Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
175/05.2TAOER.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: DEVER DE MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
LIVRE CONVICÇÃO DO JULGADOR
Data do Acordão: 06/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: 124º,125º,127º, 374º,Nº2 ,412º E 428º DO CPP
Sumário: 1.No respeito princípio da livre convicção do julgador, consagrado no artigo 127º do CPP, o tribunal pode dar credibilidade a determinado depoimento e a outro não; dar credibilidade às declarações do assistente em detrimento do depoimento de uma testemunha; considerar um depoimento todo verdadeiro ou todo falso ou em parte verdadeiro e em parte falso. Todavia, em todas as situações descritas, o tribunal está obrigado (artigo 205º da CRP e 374º, nº2 do CPP) expor as razões concretas e objectivas da opção tomada.
Decisão Texto Integral: 26

No processo Comum Singular, supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que:
- Condenou o arguido, pela prática de um crime de denuncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.°, n.°1 do Cod. Penal, na pena de 90 dias de multa;
- Condenou o arguido, pela prática de um crime de denuncia caluniosa, p. e p. pelo artigo 365.°, n. °1 do Cód. Penal, na pena de 90 dias de multa;
- Em termos de pena do concurso, condenou o arguido na pena única de 130 dias, fixando-se por cada dia o valor de 07,00 Euros (art.° 47.º, n.° 2 do Cód. Penal).
- Julgou parcialmente procedente o pedido de indemnização civil e, em consequência, condenou os o arguidos: pagar ao demandante cível a quantia que ulteriormente vier a ser liquidada a titulo de danos patrimoniais relativos a: deslocações ao Tribunal e à 5ª Divisão de Oeiras do Comando metropolitano de Lisboa, quer neste processo quer naquele outro com o n,° NUIPC 30/03.0 GJCTB, em conformidade com a matéria de facto provada; e bem assim a pagar os honorários que o demandante pagou ou virá a pagar aos seus advogados pelo patrocínio prestado neste processo e naquele outro com o n,° NUIPC 30/03.0 GJCTB, desde que devidamente demonstrados e calculados de acordo com a tabela de preços em vigor no respectivo escritório, o tempo despendido e uma complexidade do caso, tendo como limite o fixado no pedido, relegando-se a liquidação destas quantias para momento ulterior;
Condenamos o arguido a pagar ao demandante a quantia de 2.250,00 Euros a título de danos não patrimoniais;
- Absolvemos a arguido da parte restante do pedido cível;

