Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
439405/08.6YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS
TELEMÓVEL
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 11/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA, 4º J C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEIS Nº 23/96 DE 26/7, Nº 12/2008 DE 26/2, Nº24/2008 DE 2/6, Nº 5/2004 DE 10/2, ARTS.310, 406, 801 CC
Sumário: 1. - A Lei nº23/96, de 26.7 (Lei dos serviços públicos essenciais), na redacção original do art. 1º, nº 2, d), aplica-se ao serviço de telefone móvel.

2. - O direito ao recebimento do preço do serviço de telefone móvel prestado prescrevia no prazo de 6 meses, face à Lei nº 23/96, passando depois a prescrever em 5 anos, face à Lei nº5/2004, de 10.2, e de novo no prazo de 6 meses, face à Lei nº12/2008, de 26.2 (que alterou aquela Lei 23/96). Na contagem deste último prazo de prescrição deve levar-se em conta o disposto no art. 297º, nº 1, do CC, que estabelece que o prazo mais curto fixado na lei nova é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga falte menos tempo para o prazo se completar.

3. - A “desactivação” dos serviços de telefone móvel, implica a suspensão dos serviços, mas não equivale à extinção do contrato firmado entre a prestadora de tal serviço e o respectivo assinante.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. V (…) - Comunicações Pessoais, SA, com sede em Lisboa, intentou a presente acção, com processo sumário (inicialmente processo de injunção) contra B (…), residente em ..., ..., pedindo que o Réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 22.737,40 € pela prestação de serviços telefónicos, acrescida de juros de mora vencidos no valor de 2.323,67 € e vincendos até efectivo e integral pagamento.

O Réu contestou, alegando que ainda que alguma quantia o requerido devesse à requerente, sempre estaria prescrito quer o direito ao recebimento da mesma, quer o direito à propositura da presente injunção, atento o disposto nos nº 1 e 4, do art. 10º, da Lei nº 23/96, de 26.7, com as redacções introduzidas pelas Leis nº 12/2008, de 26/2, e 24/2008, de 2/6, prescrições essas que são de natureza extintiva. Supõe o requerido que o pedido da requerente se refere ao serviço móvel número ..., serviço que a requerente “barrou” definitivamente em Outubro de 2007, não mais possibilitando a utilização do mesmo pelo requerido. E somente em 20 de Dezembro de 2008 veio a requerente apresentar a presente Injunção e, assim, exigir o alegado preço da utilização do serviço. De todo o modo, o requerido não deve à requerente o valor reclamado referente ao período de 16.11.2007 a 16.1.2008, como é alegado no requerimento injuntivo, pois como dito o referido serviço foi “barrado” em Outubro de 2007.

A A. respondeu que o seu crédito se refere a prestação de serviços telefónicos no âmbito do serviço móvel terrestre, pelo que a prescrição de seis meses da Lei 23/96 não tem aplicação ao caso concreto, já que tal Lei não é aplicável, aos serviços de telecomunicações móveis, tão-só a serviços considerados não só públicos mas também essenciais, essencialidade de que tais serviços não são revestidos, como resulta, aliás, da Lei nº 5/2004 que excluiu o serviço telefónico do âmbito da Lei 23/96. Mesmo que por hipótese se entendesse que este diploma era aplicável ao caso concreto, o Réu, para beneficiar da prescrição presuntiva, teria que invocar que tinha pago esta dívida ou que por outro motivo a obrigação se tinha extinguido, o que não sucede. Ora, a A. prestou os seus serviços ao Réu desde a data em que foram contratados até ao dia 20 de Dezembro de 2007, data em que foram desactivados por falta de pagamento. Desde a data da contratação dos serviços da A. pelo Réu que sempre lhe foram enviadas mensalmente facturas correspondentes aos montantes em débito, facturas que, como o Réu bem sabe, deveriam ter sido liquidadas até a data limite de pagamento que consta de cada uma delas. O Réu efectuou vários pagamentos. Contudo, ficaram por liquidar facturas no valor global peticionado. O Réu solicitou à A. explicações sobre o valor da factura de Outubro de 2007, tendo-lhe sido explicado que o valor era mais elevado do que o normal atendendo à utilização do serviço em Roaming.

