Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
800/12.9TBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: BENS COMUNS DO CASAL
PENSÃO DE REFORMA
Data do Acordão: 10/29/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - VARA COMP. MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS - VARA COMPETÊNCIA MISTA-2ª SECÇÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 1724º DO C. CIVIL.
Sumário: São bem comum do casal – e não bem próprio do respectivo cônjuge – as prestações mensalmente recebidas durante a vigência do casamento a título de pensão de reforma por invalidez.
Decisão Texto Integral:                 Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


                1. RELATÓRIO
A…, divorciado, residente na Rua …, intentou acção declarativa, com processo comum e forma ordinária, contra M…, divorciada, residente na Rua … e Banco B…, com sede …, pedindo a condenação das RR. a:
1) Reconhecerem que o A. é o proprietário exclusivo da fracção identificada no artigo 3º da petição inicial[1] por se tratar de bem próprio seu e, em consequência,
2) Ser considerada na partilha dos bens comuns do casal a titularidade exclusiva do A. sobre a referida fracção;
3) Ser alterada a apresentação nº 78 de 1987/06/04 da descrição predial …, no sentido de exclusão da Ré da titularidade da fracção por referência à titularidade exclusiva da fracção pelo A. por se tratar de bem próprio deste;
4) Ser alterada a apresentação nº 80 de 1987/06/04 da referida descrição desresponsabilizando a Ré do crédito hipotecário.
Alegou para tanto e em síntese que a fracção autónoma, designada pela letra B, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito na …, é um bem próprio seu, apesar de adquirido em 1987, ou seja já na constância do seu casamento com a R. M…; isto porque tal imóvel foi adquirido com dinheiro próprio seu (advindo exclusivamente da sua pensão de invalidez, direito próprio seu constituído anteriormente ao casamento), tendo igualmente sido ele quem suportou, com dinheiro próprio, exclusivamente proveniente dessa sua pensão de invalidez, o crédito hipotecário, as benfeitorias realizadas no imóvel e todas as despesas inerentes à sua existência.    
O Banco B… contestou por excepção peremptória – traduzida na indivisibilidade da hipoteca constituída a seu favor sobre o imóvel – e por impugnação.
Também a R. M… contestou por impugnação, essencialmente negando que o imóvel tenha sido adquirido exclusivamente com dinheiro próprio do A.
O A. replicou, defendendo a improcedência da excepção e terminando como na petição inicial.
Foi depois proferida decisão que fixou em € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) o valor da acção, dispensou a audiência preliminar e considerando que o estado dos autos permitia o conhecimento imediato do mérito da causa julgou a acção improcedente e absolveu os RR. do pedido.
Inconformado, o A. interpôs recurso, encerrando a alegação apresentada com as seguintes conclusões:
...
Só o Banco … respondeu, defendendo a manutenção do julgado.
O recurso foi admitido.
Nada a tal obstando, cumpre apreciar e decidir.
                Tendo em consideração que, de acordo com o disposto nos artºs 684º, nº 3 e 685º-A, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste tribunal foi colocada apenas a questão de saber se, vigorando entre os cônjuges o regime de bens de comunhão de adquiridos, a pensão de reforma por invalidez constitui bem próprio do reformado ou bem comum do casal.
                2. FUNDAMENTAÇÃO
                2.1. De facto

