Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02455/09.9BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/14/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:UNIÃO EUROPEIA, FUNDOS COMUNITÁRIOS, COESÃO ECONÓMICA SOCIAL E TERRITORIAL, OBJECTIVO CONVERGÊNCIA, ELEGIBILIDADE GEOGRÁFICA,
QUADRO DE REFERÊNCIA ESTRATÉGICO NACIONAL, REGIÕES NUTS 2, EFEITO DIFUSOR, SPILL-OVER EFFECT
Sumário:Padecem de ilegalidade os investimentos/operações aprovados pelos actos impugnados, ao abrigo da regra inserta nos pontos 7 e 8 do anexo V da RCM n.º 86/2007 [QREN 2007-2013] e do adveniente «efeito difusor» — «spill-over effect» — no âmbito do «Eixo 4 - Administração Pública Eficiente e de Qualidade» e cofinanciados no âmbito do «Objetivo da Convergência» pelos Fundos estruturais e da Coesão da UE, porquanto não se mostra preenchido o requisito de os mesmos se destinarem ou beneficiarem de forma específica e identificável às regiões NUTS 2 como decorre, nomeadamente, dos artigos 174.º e 175.º do TFUE, 3.º, 5.º, 22.º e 35.º do Reg. (CE) n.º 1083/2006 e da interpretação firmada pelo TJUE no seu acórdão de 19.12.2012 [Proc. C-579/11].*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:POISE
Recorrido 1:Grande Área Metropolitana do Porto
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO
Recurso independente

Recorrente: Comissão Diretiva do POISE – Programa Operacional Inclusão Social e Emprego (POISE) – que, nos termos da alínea a) do artigo 83.º/4 do Decreto-Lei n.º 137/2014, de 12.09, assumiu as competências, os direitos e as obrigações da Comissão Diretiva do POPH – Programa Operacional Potencial Humano)

Recorrido: Grande Área Metropolitana do Porto (GAMP)

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que anulou os actos impugnados na acção, a saber, cinco despachos praticados pela Comissão Directiva do POPH que, respectivamente, em 15 e 26 de Setembro, 15 de Outubro, 4 de Novembro e 26 de Dezembro, todos do ano de 2008, aprovaram os projectos apresentados através das candidaturas com os n.ºs 8668/2008/933, 1741/2008/933, 5661/2008/933, 10221/2008/933 e 10419/2008/933, apresentadas ao Programa Operacional Potencial Humano, tipologia 9.3.3. – Qualificação dos Profissionais da Administração Pública Central.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
A. O presente recurso vem interposto da Sentença de 18 de dezembro de 2019 do TAF do Porto que anulou os quatro atos administrativos praticados pela ora Recorrente, através dos quais foram aprovados, no âmbito da execução do QREN, quatro projetos que se materializam em ações de formação ministradas a trabalhadores que exercem funções em entidades da Administração Central do Estado, logo, de âmbito (geográfico) nacional.

B. Como decidiu o TJUE, no seu Acórdão de 19.12.2015, “não se pode deduzir do Regulamento n.° 1083/2006 nem das disposições do direito primário relativas à coesão económica, social e territorial que o operador responsável pela implementação do investimento deve necessariamente estar instalado na região a que o investimento se destina. Além disso, não resulta destes diplomas que a utilização dos fundos deve, em todos os casos, ter fisicamente lugar na referida região”.

C. O que é pertinente, para que determinado projeto (nomeadamente uma ação de formação) possa ser objeto de financiamento público no contexto do objetivo Convergência, é que essa ação de formação promova (ou contribua para a) redução das assimetrias entre as regiões mais desenvolvidas e as regiões menos desenvolvidas, independentemente de esse projeto ser executado, fisicamente, no território das regiões Convergência, de a entidade que o executa estar localizada numa dessas regiões ou, ainda, independentemente do local onde trabalham os formandos.

D. Dito de outro modo, “o facto de as entidades em causa no processo principal, responsáveis pela implementação do investimento, estarem instaladas numa localidade situada fora das regiões NUTS 2 visadas e de assegurarem, a partir dessa localidade, a formação dos funcionários da Administração Pública que exercem as suas funções em prol dos habitantes dessas regiões não infringe as regras da elegibilidade geográfica enunciadas no Regulamento n.° 1083/2006” (cf. Acórdão do TJUE).

E. Nada no direito europeu ou nacional obriga a que a demostração de que certo investimento beneficia, de forma específica e identificável, as regiões Convergência, tenha que ser realizada num concreto ato administrativo ¯ aliás, nas questões colocadas ao TJUE, a ênfase foi sempre colocada quanto à possibilidade de as “autoridades nacionais estabelecerem regras que permitam considerar elegíveis investimentos (…)”.

F. A demonstração, de forma específica e identificável, de que as ações de formação em causa nestes autos beneficiam as regiões Convergência encontra-se feita através dos critérios e requisitos normativamente fixados na Decisão da Comissão Europeia que aprovou o POPH e no Regulamento Específico ¯ de que os atos administrativos de aprovação dos projetos são reflexo, aplicando-os em toda a sua extensão.

G. Na verdade, de acordo com a regulamentação estabelecida na Decisão da Comissão Europeia que aprovou o POPH e no Regulamento Específico, apenas podem ser aprovados projetos (que beneficiem deste financiamento que produz efeito spill-over) se as entidades responsáveis pela sua execução forem entes que integrem a administração central do Estado (cf. artigo 2.º/3 do Regulamento Específico) — cuja atividade é desenvolvida, por imperativo constitucional e legal, em prol de todo o território nacional, de toda a população e de todos os agentes económicos (incluindo, naturalmente, as regiões Convergência).

H. Para além de que só podem ser aprovados projetos que se materializem em ações de formação que visam a melhoria da forma como esses entes da administração central do Estado prestam os seus serviços, exercem as suas atividades (e prestam-nos e exercem-nas, insiste-se, em benefício do todo nacional, incluindo as regiões Convergência) ¯ pelo que também os trabalhadores (que são os formandos das ações em causa) integrados nessas entidades exercem, necessariamente, as suas funções em prol do todo nacional.

I. É o próprio TJUE a afirmar que “o facto de as entidades em causa no processo principal, responsáveis pela implementação do investimento, estarem instaladas numa localidade situada fora das regiões NUTS 2 visadas e de assegurarem a partir dessa localidade [Lisboa, no caso] a formação dos funcionários da Administração Pública que exercem as suas funções em prol dos habitantes dessas regiões não infringe as regras da elegibilidade geográfica enunciadas no Regulamento n.º 1083/2006” (cf. n.º 37 do Acórdão do TJUE de 19.12.2012, destaques nossos).

J. Se o município de Lisboa promover uma formação dos seus funcionários na cidade de Braga, esse projeto, embora seja fisicamente executado numa região Convergência, em nada a beneficia ¯ beneficia, sim, todos os munícipes lisboetas e os agentes económicos que nesse concelho desenvolvem a sua atividade. E um projeto destes não pode, à luz dos critérios e requisitos fixados na Decisão da CE que aprovou o POPH e no Regulamento Específico, ser aprovado beneficiando das regras do efeito spill-over.

K. Pelo contrário, a PSP, por exemplo, tendo a sua sede em Lisboa, exerce funções em todo o território nacional e em benefício de toda a população. Se a PSP tivesse a sua sede na cidade da Guarda ou em Viseu, isso não se alterava: continuaria a exercer funções em todo o território nacional, em benefício do todo nacional e de todos os portugueses. O mesmo sucede com todas as entidades beneficiários dos projetos aqui em análise.

L. Os serviços prestados por todas as entidades beneficiárias dos quatro projetos cuja aprovação é posta em crise nesta ação ¯ e por todos os funcionários que as integram, incluindo os formandos no âmbito dos projetos aqui em causa ¯ são prestados em prol de toda a população. A que habita nas regiões de Lisboa e do Algarve e, bem assim, a que habita nas regiões Convergência (do Norte, Centro e Alentejo).

M. Assim sendo, os efeitos do investimento na formação de pessoas que exercem funções públicas nessas entidades não se produzem apenas na região de Lisboa. Pelo contrário, é manifesto que tais efeitos se irão difundir por todo o espetro geográfico de atuação dessas entidades, ou seja, por todo o território nacional – incluindo, naturalmente, as regiões Convergência.

N. Em todos os projetos em apreço, do que se trata é de dar formação aos trabalhadores que exercem funções junto das entidades beneficiárias (que têm um âmbito de atuação nacional), dotando-os de competências para o exercício de funções dirigentes, o que contribui para a qualificação dos profissionais da Administração Pública Central.

O. A produção de efeitos de difusão nada tem a ver com o local de trabalho dos formandos ou com o local onde é ministrada a formação, mas sim com o facto de esses formandos exercerem funções em prol de toda a população (incluindo a residente nas Regiões Convergência). Defender o contrário é negar a existência, em qualquer circunstância, do efeito spill-over, é ignorar o que dispõem os normativos aplicáveis e é, por fim, desrespeitar o decidido pelo TJUE.

P. O que está em causa, nos projetos destes autos, não é beneficiar o formando que participa na ação de formação. Pelo contrário, estas ações de formação visam beneficiar as entidades responsáveis pela execução do projeto, o que se pretende é melhorar o modo como elas exercem as suas competências e prestam os serviços públicos aos cidadãos e aos agentes económicos.

Q. Ora, se de acordo com o regime plasmado na Decisão da Comissão Europeia que aprovou o POPH e no Regulamento Específico, (i) só podem beneficiar do financiamento entes da Administração Pública que exercem funções em prol de todo o território nacional (de toda a população portuguesa, portanto), e se (ii) todos os projetos visam melhorar a forma como esses entes prestam serviços a toda a população (mediante a formação dos seus funcionários), então (iii) qualquer projeto, se aprovado, vai necessariamente beneficiar as regiões Convergência.

R. É por isso profundamente errada a ideia, expressa na Sentença recorrida, de que não estaria demonstrado o efeito spill-over gerado por cada projeto: o complexo normativo constituído pelos critérios e requisitos fixados na regulamentação aplicável evidenciam que um projeto que neste contexto seja aprovado beneficia, de forma específica e identificável, as regiões Convergência. Se não beneficiar, então não pode ser aprovado.

S. Se porventura procedesse a tese propugnada pelo TAF do Porto, então teríamos que concluir que a formação que é dada, na sede do CEJ, em Lisboa, aos senhores magistrados, não beneficia, de forma específica e identificável, as regiões Convergência.

T. A aceitar-se a argumentação da Sentença recorrida, então seria forçoso admitir e considerar que todos os magistrados formados no CEJ não têm qualquer intervenção e atuação no resto do país. Não têm qualquer influência e disseminação do seu conhecimento pelo resto do país.

U. Esta tese é profundamente errada e conduz a um resultado absurdo, constituindo a negação do próprio efeito spill-over ¯ cuja virtualidade foi reconhecida pela União Europeia e conduziu à sua consagração normativa no âmbito do “novo” quadro comunitário de apoio, nomeadamente no artigo 70.º/2 do Regulamento (UE) n.º 1303/2013.

V. Conclui-se, assim, estar devidamente justificada, à luz do Acórdão do TJUE, a produção de efeitos de difusão no âmbito dos projetos cofinanciados ao abrigo da tipologia de intervenção n.º 3.3 do Eixo n.º 3 do POPH, bem como a sua conformidade com o direito comunitário.

W. É também manifesta a adequação do critério de quantificação do efeito difusor estabelecido na Decisão da Comissão Europeia que procedeu à aprovação do POPH.

X. Assenta, esse critério, num dado transparente e objetivo: a percentagem de população residente nas regiões Convergência (68,5%), por comparação com o total da população de Portugal Continental, de acordo com as estatísticas produzidas pelo Eurostat. Daí que por cada 1.000€ de investimento nestas ações de formação apenas sejam elegíveis 685€ ¯ a percentagem, digamos assim, do benefício específico e identificável para as regiões Convergência.

Y. Estando em causa projetos que se concretizam na qualificação dos profissionais da Administração Pública Central, cujos serviços são prestados em benefício de toda a população, então é evidente que o critério adotado deve ter em consideração, precisamente, o universo de beneficiários últimos, por ser o que melhor permite uma alocação equilibrada e justa dos fundos, na medida em que assenta na proporção de população existente nas regiões beneficiadas por cada projeto.

Z. Este é também o critério que permite respeitar integralmente as diretrizes que resultam do Acórdão do TJUE. E foi isto mesmo que a Comissão Europeia decidiu, quando arquivou a queixa apresentada pela GAMP, aqui Recorrida.

AA. Ao decidir que as ações de formação em causa nestes autos não beneficiam as regiões Convergência, o Tribunal a quo errou e violou as normas postas nos artigos 174.º a 178.º do TFUE, as normas do Regulamento 1083/2006 – em particular os artigos 5.º a 8.º, 22.º, 32.º, 34.º, 35.º e 56.º –, e, ainda, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2007 – mais concretamente as normas previstas nos pontos 6 a 8 do Anexo V –, as quais, se devidamente interpretadas e aplicadas, impõem que se dê provimento ao presente recurso e se determine ser improcedente a ação intentada pela ora Recorrida.

BB. Em qualquer caso, mesmo que se entendesse, como entendeu o TAF do Porto, que, “compulsado o conteúdo das quatro decisões ora impugnadas [Pontos F) a M) dos factos provados], logo se constata que das mesmas não é, de todo, possível retirar, com um grau razoável de segurança, qual a concreta repercussão ou efeitos concretos que o investimento aprovado poderia vir a ter nas aludidas regiões convergência” (cf. p. 53 da Sentença em crise), ainda assim nunca poderia proceder o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.

CC. Com efeito, mesmo que se aceitasse essa premissa do TAF do Porto (e a Recorrente não aceita), o problema nunca seria a presumida existência de erro nos pressupostos de facto, mas sim, quanto muito, de falta de fundamentação.