Inconformado com esta decisão, dela interpôs recurso o arguido, A que na respectiva motivação concluiu:
1. A razão do presente recurso radica, essencialmente, na discordância do aqui Recorrente em relação à matéria dada como provada pelo Mmo. Juiz do Tribunal a quo, bem como em relação à matéria que ficou por provar, e que segundo a prova produzida em sede de Audiência de Julgamento, sempre deveria ter sido decidido em sentido diferente;
2. Não se acompanha o entendimento do Tribunal a quo, no que se refere aos pontos 7, 8 e 19 da matéria de facto provada e dos pontos a), f), g), h), j), I), m) da matéria de facto não provada;
3. Deviam ter sido dados como provados os factos alegados pelo Arguido e aqui Recorrente na sua contestação;
4. Impunha-se decisão diferente quanto ao ponto 7 da matéria dada como provada e às alíneas a), g), h) e m) da matéria dada como não provada, desde logo porque face às declarações, em sede de Julgamento, sobretudo do Arguido e Recorrente, do Assistente, e da testemunha M, resulta evidente que não obstante o facto de o Arguido saber que os seus cunhados não tinham praticado tais factos, foi sempre sua intenção apresentar queixa contra os seus sobrinhos;
5. O Arguido apresentou queixa contra os seus cunhados, "apenas por serem estes os donos da casa onde foi aberta a porta e colocada a vidraça na janela que dá para o quintal do prédio do arguido." e porque recebeu dos militares da GNR a quem se dirigiu para apresentar queixa, a recomendação, por sinal errada, mas na qual formou a sua convicção, por se tratar dum agente de autoridade, de que nessas situações, teria de apresentar queixa contra os proprietários, ainda que não tenham sido eles a cometer os crimes relatados;
6. Impunha-se decisão diferente quanto ao ponto 8 da matéria dada como provada e alíneas f) e I) da matéria de facto não provada, desde logo porque perante a prova produzida, desde logo as declarações em julgamento do Arguido e da testemunha D militar da GNR, resultou manifesto de que quando apresentou a referida queixa, o Recorrente referiu sempre aos militares da GNR que quem tinha entrado no prédio tinham sido os seus sobrinhos, filhos dum dos denunciados;
7. De igual forma não foi tomado em consideração que o Recorrente tenha sido informado pelos Militares da GNR que a queixa teria de ser apresentada contra o J, por serem estes os proprietários da casa;
8. O Recorrente reside em França há mais de vinte anos e procurou esclarecer-se junto da autoridade competente, a GNR, sobre qual o procedimento legal que deveria seguir, e nunca agiu com a consciência ou intenção de prevaricar, porquanto apresentou a participação criminal nos termos que lhe foram transmitidos pelos militares que a receberam, a quem informou oportunamente que o suspeitos eram na verdade os seus sobrinhos, filhos dum dos denunciados;
9. Tal resulta, ainda, da resulta da carta datada de 25/06/2003, que consta dos Autos, remetida pelo Assistente J ao Arguido e Recorrente, onde o primeiro demonstra saber e ter conhecimento de que foram os sobrinhos do Recorrente a realizar as citadas obras e que por tal facto é que o Recorrente intencionava apresentar queixa;
10. Impunha-se decisão diferente quanto ao ponto 19 da matéria dada como provada, pois jamais teve o Recorrente a intenção de reagir contra os seus cunhados por ter sido aberta uma janela para o seu quintal e constituída uma servidão de vistas contra a sua vontade;
11. Nunca tal matéria poderia ser dada como provada, face à prova produzida, pois, para além das declarações do Recorrente, é a própria testemunha F que atesta em sede de Julgamento, que não achava possível, nem as relações pessoais estavam degradadas a esse ponto, que o Recorrente apresentasse queixa contra si só por retaliação, mesmo sabendo que ele, F não era autor dos factos;
12. Impunha-se decisão diferente quanto à alínea j) da matéria de facto não provada, pois, foi dado como não provado que os filhos de J, que são sobrinhos de F, tiveram a autorização do pai e tio, respectivamente, para procederem à remoção do portão e entraram no prédio do Recorrente e Arguido;
13. Sustenta o Tribunal a quo, quanto a essa alínea, bem como à restante matéria dada como não provada, que tal convicção resulta" ... ou da total ausência de prova que a suportasse, ou da sua contradição lógica com os fundamentos que suportaram a matéria consignada como provada, ou ainda, pela sua contradição lógica com a matéria de facto provada", decisão com que o Recorrente não se conforma;
14. Desde logo o Assistente, em sede de Julgamento, demonstrou conhecer perfeitamente as condições em que se encontrava a sua casa e obras realizadas pelos filhos;
15. Não é credível que o Assistente, na qualidade de proprietário, desconhecesse em absoluto tais trabalhos e que os mesmos possam ter sido realizados sem o seu consentimento e as suas declarações em sede de Julgamento demonstram que ele tinha efectivo conhecimento das mesmas;
16. O Recorrente manteve sempre o seu discurso de forma coerente e precisa, quer nas declarações prestadas em Julgamento, quer nas declarações prestadas meses antes em sede de Instrução, concretamente, em França, a 10 de Agosto de 2006, e consta de fls. 132 a 136 dos Autos;
17. O Recorrente mais do que induzido em erro, teve de acatar a afirmação que os guardas lhe transmitiram, de forma que foi apresentada queixa contra os proprietários da casa, tendo-se o Recorrente remetido à passividade natural de quem acarreta uma informação e uma instrução dum agente de autoridade, no exercício de funções:
18. O Recorrente nunca teve a intenção de incriminar alguém diferente da pessoa que sabia ter cometido os factos denunciados, muito menos para prejudicar um terceiro alheio à situação;
19. Resulta, de forma inequívoca, da prova produzida em sede de Julgamento, existir, co-autoria ou cumplicidade dos denunciados J quanto aos factos constantes da queixa do Recorrente, pois enquanto proprietários do imóvel em que foi aberta a janela/porta envidraçada, tem de ter existido senão ordem, consentimento daqueles e comparticipação de custos, para que os respectivos filhos e sobrinhos, respectivamente, tenham procedido à remoção do portão e entrada no prédio do Recorrente;
20. Assim, à partida, e verificada que resulta tal co-autoria ou cumplicidade, sempre o Arguido e Recorrente deveria ter sido absolvido por não se verificarem os pressupostos de aplicação do tipo legal de crime em causa;
21. Caso assim não se entenda, o que não se admite, sempre terá de dar-se por assente que inexistiu in casu, dolo específico por parte do Arguido e Recorrente no momento em que apresentou a referida queixa, pois jamais agiu com intenção de participar dos denunciados gratuitamente ou por um qualquer mero exercício de retaliação, quando resulta da prova produzida que aquele se moveu sempre pelo raciocínio em que foi erradamente induzido de ir apresentar queixa contra os proprietários do imóvel;
22. Por último, e caso não se aceite o que atrás se refere, o que não se admite, sempre haveria que proceder à aplicação do princípio basilar do Direito Penal, o in dubio pro reo, que não foi considerado e deveria ser chamado a aplicar-se, na medida em que não ficou cabalmente demonstrado e provado que tal indução em erro e falta de intenção de prevaricar do Recorrente não se verificou;
23. Isto é, face à prova produzida nos Autos, sempre teria de se entender existir forçosamente, porque não afastada completamente, uma incerteza sobre se o Recorrente foi mal informado pelos militares da GNR que receberam a queixa, com a consequência ele vir a influenciar a participação do Recorrente.
24. Existe o princípio de prova fundamental, consagrado constitucionalmente, de que perante factos incertos, a dúvida favorece necessariamente o Arguido;
25. Não ficou afastado, nem demonstrado que o Recorrente não teve dúvidas quanto a quem deveria figurar como denunciado na respectiva queixa, quanto aos procedimentos existentes na legislação penal portuguesa;
26. Não foi provado que os militares da GNR que receberam a queixa não transmitiram erradamente ao Recorrente a informação sobre quem deveria ser denunciado, se os autores da infracção, se os proprietários da casa que serviu de instrumento e meio aos actos denunciados;
27. Em consequência, impõe-se absolver o Arguido, aqui Recorrente, juntamente com a absolvição do Pedido Cível em que foi condenado;
28. O Pedido Cível formulado nos Autos é manifestamente desproporcionado, invocando o Demandante prejuízos que não sofreu, e procurando dessa forma, unicamente, obter um enriquecimento à custa do Demandado, aqui Recorrente;
29. Por tudo quanto supra se expôs, deve o Recorrente ser absolvido do Pedido Cível formulado nos Autos, ou caso assim não se entenda, sem prescindir, ser o mesmo reduzido, e não ser fixado em montante superior a 500,00 € (quinhentos Euros).
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, e consequentemente, ser revogada a douta Sentença recorrida, de modo que o Arguido e aqui Recorrente seja absolvido dos crimes e do pedido cível; Assim decidindo, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, a costumada.
JUSTIÇA!