Após despacho de aperfeiçoamento da petição inicial, veio a A. alegar que no exercício da sua actividade a A. celebrou com o Réu em, 18 de Dezembro de 2006, um contrato de prestação de serviços permitindo a possibilidade de o Réu efectuar e receber chamadas telefónicas através de um aparelho vulgarmente designado por telemóvel, tendo-lhe sido atribuído o nº ..., que seria utilizado para ligação à Internet. Contudo, os serviços foram desactivados em 20 de Dezembro de 2007, por falta de pagamento das facturas de serviços prestados, no valor total reclamado, apesar de o réu sido instado para proceder ao seu pagamento. Encontram-se em débito a factura datada de 26.10.07, no valor de 22.680,59 €, com data de vencimento em 13.11.2007, a factura datada de 26.11.2007, no valor de 26,90 €, com data de vencimento em 11.12.2007 e a factura datada de 26.12.07, no valor de 26,91 €, com data de vencimento em 11.01.08.

O Ré respondeu, alegando que a factura de 26.10.2007 corresponde aos serviços prestados de 23.9.2007 a 22.10.2007 e foi emitida e enviada ao réu pela autora na respectiva data, tendo sido recebida por aquele ainda em Outubro de 2007. Por seu lado, a factura de 26.11.2007 corresponde aos serviços prestados de 23.10.2007 a 22.11.2007 e foi emitida e enviada ao réu pela autora na respectiva data, tendo sido recebida por aquele ainda em Novembro de 2007. Já a factura de 26.12.2007 corresponde aos serviços prestados de 23.11.2007 a 22.12.2007 e foi emitida e enviada ao réu pela autora na respectiva data, tendo sido recebida por aquele ainda em Dezembro de 2007. Porém, o réu pagou à autora todos os serviços de telemóvel que utilizou através do mencionado número de telemóvel pelo que não deve o réu à A. os valores das referidas facturas. De todo o modo, reafirmou que se encontra prescrito quer o direito ao recebimento dos valores das referidas facturas tendo igualmente prescrito ou, se assim não se entender, caducado o direito à propositura da presente acção.

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A final foi proferida sentença que julgou a acção procedente, por provada e em consequência condenou o Réu a pagar à A. a quantia de 22.737,40 €, acrescida dos juros vencidos e vincendos às taxas legais supletivas previstas para as operações de crédito desde a data de vencimento da cada uma das facturas 13.11.2007, 11.12.2007 e 11.01.08, e até efectivo e integral pagamento.

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2. O réu interpôs recurso, e alegando apresentou as seguintes conclusões:

1ª- Pela douta sentença recorrida foi julgada improcedente a excepção da prescrição invocada pelo réu/recorrente, tendo a acção sido julgada procedente, por provada, com a consequente condenação daquele a pagar à autora/recorrida a quantia de € 22.737,40, acrescida de juros, porquanto foi aí considerado, resumidamente, que, tendo os serviços de telefone móvel em causa sido prestados entre 23/09/07 e 20/12/2007 e havendo a relação contratual entre as partes cessado antes da entrada em vigor da Lei nº 12/2008, de 26/2, «uma vez que os serviços foram desactivados em 20 de Dezembro de 2007», aplica-se o prazo de prescrição de 5 anos previsto na al. g) do art. 310º do Cód. Civil e não o prazo de prescrição de 6 meses a que se refere o art. 10º daquela Lei.

2ª- Ora, o acervo fáctico tido por assente não autoriza a conclusão de que «a relação existente entre A. e Réu já tinha cessado à data da entrada em vigor da Lei nº 12/2008 uma vez que os serviços foram desactivados em 20 de Dezembro de 2007», porquanto, como disse a Relação de Lisboa, «[a] desactivação do serviço, só por si, não opera a resolução do contrato », sendo indispensável para tal que a mora do utente, geradora dessa desactivação, seja convertida pelo fornecedor em incumprimento definitivo, maxime por interpelação admonitória, nos termos e para os efeitos das normas conjugadas, designadamente, dos arts. 436º, nº 1, e 808º, nº 1, ambos do Cód. Civil, o que competia à autora/recorrida alegar e provar, atento o disposto no art. 342º, nº 2, deste Código.