DD. Assim, se se entendesse que, nos atos em crise nestes autos, não são invocados fundamentos (factuais) que demonstrem a produção do efeito spill-over, a falta dessa demonstração redundaria num problema de falta de fundamentação, mas nunca de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto (como erradamente concluiu o TAF do Porto na Sentença aqui objeto de recurso).
Nestes termos, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., que se roga, deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se, consequentemente, a Sentença recorrida, substituindo-a por Acórdão que julgue totalmente improcedente a ação.”.
O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem:

Recurso subordinado
Recorrente: Área Metropolitana do Porto (AMP)
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
I. A Recorrente CDPOPH vem interpor recurso de apelação da douta Sentença do TAF do Porto, datada de 18.12.2019, que julgou procedente a presente ação administrativa especial e, em consequência, anulou os quatro despachos impugnados, dado os mesmos se mostrarem ilegais por violação dos princípios de direito europeu originário em matéria de coesão económica, social e territorial previstos nos artigos 174.º a 178.º do TFUE e de direito derivado consagrados no Regulamento n.º 1083/2006, do Conselho de 11 de julho de 2006, uma vez que a legalidade da aplicação do critério estabelecido nos pontos 6 e 8 do anexo V da Resolução do Conselho de Ministros 86/2007, carecia de efetiva demonstração de tal efeito de difusão sobre as regiões de convergência, o que não se verificou, para os referidos atos.
II. Para tanto, considerou o Tribunal a quo – com base nos parâmetros de interpretação das normas comunitárias que regem a política de coesão europeia fixados no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), datado de 19.12.2012, proferido no processo n.º C-579/11 – que “compulsado o conteúdo das quatro decisões ora impugnadas (Pontos F) a M) dos factos provados), logo se constata que das mesmas não é, de todo, possível retirar, com um grau razoável de segurança, qual a concreta repercussão ou efeitos concretos que o investimento aprovado poderia vir a ter nas aludidas regiões de convergência. (…) O que, sem necessidade de maiores considerandos, determina a ilegalidade (originária) material, por erro nos pressupostos de facto e de direito dos despachos de aprovação ora impugnados por ofensa dos princípios de direito europeu originário vertidos nos artigos 174.º a 178.º do TFUE e derivado, concretizado no Regulamento n.º 1083/2006.”
III. Cabe recordar que, nesta matéria, existe Jurisprudência já firmada nos Tribunais Administrativos portugueses, em processos com objeto semelhante ao dos presentes autos, nomeadamente no Tribunal Central Administrativo Norte, no processo n.º 2398/09.6BEPRT e processo n.º 2453/09, onde o Tribunal negou provimento ao recurso, confirmando e mantendo a decisão recorrida e, bem assim, Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 2450/09.8BEPRT, no sentido de não ser admitida a revista, mantendo-se assim, e bem, a decisão recorrida (e, como bem afirmou o Tribunal a quo, retiram-se conclusões “cuja fundamentação e sentido não se vislumbra qualquer motivo para divergir”).
IV. Com efeito, o TAF do Porto, em sede de reenvio prejudicial, veio solicitar junto do TJUE que este se pronunciasse sobre o sentido e o alcance jurídico das normas comunitárias que regem a política europeia de coesão, com particular destaque para as normas contidas nos artigos 5.º a 8.º, 22.º, 32.º, 34.º, 35.º e 36.º do Regulamento (CE) n.º 1083/2006 e dos artigos 174.º, 175.º e 176.º do TFUE, tendo em vista a resolução de um conjunto de questões que se podem resumir da seguinte forma: “as disposições do Direito Primário da União relativas à coesão económica, social e territorial e o Regulamento n.º 1083/2006 opõem-se a que um investimento cofinanciado pela União seja implementado a partir de uma localidade situada fora das regiões elegíveis e por um operador instalado nessa localidade?”
V. Nesta senda, o TJUE, a partir da análise sistemática e teleológica das normas reguladoras da política comunitária de coesão territorial, concluiu que qualquer investimento cofinanciado pela União Europeia, através de dotações financeiras destinadas à concretização do Objetivo da Convergência, deverá destinar-se, especificamente e de forma identificável (demonstrável), às Regiões NUTS II abrangidas pelo âmbito territorial de incidência desse mesmo Objetivo, cabendo ao Tribunal nacional a tarefa de proceder, à luz dos parâmetros normativos e Jurisprudenciais comunitários, à avaliação da legalidade e da validade dos atos de aprovação de candidaturas que tenham sido emitidos ao abrigo da norma do efeito difusor prevista no Anexo V da RCM n.º 86/2007.
VI. Ora, no caso vertente estavam em causa quatro atos administrativos, praticados pela aqui Recorrente, de aprovação de 4 projetos implementados e cofinanciados ao abrigo do Eixo 3 do Programa Operacional Potencial Humano (“POPH”), no contexto da execução do QREN – o Quadro de Referência Estratégica Nacional –, ao abrigo da norma do efeito difusor, e que permitiram que dotações financeiras destinadas à concretização do Objetivo da Convergência e às regiões NUTS II por ele abrangidas (Norte, Centro, Alentejo e Açores) fossem aplicadas em projetos (ações de formação) totalmente localizados e implementados na região NUTS II de Lisboa que, à luz das regras comunitárias, a elas não tinha direito, dado que essas verbas se destinavam, precisamente, a assegurar o desenvolvimento das regiões mais pobres (do Norte, Centro, Alentejo e Açores).
VII. O Tribunal a quo, de forma exemplar, em cumprimento das vinculações jurídico-analíticas (interpretativas) fixadas pelo TJUE no seu Acórdão de 19.12.2012 e tendo ainda em atenção a matéria de facto dada como provada (e que a Recorrente não põe em causa neste recurso), considerou que o critério ou pressuposto fixado na legislação e na jurisprudência comunitária não se encontrava in casu preenchido nos vários atos administrativos impugnados, pois da análise dos mesmos (atos administrativos) não resultava minimamente demonstrado que os projetos em causa tivessem, seja a que título e em que medida for, qualquer efeito de difusão positivo nas Regiões Convergência do Norte, Centro, Alentejo e Açores.
VIII. Nas suas extensas alegações, a Recorrente parece imputar à Sentença recorrida, de forma muito pouco clara e totalmente desligada da realidade do caso concreto – e ainda sem qualquer fundamento fáctico-jurídico – um erro de julgamento de direito, porquanto entende a Recorrente que os atos impugnados não são inválidos (ilegais) por violação do Direito da União Europeia.
IX. Recordando o objeto do presente processo, A Recorrida, na qualidade de associação de municípios, e por entender que a aprovação das citadas candidaturas, nos termos em que foi feita, causava prejuízos para os Municípios (rectius, para as comunidades locais, incluindo aí as pessoas físicas e coletivas) que a integram, na medida em que, por força das mesmas, seriam desviadas para a Região NUTS II de Lisboa (a mais rica de Portugal) dotações financeiras destinadas exclusivamente à prossecução do objetivo da Convergência e ao desenvolvimento das Regiões NUTS II do Norte, Centro, Alentejo e Açores – por sinal, as mais pobres de Portugal e das menos desenvolvidas no espaço da União Europeia e, por isso, exclusivas destinatárias das dotações afetas à concretização do Objetivo da Convergência, Intentou a presente ação administrativa especial, tendo por objeto a impugnação de quatro atos administrativos (despachos) de aprovação de candidaturas emitidos, pela Recorrente CDPOPH, ao abrigo da norma da alínea a) do ponto 6 e dos pontos 7 e 8 do Anexo V da RCM n.º 86/2007, e do disposto, nomeadamente nos artigos 2.º e 13.º do Regulamento especifico da tipologia de intervenção n.º 3.3.
X. Como fundamento da impugnação, a Recorrida invocou para tanto, que os atos administrativos impugnados padecem de vários vícios geradores da sua invalidade, pelo menos na modalidade de anulabilidade, nomeadamente: (i) vício de falta de fundamentação e (ii) vício de violação de lei, dado que os citados atos impugnados violam manifestamente as normas jurídico-comunitárias que regem a política europeia de coesão económica, social e territorial, bem como (iii) pelo facto de os mesmos terem sido emitidos ao abrigo de uma norma excecional de natureza jurídico-administrativa que é, ela mesma, ilegal e inválida (na modalidade de nulidade) por contrariar normas europeias hierarquicamente superiores, o que determina, desde logo, a ilegalidade dos despachos em causa, consequente da ilegalidade da norma em que assentam.
XI. A norma mencionada permitiu na prática, de forma materialmente ilegítima (ilegal e ilícita) e profundamente censurável – atento o facto de Portugal ser, precisamente, o país mais centralizado da União, um dos mais pobres do espaço económico europeu e, seguramente, o que apresenta maior assimetrias em matéria de desenvolvimento regional –, nomeadamente no âmbito do POPH, a realização de despesas na Região NUTS II de Lisboa através de dotações financeiras que, à luz dos princípios e das regras jurídico-comunitárias, deveriam ser alocadas exclusivamente para a concretização do Objetivo da Convergência e especificamente aplicadas em benefício do desenvolvimento (económico e territorial) das regiões NUTS II abrangidas pelo âmbito territorial de incidência desse Objetivo, isto é, nas Regiões NUTS II portuguesas do Norte, Centro, Alentejo e Açores.
XII. A douta Sentença do Tribunal a quo, ao ter julgado procedente a presente ação com fundamento em vício de violação de lei imputável aos despachos impugnados (e já anulados), não merece qualquer censura, tendo procedido a uma aplicação absolutamente exemplar e verdadeiramente louvável do Direito aos factos dados como assentes, e tendo permitido repor a legalidade administrativa numa situação de profunda e intolerável injustiça na distribuição da riqueza e na correção das assimetrias regionais, em que estavam a ser alocados (“desviados”) para a região NUT 2 de Lisboa (a mais rica de Portugal) meios financeiros (verbas provenientes do Orçamento da União) que estavam exclusivamente destinados ao desenvolvimento das regiões mais pobres de Portugal (e das menos desenvolvidas do espaço europeu – as do Norte, Centro, Alentejo e Açores).
XIII. Perante o exposto, é manifesto e ostensivo que o presente recurso carece de qualquer fundamento e deverá ser julgado totalmente improcedente – o que ora se requer.
XIV. As alegações da Recorrente, além de assentarem em pressupostos manifestamente errados e contrários ao Direito aplicável, revelam-se ainda confusas e contraditórias e também ostensivamente desligadas da realidade do caso concreto. Senão vejamos.
XV. Em primeiro lugar, a Recorrente reiteradamente invoca, eventualmente no sentido de confundir o espírito do Julgador, a intervenção da Comissão Europeia no procedimento que conduziu à aprovação do QREN 2007-2013, constante da RCM n.º 86/2007.
XVI. Ora, cabe realçar desde já que a RCM n.º 86/2007 foi aprovada em Conselho de Ministros, isto é, pelo Estado português, e que a previsão da norma do efeito de difusão, constante do Anexo V da RCM n.º 86/2007 é da exclusiva responsabilidade do Governo português, Tendo sucedido o mesmo com o Regulamento específico da tipologia de intervenção n.º 3.3., in casu, aprovado por Despacho n.º 18474/2008, do Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social.
XVII. E cabe também desde já evidenciar que, na parte que ora releva, isto é naquela que respeita às normas contidas no Anexo V da RCM n.º 86/2007, estamos em face de um regulamento administrativo nacional que devia limitar-se a desenvolver (executar) a regulamentação comunitária constante, nomeadamente do Regulamento (CE) n.º 1083/2006 do Conselho de 11 de julho de 2006, que estabelece as disposições gerais sobre o Fundo de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu (FSE) e o Fundo de Coesão
XVIII. Nas alegações por si apresentadas, a Recorrente dá a entender que todo e qualquer projeto uma vez aprovado, é garantidor do efeito difusor – isto é, garante que os benefícios que do projeto resultam se distribuem equitativamente por todo o território de um Estado-membro, independentemente da localização física da sua implementação, o que diga-se, não corresponde à realidade.
XIX. A Comissão Europeia, no âmbito do procedimento de queixa que lhe foi apresentado pela ora Recorrida, afirmou que “Neste sentido, o princípio do «efeito de difusão» não infringe per se qualquer das regras da UE em matéria de fundos estruturais, por conseguinte, o «efeito de difusão», em si mesmo, é considerado legal, embora possa carecer de esclarecimento à luz da aplicação efectiva.”
XX. Este entendimento acabou, em certa medida, por ser adotado também pelo TJUE no seu douto Acórdão de 19.12.2012.
XXI. Para além disto, as alegações da Recorrente quanto à suposta verificação, abstrata e hipotética, de um efeito de difusão positiva do investimento, realizado em ações de formação concretizadas em entidades da Administração Central do Estado sedeadas e a operar em Lisboa, nas Regiões Convergência (do Norte, Centro, Alentejo e Açores), sem qualquer necessidade concreta de demonstração dos mesmos, são manifestamente desrazoáveis, insensatas e juridicamente carecidas de qualquer fundamento.
XXII. A Recorrente expressamente admite que as dotações financeiras que foram afetas aos projetos aprovados pelos despachos impugnados se destinavam, exclusivamente, à concretização do Objetivo da Convergência e, em geral, a assegurar o desenvolvimento das regiões abrangidas por esse objetivo, que são, precisamente, as mais pobres de Portugal (as Regiões NUTS 2 do Norte, Centro, Alentejo e Açores).
XXIII. Se as dotações financeiras destinadas ao Objetivo da Convergência servem para assegurar o desenvolvimento das regiões mais pobres da União (in casu, as do Norte, Centro, Alentejo e Açores), não se percebe, nem se consegue apreender por mais esforço imaginativo que se possa levar a cabo, em que medida o desvio de verbas comunitárias para assegurar a formação de funcionários da Administração Central pode beneficiar o crescimento económico e o bem-estar social das regiões mais pobres de Portugal (e da União).
XXIV. Se tais verbas são afetas a entidades da Administração Central isto significa que, ipso facto, entidades da Administração Local e outras (públicas ou privadas) integradas e a operar nas Regiões Convergência deixarão de ter acesso às mesmas – o que significa que apenas as entidades da Administração Central e, consequentemente, a Região NUTS II de Lisboa poderão beneficiar do efeito do investimento realizado nessas ações de formação e que esse beneficio resulta, essencialmente, do facto de tais organismos evitarem incorrer em custos que, de outro modo, teriam que assumir
XXV. Se seguirmos a posição da Recorrente, então seria teoricamente admissível que todos os recursos financeiros da Nação fossem (todos eles) afetos ao funcionamento da Administração Central, pelo que, no limite, um tal entendimento (manifestamente inaceitável, seja qual for o prisma valorativo, jurídico, social, económico…) levaria à destruição do princípio da descentralização territorial e inviabilizaria por completo o princípio da justa repartição de recursos entre o Estado e as autarquias, levando consequentemente a uma maior concentração da riqueza nas zonas em que os serviços da Administração Central estão localizados e à correlativa diminuição dos recursos afetos às zonas periféricas.
XXVI. Ou seja, se os recursos financeiros que estão, por força das regras comunitárias, destinados exclusivamente ao desenvolvimento das regiões mais pobres são alocados na região mais rica (a de Lisboa, que a elas não tem direito, pois não está integrada no Objetivo da Convergência), isto significa, para além de tudo o mais, que as regiões mais pobres ficaram ainda mais pobres e que as verbas em causa não poderão ser usadas em formações que beneficiem as populações locais ou até noutros projetos que possam contribuir efetivamente para assegurar o desenvolvimento do tecido económico local – logo, ao invés de se assegurar a convergência (que é condição da coesão), estão-se a agravar as assimetrias regionais e a tornar impossível qualquer convergência entre os territórios regionais.
