor não impende qualquer presunção legal de culpa na ocorrência do evento danoso, aplicando-se, porém, as regras gerais relativas à culpa do lesado a que se reporta o artigo 570.º do CC, porquanto ao facto culposo do lesado é equiparado o facto culposo dos seus representantes legais, ex vi do disposto no artigo 571.º do referido diploma legal.

Neste conspecto, como vamos ver, a ré alegou e demonstrou que a omissão do dever de vigilância do menor por parte da sua mãe, concorreu para a produção dos danos, cabendo consequentemente ao tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, determinar se a indemnização ao lesado deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída, isto porque, conforme supra referimos, no caso em apreço a responsabilidade da ré, não se baseia apenas na culpa presumida, por se ter demonstrado a culpa efectiva na produção do evento danoso[17].

Com interesse para o preceituado no artigo 570.º, n.º 1, do CC, provou-se que a mãe da criança já por várias vezes tinha ido ao estabelecimento da Ré; que qualquer pessoa, ao olhar para o portão e a forma como ele está enquadrado na vedação e na estrada, verifica que o mesmo é de abertura automática; que no portão existia uma placa afixada com letras de cor vermelha a dizer “ATENÇÃO” e “Portão de abertura e fecho automático”; que momentos antes da abertura do portão um funcionário da ré tinha avisado que ia abrir em breve, para as pessoas se afastarem do portão; e que neste estava fixado o horário de abertura e fecho do estabelecimento; tudo demonstrando claramente que a mãe do menor, sabendo que estava perante um portão de abertura automática que abriria em poucos minutos, omitiu os cuidados que se impunham no caso e que se resumiam a mantê-lo afastado do portão. Portanto, na ocorrência do evento danoso existe também culpa da sua parte.

Importa agora apreciar se esta culpa exclui a obrigação de indemnizar como pretende a ré, ou se a reduz[18].

A este respeito entendeu-se na sentença recorrida que a culpa na produção do evento devia ser repartida em igualdade de proporção entre a Ré e a responsável pela vigilância do menor.

Concordamos com tal apreciação, mormente se ligarmos a culpa ao requisito da responsabilidade seguinte que é o nexo de causalidade entre o facto e o dano.

Assim, por parte da mãe do menor, foi o comportamento omissivo desta consubstanciado no não ao afastamento daquele da fonte de perigo que era o portão, permitindo que o menor estivesse encostado ao portão aquando do início da sua abertura; e por parte da ré, o facto de accionar o comando do portão automático para a respectiva abertura apesar de saber que se encontravam pessoas junto ao mesmo, entre as quais crianças, sem se certificar que o podia fazer porque as mesmas estavam afastadas do portão, que determinaram que o menor ficasse com o cotovelo preso; e foi o facto de a ré não ter instalado no portão qualquer mecanismo de segurança que permitisse, no local, a imediata paragem do portão em caso de perigo que possibilitou que o menor fosse arrastado no sentido da abertura do portão, acabando por ficar com o braço entalado entre o portão e o muro; concorrendo aquela causa ocorrida por omissão da mãe do menor, e estas ocorridas por omissão da ré, de forma que reputamos equivalente para a produção do evento danoso.


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III.2.1.3. – Do montante da indemnização

Quanto ao valor indemnizatório a atribuir ao autor a título de danos não patrimoniais, pretende a ré que o mesmo seja reduzido para a quantia global de 3.000,00€.
      Como é sabido, nos termos do disposto no art. 496.º n.º 1 do CC na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, sendo que, por força do n.º 3 do mesmo preceito legal, o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º.”
      O que deve entender-se por danos não patrimoniais há muito se encontra sedimentado na mais autorizada doutrina que tem sido seguida pela jurisprudência.
       Assim, “danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização”[19].
      À forma como serão então indemnizáveis estes danos que por natureza não são susceptíveis de avaliação pecuniária, responde-nos a lei afirmando que o cálculo da indemnização devida será efectuado com base na equidade, assim se indemnizando apenas os danos que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – citados n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do CC.
      Para a formulação do referido juízo de equidade, que balizará a fixação da compensação pecuniária neste tipo de dano, podemos recolher o ensinamento dos Professores Pires de Lima e Antunes Varela, que nos dizem que: “o montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso (haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização, às flutuações do valor da moeda, etc.
     E deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.”[20].
     Como podemos verificar um dos aspectos a ter em conta e que é a culpa do lesante, tem sido realçado pelos tratadistas que acentuam a importância da componente punitiva da compensação por danos não patrimoniais.
    Assim, Menezes Cordeiro ensina que “a cominação de uma obrigação de indemnizar danos morais representa sempre um sofrimento para o obrigado; nessa medida, a indemnização por danos morais reveste uma certa função punitiva, à semelhança aliás de qualquer indemnização”[21].
   Por seu turno, Galvão Telles, sustenta que “a indemnização por danos não patrimoniais é uma “pena privada, estabelecida no interesse da vítima – na medida em que se apresenta como um castigo em cuja fixação se atende ainda ao grau de culpabilidade e à situação económica do lesante e do lesado”[22].
   Já para Menezes Leitão a reparação por danos morais assume-se “como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”[23].
               Nestes moldes, desde há muito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça que «(...) no caso dos danos não patrimoniais, a indemnização reveste uma natureza acentuadamente mista, pois “visa reparar, de algum modo, mais que indemnizar os danos sofridos pela pessoa lesada”, não lhe sendo, porém, estranha a “ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente»[24]; e que a quantia devida por estes danos não tem por fim «a reconstrução da situação anterior ao acidente, mas principalmente compensar o autor, na medida do possível das dores e incómodos que suportou e se mantém como resultado da situação para que o acidente o arrastou, e deve a mesma ser calculada pondo em confronto a situação patrimonial do lesado (real) e a que teria se não tivessem existido danos»[25], jurisprudência esta que se mantém actual[26].