3ª- Assim, considerando o estatuído no art. 3º da Lei nº 12/2008, de 26/2, e no art. 12º, nº 2, última parte, do Cód. Civil, não pode deixar de concluir-se que a Lei nº 23/96, de 26/7, com a redacção daquela Lei nº 12/2008, se aplica ao caso dos autos.

4ª- De todo o modo, estivesse ou não o contrato entre as partes extinto aquando da entrada em vigor da Lei nº 12/2008, de 26/2, o certo é que o prazo prescricional de 6 meses introduzido pela mesma no art. 10º, nºs. 1 e 4, da Lei nº 23/96, de 26/7, deve ser aplicado ao caso dos autos, nos termos e para os efeitos das normas conjugadas dos arts. 297º, nº 1, e 306º, nº 1, ambos do Cód. Civil.

5ª- Pelo que, reportando-se as facturas cujos valores são peticionados pela autora/recorrida a serviços prestados em 2007 e tendo a presente acção sido proposta em 20/12/2008, isto é, mais de 6 meses após a entrada em vigor da Lei nº 12/2008, de 26/2, dúvidas não podem restar de que in casu se verifica aquela prescrição.

6ª- A douta sentença recorrida violou, pois, as normas supra citadas, pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a excepção da prescrição invocada pelo réu/recorrente e, em consequência, absolva este do pedido.

Termos em que, deve a presente apelação ser julgada procedente, com o que se fará a necessária e costumada JUSTIÇA!   

3. A Recorrida contra-alegou, concluindo que a Lei 23/96 não se aplica aos serviços de telefone móveis; se assim não se entender só se aplica a tais serviços prestados até 11.2.2004 e de novo a partir de 26.5.2008, dado que a Lei 5/2004, de 10.2, determinou a exclusão do serviço telefónico do âmbito de aplicação daquela Lei 23/96 no mencionado período, pelo que estando em causa, no caso, serviços prestados neste intervalo de tempo é a Lei 5/2004 que se deve aplicar, pois a Lei 12/08, que modificou a Lei 23/96 e voltou a prever nesta os serviços telefónicos só se aplicava às relações contratuais que estivessem em vigor em 26.5.2008, o que não acontecia com a recorrida e recorrente, pois a relação contratual já havia terminado antes, em 20.12.2007, com a desactivação dos serviços da recorrida. Assim, o prazo de prescrição era de 5 anos, nos termos do art. 310º, g), do CC, e tal prescrição não tinha ainda ocorrido quando a recorrida instaurou a acção.   

II – Factos Provados

1º- A V... é uma Sociedade Comercial que presta Serviços Telefónicos no âmbito da exploração do seu serviço móvel terrestre.

2º- No exercício da sua actividade a A. celebrou com o Réu em, 18 de Dezembro de 2006, um contrato de prestação de serviços com a possibilidade de o Réu efectuar e receber chamadas telefónicas através de um aparelho designado por telemóvel, tendo-lhe sido atribuído o nº ... que seria utilizado para ligação à Internet.

3º- Os serviços foram desactivados em 20 de Dezembro de 2007 por falta de pagamento das seguintes facturas: - 26/10/2007, no valor de 22.680,59, com data de vencimento em 13/11/2007; - 26/11/2007, no valor de 29,90, com vencimento em 11/12/2007; - 26/12/2007, no valor de 26,91, com data de vencimento em 11/01/08 apesar de o Réu ter sido instado para proceder ao seu pagamento.

4º- Encontram-se em débito as facturas referidas em 3), correspondentes a serviços prestados entre 23 de Setembro de 2007 e 22 de Dezembro de 2007.

5º- A factura de 26/10/2007 corresponde aos serviços prestados de 23/09/2007 a 22/10/2007 e foi emitida e enviada ao Réu pela A. na respectiva data, tendo sido recebida por aquele ainda em Outubro de 2007.

6º- A factura de 26/11/2007 corresponde aos serviços prestados de 23/10/2007 a 22/11/2007 e foi emitida e enviada ao Réu pela A. na respectiva data, tendo sido recebida por aquele ainda em Novembro de 2007.

7º- A factura de 26/12/2007 corresponde aos serviços prestados de 23/11/2007 a 22/12/2007 e foi emitida e enviada ao R. pela A. na respectiva data, tendo sido recebida por aquele ainda em Dezembro de 2007.