O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso.

Respondeu o assistente, J pugnando pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.

O recurso abrange matéria de direito e de facto uma vez que as declarações prestadas se encontram documentadas.

Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida:

1 - No dia 28 de Outubro de 2003, o arguido dirigiu-se ao Posto Territorial da Guarda Nacional Republicana de S. Vicente da Beira e apresentou queixa crime contra J e F, nos termos constantes de fls. 29 e 30 destes autos, ambos seus cunhados, à qual foi atribuída o NUIPC 30/03. 0GJC TB.
2 - Em tal queixa afirmou o aqui arguido que o J e o F entraram na sua propriedade no dia 05 de Outubro de 2003, tendo para tanto saltado um muro que se encontrava caído, e uma vez no interior daí retiraram um portão que lá se encontrava.
3 - Na sequência da apresentação daquela queixa, o Ministério Público procedeu a inquérito, onde se constituiu na qualidade de assistente o agora arguido e, finda a investigação, veio a ser deduzida acusação contra J e F, imputando-lhes a prática de um crime de introdução em lugar vendado do público, p. e p. pelo artigo 191.º do Cód. Penal.
4 - No âmbito dos identificados autos foi proferida decisão instrutória de não pronuncia dos arguidos.
5 - O arguido sabia que tais factos não havia sido praticados pelos denunciados J e F.
6 - O arguido suspeitava que tais factos haviam sido praticados por JR, seu sobrinho, filho do denunciado J
7 - Ao proceder pela forma descrita, o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente ao apresentar queixa -crime contra o J e o F, imputando-lhes a prática de factos susceptíveis de integrarem a omissão de um crime de introdução em lugar vedado ao público, querendo e conseguindo que contra eles fosse instaurado procedimento criminal, não obstante que os não haviam praticado, e todavia suspeitar de que aqueles factos tinham sido levados a cabo pelo seu sobrinho J R.
8 - O arguido sabia que, esse seus procedimentos era proibido e punido por lei.
9 - Em consequência da queixa crime apresentada contra o J e F, estes vieram a ser constituídos arguidos no âmbito do processo n.º NUIPC 30/03.0 GJCTB.
10 - No âmbito deste inquérito com o n,º NUIPC 30/03.0GJCTB, o assistente J foi ouvido em declarações por duas vezes, sendo uma delas na Divisão de Oeiras do Comando Metropolitano de Lisboa da PSP, e outra em sede de debate instrutório, neste Tribunal de Castelo Branco;
11 - Nos presentes autos com o NUIPC 175/05.2TAOER o assistente J esteve neste Tribunal aquando do debate instrutório e aquando da audiência de julgamento.
12 - Com essas deslocações o assistente J despendeu quantias não concretamente apuradas;
13 - Com o seu patrocínio jurídico, quer nestes autos quer nos autos com o n.º NUIPC 30/03.0 GJCTB, o assistente J despendeu quantia não concretamente apurada;
14 - Quer no processo com o n.º NU/PC 30/03.0 GJCTB, quer com o presente processo o assistente J suportou despesas judicias com a abertura da instrução e com a sua constituição como assistente no âmbito destes autos.
15 - O assistente J foi militar de carreira e actualmente está reformado.
16 - A queixa crime apresentado pelo aqui arguido contra o assistente João Maria Rodrigues e o subsequente processo n.º NUIPC 30/03.0 GJCTB causaram àquele assistente constrangimentos, desgosto e mágoa.
17 - Em consequência da sua constituição como arguido no âmbito do processo nº NUIPC 30/03.0 GJCTB, e a consequente sujeição ao T.J.R., o assistente J sentiu em alguma medida a sua liberdade de movimentos limitada.
18 -Os denunciados J e o F são os donos do prédio onde foi aberta a porta e colocada a vidraça que dá para o quintal do prédio do arguido.
19 - A queixa apresentada pelo arguido tinha em vista reagir contra os seus cunhados J e o F por ter sido aberta uma janela que dá para o quintal do arguido, e dessa forma ser possível a constituição de uma servidão de vistas, contra a sua vontade.
20 - O arguido está desempregado desde 2004, auferindo um subsidio de desemprego pago em França que varia de 800,00 a 900,00 Euros por mês; a mulher trabalha nas limpezas, auferindo por mês, em França, a quantia de cerca de 800,00 Euros; vivem em casa própria e não têm filhos menores ou qualquer outra pessoa a seu cargo.
21 - O arguido não tem antecedentes criminais averbados no seu CRC.