XXVII. Sendo certo que se as dotações financeiras destinadas ao Objetivo de Convergência servem, precisamente, para assegurar o desenvolvimento das regiões mais pobres da União (concretamente, do Norte, Centro, Alentejo e Açores), não se percebe, nem se consegue apreender por mais esforço imaginativo que se possa ter, em que medida o desvio de verbas comunitárias para assegurar a formação de funcionários da Administração Central pode beneficiar o crescimento económico e o bem-estar social das regiões mais pobres de Portugal.
XXVIII. No caso vertente, reitere-se, está em causa a impugnação, com fundamento na sua invalidade, de quatro despachos que aprovaram candidaturas ao abrigo do disposto no anexo V da RCM 86/2007, que prevê uma exceção à regra geral da elegibilidade territorial das despesas, permitindo, de forma ilegal, que sejam atribuídas dotações financeiras – exclusivamente destinadas à concretização do objetivo da Convergência e ao desenvolvimento das Regiões NUTS II do Norte, Centro, Alentejo e Açores – para financiamento de projetos implementados apenas na Região NUTS II de Lisboa que, de acordo com as regras comunitárias, a elas (dotações) não teria direito.
XXIX. O Tribunal a quo, tendo por quadro de referência a interpretação jurídica que o TJUE fez ao enquadramento jurídico comunitário da política de coesão, julgou, e muito bem, que os despachos de aprovação das candidaturas, emitidos ao abrigo da norma do efeito difusor, na medida em que dos mesmos não resulta demonstrado especificadamente a incidência dos efeitos do investimento realizado em Lisboa nas Regiões Convergência, são ilegais e inválidos, por vicio de violação de Lei, dado que, como sustenta o TJUE, as dotações financeiras destinadas à concretização do objetivo da Convergência, devem ser aplicadas necessariamente na prossecução desse objetivo e em benefício das Regiões Convergência.
XXX. Daí que, não resultando evidenciado, nos mencionados despachos, a verificação de qualquer efeito de difusão e sendo a norma do anexo V da RCM n.º 86/2007 hierarquicamente inferior às normas comunitárias, os mencionados despachos, ao permitir que se aplicasse, em projetos realizados em Lisboa, dotações financeiras destinadas às regiões NUTS II do Norte, Centro, Alentejo e Açores, sem que se verificasse qualquer efeito positivo de difusão desse investimento no desenvolvimento das regiões Convergência, padecendo, portanto, de vicio de violação de lei que, como se sabe, é fundamento de anulação dos atos inquinados.
XXXI. Não se avente, como aventou a Recorrente nas alegações por si apresentadas, que o beneficio das regiões Convergência está bem patente, porquanto refere que uma vez aprovado o projeto, o mesmo garante, sem qualquer necessidade de demonstração especifica, o mencionado efeito spill over nessas mesmas regiões.
XXXII. Quer isto dizer que, muito embora os critérios normativos que disciplinam a possibilidade de financiamento dos projetos encontrem respaldo na Decisão de aprovação do POPH e no Regulamento Especifico do mesmo, certo é que o visado efeito difusor necessita de esclarecimentos no que concerne à sua aplicação efetiva – não sendo, assim, verdade que uma vez aprovado, é garantidor do efeito difusor – isto é, garante que os benefícios que do projeto resultam se distribuem equitativamente por todo o território de um Estado-membro, independentemente da localização física da sua implementação.
XXXIII. Para o TJUE, a utilização dos fundos estruturais para a realização do Objetivo da Convergência deve especificamente beneficiar as regiões NUTS II abrangidas pelo âmbito territorial do referido Objetivo, que são as Regiões NUTS II do Norte, Centro, Alentejo e Açores, pelo que qualquer investimento, que seja realizado com suporte em dotações destinadas à concretização desse Objetivo, deve produzir os seus efeitos (beneficiar), de forma específica e identificável, nas regiões a que tais dotações são destinadas.
XXXIV. Da interpretação do enquadramento jurídico-comunitário da política de coesão, o Tribunal de Justiça concluiu assim que qualquer investimento cofinanciado pela União Europeia, através de dotações financeiras destinadas à concretização do Objetivo da Convergência, deverá destinar-se, especificamente e de forma identificável (demonstrável), às Regiões NUTS II abrangidas pelo âmbito territorial de incidência desse mesmo Objetivo, isto é às Regiões NUTS II do Norte, Centro, Alentejo e Açores.
XXXV. Cabendo ao Juiz Nacional, enquanto Juiz garante do cumprimento da Ordem Jurídica Comunitária, avaliar em concreto, em relação a cada candidatura aprovada ao abrigo da norma excecional do efeito difusor, se o investimento realizado em Lisboa beneficia ou não as Regiões NUTS II do Norte, Centro, Alentejo e Açores (e em que medida), podendo o controlo de legalidade realizar-se ainda sobre a própria norma do efeito difusor (constante da RCM n.º 86/2007), a qual é hierarquicamente inferior às normas comunitárias emergentes do Direito Primário (Tratados) e Derivado (do Regulamento n.º 1083/2006).
XXXVI. O Regulamento (CE) n.º 1083/2006, que deve ser interpretado em conformidade com as normas do Tratado, tem caráter geral, sendo obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-Membros, pelo que, na qualidade de ato normativo equiparável a ato legislativo (para efeito de aplicação no nosso sistema jurídico nacional), que goza do princípio do primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional, ele (o regulamento comunitário) vincula não apenas a Administração Pública portuguesa, como também todos os órgãos da União Europeia, desde logo a própria Comissão.
XXXVII. Logo, não pode a RCM n.º 86/2007 ou qualquer outro regulamento (ou ato) nacional, conter quaisquer disposições que sejam contrárias ou, em qualquer caso, que não encontrem o seu fundamento e habilitação nas normas daquele Regulamento Comunitário, sendo certo que todas as operações financiadas pelos fundos europeus devem estar em conformidade com as disposições do Tratado e dos regulamentos aprovados ao abrigo do mesmo (do Regulamento n.º 1083/2006).
XXXVIII. Daí que, em qualquer caso, se um ato de aprovação de um projeto cofinanciado violar normas comunitárias, esse ato deverá ser considerado ilegal e inválido, por vício de violação de lei.
XXXIX. Como bem sustentou o TJUE no seu Acórdão de 19.12.2012, assim como o Tribunal a quo que seguiu o entendimento sufragado pelo primeiro, resulta do Direito Comunitário aplicável, nomeadamente do artigo 22.º do Regulamento (CE) n.º 1083/2006, que as dotações atribuídas ao objetivo da Convergência devem especificamente ser aplicadas em investimentos especificamente destinados à concretização desse objetivo (da Convergência) e especificamente (em benefício direto e demonstrável) das Regiões abrangidas por esse mesmo objetivo e que são, portanto, exclusivas destinatárias desses financiamentos (as Regiões ditas de Convergências, nas quais se integram, apenas, as do Norte, Centro, Alentejo e Açores, no caso de Portugal).
XL. Logo, todas as dotações financeiras destinadas à concretização do objetivo da Convergência devem ser especificamente aplicadas na realização desse objetivo e, consequentemente, em projetos que determinem ou contribuem especificamente (e de forma demonstrável) para o desenvolvimento das regiões a que tais dotações são exclusivamente reservadas, que são as Regiões Convergência.
XLI. É manifesto para qualquer jurista desinteressado que o critério previsto no ponto 8 do anexo V da RCM 86/2007, para o qual remete o Regulamento específico da tipologia 3.3., é absolutamente inadequado e totalmente inútil para determinar e quantificar possíveis efeitos de difusão, nas Regiões Convergência, do investimento realizado, no âmbito do POPH, na Região NUT II de Lisboa.
XLII. E é por isso que o TJUE, no seu Acórdão de 19.12.2012 (e também a própria Comissão), afirma que o Tribunal nacional deverá, nos processos em curso, aferir se este critério (da concentração da população em 68,5% nas Regiões do Norte, Centro e Alentejo) se justifica à luz dos critérios da territorialidade e especificidade dos efeitos do investimento nas Regiões Convergência.
XLIII. O efeito de difusão do investimento, sendo algo de manifestamente excecional, tem sempre que ser demonstrável em concreto, tendo em consideração variáveis que permitam identificar e quantificar os veículos de polarização do investimento, algo que o citado critério, constante do anexo V da RCM n,º 86/2007, levado à letra, não permite, de forma alguma, apurar.
XLIV. Não é com base num mero exercício de retórica que se pode sustentar um qualquer efeito de difusão positiva de um investimento realizado em Lisboa nas Regiões Convergência – e daí o TJUE impor que, em concreto, se determine se tal efeito se verifica ou não, o que significa que é a própria validade da norma do efeito difusor que é posta em causa pelo Tribunal de Justiça.
XLV. Por isso, e como muito bem concluiu o Tribunal a quo, se não resulta evidenciado (identificado e demonstrado), nos despachos impugnados, a verificação de qualquer efeito de difusão, e sendo a norma do anexo V da RCM n.º 86/2007 hierarquicamente inferior às normas comunitárias, os mencionados despachos, ao permitir que se aplicasse, em projetos realizados exclusivamente em Lisboa (a Região mais rica de Portugal), dotações financeiras destinadas às Regiões NUTS II do Norte, Centro, Alentejo e Açores (as mais pobres), sem que se verificasse qualquer efeito positivo de difusão desse investimento no desenvolvimento das Regiões Convergência, são ilegais por violação dos princípios de direito europeu originário em matéria de coesão económica, social e territorial previstos nos artigos 174.º a 178.º do TFUE e de direito derivado consagrados no Regulamento n.º 1083/2006, do Conselho de 11 de julho de 2006.
XLVI. Por último, e no que a este específico ponto concerne, não se diga – como pretendeu a Recorrente afirmar – que o Regulamento (UE) n.º 1303/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, no seu artigo 70.º, acolheu a possibilidade de financiamento de projetos que não se localizem na região beneficiada com esse financiamento.
XLVII. Ora, note-se que, não obstante a letra do n.º 2 do mencionado preceito, certo é que o problema de base dos autos mantém-se – independentemente de uma operação de financiamento poder ser realizada fora da zona do programa, certo é que a mesma terá, sempre, que beneficiar a zona visada por esse mesmo programa! O que, diga-se, no caso dos autos, como já a aqui Recorrida explanou de forma exaustiva, não acontece!
XLVIII. O conteúdo dos despachos é genérico e padronizado, tendo o seguinte teor literal: “Projecto de formação integrado na reforma e modernização dos serviços do Estado nos termos previstos nas alíneas a) e c) do n.º 1 do artigo 9.º do Regulamento Especifico da Tipologia 3.3.. As despesas imputadas com formandos cujo local de trabalho se situe na Região de Lisboa são elegíveis no Eixo 9.3.3., mas têm impacto a nível nacional de acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 13.º do Regulamento Especifico da Tipologia 3.3..”
XLIX. Analisando as poucas linhas contidas nos despachos, bem como os elementos de instrução dos procedimentos de aprovação de candidaturas, constatamos, nomeadamente que: (1) todas as entidades que beneficiam do financiamento estão sedeadas em Lisboa e desempenham a sua atividade em Lisboa; (2) algumas destas entidades têm natureza jurídico-privada e desempenham a sua atividade apenas no interesse dos seus associados (é o caso do Sindicato); (3) outras são instituições de ensino superior sedeadas em Lisboa (é o caso do ISCTE-SUL) que comopetem com outras instituições cim iguais formações sedeadas no Norte, Centro e Alentejo; (4) são projetos totalmente localizados em Lisboa e que beneficiam unicamente os serviços da Administração Central do Estado e entidades privadas.
L. Não se percebe se os projetos aprovados produzem ou não, e em que medida, efeitos de difusão positiva para as Regiões NUTS II abrangidas pelo Objetivo da Convergência, nem sequer se sabe em que medida as referidas ações de formação podem contribuir para o desenvolvimento territorial das regiões mais pobres
LI. O que qualquer cidadão sensato e atento pode concluir é apenas o seguinte: foram afetos a projetos de formação realizados exclusivamente na região de Lisboa e em benefício exclusivo de entidades aí sedeadas, verbas comunitárias que eram especificamente e exclusivamente destinadas às Regiões Convergência do Norte, Centro, Alentejo e Açores.
LII. Nesta senda, não encontram qualquer acolhimento na realidade do nosso país os exemplos elencados pela Recorrente, numa tentativa desesperada de conferir legalidade aos atos considerados anuláveis, e bem, pela douta Sentença do Tribunal a quo: tanto o frustado exemplo do CEJ como da aplicação informática CITIUS redundam num erro de análise e, mais grave ainda, moldam de forma errónea o certo entendimento do Tribunal a quo.
LIII. De qualquer forma, os principais, senão mesmo os únicos beneficiários dessas ações de formação são as entidades beneficiárias (localizadas na Região de Lisboa), não se vislumbrando qualquer efeito positivo desse investimento para o desenvolvimento das Regiões Convergência, que, aliás, deixaram consequentemente de ter acesso a tais verbas, que podiam ter sido aplicadas para assegurar o crescimento dessas regiões e a convergência das mesmas com a de Lisboa.
LIV. Logo, como os despachos impugnados não continham qualquer elemento que demonstrasse, em concreto, que o projeto aprovado tinha efeitos positivos no desenvolvimento das regiões Convergência, resultando da análise dos mesmos que todos os efeitos do investimento apenas beneficiaram a Região NUTS II de Lisboa, é manifesto que os mencionados despachos são ilegais e inválidos, na modalidade de anulabilidade.
TERMOS EM QUE, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V.ªs Ex.ªs, deve o presente recurso, por carecer de qualquer fundamento fáctico-jurídico, ser julgado totalmente improcedente.
Assim decidindo, farão V.ªs Ex.ªs a devida JUSTIÇA!”.
O Recorrido Comissão Diretiva do PO ISE – Programa Operacional Inclusão Social e Emprego contra-alegou neste recurso subordinado, em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem:
A. A GAMP interpôs recurso de apelação subordinado, pedindo que seja apreciado (e julgado procedente) o vício de ilegalidade formal dos atos administrativos impugnados por violação do dever de fundamentação.
B. Conforme se demonstrou, é manifestamente improcedente que da fundamentação apresentada não se consiga extrair o iter cognoscitivo e de valoração tomado pelo autor dos atos administrativos impugnados.
C. O arguido vício de falta de fundamentação deve ser julgado improcedente, estando os atos em crise devidamente fundamentados, como bem decidiu o TAF do Porto.
D. Da Sentença recorrida decorre com total clareza que os atos que a GAMP veio impugnar nestes autos estão devidamente fundamentados, através da remissão para os documentos instrutores da decisão proferida ¯ rectius, para os fundamentos constantes desses documentos ¯, hipótese plenamente acolhida no artigo 125.º/1 do CPA e largamente reconhecida pela jurisprudência.
E. A mera leitura dos atos impugnados, conjugada com o teor dos documentos que os complementam, evidencia estarem os mesmos devidamente fundamentados.