8º- A A. prestou os seus serviços ao réu desde a data em que foram contratados até ao dia 20 de Dezembro de 2007, data em que foram desactivados por falta de pagamento.

9º- Desde a data da contratação dos serviços da A. pelo Réu que sempre lhe foram enviadas mensalmente facturas correspondentes aos montantes em débito.

10º- As facturas deviam ter sido liquidadas até à data limite de pagamento que consta de cada uma delas.

11º- O Réu efectuou vários pagamentos.

12º- Ficaram por liquidar as facturas no valor global de 22.737,40.

13º- Todas as facturas foram enviadas para a morada indicada pelo réu, quando contratou os serviços da A.

14º- Não tendo a A. qualquer indicação de qualquer devolução de correspondência.

15º- O Réu solicitou à A. explicações sobre o valor da factura de Outubro de 2007, tendo-lhe sido explicado que o valor era mais elevado do que o normal atendendo à utilização do serviço de Roaming.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Prescrição do crédito da A.

2.1. Pressuposto da decisão recorrida foi a consideração que a Lei 23/96, de 26.7 (que criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais) se aplica ao serviço de telefone móvel, atento o disposto no art. 1º, nº 2, d), da referida Lei, que reza que um dos serviços públicos abrangidos por tal diploma é o “serviço de telefone”.

Efectivamente disse-se na sentença recorrida, seguindo o ensinamento de Calvão da Silva, na RLJ, Ano 132º, págs. 133 a 160, que «O argumento de maior relevo apresentado por este Professor reside no argumento histórico e literal de interpretação da lei. A proposta de Lei que esteve na génese da Lei nº 23/96, na enumeração dos serviços essenciais a abranger previa o serviço fixo de telefone. Após discussão em comissão, foi a proposta alterada no sentido de deixar de constar da mesma a menção «fixo» por forma a abarcar também o telefone móvel, tendo tal alteração sido aprovada pelo plenário da Assembleia da República.

Por outro lado, e do art. 4º, nº 2 desta Lei, preceitua-se um dever de informação aos utentes sobre as tarifas aplicáveis aos serviços prestados, designadamente as respeitantes à comunicação entre a rede fixa e a rede móvel, razão pela qual não se pode deixar de concluir pela aplicação do diploma a ambos os serviços. Mais invoca que a Lei nº 23/96 adopta um conceito objectivo de serviço de interesse público, considerando como tal toda a actividade de utilidade pública ou de interesse geral, ao serviço do interesse público, para a satisfação de necessidades primárias, básicas e essenciais dos cidadãos. Nessa medida, esses serviços considerados essenciais tanto são assegurados pelo serviço fixo de telefone, como pelo serviço móvel, merecendo igual protecção, o utente de um ou outro serviço». Este entendimento era seguido pela esmagadora maioria da nossa jurisprudência.

Sublinhe-se, entretanto, que a referida Lei deu origem a diversas hesitações e divergências jurisprudenciais (relacionadas com a natureza da prescrição prevista no seu artigo 10º, com a data a partir da qual se contava a prescrição legal de 6 meses, e com a interrupção da prescrição, pela apresentação da factura).

Tais divergências vieram a terminar, quando o STJ uniformizou a jurisprudência pelo Acórdão nº 1/2010, publicado no DR 1ª série de 21.01.10, no sentido que “Nos termos do disposto na redacção originária do nº 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, de 26 de Julho, e no nº 4 do artigo 9º do Decreto-Lei nº 381-A/97, de 30 de Dezembro, o direito ao pagamento do preço de serviços de telefone móvel prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação”.

