Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03102/18.3BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/02/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ana Patrocínio
Descritores:SIGILO BANCÁRIO, DERROGAÇÃO, PRESSUPOSTOS, ÓNUS DA PROVA
Sumário:I - Pela natureza dos direitos e interesses envolvidos, a decisão que determina o acesso directo aos documentos bancários deve ser formalmente fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP). Esta fundamentação pode, no entanto, por razões de praticabilidade, ser efectuada por remissão para os fundamentos constantes de um parecer ou informação, os quais passarão a fazer parte integrante da decisão (artigo 77.º, n.º 1, da LGT e artigo 153.º, n.º 1, do CPA).

II - Para apurar se uma decisão está, ou não, fundamentada impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.

III - O acesso, no âmbito de uma inspecção tributária, à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização – cfr. artigo 63.º, n.º 2 e n.º 3, bem como os artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C, todos da LGT.

IV - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir. As acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária – cfr. artigo 63.º, n.º 4 da LGT e artigo 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.

V - Da necessidade de subordinar o levantamento do sigilo bancário a critérios de proporcionalidade decorre que o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário (no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte); adequado (no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária), e proporcionado em sentido estrito (no sentido de que só pode ser pretendido o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos e aos períodos relativamente aos quais foi verificada a falta de colaboração).

VI – Conclui-se, assim, que a derrogação do sigilo bancário a coberto do artigo 63.º-B da LGT tem como pressupostos que: (i) decorra uma acção de fiscalização tributária (artigo 63.º, n.º 3 da LGT); (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do seu n.º 1 (artigo 63.º -B, n.º 1 da LGT); (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção (artigo 63.º, n.º 1 e 55.º da LGT e 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária).