F. Além disso, e contrariamente ao defendido pela GAMP, mesmo que se considerasse existir uma ilegalidade formal por violação do dever de fundamentação, “esta pecha jamais se encontraria aqui provida da inerente eficácia invalidante, pois que, à luz da configuração da petição inicial, é possível antever-se que a Autora compreendeu, de forma efectiva e em toda a sua plenitude, o caminho percorrido pela Comissão Directiva do POPH para a aprovação das quatro candidaturas ora em questão, o que sempre quereria dizer que, no caso, se mostrava atingida a finalidade para a qual aquela formalidade se encontra legalmente consagrada [vide, a este título, a alínea b) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA de 2015 e que, em bom rigor, traduz o entendimento pacífico que, já ao abrigo do CPA de 1991, vinha sendo alvo de aplicação jurisprudencial]” (cf. p. 37 da Sentença recorrida).
G. Não colhe também o argumento da GAMP no sentido de que a fundamentação dos atos impugnados seria particularmente exigível devido à natureza excecional da despesa em causa, uma vez que não existe qualquer lei, jurisprudência ou doutrina nesse sentido, e o facto de estar em causa a aprovação de um projeto que produz efeitos de difusão nada acrescenta ou retira à necessidade de fundamentação.
H. Aliás, como decorre do Acórdão do TJUE, o princípio spill over não constitui qualquer exceção, mas sim um meio especial de concretização do princípio da elegibilidade territorial das despesas.
I. Em face de tudo quanto se expôs, improcede em absoluto a arguida falta de fundamentação dos atos impugnados, devendo ser julgado totalmente improcedente o presente recurso subordinado.
Nestes termos e nos mais de Direito que V. Exa. doutamente suprirá, deve o presente recurso subordinado ser julgado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a Sentença proferida pelo Tribunal a quo no que respeita ao vício de falta de fundamentação aqui discutido.”.
O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e não se pronunciou.
De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso [(artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi nº 3 do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], impõe-se determinar, em ambos os recursos, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de direito, nos aspectos adiante pontual e respectivamente indicados.
II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Por não ter sido impugnada, nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão do TAF a quo sobre aquela matéria (artigo 663º, nº 6, do CPC).
II.2 – O DIREITO
Tendo presente os termos da causa e os argumentos das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir no plano da impugnação da decisão sob recurso, em ambos os recursos sucessivamente, tendo presente que «jura novit curia», o mesmo é dizer, de harmonia com o princípio do conhecimento oficioso do direito, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como dispõe o nº 3 do artigo 5º do CPC.
Em causa, na acção de que emana o presente recurso, estiveram questões de legalidade, formal e substantiva, enquanto causas de invalidade dos impugnados despachos referentes à aprovação de candidaturas relativas ao Programa Operacional Potencial Humano.
Assim, a sentença recorrida apreciou, em síntese, as seguintes questões:
— Falta de fundamentação, tendo concluído pela sua não verificação;
— Ilegalidade originária e consequente dos actos impugnados, por violação do Direito da União Europeia], na medida em que a excepção ou desvio da elegibilidade territorial das despesas concretizadas nos Pontos 6, 7 e 8 do Anexo V da Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2007, de 3/07, ao permitir a transferência para a região de Lisboa das dotações financeiras adstritas ao Objectivo da Convergência, introduzem uma desconformidade com as regras do direito europeu primário e derivados referentes às políticas de coesão, tendo concluído pela ocorrência dessa violação, com consequente eficácia invalidante dos impugnados actos.
II.2.1. — Do recurso independente
Entende a Recorrente POISE, em síntese, que a sentença recorrida deve ser revogada, considerando “profundamente errada a ideia, expressa na Sentença recorrida, de que não estaria demonstrado o efeito spill-over gerado por cada projeto”, uma vez que, no seu entender, os entes da Administração Pública beneficiários do financiamento em causa só dele podem beneficiar se “(i) (…) exercem funções em prol de todo o território nacional (de toda a população portuguesa, portanto), e se (ii) todos os projetos visam melhorar a forma como esses entes prestam serviços a toda a população (mediante a formação dos seus funcionários), então (iii) qualquer projeto, se aprovado, vai necessariamente beneficiar as regiões Convergência”, concluindo, ainda em síntese, que “o complexo normativo constituído pelos critérios e requisitos fixados na regulamentação aplicável evidenciam que um projeto que neste contexto seja aprovado beneficia, de forma específica e identificável, as regiões Convergência”, sendo esse o caso presente, pelo que, “Estando em causa projetos que se concretizam na qualificação dos profissionais da Administração Pública Central, cujos serviços são prestados em benefício de toda a população, então é evidente que o critério adotado deve ter em consideração, precisamente, o universo de beneficiários últimos, por ser o que melhor permite uma alocação equilibrada e justa dos fundos, na medida em que assenta na proporção de população existente nas regiões beneficiadas por cada projeto (…) Ao decidir que as ações de formação em causa nestes autos não beneficiam as regiões Convergência, o Tribunal a quo errou e violou as normas postas nos artigos 174.º a 178.º do TFUE, as normas do Regulamento 1083/2006 – em particular os artigos 5.º a 8.º, 22.º, 32.º, 34.º, 35.º e 56.º –, e, ainda, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2007 – mais concretamente as normas previstas nos pontos 6 a 8 do Anexo V”.
Alternativamente, o Recorrente entende que “…nunca poderia proceder o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.
Com efeito, mesmo que se aceitasse essa premissa do TAF do Porto (e a Recorrente não aceita), o problema nunca seria a presumida existência de erro nos pressupostos de facto, mas sim, quanto muito, de falta de fundamentação.
Assim, se se entendesse que, nos atos em crise nestes autos, não são invocados fundamentos (factuais) que demonstrem a produção do efeito spill-over, a falta dessa demonstração redundaria num problema de falta de fundamentação, mas nunca de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto (como erradamente concluiu o TAF do Porto na Sentença aqui objeto de recurso).”.
Vejamos o discurso que na sentença sob recurso desenvolve a lucubração dirimente da questão da violação da apontada juridicidade, designadamente:
«(…) tal como sucedeu no âmbito dos processos judiciais supra identificados, especificamente, na acção administrativa n.º 2450/09, não é possível concluir-se que se encontra demonstrada a concreta repercussão dos efeitos dos projectos aprovados nas regiões de convergência.
Como se viu, estes actos deveriam patentear, a razão de ser da atribuição de uma determinada pontuação a uma determinada candidatura, em função dos parâmetros de avaliação, bem como a razão que justifica a respectiva elegibilidade geográfica face à classificação das regiões NUTS 2 e aos Objectivos (Convergência e/ou Competitividade Regional e do Emprego), em função das regiões em que se encontram os locais onde os formandos prestam serviço e as horas e/ou cursos de formação que lhes são ministrados, ou de outros factores, ponderados conforme o disposto no n.º 2 do artigo 3.º, 5.º, 22.º, 32.º e 34.º do Regulamento (CE) 1083/2006, e a Decisão 2006/595/CE da Comissão, pontos 6. A 8. do anexo V à Resolução do Conselho de Ministros 86/2007 e artigo 2.º, n.º 1 a 3, 9.º e 13.º, n.º 1 e 2 do Despacho 1847/2008, artigos 2.º, n.º 1 a 3 e 13.º, n.º 1 e 2 (regulamento específico).
Pelo que aqui importaria aferir deste segundo aspecto, impondo-se, então, apurar se a fundamentação substancial das decisões administrativas impugnadas permite ou não aferir se o investimento co-financiado pela União Europeia foi “implementado a partir de uma localidade situada fora das regiões elegíveis e por um operador instalado nessa localidade”, por se verificar a “condição de esse investimento se destinar, de forma específica e identificável, às regiões elegíveis” [cf. o citado acórdão do TJUE no processo C-579/11].
O que significa que, na ausência de demonstração de que o investimento se destina de forma específica e identificável às regiões de convergência, nos encontraremos perante uma violação do direito da União Europeia, nos termos referidos pelo TJUE.
Ora, compulsado o conteúdo das quatro decisões ora impugnadas [Pontos F) a M) dos factos provados], logo se constata que das mesmas não é, de todo, possível retirar, com um grau razoável de segurança, qual a concreta repercussão ou efeitos concretos que o investimento aprovado poderia vir a ter nas aludidas regiões de convergência.
Com efeito, a ansiada legitimação do agir administrativo ora sindicado apenas poderia ser verificado através da demonstração, com base em factores objectivos, do benefício resultante para as regiões de convergência resultante da aplicação daqueles fundos em região que não é de convergência, por exemplo, em função do número de horas de formação por formado e/ou curso de formação ministrado a formados cujo local de trabalho se situa em região de convergência, em contraposição com o número total de horas de formação e/ou curso de formação ministrados no total, face à proposta contida na candidatura efectuada; ou, ainda, em função de outros factores demonstrativos de que apesar de os serviços em causa serem centrais e apenas terem funcionários a exercer funções na região de Lisboa, a repercussão das suas tarefas se estende às regiões de convergência, em que aspectos e de que forma tal se verifica.
Contudo, como é bom de ver, atentando-se na contemporânea fundamentação dos quatro despachos ora impugnados – e só à luz desta é que se deve aferir a sua validade – logo se constata que, em lado algum, é efectuada uma qualquer demonstração quanto a qual era a repercussão específica e identificável dos investimentos efectuados na região de Lisboa nas regiões de “Convergência” [para cuja conclusão é, de resto, irrelevante as (soltas e posteriores) listas de formandos e respectivos locais de trabalho que viriam a ser juntas aos autos por solicitação da Autora em Pontos S) a V) dos factos provados].
O que, sem necessidade de maiores considerandos, determina a ilegalidade (originária) material, por erro nos pressupostos de facto e de direito dos despachos de aprovação ora impugnados por ofensa dos princípios de direito europeu originário vertidos nos artigos 174.º a 178.º do TFUE e derivado, concretizado no Regulamento n.º 1083/2006.
Aliás, diga-se que, em bom rigor, essa ilegalidade decorre, de igual forma, a título incidental, através da aplicação da referida Resolução do Conselho de Ministros n.º 86/2007, pois que, tal como se decidira no âmbito do processo n.º 2398/09, o critério de quantificação dos efeitos de difusão que aí se encontra estabelecido, “não se revela suficiente para, por si só, demonstrar os benefícios dos projectos financiados ao abrigo da excepção dos “spill-over effects” se dirigem de forma adequada, precisa, específica e identificável às regiões que devem beneficiar dos fundos europeus aplicados no objectivo “Convergência” [pp. 42].
Como aí se explicitou: “Não é pelo facto de mais de metade da população do país residir nestas últimas regiões que estas vão forçosamente beneficiar de investimentos desenvolvidos em Lisboa. Tornava-se, pois, necessário proceder a uma maior densificação normativa dos critérios que presidem à delimitação dos projetos que podem beneficiar desta exceção, pois só assim se possibilitaria uma demonstração concreta da repercussão dos efeitos dos projetos aprovados nas regiões Norte, Centro, Alentejo, Açores e Algarve, como vem imposto pelo TJUE” [pp. 43].
E, conforme se argumentou na sentença proferida na acção n.º 2450/09: “o que se verifica é que, independentemente da aferição, em concreto, de quaisquer benefícios para as regiões de convergência, a mera invocação da norma regulamentar dos efeitos de difusão, por aplicação do factor 68,5%, colocou os projectos todos ao mesmo nível, para efeitos da composição do financiamento (FSE/nacional) que lhes correspondeu.” [pp. 78].
Enfim, quer os despachos ora impugnados, quer as normas (administrativas) previstas nos Pontos 6 a 8 do Anexo V do QREN por estes aplicadas, não justificando, de forma específica, os efeitos de dissuasão positiva que os investimentos aprovados teriam nas regiões de Convergência, são, todos eles, ilegais, por violação dos princípios de direito europeu originário em matéria de coesão económica, social e territorial previstos nos artigos 174.º a 178.º do TFUE e de direito derivado consagrados no Regulamento n.º 1083/2006, do Conselho de 11 de Julho de 2006.
Foi, de resto, esta, como se viu, a conclusão confirmada nos Acórdãos do TCA-Norte, de 27 de Janeiro de 2017 [processo n.º 2450/09], de 12 de Janeiro de 2018 [processo n.º 2398/09] e de 14 de Setembro de 2018 [processo n.º 2453/09], de cuja fundamentação e sentido não se vislumbra qualquer motivo para se divergir.
É, pois, de reconhecer inteira eficácia invalidante às referidas ilegalidades materiais, nos termos do artigo 135.º do CPA de 1991.».
Fim da transcrição
As decisões que aprovaram candidaturas no âmbito do programa em causa, Programa Operacional Potencial Humano, como também no Programa Operacional Factores de Competetividade, foram objecto de impugnação jurisdicional, tanto quanto apuramos, nos seguintes processos:
— Os processos nºs 2398/09.6BEPRT e 2453/09.2BEPRT, no âmbito do PO Factores de Produtividade e Factores de Competitividade;
— Os processos nºs 2450/09.8BEPRT, 2451/09.6BEPRT, 2452/09.4BEPRT, 2455/09.9BEPRT (este, o presente), no âmbito do PO Potencial Humano.
Em todos e cada um destes processos, as decisões de 1ª instância foram no sentido da que ora temos sob recurso, ou seja, da verificação da ilegalidade dos despachos neles impugnados, designadamente por violação dos princípios de direito europeu originário em matéria de coesão económica, social e territorial previstos nos artigos 174.º a 178.º do TFUE e de direito derivado consagrados no Regulamento n.º 1083/2006, do Conselho de 11 de Julho de 2006:
Nos processos nº 2451/09.6BEPRT e nº 2452/09.4BEPRT, as sentenças de 1ª instância encontram-se ambas sob recurso neste TCAN, ainda não julgados.
O processo nº 2450/09.8BEPRT, com acórdão deste TCAN de sentido igualmente convergente com os restantes referidos arestos, subiu em revista ao Supremo Tribunal Administrativo (processo nº 0790/17), o qual, por acórdão de 12-07-2017, decidiu não admitir a revista, com o seguinte fundamento, em síntese: « A questão suscitada nos autos é a de saber se os despachos cuja anulação se pede violam ou não as referidas disposições do direito comunitário e se o regulamento nacional que as transpôs para o direito nacional violou essa legislação daí resultando a ilegalidade dos supra identificados despachos.
As instâncias responderam afirmativamente a essa questão fundando-se na citada jurisprudência do TJCE.
Sendo assim, sendo que as instâncias decidiram de acordo com aquela orientação jurisprudencial e sendo, ainda, que se não evidencia que a questão que o Recorrente pretendia que fosse reapreciada tivesse sido mal decidida, uma vez que não só o seu julgamento foi convergente como foi feito com uma adequada ponderação das leis em vigor e da matéria de facto provada não estão preenchidos os requisitos de admissão de revista.».
Os processos nºs 2398/09.6BEPRT e 2453/09.2BEPRT alcançaram decisão final em sede de recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, por acórdãos de 23-04-2020 e 21-05-2020, respectivamente, ambos de sentido convergente na verificação da referida ilegalidade.
Em causa está a interpretação dos Pontos 6 a 8 do Anexo V do Quadro de Referência Estratégico Nacional (QREN) através de Resolução do Conselho de Ministros nº 86/2007 (DR, 1ªS, nº 126, de 03-07-2007) ao abrigo do artigo 32.º, n.º 1 do Regulamento 1082/2006, no que toca ao juízo de ilegalidade dos impugnados actos que o aplicaram, por violação de normas de direito da União Europeia, primário e derivado, designada e respetivamente, do disposto nos artigos 174º do TFUE, 3º, nº 2, e 5º, ambos do Reg. (CE) nº 1083/2006.