No ponto 8. de tal acórdão o STJ deixou dito, a propósito da aí recorrida (também recorrida nos presentes autos) ter sustentado, nas suas contra-alegações, a inaplicabilidade da Lei nº 23/96 aos serviços prestados no âmbito do serviço móvel terrestre, o seguinte:

«8. Começando por este último ponto, cumpre esclarecer que até à entrada em vigor da exclusão operada pela Lei nº 5/2004, a Lei nº 23/96 se aplicava ao serviço de telefone móvel, assim incluído no âmbito dos “serviços públicos essenciais”, enquanto “serviço de telefone” (nº 1 e al. d) do nº 2 do seu artigo 1º). As datas dos serviços em causa neste recurso tornam irrelevante saber se essa inclusão foi originária (assim, Calvão da Silva, Anotação aos acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 9 de Julho de 1998 e do Tribunal da Relação do Porto de 28 de Junho de 1998, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 132º, pág. 133 e segs., pág. 141 e segs. e Carlos Ferreira de Almeida, Serviços Públicos, contratos provados, in Estudos em Homenagem à Profª Doutora Isabel de Magalhães Collaço, vol. II, Coimbra, 2002, pág. 140, nota 81) ou não (assim, António Menezes Cordeiro, Da prescrição do pagamento dos denominados serviços públicos essenciais, in O Direito, ano 133º, 2001, IV (Outubro-Dezembro), pág. 769 e segs., págs. 806-807); com efeito, se dúvidas houvesse, teriam sido afastadas pelo Decreto-Lei nº 290-B/99, de 30 de Julho, que aprovou o Regulamento de exploração dos serviços de telecomunicações de uso público, e que também foi revogado pela Lei nº 5/2004, que “qualifica[va] expressamente os serviços de telecomunicações móveis que enumera[va] como ‘telecomunicações de uso público’, porquanto acessíveis a todos, em condições de igualdade – artigo 2º e 4º/2, a)” (Menezes Cordeiro, loc. cit., pág. 806).

Na verdade, o objectivo manifesto de protecção do utente (cfr. Exposição de motivos da Proposta de Lei nº20/VII, disponível em http://debates.parlamento.pt, Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 33, de 4 de Abril de 1996, pág. 590) de serviços, disponibilizados ao público em geral e expressamente qualificados pela Lei nº 23/96 como essenciais, aponta no sentido desta inclusão. Assim o revelam os trabalhos preparatórios que conduziram à aprovação da Lei (disponíveis em http://debates.parlamento.pt, Diário da Assembleia da República, II Série-A, nº 33, e nº 56, de 12 de Abril de 1996, pág. 1792 e segs., e relatados por Calvão da Silva na anotação citada, pág. 141 e segs.) e o seu próprio texto (cfr. o nº 2 do seu artigo 4º); e assim o imporia uma interpretação actualista, ainda que reportada à data da aprovação da Lei, imposta pelo nº 1 do artigo 9º do Código Civil.

Também no acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Outubro de 2007 se entendeu ser a Lei nº 12/96 aplicável ao serviço de telefone móvel, embora a questão não tenha sido expressamente suscitada.

Note-se que nenhuma dúvida se coloca hoje quanto à aplicação da Lei nº 23/96 aos serviços de telefone móvel. Com efeito, se pelo nº 2 do artigo 127º da Lei nº 5/2004 o serviço de telefone (fixo ou móvel) foi expressamente excluído da sua aplicação, com a entrada em vigor da alteração introduzida pela Lei nº 12/2008, de 26 de Fevereiro, no nº 2 do artigo 1º da Lei nº 23/96 tornou-se claro que a mesma se aplicava novamente a esses serviços, abrangidos na sua al. d) – “serviços de comunicações electrónicas”».

Conclui-se assim, em tal AUJ, quer no referido ponto 8. da fundamentação de direito, quer expressamente no próprio teor da parte decisória/uniformizadora, que a Lei 23/96 se aplicava ao serviço de telefone móvel (e ainda que a prescrição em causa tem natureza extintiva e o prazo de 6 meses conta-se a partir da prestação do serviço).

Estranhamente, nas contra-alegações do presente recurso, a ora recorrida e recorrida naquele AUJ vem dizer que não desconhece o mesmo, mas continua a defender a inaplicabilidade da mencionada Lei ao serviço de telefone móvel sem aduzir argumento algum novo que contrarie tal AUJ, a sua argumentação e fundamentação de direito. Com o devido respeito, é a mesma coisa que dizer não desconheço tal AUJ, mas olimpicamente quero ignorá-lo.

Tendo em conta o valor reforçado de tais acórdãos uniformizadores de jurisprudência (art. 732º-A, do CPC), e a constatação que a recorrida nenhum argumento novo traz à discussão jurídica deste assunto, não se vê razão alguma para divergir do decidido em tal AUJ.