                2.2. De direito
                No regime de bens de comunhão de adquiridos fazem parte da comunhão, de acordo com o artº 1724º do Cód. Civil: a) o produto do trabalho dos cônjuges; b) os bens adquiridos pelos cônjuges na constância do matrimónio, que não sejam exceptuados por lei.
                Mas são considerados próprios dos cônjuges (artº 1722º, nº 1) e, portanto, exceptuados por lei da comunhão: a) os bens que cada um deles tiver ao tempo da celebração do casamento; b) os bens que lhes advierem depois do casamento por sucessão ou doação; c) os bens adquiridos na constância do matrimónio por virtude de direito próprio anterior.
Consideram-se, entre outros, adquiridos por virtude de direito próprio anterior, sem prejuízo da compensação eventualmente devida ao património comum (artº 1722º, nº 2: a) os bens adquiridos em consequência de direitos anteriores ao casamento sobre patrimónios ilíquidos partilhados depois dele; b) os bens adquiridos por usucapião fundada em posse que tenha o seu início antes do casamento; c) os bens comprados antes do casamento com reserva de propriedade; d) os bens adquiridos no exercício de direito de preferência fundado em situação já existente à data do casamento.
                Além disso, conservam a qualidade de bens próprios (artº 1723º): a) os bens sub-rogados no lugar de bens próprios de um dos cônjuges, por meio de troca directa; b) o preço dos bens próprios alienados; c) os bens adquiridos ou as benfeitorias feitas com dinheiro ou valores próprios de um dos cônjuges, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição, ou em documento equivalente, com intervenção de ambos os cônjuges.
Quando haja dúvidas sobre a comunicabilidade dos bens móveis, estes consideram-se comuns (artº 1725º).
Fica apresentado, em traços largos, o quadro legal relativo ao regime de bens de comunhão de adquiridos, que foi o que vigorou no casamento do A. e da R..
Face a tal quadro, há que formular a pergunta de cuja resposta depende o destino deste recurso, qual seja, a de saber se a pensão de reforma por invalidez do A. constitui bem próprio dele ou bem comum do casal[2].
Trata-se, tanto quanto os elementos constantes dos autos permitem alcançar, de uma pensão de reforma por invalidez atribuída de acordo com o Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei nº 498/72, de 09/12, na versão vigente aquando da atribuição, isto é, com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Lei nºs 508/75, de 20/09, 543/77, de 31/12 e 191-A/79, de 25/06[3].
Nesta matéria comungamos do pensamento de P. Lima e A. Varela[4], ou seja, que no caso das pensões de aposentação – e à do A., embora denominada de reforma, aplica-se subsidiariamente o regime geral das aposentações [artº 112º, nº 2 (actual nº 3) do Estatuto da Aposentação] –, das rendas vitalícias (cfr. arts. 1238º e segs.) e direitos de natureza semelhante, haverá que distinguir entre o direito à pensão ou à renda, que é pessoal e incomunicável, e as prestações recebidas ao abrigo do direito, que são coisas comuns[5].
Também Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira[6] entendem que “devem considerar-se parte integrante do património comum os bens adquiridos em substituição de salários, como as pensões de reforma, os complementos de reforma resultantes de aforros de salários, por exemplo através de planos-poupança-reforma, e as indemnizações, por qualquer causa, que tenham na sua base uma intenção de compensar a diminuição da capacidade de ganho”.
Com efeito, a prestação mensal recebida ao abrigo do direito de reforma, nomeadamente por invalidez, substitui, total ou parcialmente, o produto do trabalho do pensionista e, como este, o seu destino natural é o pagamento dos encargos da vida familiar e da educação dos filhos.
Mal se compreenderia que o salário recebido pela prestação de trabalho fosse, como é por força do artº 1724º, al. a) do Cód. Civil, um bem comum e que a pensão mensal do reformado por invalidez, que mais não é do que a compensação pela capacidade de ganho perdida e pela consequente ausência (total ou parcial) de salário, tivesse natureza distinta.
Aliás, se a pensão mensalmente recebida pelo reformado casado no regime de comunhão de adquiridos constituísse um bem próprio e exclusivo dele, qual seria a sua contribuição para as despesas familiares e economia do lar? E com que justiça, ficando essa pensão de fora, entraria na comunhão o produto do trabalho do outro cônjuge? De que banda haveria enriquecimento ilegítimo e locupletamento à custa alheia?
Acresce que as mencionadas prestações recebidas a título de pensão de reforma não se enquadram em qualquer das previsões do nº 1 do artº 1722º e/ou do nº 1 do artº 1733º do Cód. Civil, não podendo, portanto, ser consideradas bem próprio e incomunicável[7]. Consequentemente, também por força da al. b) do artº 1724º do Cód. Civil, devem classificar-se de bem comum do casal.
Finalmente, se dúvidas houvesse, porque aquelas prestações são coisas móveis (artº 205º, nº 1 do Cód. Civil), sempre actuaria a presunção de comunicabilidade estabelecida no artº 1725º do Cód. Civil, com a consequente atribuição às mesmas de natureza comum.
A natureza comum das prestações de reforma por invalidez recebidas pelo A. na vigência do casamento importa necessariamente – independentemente de saber se foi ou não exclusivamente com o dinheiro delas que foi feita a aquisição – a rejeição da sua pretensão de que lhe seja reconhecida, com base no artº 1723º, al. c) do Cód. Civil, a propriedade exclusiva do imóvel alegadamente adquirido com aquele dinheiro.
Soçobram, pois, todas as conclusões da alegação do recorrente, o que conduz à improcedência da apelação e à manutenção da decisão recorrida.
Sumário:
São bem comum do casal – e não bem próprio do respectivo cônjuge – as prestações mensalmente recebidas durante a vigência do casamento a título de pensão de reforma por invalidez.
                3. DECISÃO
                Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
                As custas são a cargo do recorrente.
                Coimbra, 2013/10/29

Artur Dias (Relator)
Jaime Ferreira
 Jorge Arcanjo

[1] Fracção autónoma, designada pela letra B, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, sito ...
[2] Com efeito, considerando-se bem comum, o recurso não logrará provimento, mantendo-se a improcedência da acção e a absolvição das RR. do pedido. No caso de ser considerada bem próprio, a apelação procederia, a decisão recorrida seria revogada e a acção teria de prosseguir.
[3] Como o A. era militar, a situação designa-se de reforma e não de aposentação (artº 112º, nº 1). E trata-se de uma reforma extraordinária, nos termos dos artºs 118º, nº 2, al. b), 38º, al. c) e 54º, nº 3.
[4] Código Civil Anotado, Volume IV, 2ª edição, págs. 442/443.
[5] O estudo intitulado “O Direito à Pensão de Reforma enquanto Bem Comum do Casal”, da autoria de Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, publicado no Boletim da Faculdade de Direito, Stvdia Ivridica, 27, da Coimbra Editora, citado na decisão recorrida e na alegação de recurso, vai substancialmente mais longe, defendendo que o próprio direito à pensão de reforma (por velhice) é, na proporção dos descontos feitos para a previdência na vigência do casamento, bem comum do casal.
[6] Curso de Direito da Família, volume I, 2ª edição, pág. 543.
[7] O direito à pensão de reforma é um direito de aquisição continuada ou de formação sucessiva (cfr. estudo referido na nota 5, supra, pág. 162), o que afasta o enquadramento da situação nas als. a) e c) do nº 1 do artº 1722º do Cód. Civil.
  E a distinção feita entre o direito à pensão e as prestações recebidas ao abrigo de tal direito ultrapassa as objecções levantadas com base nas als. c) e d) do nº 1 do artº 1733º do Cód. Civil.