Atendendo ao teor dos actos impugnados e à viciação aos mesmos imputada,, pela identidade essencial das questões de facto e de direito, não vislumbramos qualquer razão para divergir dos juízos dirimentes de tais arestos, designadamente os deste TCAN e «maxime» do Supremo Tribunal Administrativo, sendo que nos revemos no julgamento do erro de julgamento de direito efectuado no referido acórdão do STA, de 23-04-2020, processo nº 2398/09.6BEPRT, com ele concordando inteiramente e aqui se transcreve na parte directamente pertinente à fundamentação do presente caso.
Início da transcrição:
«17. Passando à análise da revista temos que mostra-se objeto do presente litígio a discussão em torno da legalidade dos despachos do Presidente da R. CD-COMPETE, datados de 01.08.2008 e de 30.03.2009, que procederam à aprovação dos projetos identificados sob os n.ºs 10.2), 10.3), 10.7 e 10.8) da factualidade apurada apresentados no âmbito do «SAMA» e respeitantes à Administração Pública Indireta feita ao abrigo e no âmbito do QREN aprovado e em anexo à referida RCM n.º 86/2007 [mormente, das exceções previstas nos pontos 6, 7 e 8 do Anexo V da referida RCM], sendo que o dissídio entre as partes encontra-se reconduzido, neste momento, tão-só ao juízo de ilegalidade dos atos impugnados que, aplicando os referidos pontos daquela RCM, violaram normas de direito da União Europeia [UE], quer primário como derivado, essencial e respetivamente, do disposto nos arts. 174.º do TFUE, 03.º, n.º 2, e 05.º ambos do Reg. (CE) n.º 1083/2006, juízo esse reputado de errado pela referida R. quanto àquilo que foi a interpretação/aplicação feita pelas instâncias do referido quadro normativo à situação sub specie.
18. Vejamos, cotejando, primeiramente, o quadro normativo [o invocado e o ainda tido por relevante] e, depois, aquilo que foi a jurisprudência firmada pelo TJUE sobre o conteúdo e alcance de normas sobre a matéria [cfr., in casu, o seu Ac. de 19.12.2012, «GAMP», C-579/11, ECLI:EU:C:2012:833, consultável in: «www.curia.europa.eu/juris/» - sítio a que se reportarão também todas as demais citações de acórdãos daquele Tribunal sem expressa referência em contrário] quando confrontado com o pedido de reenvio prejudicial que veio a ser realizado, como referido, no âmbito da ação administrativa especial sob o n.º 2455/09.9BEPRT, jurisprudência essa que, atento os princípios do primado e da interpretação conforme ou compatível com o Direito da União, vincula todos os tribunais nacionais nos processos em que tal quadro normativo seja aplicável e que importa aqui ser acolhida e tomada em devida consideração na aplicação do mesmo quadro na decisão a dar ao litígio, garantindo, desta forma, a plena efetividade dos normativos do direito da União e a obtenção de uma solução conforme com a finalidade pelos mesmos prosseguida.
19. Assim, no quadro do direito da União, resultava do art. 174.º do TFUE, preceito integrante do Título XVIII relativo à «Coesão económica, social e territorial», que:
«[a] fim de promover um desenvolvimento harmonioso do conjunto da União, esta desenvolverá e prosseguirá a sua ação no sentido de reforçar a sua coesão económica, social e territorial. … Em especial, a União procurará reduzir a disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas. … Entre as regiões em causa, é consagrada especial atenção às zonas rurais, às zonas afetadas pela transição industrial e às regiões com limitações naturais ou demográficas graves e permanentes, tais como as regiões mais setentrionais com densidade populacional muito baixa e as regiões insulares, transfronteiriças e de montanha».
20. Disciplinava-se, no que aqui releva, no preceito seguinte que:
«
[o]s Estados-Membros conduzirão e coordenarão as suas políticas económicas tendo igualmente em vista atingir os objetivos enunciados no artigo 174.º. A formulação e a concretização das políticas e ações da União, bem como a realização do mercado interno, terão em conta os objetivos enunciados no artigo 174.º e contribuirão para a sua realização. A União apoiará igualmente a realização desses objetivos pela ação por si desenvolvida através dos fundos com finalidade estrutural (Fundo Europeu de Orientação e de Garantia Agrícola, secção "Orientação"; Fundo Social Europeu; Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional), do Banco Europeu de Investimento e dos demais instrumentos financeiros existentes …».
21. Deriva, assim, do direito primário da União, desde logo, uma clara preocupação da União Europeia [UE] de que não apenas entre os países que a integram, mas, também, de que entre as múltiplas e diversas regiões que, enquanto sendo partes daqueles, a compõem, exista um maior equilíbrio, uma maior aproximação dos seus estádios de desenvolvimento [em termos de criação de riqueza (de investimentos, de emprego e de qualidade de vida) e de equipamentos], com o intuito de assim promover e lograr obter um desenvolvimento harmonioso da União como um todo.
22. Esta preocupação que, aliás, ressuma e é espelho, desde logo, o quadro normativo acabado de convocar, está igualmente presente em variados outros atos normativos de direito derivado, ou noutros documentos e instrumentos que foram e vem sendo produzidos pela UE, mormente as Comunicações da Comissão de 14.05.2008 [COM(2008) 301 final, respeitante aos resultados das negociações referentes a estratégias e programas da política de coesão para o período da programação de 2007-2013] e de 06.10.2008 [COM(2008) 616 final, respeitante ao «Livro Verde sobre a Coesão Territorial Europeia - Tirar Partido da Diversidade Territorial» {SEC(2008) 2550}], e, com especial relevância para o litígio sub specie, o referido Reg. (CE) n.º 1083/2006 [diploma no qual se estabeleciam as disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional (FEDER), o Fundo Social Europeu (FSE) e o Fundo de Coesão e que, entretanto, foi objeto de revogação pelo Regulamento (UE) n.º 1303/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013].
23. Pode ler-se, aliás, naquela Comunicação [COM (2008) 616 final] que a «coesão territorial» «procura alcançar o desenvolvimento harmonioso de todos … territórios - [da União] - e facultar aos seus habitantes a possibilidade de tirar o melhor partido das características de cada um deles» e que, nessa medida, a mesma «é um fator de conversão da diferença em vantagem, contribuindo, assim, para o desenvolvimento sustentável de toda a UE».
24. De notar que o objetivo da coesão foi alargado com o próprio TFUE com a expressa menção não só à «coesão económica e social» mas, também, à «coesão territorial», sendo que a primeira responsabilidade da sua prossecução impende, desde logo, sobre cada um dos Estados-Membros [EM] como ressalta do art. 175.º do TFUE, aos quais compete e cabe conduzir e coordenar as suas políticas económicas de modo a «atingir os objetivos enunciados no art. 174.º», cabendo, também, à União, na formulação e concretização das suas políticas e na realização do mercado interno, ter em atenção àqueles objetivos, o que acarreta e implica que a «coesão territorial» deixou de se mostrar reconduzida à esfera ou nível intergovernamental e passou a gozar de «estatuto comunitário», no quadro e exercício de uma gestão partilhada entre UE e EM, constituindo os fundos estruturais e de coesão o instrumento principal da Política de Coesão.
25. Convocando, agora, no quadro do direito derivado da União o quadro normativo pertinente resultava do art. 03.º do Reg. (CE) n.º 1083/2006, com a epígrafe de «objetivos», que:
«[a] ação levada a cabo pela Comunidade a título do artigo 158.º do Tratado - [(CE) e atual art. 174.º do TFUE] - tem por objetivo reforçar a coesão económica e social da União Europeia alargada a fim de promover um desenvolvimento harmonioso, equilibrado e sustentável. Esta ação deve ser realizada com a ajuda dos fundos, do Banco Europeu de Investimento (BEI) e dos outros instrumentos financeiros existentes. Destina-se a reduzir as disparidades económicas, sociais e territoriais, sobretudo nos países e regiões com atrasos de desenvolvimento, e relacionadas com a reestruturação económica e social e o envelhecimento da população. (…) A ação realizada no âmbito dos fundos deve integrar, a nível nacional e regional, as prioridades da Comunidade a favor do desenvolvimento sustentável, reforçando o crescimento, a competitividade, o emprego e a inclusão social, e protegendo e melhorando a qualidade do ambiente» [n.º 1]
«
[p]ara o efeito, o FEDER, o FSE, o Fundo de Coesão, o BEI e os outros instrumentos financeiros existentes devem contribuir de forma adequada para a realização dos três objetivos seguintes: … a) O Objetivo da Convergência, que se destina a acelerar a convergência dos Estados-Membros e das regiões menos desenvolvidos, melhorando as condições de crescimento e de emprego através do aumento e melhoria da qualidade do investimento em capital físico e humano, do desenvolvimento da inovação e da sociedade baseada no conhecimento, da capacidade de adaptação às mudanças económicas e sociais, da proteção e melhoria do ambiente, e da eficácia administrativa. Este objetivo constitui a prioridade dos fundos; … b) O Objetivo da Competitividade Regional e do Emprego, que se destina, fora das regiões menos desenvolvidas, a reforçar a competitividade e a capacidade de atração das regiões, bem como o emprego, antecipando-se às mudanças económicas e sociais, incluindo as relacionadas com a abertura do comércio, através do aumento e melhoria da qualidade do investimento em capital humano, da inovação e da promoção da sociedade baseada no conhecimento, do espírito empresarial, da proteção e melhoria do ambiente, da melhoria da acessibilidade, da adaptabilidade dos trabalhadores e das empresas, bem como da criação de mercados de trabalho inclusivos; e … c) O Objetivo da Cooperação Territorial Europeia, que se destina a reforçar a cooperação transfronteiriça através de iniciativas locais e regionais conjuntas, a reforçar a cooperação transnacional mediante ações em matéria de desenvolvimento territorial integrado relacionado com as prioridades da Comunidade, e a reforçar a cooperação inter-regional e o intercâmbio de experiências ao nível territorial adequado» [n.º 2]
«
[n]o âmbito dos três objetivos a que se refere o n.º 2, a intervenção dos fundos, em função da sua natureza, deve ter em conta, por um lado, as características económicas e sociais específicas e, por outro, as características territoriais específicas. A intervenção deve apoiar, de forma adequada, o desenvolvimento urbano sustentável, sobretudo como parte do desenvolvimento regional, e a renovação de zonas rurais e de zonas dependentes da pesca através da diversificação económica. A intervenção deve apoiar igualmente as zonas com desvantagens geográficas ou naturais que agravam os problemas de desenvolvimento, em particular as zonas ultraperiféricas a que se refere o n.º 2 do artigo 299.º do Tratado - [(CE) e atual art. 349.º do TFUE] -, bem como as regiões setentrionais de muito baixa densidade populacional, determinadas ilhas e Estados-Membros insulares, e zonas de montanha» [n.º 3].
26. Dispunha-se, ainda, no art. 04.º do mesmo Regulamento que:
«
[o]s fundos contribuem, cada um em função das disposições específicas que o regem, para alcançar os três objetivos a que se refere o n.º 2 do artigo 3.º de acordo com a seguinte repartição: … a) Objetivo da Convergência: FEDER, FSE e Fundo de Coesão; … b) Objetivo da Competitividade Regional e do Emprego: FEDER e FSE; … c) Objetivo da Cooperação Territorial Europeia: FEDER» [n.º 1]
«[o] Fundo de Coesão intervém também nas regiões não elegíveis para apoio a título do Objetivo da Convergência nos termos dos critérios previstos no n.º 1 do artigo 5.º que pertençam a: …a) Um Estado-Membro elegível para apoio a título do Fundo de Coesão nos termos dos critérios previstos no n.º 2 do artigo 5.º; e … b) Um Estado-Membro elegível para apoio a título do Fundo de Coesão nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 8.º» [n.º 2]
«
[o]s fundos contribuem para financiar a assistência técnica por iniciativa dos Estados-Membros e da Comissão» [n.º 3].
27. Derivava, no que aqui releva, do art. 05.º, preceito integrante do Capítulo III do mesmo Regulamento o qual dizia respeito à «elegibilidade geográfica», que:
«
[a]s regiões elegíveis para financiamento pelos fundos estruturais a título do Objetivo da Convergência são as que correspondem ao nível 2 da Nomenclatura Comum das Unidades Territoriais Estatísticas (adiante designadas “nível NUTS 2” na aceção do Regulamento (CE) n.º 1059/2003, cujo produto interno bruto (PIB) per capita, medido em paridades de poder de compra e calculado a partir dos dados comunitários relativos ao período de 2000-2002, seja inferior a 75 % do PIB médio da UE-25 para o mesmo período de referência» [n.º 1]
«[o]s Estados Membros elegíveis para financiamento pelo Fundo de Coesão são aqueles cujo rendimento nacional bruto (RNB) per capita, medido em paridades de poder de compra e calculado a partir dos dados comunitários relativos ao período de 2001-2003, seja inferior a 90 % do RNB médio da UE-25, e que tenham um programa de cumprimento das condições de convergência económica a que se refere o artigo 104.º do Tratado - [(CE) e atual art. 126.º do TFUE]» [n.º 2].
28. Nos termos do seu art. 06.º:
«[a]s regiões elegíveis para financiamento pelos fundos estruturais a título do Objetivo da Competitividade Regional e do Emprego são as que não estão abrangidas pelo n.º 1 do artigo 5.º nem pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 8.º … Ao apresentar o quadro de referência estratégico nacional referido no artigo 27.º, o Estado-Membro em causa deve indicar as regiões do nível NUTS 1I ou NUTS 2 em relação às quais apresentará um programa a financiar pelo FEDER».
29. E em decorrência do que se mostrava disciplinado neste preceito e nos arts. 05.º, n.º 3, e 08.º, n.º 4, do mesmo Regulamento, cumpre também trazer à colação, para efeitos da referida «elegibilidade geográfica», a Decisão da Comissão 2006/595/CE, de 04.08.2006 [através da qual foi estabelecida, para o período de 2007/2013, a lista das regiões elegíveis para financiamento pelos fundos estruturais no âmbito do objetivo «Convergência» de acordo com as NUTS instituídas no Regulamento (CE) n.º 1059/2003 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de maio de 2003], resultando do seus art. 01.º e anexo I, que as regiões NUTS 2 elegíveis para o objetivo «Convergência» na aceção do art. 05.º, n.º 1, do Reg. (CE) n.º 1083/2006 eram, no que a Portugal dizia respeito, as regiões do Norte, do Centro, do Alentejo e a Região Autónoma dos Açores, sendo que, nos termos do art. 02.º e anexo II à mesma Decisão, a região do Algarve era classificada como uma região NUTS 2 igualmente elegível para financiamento pelos fundos estruturais no âmbito do mesmo objetivo desde que verificadas as condições transitórias enunciadas no art. 08.º do citado Regulamento.
30. Nessa medida, a região de Lisboa não se encontrando mencionada na Decisão 2006/595/CE não era elegível para financiamento pelos fundos estruturais no âmbito do objetivo «Convergência», tratando-se, contudo, de região que era elegível para financiamentos pelo FSE a título do objetivo «Competitividade Regional e Emprego» [cfr. art. 06.º do Reg. (CE) n.º 1083/2006 e 1º considerando da Decisão da Comissão C(2007) 5157, de 16 de outubro de 2007 - que adoptou o programa operacional Potencial Humano de intervenções comunitárias do Fundo Social Europeu a título do Objetivo da Convergência nas regiões Norte, Centro, Alentejo e de forma transitória na região do Algarve e a título do Objetivo da Competitividade Regional e Emprego na região de Lisboa].