No caso que nos ocupa, o dano produzido com a actuação ilícita e culposa da ré foi na integridade física do autor, que como consequência directa e necessária do sucedido, foi transportado ao Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, tendo sido observado pelo serviço de Urgência, pelas 15:30 horas, apresentando dor à palpação no ombro e no cotovelo esquerdos, tendo sido submetido a exames de raio-X, tendo-lhe sido ministrados medicamentos anti-inflamatórios sido dada indicação para fazer gelo, tendo alta no mesmo dia, por volta das 21 horas.

Porém, apesar de estar a tomar a medicação prescrita e estar a fazer gelo, as dores continuavam, pelo que no dia 28.3.07, foi novamente observado no serviço de urgências do Hospital de S. Sebastião, apresentando dor, edema e impotência no braço esquerdo, tendo sido novamente feitos exames de raixo-X e foi-lhe diagnosticado deslocamento do cotovelo de grau I.

Após imobilização do braço com tala gessada antalgica, teve alta, mas foi orientado para consulta externa de ortopedia do Hospital de S. Sebastião, onde foi consultado no serviço de ortopedia.

O menor, então com 6 anos de idade, esteve imobilizado do membro superior esquerdo com tala gessada aproximadamente 6 semanas, período durante o qual não pôde, de todo, realizar tarefas simples da sua vida quotidiana, como tomar banho sozinho, vestir-se e dormir de forma confortável, passear, correr e brincar livremente com os seus amigos, fazer educação física.

Durante esse tempo, na escola e em casa, o menor necessitou da presença de alguém para lhe prestar auxílio para a realização das tarefas mais simples, para garantir a imobilização do braço e evitar novas lesões.

 Após retirar a imobilização gessada foi recomendada fisioterapia em casa, nomeadamente, foi dada indicação para fazer movimentos de abrir e fechar a mão, usando para tal uma pequena bola.

O autor apenas teve alta em 03/07/2007 e teve um período de défice funcional parcial de 100 dias, tendo sentido medo por causa do acidente sofrido, tido dores físicas com o deslocamento do cotovelo, dores que se mantiveram por vários dias, tendo sido medicado por causa destas, e sendo o quantum doloris de 1/7, sendo que o tempo passado no serviço de emergência do hospital, a imobilização do braço, as consultas médicas efectuadas bem como exames de RX, causaram dores e incómodos ao menor que tem dores nas variações climáticas.
                Assim sendo, podemos concluir que as lesões corporais sofridas pelo autor em consequência do acidente incluem-se, sem margem para dúvidas, na categoria dos danos que merecem a tutela do direito, subtraindo-se, como é evidente, à aplicação do princípio da reposição natural, previsto nos artigos 562.º e 566.º do CC, em virtude da incompatibilidade de correspondência económica entre o dano e a sua expressão monetária, por estarmos em planos valorativos diferentes.
    No caso dos autos, o sofrimento experimentado pelo autor menor em consequência do acidente, apesar de ser relevante não é muito grave na valoração comparativa que deve merecer para que se encontre o valor duma indemnização equitativa.
   As situações económicas de autor e ré não são conhecidas por não terem sido trazidas aos autos, mas deve valorar-se que o dano sofrido pelo autor ocorreu no acesso ao estabelecimento comercial da autora, que a mesma certamente explora com fim lucrativo.
   Assim, atendendo a todos os factos que resultaram provados e especialmente, à culpa do lesante, às lesões e sequelas sofridas pelo autor; ao tempo de imobilização do braço, limitação que sabemos mais difícil numa criança com a idade que o autor então tinha, entende-se que o valor indemnizatório atribuído na sentença recorrida foi correctamente doseado e, como tal, não merece qualquer censura.
  Termos em que, improcedem todas as conclusões de recurso.


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III.3. - Síntese conclusiva

I – A omissão das prescrições de segurança de um portão de funcionamento automático inserida em portaria destinada a garantir a segurança dos trabalhadores no local de trabalho, releva para determinação da responsabilidade civil da ré se por tal portão se efectua também o acesso dos clientes ao estabelecimento comercial cuja actividade é explorada por aquela com fins lucrativos.

II – O funcionamento de um portão automático, por meio de comando a accionar remotamente, integra-se na previsão do artigo 493.º, n.º 1, do CC, impendendo sobre a ré o ónus de ilidir a presunção de culpa.