Matéria de facto não provada:
Em face da prova produzida e analisada em julgamento, não foi possível concluir:
a) - Que o arguido, na altura em que apresentou queixa perante o militar da Guarda Nacional Republicana D, lhe disse que sabia, ou pelo menos suspeitava, que os factos denunciados haviam sido praticados pelo JR, filho do J mas que queria apresentar queixa contra este J porque este era o proprietário da casa.
b) - Que em consequência da sua constitui como arguido no âmbito do processo com o n. º NUIPC 30/03.0 GJCTB, e da sua sujeição a T/R, o aqui assistente J tenha tido a sua liberdade efectivamente limitada, por não ter podido deslocar-se para fora da área da sua residência sem prévia comunicação às autoridade policiais, o que muito prejudicou aquele, em virtude de habitualmente se deslocar a Castelo Branco, bem como ao Minho e ao Algarve, a casa do seu filho.
c) - Que o assistente J tenha estado 36 anos no activo;
d) - Que o assistente tenha sido condecorado pelos serviços prestados em Angola e Guiné;
e) - Que, com a queixa apresentada pelo aqui arguido contra o aqui assistente João Maria Rodrigues, e o subsequente processo crime com n. º NUIPC 30/03.0 GJCTB, este último se tenha sentida ofendido na sua dignidade, honra e consideração, perante toda a família, amigos e colegas, o que lhe causou sentimentos de vergonha e angústia;
j) Que na data em que o arguido apresentou queixa quer em datas anteriores, sempre referiu aos militares da guarda que a receberam que quem tinha entrado no prédio tinham sido os seus sobrinhos, filhos de um dos denunciados;
g) Que o arguido tenha recebido a informação dos militares da Guarda que a queixa teria de ser apresentada contra os ali denunciados J e o F por serem os proprietários da casa e os responsáveis pelos factos;
h) Que isso mesmo tenha sido dito pelo militar da Guarda que recebeu a queixa; i) Que a queixa que deu lugar ao processo com o n, º NUIPC 30/03.0 GJCTB, tenha recebido inicialmente decisão de arquivamento do Ministério Público, da qual o arguido reclamou para c seu superior hierárquico, alegando estar em causa um crime previsto e punido pelo artigo 215. º do Cód. Penal, usurpação de coisa imóvel pela constituição de uma servidão de vistas;
j) Que foi com a concordância do J e o F que os respectivos filhos e sobrinhos procederam à remoção do portão e entraram no prédio do aqui arguido;
I) Que antes de apresentar a queixa, por ter dificuldades de entendimento do funcionamento da justiça em Portugal, o arguido tenha procurado esclarecimentos 'unto dos militares da G.N.R. sobre as pessoas contra quem deveria dirigir a queixa rime apresentada.
m) Que o arguido tenha apresentado a queixa contra o J e F apenas por serem estes os donos da casa onde foi aberta a porta e colocada a vidraça na janela que dá para o quintal do prédio do arguido.

Motivação:

Convicção positiva :
O Tribunal formou a sua convicção acerca da matéria de facto vertida nos pontos 1), 2), 3), 4) 9), 10), 11) e 14) com base da prova documental junta aos autos, cujo teor, não impugnado revela à evidencia todos e cada um deles.
A propósito dos factos vertidos nos pontos 10) e 14), procedemos à consulta dos próprios autos com o NUIPC 30/03.0GJCTB, também deste Juízo e Tribunal, por forma a confirmá-los.
Já os factos vertidos nos pontos 5) e 6) resultaram das próprias declarações do arguido em julgamento, de resto na sequência do que ele próprio alegou na sua contestação.
Também a matéria vertida nos pontos 18) e 19) foram admitidos pelo próprio arguido, sendo certo que acerca dos mesmos nenhuma controvérsia séria se suscitou, e concretamente no que diz respeito ao facto vertido no ponto 19), este resulta da conjugação dos depoimentos de todas as testemunhas ouvidas, sendo este o pano de fundo que preside ao desentendimento que existia entre o aqui arguido e os seus cunhados, por ele denunciados.
A matéria de fado vertida no ponto 17 foi dada como provada com base nas regras da experiência e da normalidade do acontecer, designadamente quando se trata de cidadãos" de bem" que fortuitamente se vêem enredados nas mal/tas da justiça. Para além disso, foi o próprio assistente que explicou, de forma que nos pareceu credível, que, muito embora, por vezes, se esquecesse da proibição e a violasse, outras vezes havia que sentia algum constrangimento pela limitação que a dita medida de coacção em alguma medida representava à sua liberdade de movimentos.
A matéria vertida nos ponto 15) foi afirmada pela prova testemunhal ouvida, não suscitando ela controvérsia .
Já a matéria vertida no ponto 16) resulta das declarações do próprio assistente, que nos pareceram coerentes e credíveis, pois que de acordo com as regras da experiência e da normalidade do acontecer, para mais tratando-se de um contencioso entre pessoas de uma mesma família com relações relativamente próximas, e bem assim foram esses sentimentos secundados pelas declarações da testemunha A, amigo de longa data da família do assistente.
Também a matéria dos pontos 12) e 13) foi dada como provada pelo Tribunal com base nas regras da experiência e da normalidade do acontecer, sendo certo que, no que diz respeito às despesas com o patrocínio forense, designadamente com os honorários aos seus mandatários, o Tribunal sempre as terá de presumir, não só porque é essa a normalidade do acontecer no exercício da profissão de advogado, desde que não coberto pelo apoio judiciário, como porque a essa mesma conclusão conduz a norma do artigo 1158.°, n. °1, parte final do CC.
Resta, por fim, a matéria vertida nos pontos 7) e 8) .
De longe a mais controversa, uma vez que o arguido admite saber que não foram os seus cunhados a praticar os factos pelos quais apresentou queixa, mas sim os seus sobrinhos, filhos do aqui assistente, a executá-los, e não obstante, do teor da própria queixa resulta que esta foi dirigida contra o J e F
Para justificar a sua actuação, o arguido diz que apenas actuou obedecendo a indicações dadas pelos próprio militares da G.N.R. em serviço no Posto Territorial de S. Vicente da Beira, motivadas pelo facto de os denunciados serem os donos do imóvel a partir do qual foram praticados os actos de intrusão no prédio do arguido.
Ora, sucede que esta justificação em momento algum foi confirmada por qualquer outro interveniente no acto em que o arguido apresentou aquela queixa.
Antes pelo contrário, o militar da G.N.R. que recebeu a queixa, a testemunha D, declarou que, quando o arguido se apresentou para formular a queixa já levava consigo o nome e morada dos seus cunhados, sendo contra eles que, desde o início, aquele quis apresentar a dita queixa.
Por outro lado, não deixa de ser significativo que, logo no acto em que apresentou queixa, o arguido tenha oferecido como testemunhas dos factos D e N, esta última sua cunhada, os quais, quando prestaram declarações no âmbito do inquérito que se seguiu à queixa apresentada pelo arguido (aquele com o NUIPC 30/03.0GJCTB) disseram precisamente que tinham sido os denunciados J e F a entrar no quintal do aqui arguido.
Ou seja, o arguido, quando apresentou queixa, ofereceu logo aquelas duas testemunhas porque, de certo, sabia que elas iriam confirmar a sua versão dos factos feita consignar no acto em que apresentou queixa, a saber: que tinham sido o J e F a introduzir-se no seu quintal. De resto se assim não fosse não faria sentido oferece-los como testemunhas.
É certo que estas duas testemunhas D e N, ouvidos agora em julgamento vêem dizer coisa diversa, dando o dito por não dito, querendo fazer crer que os seus depoimentos prestados no inquérito com o NUIPC 30/03.0GJCTB foram forjados pelos próprios militares da Guarda do Posto Territorial de São de Vicente da Beira.
Porém, não só esta versão parece absolutamente inacreditável, pois que os depoimento por eles prestados naquele inquérito têm as assinaturas das testemunhas (que as reconheceram no julgamento) como sempre ficaria por explicar (e nem sequer foi aflorada a explicação) qual o móbil para que os militares da Guarda se fossem intrometer num desentendimento entre familiares ao qual aqueles militares parecem completamente alheios.
Posto isto, tudo indica que o arguido apresentou queixa contra os seus cunhados como forma de retaliar contra eles pelos actos de turbação da posse do seu quintal, sem o seu consentimento, levados a cabo pelos seus sobrinhos.
E obviamente que o arguido sabia, como qualquer um sabe, que uma queixa crime apresentada perante a autoridade policial acabará por ter como consequência a instauração de um processo crime contra os visados com vista a apurar as suas responsabilidades e a levá-los a julgamento.
Obviamente também que o arguido sabia que o acto de apresentação de uma queixa crime contra dois cidadãos imputando-lhes factos que não cometeram é uma acto lícito e alguma punição legal haveria de ter.
Por fim, a matéria vertida no ponto 20) resultou das declarações do próprio arguido, pois que não dispúnhamos de melhor prova, e a vertida do ponto 21) resulta do seu CRC junto aos autos.
Convicção negativa :
A matéria de facto consignada como não provada resultou, ou da total ausência de prova que a suportasse, ou da sua contradição lógica com os fundamentos que suportaram a matéria consignada como provada, ou ainda, pela sua contradição lógica com a matéria de facto provada.
*

Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.

O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação (Ac do STJ de 19/6/96, no BMJ 458-98).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr Germano marques da Silva, in “Curso de Processo penal”, III, pg 335).