31. Ainda com pertinência para a análise da situação sub specie extraia-se do referido Reg. (CE) n.º 1083/2006 que «[a] execução dos programas operacionais referidos no artigo 31.º é da responsabilidade dos Estados-Membros ao nível territorial adequado, em conformidade com o sistema institucional específico de cada Estado-Membro. Essa responsabilidade deve ser exercida em conformidade com o presente regulamento» [cfr. seu art. 12.º], que «as dotações totais atribuídas a cada Estado-Membro a título de cada um dos objetivos dos fundos e das respetivas vertentes não são transferíveis entre si» [cfr. seu art. 22.º], e que «as regras relativas à elegibilidade das despesas são fixadas a nível nacional, sem prejuízo das exceções previstas nos regulamentos específicos para cada fundo» [cfr. n.º 4 do seu art. 56.º].
32. E, em cumprimento do comando inserto no referido art. 175.º do TFUE, disciplinava-se no art. 27.º do mesmo Regulamento que «[c]ada Estado-Membro deve apresentar um quadro de referência estratégico nacional que assegure a coerência da intervenção dos fundos com as orientações estratégicas da Comunidade em matéria de coesão e que identifique a ligação entre as prioridades da Comunidade, por um lado, e o seu programa nacional de reformas, por outro» [n.º 1] e em que «[o]s quadros de referência estratégicos nacionais constituem um instrumento de referência para efeitos de preparação da programação dos fundos» [n.º 2], cientes de que quadro de referência estratégico nacional «aplica-se ao Objetivo da Convergência e ao Objetivo da Competitividade Regional e do Emprego …» [n.º 3] e que cada um é preparado por cada EM de modo concertado com a Comissão a fim de assegurar uma abordagem comum [cfr. § 2.º do n.º 1 do seu art. 28.º], para além de que, por força do disciplinado nos arts. 32.º, 34.º e 35.º do mesmo Regulamento, a ação dos fundos nos EM assume a forma de programas operacionais [PO] no âmbito dos respetivos QREN, os quais devem, em regra e salvo acordo com a Comissão, abranger «apenas um dos três objetivos referidos no artigo 3.º» que os fundos europeus visam prosseguir, beneficiando «do financiamento de um único fundo», e em que os PO «apresentados a título do Objetivo da Convergência são elaborados ao nível geográfico adequado, e pelo menos ao nível NUTS 2».
33. Estribando-se e fazendo aplicação do quadro normativo da União acabado de elencar e passando, agora, ao quadro normativo interno/nacional, temos que, ao abrigo do n.º 1 do art. 32.º do Reg. (CE) n.º 1083/2006, foram aprovados, então e no plano do direito nacional, desde logo, o QREN 2007/2013 através da referida RCM n.º 86/2007, constando com relevância do seu Anexo V, respeitante às «regras para determinação da elegibilidade das despesas em função da localização e quantificação dos efeitos de difusão (“spill-over effects”)», e em especial dos seus pontos 6. [«Regra Geral de Elegibilidade Territorial das Despesas»], 7. [«Exceções à regra geral de elegibilidade territorial das despesas»] e 8. [«Metodologias específicas para determinação da elegibilidade das despesas nos casos excecionados (determinação do efeito de difusão)»], o seguinte:
«
As despesas relativas a operações cofinanciadas pelos Fundos Estruturais e pelo Fundo de Coesão são elegíveis aos Programas Operacionais se forem realizadas nas NUTS II abrangidas por cada um desses PO. (…) Este critério geral de elegibilidade territorial da despesa é operacionalizado, por regra, pela localização do investimento. (…) No caso de investimentos de natureza material (em que é claramente identificável a localização do investimento) a sua aplicação é imediata. (…) No caso de investimentos de natureza imaterial, a operacionalização do critério de elegibilidade territorial é aferido em função da localização da entidade beneficiária - definida pela localização da sua sede ou pela localização da delegação (ou estabelecimento) responsável pela execução da operação. (…) Constituem exceções à regra geral de elegibilidade territorial das despesas as relativas a: a) Operações com relevante efeito de difusão (“spill-over effect”), nos domínios e nos moldes definidos nos pontos 7. e 8.; b) Operações relativas a Assistência Técnica à intervenção dos Fundos Estruturais, nos termos referidos no ponto 9» [ponto 6];
«Constituem exceções à regra geral de elegibilidade territorial das despesas as relativas a operações cuja concretização tem lugar na NUTS II de Lisboa (…), mas cujos efeitos se difundem pelas restantes regiões do Continente e são considerados muito relevantes para o desenvolvimento das regiões objetivo “Convergência” do Continente. (…) Importa ter presente que estas tipologias de intervenções constituem casos excepcionais, devidamente justificados em função da natureza das operações e do efeito multiplicador que provocam em regiões distintas daquelas em que realiza o investimento. (…) Estas tipologias representam, no seu conjunto, uma pequena percentagem da dotação financeira dos Fundos Estruturais em termos de programação. (…) As orientações apresentadas nos parágrafos seguintes, estabelecidas em parceria entre a Comissão Europeia e as Autoridades Portuguesas poderão, nas situações pertinentes, ser objecto de especificações adicionais no âmbito de cada Programa Operacional Temático» [ponto 7];
«(…) Eixo 4 - Administração Pública Eficiente e de Qualidade (…) Em função da grande concentração de serviços da Administração Pública na região-capital é natural que aqui se concentrem parte significativa dos investimentos a realizar, sendo neste caso particularmente desequilibrada a relação territorial entre a localização dos investimentos e a produção dos seus efeitos. (…) Metodologia específica, comum a todas as tipologias do Eixo Prioritário Administração Pública Eficiente e de Qualidade: (…) A.2.3 - Tipologia de Investimentos “Administração eletrónica (integração, administração em rede)”: a) Avaliação dos efeitos de difusão nas regiões “convergência” do Continente de acordo com a concentração nestas regiões da população residente. (…) b) Quantificação dos efeitos de difusão: Concentração da população residente nas NUTS II Norte, Centro e Alentejo no quadro da população residente do continente: 68,5% (4.º Relatório da Coesão, Eurostat, 2004). (…) c) Quantificação das despesas realizadas na região NUTS II Lisboa elegíveis ao PO Temático Fatores de Competitividade: Para cada € 1000 de investimento em projetos de modernização da administração pública localizado na NUTS II Lisboa será elegível pelo Eixo “Administração Pública Eficiente e de Qualidade” do PO Fatores de Competitividade o investimento de € 685…» [ponto 8] [vide, ainda, n.º 2 do ponto A do Anexo A do Regulamento de Execução do Sistema de Apoios à Modernização Administrativa (RESAMA), onde se previa que «no caso de despesas elegíveis realizadas na região NUTS II Lisboa, apenas será considerado elegível 68,5% do respetivo montante, nos termos definidos no Anexo V do QREN»].
34. E, em 05.10.2007, veio a ser aprovado pela Comissão o «Programa Operacional Temático Fatores de Competitividade - COMPETE» [POTFC], que Portugal havia apresentado no âmbito do objetivo da «Convergência», tendo entre os seus eixos prioritários, tal como resultava do QREN [anexo V], o «Eixo 4 - Administração Pública Eficiente e de Qualidade», no qual se integram as tipologias de investimentos «Desmaterialização, simplificação e reengenharia de processos», «Melhoria do atendimento» e «Administração eletrónica (integração, administração em rede)».
35. Presente e cientes de todo o quadro normativo antecedente, importa convocar, também e como resulta do atrás referido, a jurisprudência do TJUE já que o mesmo teve oportunidade de firmar interpretação sobre tal quadro nos termos e motivação constantes do citado acórdão datado de 19.12.2012 [«GAMP», C-579/11, n.ºs 30 a 39], e donde se extrai a enunciação do seguinte entendimento interpretativo:
«[a]s disposições do direito primário da União relativas à coesão económica, social e territorial e o Regulamento (CE) n.º 1083/2006 do Conselho … que estabelece disposições gerais sobre o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, o Fundo Social Europeu e o Fundo de Coesão … devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um investimento cofinanciado pela União Europeia seja implementado a partir de uma localidade situada fora das regiões elegíveis e por um operador instalado nessa localidade, na condição de esse investimento se destinar, de forma específica e identificável, às regiões elegíveis».
36. Para o efeito expendeu a seguinte linha fundamentadora donde se extrai, por um lado, que «decorre desde logo de uma leitura conjugada dos artigos 174.º, segundo parágrafo, TFUE e 175.º, primeiro parágrafo, TFUE que os fundos estruturais e os restantes instrumentos financeiros da União que contribuem para a coesão económica, social e territorial têm, em especial, por objetivo reduzir o fosso entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas. Este objetivo é, aliás, recordado no considerando 1 do Regulamento n.º 1083/2006 e deve ser tido em conta pelos Estados-Membros na implementação dos investimentos cofinanciados através dos referidos fundos e instrumentos (…)», objetivo expresso, também, no art. 03.º, n.º 2, al. a), do referido Regulamento, e que «[e]m conformidade com esta finalidade, o legislador da União fixou critérios para definir as regiões e as zonas elegíveis. No que se refere ao Objetivo da Convergência, o artigo 5.º do Regulamento n.º 1083/2006 dispõe que as regiões elegíveis para financiamento pelos fundos estruturais são as regiões NUTS 2, concretamente, as regiões “cujo produto interno bruto (PIB) per capita, medido em paridades de poder de compra e calculado a partir dos dados comunitários relativos ao período de 2000-2002, seja inferior a 75% do PIB médio da UE-25 para o mesmo período de referência”», daí decorrendo, assim, «sem ambiguidade da referida finalidade e do critério de acordo com o qual esta é prosseguida que a utilização dos fundos estruturais para a realização do Objetivo da Convergência deve especificamente beneficiar as regiões NUTS 2. Este requisito é, além do mais, enfatizado pela expressão “Elegibilidade geográfica”, utilizada como epígrafe do capítulo que compreende os artigos 5.º a 8.º do Regulamento n.º 1083/2006, bem como pelo artigo 35.º, n.º 1, primeiro parágrafo, deste regulamento, segundo o qual cada programa operacional abrangido pelo referido objetivo deve ser elaborado “ao nível geográfico adequado, e pelo menos ao nível NUTS 2”» [n.ºs 30.º a 33.º].
37. Mas que, por outro lado, e «[e]m contrapartida, não se pode deduzir do Regulamento n.º 1083/2006 nem das disposições do direito primário relativas à coesão económica, social e territorial que o operador responsável pela implementação do investimento deve necessariamente estar instalado na região a que o investimento se destina. Além disso, não resulta destes diplomas que a utilização dos fundos deve, em todos os casos, ter fisicamente lugar na referida região», já que «[como observaram o Governo português e a Comissão Europeia, o interesse da região que deve beneficiar do cofinanciamento pela União é mais bem servido quando o operador responsável pela implementação oferece as melhores garantias qualitativas e quantitativas para a boa execução do projeto», porquanto «[q]uando esse operador está instalado fora da referida região, esta circunstância não deve obstar a que o projeto lhe seja confiado», importando «considerar a este respeito que, embora a finalidade dos fundos estruturais e dos restantes instrumentos financeiros da União, recordada nos n.ºs 30 e 31 do presente acórdão, seja acelerar a convergência das regiões menos desenvolvidas, tal finalidade não consiste, no entanto, em reservar as prestações de serviços efetuadas no âmbito dos programas cofinanciados pela União apenas para os operadores instalados nessas regiões» dado que «em conformidade com a referida finalidade, são essas regiões que devem beneficiar do cofinanciamento pela União, e não os operadores que aí estão instalados» e que «[d]e igual modo, como expuseram os Governos português e neerlandês, o interesse da região elegível é por vezes tão bem e até melhor assegurado quando o investimento é implementado a partir de uma localidade situada fora do seu território», termos em que «[a]tendendo às considerações precedentes, o facto de as entidades em causa no processo principal, responsáveis pela implementação do investimento, estarem instaladas numa localidade situada fora das regiões NUTS 2 visadas e de assegurarem, a partir dessa localidade, a formação dos funcionários da Administração Pública que exercem as suas funções em prol dos habitantes dessas regiões não infringe as regras da elegibilidade geográfica enunciadas no Regulamento n.º 1083/2006»[n.ºs 34.º a 37.º].
38. Para, por fim, exigir e concluir que «[t]odavia, evidentemente, o investimento assim implementado deve, desde que cofinanciado no âmbito do Objetivo da Convergência, ser destinado, de forma específica e identificável, às referidas regiões NUTS 2. No processo principal, incumbirá ao órgão jurisdicional de reenvio examinar se este requisito se verifica. Incumbir-lhe-á, em especial, verificar se é devidamente justificada a regra enunciada no n.º 8 do anexo V do QREN, segundo a qual 68,5% das despesas realizadas em Lisboa são elegíveis devido ao facto de os efeitos causados por esta proporção de despesas se situarem nas regiões do Norte, Centro e Alentejo» [n.º 38.º].
39. Assentes o quadro normativo a considerar e a interpretação vinculante que se mostra firmada pelo TJUE defende a R. CD/COMPETE, aqui recorrente, que as instâncias, nomeadamente o acórdão recorrido, incorreram em errada interpretação e aplicação daquele quadro e da interpretação firmada.
40. Avançando, desde já, com o nosso juízo quanto ao mérito da revista sub specie impõe-se concluir, presente os quadros factual e normativo e a interpretação firmada pelo TJUE, no sentido de que não assiste razão à aqui recorrente, pelo que o referido recurso não pode proceder.
41. Motivando o juízo acabado de enunciar importa notar, como supra referido, que extrai-se do quadro normativo da UE a existência de uma clara preocupação com as disparidades existentes entre as regiões integrantes daquela União e assunção de um objetivo de convergência de níveis de desenvolvimento regionais através da promoção de maior equilíbrio e aproximação dos estádios de desenvolvimento das mesmas mediante a redução daquelas disparidades, objetivo de convergência esse central e prosseguido através das políticas estruturais da UE, enquanto expressão espacial do princípio da coesão económica e social.
42. E que tal objetivo é prosseguido e concretizado no quadro dos respetivos programas e correspondente afetação de fundos, através de dotações financeiras diferentes que permitam distinguir e favorecer as denominadas «regiões de convergência», tanto mais que tais fundos constituindo dispositivos ou meios de reequilíbrio destinados a incentivar as convergências entre as regiões da União têm, como o afirmou o TJUE no acórdão citado, por especial objetivo «reduzir o fosso entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas» [n.º 30.º].
43. Para além disso, na e para a realização de tal objetivo os programas nacionais elaborados/aprovados e os atos proferidos em aplicação dos mesmos no âmbito dos EM deverão observar e respeitar desde logo todo um quadro principiológico-normativo constante dos Tratados e também, nomeadamente, do referido Reg. (CE) n.º 1083/2006, dos quais ressaltam os princípios do nível geográfico adequado e da elegibilidade territorial das dotações financeiras [cfr. nomeadamente, art. 05.º, do Reg. (CE) n.º 1083/2006], da especificidade dos fundos [regra do programa mono-fundo - cada programa operacional (PO) é apenas objeto de apoio financeiro por um Fundo Estrutural - cfr. art. 34.º, n.º 1, do Reg. (CE) n.º 1083/2006], do mono-objetivo [cada PO deve prosseguir apenas um objetivo - cfr. art. 32.º, n.º 1, do referido Regulamento] e da não transferibilidade dos recursos [cfr. art. 22.º do mesmo Regulamento].