VII – In casu, a decisão em crise não só não apontou factos-índice enquadráveis nas circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 63.º -B, da LGT, como também se apresenta desproporcional, por não ser necessário o levantamento do sigilo bancário. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:A., Lda.
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A., Lda., pessoa colectiva n.º (…), com sede na Rua (…), (…), interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 07/04/2020, que julgou improcedente o recurso, deduzido nos termos do disposto no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e do artigo 63.º-B da Lei Geral Tributária (LGT), formulado contra a decisão proferida pela Directora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, no dia 15 de Novembro de 2018, que determinou o acesso directo à informação das suas contas bancárias identificadas como PT50(…) da Caixa Geral de Depósitos, assim como, de “quaisquer outras contas tituladas ou co-tituladas pelo mesmo naquela ou noutras instituições financeiras a laborar em Portugal”, relativamente ao período de 1 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2015.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as conclusões que se reproduzem de seguida:
“A. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida no processo n.º 3102/18.3BEPRT, UO 5, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente o pedido formulado pela ora recorrente, que aí pugnava pela anulação da decisão da Senhora Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira proferida em 16/11/2018, que autorizou o acesso à conta bancária do recorrente identificada como PT50(…) da Caixa de Crédito Agrícola, na sequência da emissão do Parecer 2495/2016 da Direcção de Serviços de Relações Internacionais prestado no âmbito do Processo 662020186622000741 no seguimento do pedido formulado pelas Autoridades Fiscais Francesas, a esta notificada em 19/09/2017.
B. A Recorrente não se conforma com o decidido, porquanto o Tribunal a quo julgou erradamente a matéria de facto, assim como aplicou erradamente o direito aos factos dados como provados.
C. No que toca à fundamentação da matéria de facto, em momento algum a decisão a quo tomou em linha de consideração qualquer outra prova senão a decisão proferida pela Sra. Directora Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira bem como ao pedido.
D. O Tribunal a quo, na medida em que estrutura a decisão a partir de pressupostos que não têm qualquer fundamento factual, assim como, dando por provado conclusões ao invés de factos, como a Recorrente se propõe a demonstrar.
E. Por imposição dos artigos 268º, n.º 3 da CRP, 123.º n.º 2 e 125.º n.º 1, ambos do CPA, os atos administrativos carecem de fundamentação expressa, acessível, clara, precisa e completa.
F. A Administração Fiscal deve invocar a norma jurídica e os factos ao abrigo dos quais pratica o ato tributário, bem como os preceitos que sustentam a conclusão alcançada.
G. A decisão deve assentar em premissas lógicas de modo a que a argumentação invocada em sede de fundamentação legitime o resultado pretendido pela Administração Fiscal.
Posto isto,
H. a falta de concretização factual começa, desde logo, na secção atinente à legitimidade das Autoridades Fiscais Francesas para o pedido formulado. Em bom rigor, pode ser lido nessa secção que tal legitimidade assenta, fundamentalmente, no facto de, alegadamente, a Recorrente se ter recusado a colaborar com a investigação.
I. A Recorrida não sabe e encontra-se impossibilitada de compreender de que forma não colaborou com a investigação, tendo prontamente informado as Autoridades Fiscais Francesas que apresentava as respetivas declarações em Portugal tendo, inclusive, colocado a possibilidade de as Autoridades Fiscais Francesas exercerem o controlo da sua contabilidade junto do escritório sito em Portugal.
J. Todavia, para o Tribunal a quo o convite endereçado pela Recorrente às Autoridades Fiscais Francesas não configura qualquer conduta de colaboração sendo que, por estar sujeita à contabilidade organizada, podia e devia disponibilizar as informações solicitadas àquelas Autoridades Estrangeiras.
K. Acontece, porém, que dos artigos 123.º e 17.º do CIRC e do artigo 40.º do Código Comercial não resulta qualquer imposição legal de transposição da informação física para o meio digital, pelo que lhe era legitimo não ter quaisquer documentos físicos para apresentar às Autoridades Fiscais Francesas, como a Recorrente informou as Autoridades Francesas Fiscais, colocando-se, no entanto, à disposição para esclarecer qualquer dúvida no local documentalmente apto para o efeito, ou seja, a sua sede em Portugal.
L. Ademais, o Tribunal a quo não precisa de que forma este tipo de contabilidade colocava a Recorrente em condições de apresentar a documentação solicitada pelas Autoridades Francesas Fiscais.
Documentação que, realce-se, o Tribunal a quo não densifica.
M. Tanto assim é que, em lado algum da decisão, é dado como provado que a Recorrente dispunha de quaisquer documentos em França.
N. Do exposto, resulta que a Recorrente cumpriu com o dever de colaboração a que estava adstrita ao apresentar às Autoridades Fiscais Francesas a solução que melhor se adequava à situação, atento o constrangimento geográfico resultante de a documentação contabilística se encontrar em Portugal.
O. A AT não densifica, de forma alguma, que fontes habituais foram esgotadas, limitando-se a AT a transcrever o n.º 1 do artigo 17.º da Diretiva 2011/16/EU de 15 de novembro sem, contudo, a aplicar ao caso concreto.