Questões a decidir:
- Se foram incorrectamente julgados os factos dados como provados nos pontos 7, 8 e 19 e nas alíneas a) f) g) h) j) l) m) dos factos dados como não provados;
- Se foi violado o princípio “in dúbio pro reo”,

O recorrente impugna a douta sentença recorrida, pondo em causa o acerto da decisão proferida sobre a matéria de facto. Entende que existe prova que impõe decisão diferente da sentença.
Lendo a motivação do recurso concluímos que o recorrente discorda com a forma como na decisão recorrida foi apreciada a prova produzida em julgamento e as conclusões de convicção probatória a que ali se chegou.
De acordo com o disposto no art 412 nº 3 al b) do Código Processo Penal, a matéria de facto impugnada só pode proceder, quando o recorrente tendo por base o raciocínio lógico e racional feito pelo tribunal na decisão recorrida, indica provas que “imponham decisão diversa”.
O recorrente não pode fazer o seu julgamento esquecendo a convicção formada pelo tribunal à luz das regras da experiência comum. Se aquela resulta clara destas, demonstradas no exame crítico das provas que a lei lhe impõe (art 374 nº 2 do Código Processo Penal) o raciocínio feito pelo tribunal não pode ceder perante um qualquer outro raciocínio do recorrente. Exige-o o princípio da livre apreciação da prova (art 127 do referido diploma).
O recorrente ao pretender a alteração da matéria de facto baseia-se apenas nas declarações do arguido e depoimento prestado pela testemunha M. Ora, tal não é indicar provas que imponham decisão diversa.
O Tribunal ao decidir teve em consideração todos os depoimentos prestados e os documentos juntos aos autos. Foi no conjunto de todos os elementos que o tribunal fundou a sua convicção.
O que afinal o recorrente faz é impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a que sobre os mesmos ele adquiriu em julgamento, esquecendo a regra da livre apreciação da prova inserta no art 127.
De acordo com o disposto no art 127 a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
“O art 127 do Código Processo Penal estabelece três tipos de critérios para avaliação da prova, com características e naturezas completamente diferentes: uma avaliação da prova inteiramente objectiva quando a lei assim o determinar; outra também objectiva, quando for imposta pelas regras da experiência; finalmente, uma outra, eminentemente subjectiva, que resulte da livre convicção do julgador.
A prova resultante da livre convicção do julgador pode ser motivada e fundamentada mas, neste caso, a motivação tem de se alicerçar em critérios subjectivos, embora explicitados para serem objecto de compreensão” (Ac STJ de 18/1/2001, proc nº 3105/00-5ª, SASTJ, nº 47,88).
Tal como refere o Prof Germano Marques da Silva no Curso de Processo Penal, Vol II, pg 131 “... a liberdade que aqui importa é a liberdade para a objectividade, aquela que se concede e que se assume em ordem a fazer triunfar a verdade objectiva, isto é, uma verdade que transcende a pura subjectividade e que se comunique e imponha aos outros. Isto significa, por um lado, que a exigência de objectividade é ela própria um princípio de direito, ainda no domínio da convicção probatória, e implica, por outro lado, que essa convicção só será válida se for fundamentada, já que de outro modo não poderá ser objectiva”.
Ou seja, a livre apreciação da prova realiza-se de acordo com critérios lógicos e objectivos.
Sobre a livre convicção refere o Professor Cavaleiro de Ferreira que esta « é um meio de descoberta da verdade, não uma afirmação infundada da verdade» -Cfr. "Curso de Processo Penal", Vol. II , pág.30. Por outras palavras, diz o Prof. Figueiredo Dias que a convicção do juiz é "... uma convicção pessoal -até porque nela desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um certo meio de prova) e mesmo puramente emocionais -, mas em todo o caso, também ela uma convicção objectivável e motivável , portanto capaz de impor-se aos outros ."- Cfr., in "Direito Processual Penal", 1º Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 203 a 205.
O princípio da livre apreciação da prova assume especial relevância na audiência de julgamento, encontrando afloramento, nomeadamente, no art. 355 do Código de Processo Penal. É ai que existe a desejável oralidade e imediação na produção de prova, na recepção directa de prova.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva "... a oralidade permite que as relações entre os participantes no processo sejam mais vivas e mais directas, facilitando o contraditório e, por isso, a defesa, e contribuindo para alcançar a verdade material através de um sistema de prova objectiva, atípica, e de valoração pela intima convicção do julgador (prova moral), gerada em face do material probatório e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento dos homens". -Cfr. "Do Processo Penal Preliminar", Lisboa, 1990, pág. 68”.
O princípio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, e com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto.
Citando ainda o Prof. Figueiredo Dias, ao referir-se aos princípios da oralidade e imediação diz o mesmo:
«Por toda a parte se considera hoje a aceitação dos princípios da oralidade e da imediação como um dos progressos mais efectivos e estáveis na história do direito processual penal. Já de há muito, na realidade, que em definitivo se reconheciam os defeitos de processo penal submetido predominantemente ao principio da escrita, desde a sua falta de flexibilidade até à vasta possibilidade de erros que nele se continha, e que derivava sobretudo de com ele se tomar absolutamente impossível avaliar da credibilidade de um depoimento. (...).Só estes princípios, com efeito, permitem o indispensável contacto vivo e imediato com o arguido, a recolha da impressão deixada pela sua personalidade. Só eles permitem, por outro lado, avaliar o mais correctamente possível a credibilidade das declarações prestadas pelos participantes processuais ". -In "Direito Processual Penal", 10 Vol., Coimbra Ed., 1974, páginas 233 a 234 .
Assim, e para respeitarmos estes princípios se a decisão do julgador, estiver fundamentada na sua livre convicção e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso. Como se diz no acórdão da Relação de Coimbra, de 6 de Março de_2002 (C.J. , ano XXV|II, 20 , página 44) "quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum".
Ora, se atentarmos aos factos apurados e compulsada a fundamentação temos de concluir que os juízos lógico-dedutivos aí efectuados são acertados, designadamente no que se refere aos factos apurados e postos em questão pelo recorrente.
O Sr juiz na decisão recorrida, nomeadamente, em sede de convicção probatória, explica de forma clara e coerente os seus juízos lógico-dedutivos, analisando as provas tidas em consideração.
O recorrente com a sua argumentação apenas pretende e com já se referiu extrair dos elementos analisados uma diferente convicção.
O recorrente faz o seu próprio julgamento pretendendo, agora impor o seu próprio raciocínio.
A decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada, não apontando o recorrente quaquer fundamento válido que a possa abalar.
O recorrente ao impugnar a matéria de facto esquece os elementos de prova nos quais o tribunal se baseou. É no conjunto de todos esses elementos que se fundamenta a convicção e não, apenas, num ou noutro dos mesmos elementos (Rec nº 2541/2003 do Tribunal da Relação de Coimbra).
Tendo a factualidade apurada apoio na prova produzida em julgamento a questão a decidir é a de saber se a escolha do tribunal está fundamentada. Hoje exige-se que o tribunal indique os fundamentos necessários para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela convicção do facto dado como provado e como não provado.
O objectivo dessa fundamentação e no dizer do prof. Germano Marques da Silva, no Curso de Processo Penal, pg 294, III Vol é a de permitir “a sindicância da legalidade do acto, por uma parte e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.
A ratio da exigência de fundamentação é a de submeter a decisão judicial a uma maior fiscalização por parte da colectividade e é também consequência da importância que assume no novo processo o direito à prova e à contraprova, nomeadamente o direito de defender-se, probando”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo (Ac STJ de 12/4/2000, proc nº 141/2000-3ª, SASTJ nº 40,48).
Portanto esse exame crítico deve indicar no mínimo e não tem que ser de forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
É o juiz de julgamento que tem em virtude da oralidade e da imediação, uma percepção própria do material probatório que nós, neste Tribunal, não temos. O juiz do julgamento tem um contacto vivo e imediato com a todas as partes, ele questiona, ele recolhe todas as impressões e está atento a todos os pormenores.
O juiz perante dois depoimentos contraditórios por qual deve optar? “Esta é uma decisão do juiz do julgamento. “Uma decisão pessoal possibilitada pela sua actividade congnitiva, mas também por elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais.
Como refere Damião da Cunha (RPCC, 8º, 2º pg 259) os princípios do processo penal, a imediação e a oralidade, implicam que deve ser dada prevalência às decisões da 1ª instância” (Ac RP nº 6862/05).
Ora, analisando a decisão recorrida encontra-se devidamente fundamentada e, de forma exaustiva faz uma exposição dos motivos de facto que fundamentaram a decisão e faz um exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal. O acórdão recorrido indica de forma clara e na medida do que é necessário, as provas que serviram para a formação da convicção do tribunal.