44. E que, no que especificamente diz respeito à elegibilidade das despesas relativas a operações cofinanciadas pelos Fundos Estruturais e pelo Fundo de Coesão no âmbito dos Programas Operacionais [PO] quando realizadas nas NUTS 2 abrangidas por cada um desses PO, foi definida no QREN, como regra geral em aplicação daquele quadro, o da elegibilidade territorial das despesas, sendo a mesma operacionalizada, por regra, pela localização do investimento [cfr., nomeadamente, pontos 1, 2 e 6 do Anexo V da RCM n.º 86/2007].
45. Sendo que a referida RCM n.º 86/2007 [e o QREN por ela aprovado] consubstancia instrumento normativo nacional, produzido no quadro do fenómeno da «Administração multinível», de concretização no nosso País do regime jurídico disciplinador da política de coesão económica, social e territorial da UE, inserindo-se naquilo que a doutrina vem denominando como «administração em condomínio» ou «coadministração» [cfr., por todos, Pedro Gonçalves, «Influência do direito da União Europeia na organização administrativa dos Estados-Membros», Tópicos para os alunos de Direito Administrativo I, 2ª Turma (…), Faculdade de Direito de Coimbra, 2009, págs. 05/06].
46. Os atos impugnados nos autos sub specie foram aprovados no âmbito do «Programa Operacional Temático Fatores de Competitividade» - «Eixo 4 - Administração Pública Eficiente e de Qualidade» do QREN e mostram-se fundados nos pontos 7 e 8 do aludido Anexo V da referida RCM, respeitando a projetos que corresponderiam, à luz dos seus termos fundamentadores, a «operações com relevante efeito de difusão» [«spill-over effect»] seguindo metodologias específicas para determinação da elegibilidade de despesas, enquanto uma das exceções àquilo que constituía a referida regra geral de elegibilidade territorial das despesas, presente que aquele PO encontrava-se apoiado pelo FEDER no quadro do «Objetivo da Convergência» [cfr. art. 03.º, n.º 2, al. a), do Reg. (CE) n.º 1083/2006].
47. Ora em conformidade com o anexo I da Decisão 2006/595/CE e para o período de 01.01.2007 a 31.12.2013, as regiões portuguesas NUTS 2 elegíveis para financiamento pelos Fundos Estruturais no âmbito do «Objetivo da Convergência» eram as regiões Norte, Centro, Alentejo e Açores, não figurando a região de Lisboa naquele elenco [cfr. n.º 1 do art. 05.º do Reg. (CE) n.º 1083/2006] já que, como aludido supra, a mesma região apenas preenchia as condições de elegibilidade para financiamento pelo FSE a título do objectivo da «Competitividade Regional e Emprego» [cfr. arts. 03.º, n.º 2, al. b), e 06.º do referido Regulamento].
48. De harmonia com a interpretação feita pelo TJUE o concreto investimento quando cofinanciado no âmbito do «Objetivo da Convergência» carecia, para ser válido e legal, de estar demonstrado quanto ao mesmo o preenchimento do requisito de o mesmo «ser destinado, de forma específica e identificável, às … regiões NUTS 2», cabendo, no caso, determinar se estava devidamente justificada a referida regra excecional enunciada nos pontos 7 e 8 do anexo V do QREN, segundo a qual 68,5% das despesas realizadas em Lisboa só seriam elegíveis se, de facto, os efeitos causados por esta proporção de despesas se situassem nas regiões NUTS 2.
49. Na análise a realizar quanto à verificação daquele requisito, tarefa que foi acometida pelo TJUE aos tribunais nacionais, impõe-se ter em consideração de que, por um lado, dúvidas não se colocam de que, do quadro normativo aplicável e em consonância com a jurisprudência daquele mesmo Tribunal [n.ºs 34 a 37 do citado acórdão], não decorre a imposição de que a utilização dos Fundos da União deva «em todos os casos, ter fisicamente lugar na referida região», nem que o operador responsável pela implementação do investimento tenha necessariamente de «estar instalado na região - NUTS 2 - a que o investimento se destina», visto a circunstância de o mesmo estar instalado fora de região NUTS 2 tal não dever «obstar a que o projeto lhe seja confiado», já que a prestação de serviços efetuadas no âmbito dos programas cofinanciados pela União não está reservada «apenas para os operadores instalados nessas regiões», porquanto «são essas regiões que devem beneficiar do cofinanciamento pela União, e não os operadores que aí estão instalados».
50. E de que, nessa medida, pelo mero «facto de as entidades em causa no processo principal, responsáveis pela implementação do investimento, estarem instaladas numa localidade situada fora das regiões NUTS 2 visadas e de assegurarem, a partir dessa localidade, a formação dos funcionários da Administração Pública que exercem as suas funções em prol dos habitantes dessas regiões» daí não deriva que se mostrem automática e necessariamente infringidas as regras da elegibilidade geográfica enunciadas, mormente, no Reg. (CE) n.º 1083/2006, podendo um investimento cofinanciado pela UE ser «implementado a partir de uma localidade situada fora das regiões elegíveis e por um operador instalado nessa localidade».
51. Mas na efetivação desse juízo e de harmonia com a mesma jurisprudência exige-se que resulte justificado/demonstrado que ainda que o investimento venha a ser realizado naqueles termos o mesmo se destina ou veio a ser destinado «de forma específica e identificável, às regiões elegíveis» [as incluídas nas NUTS 2], dado que «a prioridade dos fundos estruturais e do Fundo de Coesão consiste em acelerar a convergência dos Estados-Membros e das regiões menos desenvolvidos» definidas como «zonas elegíveis» no quadro do «Objetivo da Convergência» e que, por isso, «a utilização dos fundos estruturais para a realização do Objetivo da Convergência deve especificamente beneficiar as regiões NUTS 2» [vide n.ºs 31 a 33 do mesmo acórdão], ou seja, a intervenção comunitária operada através dos fundos europeus deve recair especificamente sobre as regiões menos favorecidas, ou seja, aquelas regiões NUTS 2, de molde a que, pela convergência, efetivamente se promova e realize o objetivo da coesão económica, social e territorial de todo o espaço da União.
52. O que significa que as operações/dotações financeiras afetas à realização do «Objetivo da Convergência» para serem elegíveis como subvenções devem especificamente ser aplicadas nas regiões por ele abrangidas [regiões NUTS 2] ou em seu benefício para assim lograrem a real concretização daquele objetivo e finalidade, sob pena da sua frustração ou fraude, sendo que quando implementados a partir de uma localidade situada fora daquelas regiões e por um operador instalado nessa localidade exige-se que tal benefício deve ser identificável e demonstrável, impondo-se para tal nestas situações que as regras e a sua aplicação permitam lograr demonstrar a prossecução daquele objetivo, ou seja, no que releva para o caso sub specie, que quanto ao invocado «efeito difusor» dos investimentos aprovados pelos atos impugnados seja possível identificar e demonstrar in casu o efetivo benefício nas regiões NUTS 2, determinando e quantificando-o.
53. Ora na situação sob apreciação temos que, tal como concluíram com acerto as instâncias, quanto aos investimentos/operações aprovados pelos atos impugnados no âmbito do «Eixo 4 - Administração Pública Eficiente e de Qualidade» e cofinanciados no âmbito do «Objetivo da Convergência» não resulta preenchido ou demonstrado o requisito de os mesmos se destinarem ou beneficiarem de forma específica e identificável as regiões NUTS 2 [Norte, Centro, Alentejo e Açores] como decorre, nomeadamente, dos arts. 174.º e 175.º do TFUE, 03.º, 05.º, 22.º e 35.º do Reg. (CE) n.º 1083/2006 e da interpretação firmada pelo TJUE, não estando, assim, devidamente justificada a regra excecional quanto a uma concreta determinação e identificação do específico benefício para aquelas regiões adveniente do «efeito difusor» [«spill-over effect»] conforme o mesmo se mostra enunciado nos pontos 7 e 8 do anexo V da RCM n.º 86/2007 [QREN 2007-2013] ou pelo menos do seu valor indicativo.
54. É que, na verdade, como as operações financiadas não se mostram prioritariamente dirigidas à produção de efeitos nas referidas regiões NUTS 2, mas a ali produzirem relevantes «efeitos difusores» [«spill-over effects»], não é um dado automaticamente garantido que as despesas em causa beneficiem aquelas regiões nos termos exigidos e que, assim, aquelas operações sejam coerentes com os objetivos e as orientações da União neste domínio.
55. A metodologia específica enunciada nos referidos pontos 7 e 8 do referido anexo V não permite demonstrar que os investimentos assim implementados e «efeito difusor» a eles atribuído se destinaram ou vieram a ser destinados de forma específica e identificável em benefício das regiões NUTS 2, tanto mais que os mesmos não só se encontram estribados num plano conceptual automático e abstrato, mas, também, por que realizados no quadro de uma política de matriz e abrangência geral, dirigida ou visando o todo nacional e de modo claramente indistinto, com uma finalidade de melhoria da eficiência e da qualidade da nossa Administração Pública, e, como tal, sem um qualquer cariz específico e de identificado impacto ou benefício naquelas regiões de molde a, assim, contribuir para os esforços de aproximação e convergência e prossecução do objetivo da coesão que norteiam a aplicação destes fundos.
56. Com efeito, visando a utilização dos fundos estruturais e do Fundo de Coesão o acelerar a convergência das regiões menos desenvolvidas [mormente, as regiões NUTS 2] temos que a prossecução daquele desiderato através de investimentos/operações financiados por aqueles fundos exige que os mesmos se destinem de forma específica e identificável àquelas regiões, sob pena de a sua finalidade ou objetivo sair frustrado ou defraudado.
57. Por outro lado, e sem prejuízo do que tem sido a discussão e controvérsia que a ciência económica tem feito em torno da demonstração em geral do conceito de «spill-over effect», da sua existência, dos domínios de aplicação e do seu âmbito, mormente e em especial na matéria do desenvolvimento, e, bem assim, dos seus critérios de quantificação/determinação, e do que a também própria ciência regional tem desenvolvido em torno das teorias de desenvolvimento, do crescimento/convergência e dos seus modelos, bem como dos «efeitos negativos da polarização e back-wash» [cfr., entre outros, Manuel Porto e Miguel Gorjão-Henriques, «O fenómeno de capital (spill-over effect): Uma nova categoria económico-jurídica», in: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Jorge Figueiredo Dias, pág. 902, nota 4 e doutrina aí referida; Manuel Porto, «A política regional na União Europeia», Mário Rui Silva, Sandra Silva, Isabel Maria Godinho e Domingos Santos, «Modelos de crescimento regional», Mário Rui Silva e Sandra Silva, «Convergência versus divergência», textos publicados in: «Compêndio Economia Regional», coordenação José Silva Costa e Peter Nijkamp, vol. I, respetivamente, págs. 795 e segs., 147 e segs., em especial 187/189, 237 e segs.; José Reis, «As relações inter-regionais em Portugal e o “efeito-capitalidade”», in: «Finisterra», XLIV, 88, 2009, págs. 25/36], temos que o critério de quantificação do «efeito difusor» previsto no ponto 8 do Anexo V da RCM n.º 86/2007 [QREN 2007-2013] apresenta-se como de duvidosa adequação para mensurar aquilo que é o seu valor relativamente às candidaturas objeto de aprovação pelos atos impugnados, ao invés do que preconiza o aqui recorrente.
58. Dado aquele «efeito difusor» carecer de ser demonstrável em concreto, por forma a aferir do efetivo preenchimento do requisito respeitante ao específico e identificável destino para as regiões elegíveis dos investimentos feitos com recurso a cofinanciamento pelos fundos estruturais e pelo Fundo de Coesão, importaria ter em consideração variáveis que permitissem identificar e quantificar os veículos de polarização do investimento/desenvolvimento, algo que o critério quantitativo, na sua estrita literalidade, não permite, de forma alguma, apurar.
59. Se o TJUE admitiu, por um lado, que não havia infração às regras da elegibilidade geográfica enunciadas no Reg. [CE] n.º 1083/2006 pelo facto das entidades responsáveis pela implementação dos investimentos estarem instaladas em localidade situada fora das regiões NUTS 2 visadas, temos, por outro lado, que o mesmo não se bastou, nem se ficou por aquela conclusão, nem aceitou a legalidade da regra enunciada no ponto 8 do anexo V da RCM n.º 86/2007 [QREN 2007-2013] quando entendida no sentido de que os investimentos estavam automaticamente justificados, como parece sustentar a recorrente, pois o mesmo exigiu e impôs a avaliação pelos tribunais nacionais da justificação e demonstração de que eram aquelas regiões as beneficiárias e destinatárias na proporção enunciada dos fundos de forma específica e identificável.
60. Destinando-se o concreto PO a realizar investimentos de abrangência e vocação dirigida ao todo nacional e no que aqui releva para uma Administração Pública eficiente e de qualidade [nomeadamente, desmaterialização, simplificação e reengenharia de processos, melhoria do atendimento, e Administração eletrónica (integração, administração em rede)] e à formação de estratégias para a gestão e inovação na Administração Pública, o critério quantitativo previsto no referido ponto 8 de Anexo V [respeitante à população em geral] mostra-se ser inadequado para mensurar os benefícios do «efeito difusor» em causa para as regiões NUTS 2, dado que, efetivamente, não está em causa a população em geral, mas, fundamentalmente, os serviços desenvolvidos no genérico plano nacional pela Administração Pública e, sobretudo, no âmbito das novas tecnologias, sendo que, além disso, importaria captar dos residentes naquelas regiões quais os que poderiam ter ou retirar vantagens diretas com este tipo de ações/investimentos.
61. De facto, estamos em face de ações/investimentos realizados e dirigidos à eficiência e capacitação/melhoria da Administração Pública [estruturas e seus recursos] e não à capacitação/melhoria dos conhecimentos da população em geral, mormente dos residentes nas NUTS 2, ações/investimentos esses que efetivamente, para terem ou possuírem aquela vocação de benefício absoluto e generalista, pressupunham ou implicavam que existisse um conjunto mínimo de conhecimentos e de competências por parte de todos os intervenientes e utilizadores destinatários necessários ao pleno e efetivo funcionamento, aquisição, utilização e fruição das novas funcionalidades e dos serviços disponibilizados, pressuposto esse inexistente, diríamos, na certeza de que a vocação e objetivos daquelas ações/investimentos nenhum reflexo aportam na e para a mudança e a melhoria da capacitação tecnológica dos utentes dos serviços beneficiando-os.
62. Daí que para uma correta justificação e demonstração do requisito do específico e do identificável destino para as regiões elegíveis das despesas de investimento feitas numa localidade situada fora daquelas regiões com recurso a cofinanciamento pelos fundos estruturais e pelo Fundo de Coesão não nos poderemos bastar, como defende o recorrente, com a mensuração através do benefício decorrente do anunciado «efeito difusor» aposto nos termos e teor dos atos normativos já que o mesmo não permite captar os efetivos destinatários finais ou beneficiários abrangidos.
63. É que, por razões várias como, por exemplo, as da falta de escolaridade, de capacidades/conhecimentos tecnológicos e/ou de acesso a estes meios, ou que se prendem, ainda, com a idade ou a falta capacidade económica, não podemos concluir abstrata e generalizadamente pela existência ou verificação de um benefício através de um critério que atende a um conjunto indistinto da população residente em certos espaços de território de Portugal quando sabemos que os estádios de desenvolvimento das suas regiões não são e não estão em pé de igualdade e que, por e para isso, no seio da União se promove e preconiza a coesão económica, social e territorial, definindo e desenvolvendo políticas para a convergência e aproximação das regiões através do recurso e uso criterioso dos fundos estruturais e de coesão de molde a realizar aqueles objetivos.