Deste modo, não temos dúvida em considerar que a apontada Lei 23/96, na sua redacção originária, se aplicava ao serviço de telefone móvel.

2.2. Prosseguindo, então, no excurso da questão a decidir, vemos que entretanto foi publicada a Lei 5/2004, de 10.2 (Lei das Comunicações Electrónicas), entrada em vigor no dia seguinte, em 11.2 (art. 128º, nº 1), que expressamente retirou do âmbito da Lei 23/96 os serviços de telefone (art.º 127º, nº 2). Posteriormente, com a publicação da Lei 12/2008, de 26.2 (que alterou a Lei 23/96), entrada em vigor em 26.5 (art. 4º), os serviços de telefone voltaram a reintegrar a previsão da referida Lei 23/96 - art. 1º, nº 2, d).  

Ou seja, no que concerne aos serviços de telefone prestados entre 11 de Fevereiro de 2004 e os prestados até 25 de Maio de 2008, aplicar-se-ia a indicada Lei 5/2004. 

O que quer dizer que, em princípio, seria aplicável o CC que fixou em 5 anos o prazo de prescrição para os casos que respeitam a prestações periodicamente renováveis - art. 310º, al. g) - que segundo entendimento corrente compreendem os créditos por fornecimentos de água, energia, e pela utilização de aparelhos de  televisão ou telefone (Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 6. ao mesmo artigo, pág. 279).

A decisão recorrida partiu do entendimento que o prazo de prescrição era este prazo de 5 anos, fixado no CC, porque os serviços prestados ocorreram no período compreendido entre 23.09.07 e 20.12.07, e porque a relação existente entre A. e Réu já tinha cessado à data da entrada em vigor da Lei 12/2008 uma vez que os serviços foram desactivados em 20.12.2007.

Mas menos bem.

Não há dúvida, perante a matéria provada, que todo o quadro factual se desenrola à sombra da Lei 5/2004. O contrato foi firmado em Dezembro de 2006, as facturas em causa são datadas de Outubro, Novembro e Dezembro de 2007, com datas de vencimento, respectivamente, em Novembro e Dezembro de 2007 e Janeiro de 2008, e respeitam a serviços de comunicações prestados em Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2007 (concretamente entre 23.9.2007 e 20.12.2007). E tais serviços foram desactivados em Dezembro de 2007.

Ora, é sabido que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e só podem modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contraentes ou nos casos admitidos na lei (art. 406º, nº 1, do CC).

Neste aspecto determinava o art. 48º, nº 1, e), da Lei 5/2004, que o contrato devia conter obrigatoriamente a duração do mesmo, as condições de renovação, suspensão e de cessação dos serviços e do contrato. E particularmente o art. 52º, nº 1, estatuía que as empresas prestadoras de serviços telefónicos acessíveis ao público só podiam suspender a prestação de serviço, em caso de não pagamento de facturas, após pré-aviso de 8 dias ao assinante, enquanto o nº 4, estipulava que a extinção do serviço, por não pagamento de facturas apenas pode ter lugar após aviso de 8 dias ao assinante.

Daqui emerge, como evidente, que uma coisa é a suspensão dos serviços (aliás, sobre a suspensão dos serviços prestados semelhante regime resulta da Lei 23/96, que prevê, no seu art. 5º, um pré-aviso de 8 dias na redacção originária e actualmente de 10 dias, com a alteração introduzida pela Lei 12/2008).

Outra, bem diferente, é a extinção dos mesmos e do contrato.

Sendo duas realidades diferentes, não pode concluir-se que a desactivação dos serviços (ocorrida em Dezembro de 2007) equivalha a extinção dos serviços e do contrato

Sem dúvida que a actuação da A. se revelou eficaz no sentido de evitar a continuação do fornecimento de serviços sem ter a garantia de recebimento do respectivo preço. Porém, não pode confundir-se um processo resolutivo, mais moroso e carecido do cumprimento de determinadas formalidades, com o mero exercício de poderes fácticos como os que a A. pôs em acção ao desactivar o fornecimento dos serviços telefónicos.