Sustenta o recorrente que o Tribunal andou mal ao considerar como provados os factos constantes dos pontos 7, 8 e 19 e que deveria ter dado como provados os factos constantes das alíneas a), f), g) h) j) l) e m) isto porque, o próprio arguido afirmou que sabia que os factos pelos quais havia apresentado queixa tinham sido praticados pelos seus sobrinhos, filhos do assistente, sendo certo que a queixa foi apresentada contra o assistente e Francisco de Oliveira Torres.
O arguido entende que o Tribunal deveria ter dado credibilidade às suas declarações e ao depoimento prestado pela testemunha M. O arguido refere que apenas apresentou queixa contra o assistente e F. por indicação dos próprios militares da GNR, motivadas pelo facto de aqueles serem os donos do imóvel a partir do qual foram praticados os factos.
Contudo, a testemunha A. militar da GNR, que mereceu a credibilidade do tribunal ao contrário da testemunha N. já que o seu depoimento sofreu grandes contradições, referiu que o arguido quando foi apresentar queixa já levava consigo o nome e a morada das seus cunhados, afirmando ainda ter sido sempre contra eles que o arguido quis apresentar queixa.
Aliás, quando interrogado pelo Exmo mandatário do arguido referiu que o arguido nunca referiu que foram os sobrinhos que entraram na propriedade.
Advogado -“Mas admite que ele tenha dito que tinham sido os sobrinhos que tinham lá entrado?”
Testemunha -“Não”.
Advogado – Acha que é impossível que ele tenha dito?
Testemunha – se a questão é se ele me tivesse dito que eram os sobrinhos que tinham praticado os factos, eu teria dito que era contra os sobrinhos que tinha de fazer queixa.
Advogado – Ele nunca lhe disse sequer que queria apresentar contra os sobrinhos?
Testemunha – Não.
Advogado – Nem que tinham sido os sobrinhos que tinham lá entrado?
Testemunha – Não.
Portanto, daqui se retira, que a testemunha não disse ao arguido para apresentar queixa contra o assistente.
O depoimento da testemunha N. deixa muitas dúvidas já que em julgamento a mesma refere o arguido quis apresentar queixa contra os sobrinhos e não contra os cunhados, o assistente e F. mas confrontada com o depoimento que prestou no âmbito do inquérito 30/03.0GJCTB e no qual afirmou que tinam sido estes últimos a praticar os factos, referiu que não tinha dito isso, ou seja “mentiu despudoradamente”. Portanto, não se pode dar crédito a um depoimento tão contraditório. Afinal quando é que a testemunha falou a verdade?
Como refere, o Prof. Enriço Altavilla, “o interrogatório, como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras” – Psicologia Judiciária, Vol II, Arménio Amado, Editor, Sucessor, Coimbra, 3ª edição, pg 12.
Nada impede pois que o Tribunal recorrido, no âmbito da imediação e da oralidade, tenha dado credibilidade às declarações do assistente e aos depoimentos de algumas testemunhas ou a apenas a partes do depoimento das testemunhas.
O recorrente não indica qualquer dado objectivo que possa abalar a credibilidade que o tribunal deu aos depoimentos das testemunhas e este tribunal também não vê motivos para o fazer.
Voltando à sentença, nomeadamente à motivação, constatamos que a mesma está fundamentada, aprofundando as razões que determinaram a formação da convicção do tribunal acerca dos factos que deu como apurados e como não apurados. A motivação não se basta a enunciar e elencar os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise critica dessas provas, de modo que possibilita, olhar-se e ver-se o percurso efectuado na decisão em recurso.
Como já referimos da motivação e do exame critico da prova resultam as razões pelas quais o tribunal deu como provados determinados factos, permitindo ao arguido todos os meios de defesa e a este Tribunal, reconstruir retrospectivamente o caminho percorrido na decisão recorrida.
Perante os factos apurados e a sua motivação não procede a critica do recorrente. Este esquece a prova produzida e as regras da experiência e sobrevaloriza a sua apreciação subjectiva do que deveria ter sido considerado provado, querendo fazer prevalecer a sua versão dos factos, sem apoio na prova produzida.
O Tribunal da Relação apenas pode controlar e sindicar a razoabilidade da sua opção, o bom uso do princípio da livre convicção, com base na motivação da sua escolha.
Ora, da motivação resulta que a convicção do tribunal não é puramente subjectiva, intuitiva e imotivável, mas antes resultou da livre apreciação da prova, da análise objectiva e critica da prova. A solução a que chegou o tribunal é razoável atendendo á prova produzida e está fundamentada. Na verdade, face a todo o material probatório tudo indica que o tribunal recorrido captou a verdade material.