III – Tal presunção não é ilidida se se demonstrou que a ré não cumpriu uma prescrição de segurança legalmente determinada, e, mesmo sabendo que se encontravam pessoas junto ao portão, nomeadamente crianças, omitiu um elementar dever de cuidado ao accionar o comando de abertura sem se certificar que ninguém se encontrava encostado ao portão, sendo responsável pela ocorrência do evento danoso.

IV – A presunção de culpa das pessoas obrigadas à vigilância de pessoa naturalmente incapaz, prevista no artigo 491.º do CC, não se aplica quando o lesado é a pessoa que devia ser vigiada, porquanto apenas se destina aos casos em que o incapaz lesa terceiros.

V – Porém, a prova da culpa na ocorrência do evento danoso imputável ao responsável pela vigilância de um menor de 6 anos, releva para os efeitos prevenidos no artigo 570.º do CC, por força do disposto no artigo 571.º do CC, determinando, in casu, a redução proporcional da indemnização a que o lesado teria direito, se não fosse a concorrência da culpa do seu representante na ocorrência do dano.


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      IV - Decisão

      Face aos fundamentos expostos, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela ré, confirmando-se a sentença recorrida.

      Custas nesta instância pela ré.


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Albertina Pedroso  ( Relatora)

Virgílio Mateus

Carvalho Martins



[2] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[3] Doravante CC.
[4] No entender do Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 478, entendimento que é maioritariamente seguido. Já o Professor Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra - 1995, pág. 55, reduz esses mesmos pressupostos a dois: acto ilícito e prejuízo reparável.
[5] Cfr. Antunes Varela, obra citada, págs. 486 a 497.
[6] No dizer de Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, pág. 346. Note-se que esta imputação do facto ao agente, para além do dolo em qualquer uma das suas modalidades, pode ainda resultar, no âmbito da denominada mera culpa, de negligência consciência - quando o agente prevê a produção de um facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação, e só, por isso, não toma as providências necessárias para o evitar -, ou mesmo de negligência inconsciente, que ocorre quando o agente não chega sequer a conceber a possibilidade de o facto se verificar, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, págs. 394 e 395.
[7] Vd. Meneses Leitão, Direito das Obrigações, I, 8ª edição, 2009, pág. 313; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1990, pág. 309.
[8] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pág. 651 e ss..
[9] Cfr. autor e obra citada, págs. 488 e 489.
[10] Se assim fosse, então o terceiro requisito especial da segunda variante da ilicitude supra referido não se verificaria – cfr. exemplo dado pelo autor referido na obra citada, pág. 494.
[11] Referimo-nos ao Acórdão STJ de 28-06-2012, proferido no processo n.º 8379/04.9TBOER.L1- 7ª SECÇÃO, a propósito de uma situação em que as portas automáticas duma grande superfície comercial, se encerraram antes de permitir a passagem de uma senhora que se movimentava com a ajuda de canadianas e parou brevemente na zona de encerramento.
[12] É este manifestamente o enquadramento legal efectuado em face da transcrição do preceito, conforme a própria ré reconhece nas respectivas alegações de recurso.
[13] Cfr. Ac. TRL de 26-04-2007, proferido no processo n.º 1164/2007-2, e disponível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr., neste sentido, na doutrina, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 3.ª edição revista e actualizada, Coimbra 1982, pág. 466; e na jurisprudência, os Acs. STJ de 06-05-2008, proferido no processo n.º 08A1042, e de 03-02-2009, proferido no processo n.º 08A3806, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
[15] Caso em que importaria apreciar se a “vigilância” a que o preceito se reporta é a vigilância do momento imediatamente anterior ao facto danoso, ou se a lei se refere a uma “vigilância” anterior que se identifica com a prova duma “educação” do vigiado em conformidade com um comportamento socialmente aceite, de cuidado, diligência e de respeito para com os demais, cuja prova afastaria a presunção de culpa do vigilante.
[16] Cfr, neste sentido, autores, obra e local citado na nota anterior.
[17] Por esta razão não está consequentemente excluída a responsabilidade da ré por via do disposto n.º 2 do artigo 570.º do CC.
[18] Na verdade, não tendo o autor recorrido e, como tal, não podendo existir reformatio in pejus, torna-se inútil entrar na possibilidade de concessão total da indemnização.
[19] Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, vol. l.°, pág. 571.
[20] In “Código Civil Anotado”, vol. I, pág.501.
[21]In “Direito das Obrigações”, vol. II, pág. 288.
[22] In “Direito das Obrigações”, pág. 387.
[23] In “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 299.

[24] Ac. do STJ, de 30.10.96, in BMJ 460, pág. 444.
[25] Cfr. Ac. STJ de 26.01.94 in CJSTJ, Tomo I, pág.65 e de 16.12.93, in CJSTJ, Tomo III, pág.181.

[26] Cfr. inter alia, Ac. STJ de 19-05-2009, Proc.º n.º 298/06.0TBSJM.S1, disponível no caderno de jurisprudência temática acessível in www.stj.pt., onde se podem encontrar inúmeras decisões de sentido semelhante.