Com tal desactivação a A. limitou-se a suspender a prestação dos seus serviços, e ao que parece e os autos indiciam sem cumprir o disposto no mencionado art. 52º, nº 1, da Lei 5/2004 (tal como o disposto no mencionado art. 5º da Lei nº 23/96).

A actuação informal como aquela por que optou reconduz-se tão-só à materialização da excepção de não cumprimento do contrato, nos termos do art. 428º, do CC (neste sentido Calvão da Silva, ob. cit., pág. 148/150).

Assim, o facto de a A. ter desactivado o serviço de telefone não corresponde à declaração de resolução do contrato.

É verdade que o recorrente deixou de pagar as prestações e que, deste modo, se colocou em posição de, contra si, ser invocada a resolução contratual. E tal como ocorre na generalidade das situações de incumprimento, o prestador de serviços de telefone não é obrigado a suportar indefinidamente uma situação de mora, podendo-a converter em incumprimento definitivo (art.808º, do CC) para efeitos de resolução do contrato (art. 801º, do CC), como ensina Calvão da Silva, na obra cit., pág. 159.

No caso concreto tal declaração resolutiva teria de ser feita pelo modo prescrito no referido art. 52º, nº 4, da Lei 5/2004. Não há, porém, facto apurado ou notícia nos autos que isso tivesse acontecido. De maneira que o contrato celebrado entre a A. e o réu não se mostra ter sido extinto.

Ora a Lei 12/2008 veio dispor no seu art. 3º que a mesma se aplica às relações que subsistam à data da sua entrada em vigor. Como a relação jurídico-contratual entre a A. e o Réu se mantém em vigor, pois até hoje a A. não lhe pôs termo (nem o réu), tem de considerar-se aplicável ao caso dos autos a indicada Lei 23/96.

Nos termos do art. 10º, nº 1, da Lei 23/96, de 26/7 (alterado pela referida Lei 12/2008), o direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação. E, nos termos do nº 4, do mesmo artigo (número introduzido pela apontada Lei 12/2008), o prazo para a propositura da acção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço (..). A Lei nº 24/2008, de 2.6, acrescentou a referência à injunção, a par da instauração da acção.

Este prazo de 6 meses é então o prazo a considerar em vez daquele de 5 anos, acima mencionado. Nos termos do art. 297º, nº 1, do CC, a lei que estabelecer um prazo mais curto do que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga falte menos tempo para o prazo se completar. Considerando, então, o prazo de 6 meses, e tendo em conta que a Lei 12/2008 entrou em vigor em 26.5.2008, a prescrição do direito da A. ocorreu em Novembro (a 26) de 2008.

A presente acção (inicialmente injunção) foi proposta em 20.12.2008. Verifica-se assim, que ela foi interposta decorridos mais de seis meses sobre aquela data.

Deste modo, a excepção de prescrição invocada terá de proceder.

3. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Deve considerar-se que a Lei 23/96, de 26.7 (que criou no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais), na redacção original do art. 1º, nº 2, d), que reza que um dos serviços públicos abrangidos por tal diploma é o “serviço de telefone”, se aplica ao serviço de telefone móvel;

ii) O direito ao recebimento do preço do serviço de telefone móvel prestado prescrevia no prazo de 6 meses, face à Lei 23/96, passando depois a prescrever em 5 anos, face á Lei 5/2004, de 10.2, e de novo no prazo de 6 meses, face à Lei 12/2008, de 26.2 (que alterou aquela Lei 23/96). Na contagem deste último prazo de prescrição deve levar-se em conta o disposto no art. 297º, nº 1, do CC, que estabelece que o prazo mais curto fixado na lei nova é também aplicável aos prazos que já estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei, a não ser que segundo a lei antiga falte menos tempo para o prazo se completar; 

iii) A “desactivação” dos serviços de telefone móvel, significando a suspensão de tais serviços, não equivale, contudo, a extinção do contrato firmado entre a prestadora de tal serviço e o respectivo assinante.

IV - Decisão

Em face do exposto, julga-se procedente o recurso, revoga-se a decisão recorrida, e em consequência julga-se improcedente a pretensão da A. V (…), indo o réu/recorrente B (…) absolvido.  

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Custas pela A.

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João Moreira do Carmo ( Relator )
Alberto Ruço
Judite Pires