Entende o recorrente que sempre se deveria proceder à aplicação de princípio “in dubio pro reo”.
A presunção da inocência é identificada com o principio “in dubio pro reo”, “no sentido de que um non liquet na questão da prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido”.
O Tribunal de recurso apenas pode censurar o uso feito desse principio se da decisão recorrida resultar que o Tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e que, face a ele, escolheu a tese desfavorável ao arguido (Ac STJ de 2/5/996 in CJ, ASTJ, Ano VI, 1º, pg, 177).
No caso “sub judice”, não há lugar a aplicação de tal princípio. Na verdade, as provas existentes nos autos são deveras convincentes e não criaram ao tribunal recorrido qualquer dúvida que levasse o mesmo a socorrer-se do referido princípio, de molde a proferir um juízo decisório favorável ao arguido.

Sustenta o recorrente que o pedido de indemnização cível, é manifestamente desproporcionado, devendo o arguido ser absolvido do pedido, ou o mesmo ser reduzido.
Da análise dos factos apurados concluímos que se encontram preenchidos os elementos constitutivos do crime imputado ao arguido.
O arguido e com a sua actuação causou danos ao ofendido que incumbe ao arguido ressarci-los.
No que respeita aos danos de natureza não patrimonial temos de considerar que para a sua fixação se devem usar juízos de equidade, tendo em consideração, sempre, as circunstâncias referidas no art 494, isto é, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
Como vem entendendo o STJ “...a indemnização por danos não patrimoniais não pode ser simbólica ou miserabilista, devendo antes ser de montante que viabiliza o fim a que se destina – atenuar e compensar sofrimentos e frustrações – através da disponibilidade de quantias em dinheiro”.
Portanto com esta indemnização o que se pretende é de alguma forma compensar os ofendidos pelas dores não só físicas mas, principalmente, morais sofridas.
Na indemnização fixou-se a quantia de € 2.250,00.
Atendendo ao constrangimento, desgosto, mágoa, que o assistente sofreu e que o assistente em virtude da sua constituição como arguido no âmbito do processo nº NUIPC 30/03.0GJCTB e a consequente sujeição ao TIR sentiu em alguma medida a sua liberdade de movimentos limitada, dentro do espírito de equidade nada nos leva a alterar a quantia fixada uma vez que esta se mostra justa e equilibrada.

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 9 ucs.
Custas cíveis pelo recorrente na proporção de vencimento.

Coimbra,

Alice Santos

Belmiro Andrade