64. Assim, e como igualmente sustentado pelas instâncias com inteiro acerto, «[n]ão é pelo facto de mais de metade da população do país residir nestas últimas regiões que estas vão forçosamente beneficiar de investimentos desenvolvidos em Lisboa», pois tornava-se «necessário proceder a uma maior densificação normativa dos critérios que presidem à delimitação dos projetos que podem beneficiar desta exceção, pois só assim se possibilitaria uma demonstração concreta da repercussão dos efeitos dos projetos aprovados nas regiões … como vem imposto pelo TJUE», sendo que à «mesma conclusão se chega quando se analisam os despachos de aprovação dos projetos identificados nos pontos 3 e 8 dos factos provados, em conjugação com os pareceres e informações prévias em cuja fundamentação aqueles se basearam» dado que «para além da razão de ser da atribuição de uma determinada pontuação a cada uma das candidaturas aprovadas (em função dos parâmetros de avaliação aplicáveis), estes atos também deveriam patentear os motivos que justificam a respetiva elegibilidade geográfica em face dos efeitos de difusão que os ditos projetos têm relativamente às regiões abrangidas pelo objetivo “Convergência”, requisito que, porém, não foi cumprido».
65. E ainda que se constata «que nem os despachos de aprovação, nem as informações prévias e os pareceres emitidos pela AMA - Agência para a Modernização Administrativa, I.P. fazem qualquer referência (e tão-pouco demonstram) aos efeitos de difusão dos projetos aprovados e que se localizam na região de Lisboa», sendo que os «fatores utilizados para avaliar o mérito das candidaturas apresentadas pelos promotores [nomeadamente, o contributo para a melhoria da prestação do serviço aos cidadãos e às empresas, o contributo para a modernização da entidade beneficiária (efeitos e resultados), o contributo para a estratégia e objetivos da política nacional para a modernização administrativa e administração eletrónica, o grau de inovação ou de utilização de “boas práticas‟ da operação e o grau de envolvimento dos parceiros relevantes ou representatividade à escala nacional/regional] revelam-se demasiado latos e abrangentes para permitir averiguar, em concreto, em que medida tais projetos produzirão efeitos que beneficiam, em primeira linha, as regiões alvo do objetivo “Convergência”».
66. Nessa medida, e não bastando para tal demonstração/justificação do requisito simples menções, genéricas e abstratas, como as insertas no Anexo V da RCM n.º 86/2007, como se as mesmas operassem como um efeito direto e automático, assim como também não colhe o apelo à decisão da Comissão Europeia que aprovou o COMPETE [Dec. de 05.X.2007 C(2007) 4623] ou mesmo do próprio Regulamento de Execução do Sistema de Apoios à Modernização Administrativa [vulgo Regulamento SAMA] [consultável in: www.pofc.qren.pt/ResourcesUser/Legislacao/20090820_Regulamento_SAMA_versao%20aprovada%20CMC_14Agosto09.pdf»] já que dos e nos mesmos também não deriva e não se encontra tal demonstração/justificação, não relevando minimamente uma alegação de que pelo simples facto de a Comissão Europeia haver aprovado o QREN 2007/2013, aquele PO e seus regulamentos, enquanto «guardiã dos Tratados» e a quem cabe dirigir, conceber, monitorizar e implementar os projetos financiados pelos Fundos Europeus, daí tenha de derivar como consequência lógica e necessária quer a total legalidade e validade dos atos pela mesma praticados, quer a legalidade dos atos normativos nacionais e dos atos de aprovação que se mostram impugnados nos autos sub specie.
67. A participação da Comissão Europeia no procedimento de preparação do QREN e demais quadro normativo, nomeadamente aprovando o regime de exceção da elegibilidade das despesas com o anunciado «efeito difusor» [«spill-over effect»], apenas permite qualificar o procedimento como correspondendo, como atrás aludido, a uma atividade de «coadministração», sem que por isso e pela função e o papel que a mesma desempenha e detém seus atos não possam ser considerados ou declarados ilegais, ou que estejam subtraídos ao controlo jurisdicional por uma «imunidade» à apreciação da sua legalidade.
68. E o mesmo se passa com os atos aprovados e proferidos nesta matéria no âmbito ou plano interno pelo Estado Português já que a sua legalidade e o seu respetivo controlo jurisdicional não saem minimamente diminuídos ou beliscados pelo facto de gozarem do respaldo de ou em ato/decisão da Comissão Europeia, mesmo quanto a decisões no âmbito de queixas que lhe foram apresentadas.
69. Importa, para além disso, atentar que, do simples facto de as entidades beneficiárias dos projetos aprovados pelos atos impugnados desenvolverem a sua atividade «em benefício do todo nacional» e de que os resultados dos mesmos projetos se produzirem não apenas na região de Lisboa mas «por todo o território nacional» até atendendo à desconcentração dos serviços, isso não significa, ao invés do que sustenta a aqui recorrente, que esteja feita a demonstração/justificação do requisito de elegibilidade das despesas de investimento feitas para as regiões NUTS 2 numa localidade situada fora daquelas regiões com recurso a cofinanciamento pelos fundos estruturais e de coesão, já que, por genéricas e reportadas a um todo nacional, falha a exigência de justificação da especificidade e identificabilidade do destino às referidas regiões daquelas despesas e de, assim, as fazer efetivamente beneficiar, em decorrência ou através do anunciado «efeito difusor», dos meios e mecanismos de promoção e prossecução da coesão económica, social e territorial, convergindo e aproximando-se das regiões mais evoluídas da União.
70. É certo e não merece discordância o facto de que o Estado Português pode e deve desenvolver políticas abrangentes e com reflexos no todo nacional, mormente de promoção e melhoria das condições, da qualidade e eficiência dos serviços prestados ou facultados aos cidadãos e às empresas pela Administração Pública, assim beneficiando genericamente a população e sem qualquer relação concreta com o território onde a mesma reside ou está sediada e opera.
71. Porém, se o mesmo para o financiamento da implementação e desenvolvimento de tais políticas carece de se socorrer ou de se apoiar em verbas provenientes dos fundos estruturais e de coesão então o uso e alocação das despesas e da sua elegibilidade terá de observar as respetivas regras e de cumprir as finalidades e objetivos a que presidem ou a que se destinam os mesmos fundos em termos da convergência e da coesão.».
Fim da transcrição.
Assim, com tais fundamentos, no caso presente é de concluir que padecem de ilegalidade os investimentos/operações aprovados pelos actos impugnados ao abrigo da regra inserta nos pontos 7 e 8 do anexo V da RCM n.º 86/2007 [QREN 2007-2013] e do adveniente «efeito difusor» [«spill-over effect»], cofinanciados no âmbito do «Objetivo da Convergência» pelos Fundos estruturais e da Coesão da UE, por não se mostrar preenchido o requisito da sua destinação no sentido da redução da disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas, designadamente de forma específica e identificável às regiões NUTS 2 como decorre, nomeadamente, dos arts. 174.º e 175.º do TFUE, 03.º, 05.º, 22.º e 35.º do Reg. (CE) n.º 1083/2006 e da interpretação firmada pelo TJUE no seu acórdão de 19.12.2012 [Proc. C-579/11].
Improcedem os fundamentos do recurso nesta questão.
Quanto à questão alternativa cujo enunciado se reitera:
O Recorrente entende que “…nunca poderia proceder o vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto.
Com efeito, mesmo que se aceitasse essa premissa do TAF do Porto (e a Recorrente não aceita), o problema nunca seria a presumida existência de erro nos pressupostos de facto, mas sim, quanto muito, de falta de fundamentação.
Assim, se se entendesse que, nos atos em crise nestes autos, não são invocados fundamentos (factuais) que demonstrem a produção do efeito spill-over, a falta dessa demonstração redundaria num problema de falta de fundamentação, mas nunca de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto (como erradamente concluiu o TAF do Porto na Sentença aqui objeto de recurso).”.
A questão é, pois, a de saber se a ilegalidade encontrada, ou seja, se a violação da identificada juridicidade por não se mostrar preenchido o requisito da sua destinação no sentido da redução da disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas, designadamente de forma específica e identificável às regiões NUTS 2, consubstancia, não uma violação de lei mas antes um vício de forma por falta de fundamentação.
Tal como foi apreciado pela sentença recorrida — sem que o ora Recorrente haja posto em crise impugnatória, pois não dirige qualquer fundamento em sede de apelação aos fundamentos que na sentença recorrida culminam na decisão de não verificação do vício formal de falta de fundamentação —, de falta de fundamentação não padecem os actos impugnados.
A fundamentação dos actos impugnados existe suficientemente para que se compreenda e cumpra a determinação legal da sua exigência, pois tal como decidido, «…a fundamentação dos despachos de aprovação das candidaturas, integrando em si mesma, de forma implícita, o teor da “decisão de aprovação” e dos anexos a essa mesma “decisão de aprovação”, ou seja, as razões transpostas para a proposta e pareceres que a antecederam, permite apreender, sem incertezas, todo o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo autor do acto, pois que se conhecem os pressupostos considerados para efeitos da aferição dos critérios da elegibilidade territorial e composição do financiamento (FSE e nacional).
E, se assim é, logo se conclui que a fundamentação formal dos actos ora impugnados permite, em concreto, alcançar qual foi o juízo lógico-jurídico quanto aos critérios estabelecidos, em termos de elegibilidade territorial e de financiamento, de premissa maior e menor, dos quais se extrai a conclusão alcançada.».
Ademais, a própria decisão ora sob recurso responde directamente à questão ora suscitada pelo Recorrente, sem que o Recorrente impugne tais fundamentos e veja-se:
«Note-se que se é certo que a questão de saber se a Administração deu ou não a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, se situa no âmbito da validade formal do acto, o mesmo já não sucede, porém, quanto a saber se esses motivos correspondem à realidade e, em caso afirmativo, se são ou não suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa, uma vez que aqui nos situamos já no plano da aferição da validade substancial ou material do agir administrativo.
Portanto, se a fundamentação substancial do agir administrativo é insuficiente ou inapta, do ponto de vista legal, para suportar a decisão alcançada, trata-se de matéria que contenderá com a fundamentação substancial do acto, mas não com a sua fundamentação formal [o que se apreciará infra em sede de erros nos pressupostos de facto e de direito].».
E a sentença recorrida ainda acrescentou uma subsidiária razão, também ela não impugnada pelo ora Recorrente:
«Em todo o caso, diga-se, que mesmo que aqui se detectasse uma qualquer ilegalidade formal, por violação do dever de fundamentação formal, esta pecha jamais se encontraria aqui provida da inerente eficácia invalidante, pois que, à luz da configuração da petição inicial, é possível antever-se que a Autora compreendeu, de forma efectiva e em toda a sua plenitude, o caminho percorrido pela Comissão Directiva do POPH para a aprovação das quatro candidaturas ora em questão, o que sempre quereria dizer que, no caso, se mostrava atingida a finalidade para a qual aquela formalidade se encontra legalmente consagrada [vide, a este título, a alínea b) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA de 2015 e que, em bom rigor, traduz o entendimento pacífico que, já ao abrigo do CPA de 1991, vinha sendo alvo de aplicação jurisprudencial].».
A questão é, pois, de violação da juridicidade acima identificada que não de vício de forma por falta de fundamentação.
Ademais, defende o ora Recorrente nas contra-alegações apresentadas no recurso subordinado (que de seguida se apreciará) que os actos impugnados se encontram fundamentados, contra-alegando que «É manifesta a improcedência do alegado e requerido pela GAMP, como se passa a evidenciar» e aderindo totalmente aos fundamentos que na sentença recorrida foram adoptados no conhecimento desse vício de forma.
Improcedem totalmente os fundamentos do recurso, com manutenção da decisão recorrida com os fundamentos acima expostos.
II.2.2. — Do recurso subordinado
O Recorrente subordinado AMP entende que que os actos impugnados padecem de “total falta de fundamentação (…) Isto porque, diga-se, o conteúdo dos mesmos é vago e impreciso, seguindo um modelo totalmente padronizado (…)”.
Segue-se, na sua alegação de recurso, um discurso explicativo dessa total falta de fundamentação, centrada nas especificidades da aplicação das dotações financeiras destinada à concretização do objectivo da convergência.
Trata-se da alegação de uma versão paralela à adoptada pela sentença recorrida, mas que não belisca os seus fundamentos.
Ademais, concluímos na apreciação do objecto do recurso independente que «…padecem de ilegalidade os investimentos/operações aprovados pelos actos impugnados ao abrigo da regra inserta nos pontos 7 e 8 do anexo V da RCM n.º 86/2007 [QREN 2007-2013] e do adveniente «efeito difusor» [«spill-over effect»], cofinanciados no âmbito do «Objetivo da Convergência» pelos Fundos estruturais e da Coesão da UE, por não se mostrar preenchido o requisito da sua destinação no sentido da redução da disparidade entre os níveis de desenvolvimento das diversas regiões e o atraso das regiões menos favorecidas…» (agora sublinhado).
Ora, uma coisa é não se mostrar preenchido o requisito da sua destinação — vício substantivo por violação de lei — e outra, diferenciada, é a suficiência ou insuficiência da sua fundamentação formal — este último, vício adjectivo ou formal.
Não subsiste dúvida de que a fundamentação dos actos impugnados, que integram o teor da “decisão de aprovação” e dos seus anexos permite apreender, com suficiência, todo o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo seu autor do acto, pois dá a conhecer os pressupostos considerados para efeitos da aferição dos critérios da elegibilidade territorial e composição do financiamento (FSE e nacional), sendo possível alcançar o juízo lógico-jurídico subjacente aos critérios estabelecidos, em termos de elegibilidade territorial e de financiamento, dos quais se extrai a conclusão alcançada, o que nada tem a ver com o seu substantivo acerto de legalidade ou com a omissão de invocação de requisitos que à luz da juridicidade aplicável devessem ainda integrar tais actos.
Contrariamente ao alegado pela Recorrente, a fundamentação dos actos impugnados não impede — como não impediu neste caso e em todos os restantes processos acima identificados — o controlo de verificação do preenchimento ou não preenchimento dos requisitos fixados pelo TJUE, como, aliás, a Recorrente subordinada, na veste de contra-alegante no recurso independente, acolhe implicitamente, na defesa cerrada que ali efectua da verificação da violação da juridicidade que aos actos impugnados foi imputada.
Como bem se referiu na sentença sob recurso, «… se é certo que a questão de saber se a Administração deu ou não a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, se situa no âmbito da validade formal do acto, o mesmo já não sucede, porém, quanto a saber se esses motivos correspondem à realidade e, em caso afirmativo, se são ou não suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa, uma vez que aqui nos situamos já no plano da aferição da validade substancial ou material do agir administrativo».

Improcedem totalmente os fundamentos do recurso subordinado.

III. DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conferência, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento a ambos os recursos.

Custas no recurso independente pelo Recorrente (artigo 527º do CPC).

Sem custas no recurso subordinado, por isenção subjectiva (artigo 4º, nº a, alíneas b) e g), do RCP).

Notifique e D.N..

Porto, 14 de Janeiro de 2022

Helder Vieira
Alexandra Alendouro
Paulo Ferreira de Magalhães