P. Normativos legais não são factos.
Q. Da decisão em crise se retira que para o Tribunal a quo, as Autoridades Fiscais Francesas esgotaram todas as fontes habituais de informação porque consultaram dois sites e analisaram uns quaisquer documentos que nem eram propriedade da Recorrente.
R. Não basta, nem poderá, para o esgotamento das fontes habituais de informação que uma qualquer entidade, seja ela estrangeira ou portuguesa se limite a recorrer a fontes, na sua maioria, também à disposição de particulares, como o são as bases de dados enunciadas no pedido.
S. É intolerável, atento a excecionalidade do mecanismo, que o cumprimento deste pressuposto se baste com o acesso à internet e com tropeçar em informação (cujo teor se desconhece) na posse de terceiros.
T. Pelo exposto, a Recorrente não sabe e encontra-se impossibilitada de conhecer que fontes habituais de informação foram, de facto, esgotadas sendo que não poderá aceitar que a consulta de dois sites e o visionamento de informação, cujo conteúdo desconhece, na posse de terceiros baste para que o pressuposto em análise se tenha por cumprido.
U. Em boa verdade, à Recorrente nem é oferecido qualquer concretização do termo fontes habituais de informação.
V. Quer isto dizer que, não só a decisão é nula por falta de fundamentação, como também, da decisão aqui em sindicância não é possível, sequer, extrair que as Autoridades Fiscais Francesas tenham legitimidade para o peticionado.
Sem prescindir e ainda nesta sede,
W. Segundo a decisão objeto do presente recurso, o levantamento do sigilo bancário é proporcional porque a Recorrente se recusou a cooperar com as Autoridades Fiscais Francesas, o que, como ficou dito, não se aceita.
X. Todavia, se, por mera hipótese académica, aceitarmos que se verificou uma recusa em cooperar por parte da Recorrente, mesmo assim a medida escolhida de levantamento do sigilo bancário se apresenta excessiva.
Y. Isto porque da aplicação dos artigos 5.º n.º 3 e 13 e 6.º n.º 2 do DL. n.º 61/2013 de 10/05, que transpôs a Diretiva n.º 2011/16/EU resulta que a AT podia e devia antes de decretar o levantamento do sigilo bancário proceder à realização das diligências administrativas necessárias ao apuramento da verdade material com base num critério de escalonamento das medidas menos gravosa para as mais gravosas, caso aquelas primeiras se demonstrassem insuficientes, o que não ocorreu.
Z. Estando em causa declarações tributárias arquivadas em Portugal, então a medida adequada, necessária e proporcional seria, por parte das Autoridades Fiscais Francesas, o envio à AT de um pedido para consulta e remessa das declarações apresentadas pela Recorrente em Portugal ou qualquer outra diligência como pedidos de esclarecimentos.
AA. As Autoridades Fiscais Francesas, ao invés, de solicitar, por hipótese, as medidas referidas no parágrafo anterior saltaram de imediato para a medida mais gravosa – o levantamento do sigilo bancário – sendo certo que podia ter deitado mão de outras menos gravosas, principalmente quando a Recorrente endereçou um convite expresso às Autoridades Francesas para analisarem a documentação arquivada na sua sede em Portugal.
BB. Pelo exposto, reitera-se que a decisão de levantamento do sigilo é desproporcional, desadequada e violadora de direitos fundamentais da Recorrente.
Mais se refira que,
CC. a falta de concretização que molda todo o pedido alastra-se à decisão da qual ora se recorre porquanto não concretiza qualquer facto subsumível às b) e h) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, como parcialmente já se estabeleceu.
DD. Desde a primeira suspeita criada pela análise, por partes das Autoridades Francesas, de faturação de um qualquer cliente (que em lado algum concretiza) da Recorrente, até à conclusão segundo a qual, parece que a Recorrente, desde a sua constituição, exercerá, uma atividade de subcontratação em França, nenhum facto é avançado. Apenas extrapolações e menções vagas a documentos cujo conteúdo se desconhece totalmente.
EE. Refere o pedido apresentado pelas Autoridades Fiscais Francesas que, pese embora a Recorrente nunca tenha apresentado qualquer declaração tributária em França, estão em crer que desenvolveu toda a sua actividade comercial nesse país porque tal é possível extrair dos sites s(...).com, a(...).com e informação fornecidas pelos clientes franceses.
FF. A aplicação ao caso concreto das als. b) e h) do artigo 63.º-B da LGT pela AT assenta no raciocínio, segundo o qual a Recorrente exerce a sua actividade comercial em França e, como tal, deveria ter apresentado a respetiva declaração de natureza tributária.
GG. Este raciocínio não se encontra acompanhado de qualquer facto que demonstre que a Recorrente exerce a sua atividade em França, assim como, de remissão normativa que acomode uma qualquer obrigação declarativa.
HH. Em bom rigor, não poderá bastar, para dar como provado que a Recorrente exerce a sua atividade em França, a mera invocação por parte das Autoridades Fiscais Francesas de que, após consultar duas bases de dados eletrónicas, assim como documentação de terceiros, a Recorrente exercerá a sua atividade naquele país.
II. As Autoridades Fiscais Francesas, em momento algum, concretizam que informações retiraram/encontraram nas bases de dados enunciadas e que demonstravam que a Recorrente exerceu a sua atividade em França. Omissão tanto ou mais perniciosa quando, se de facto se encontra em curso uma investigação em França, facilmente o resultado dessas pesquisas e constarão de um qualquer relatório facilmente inserível no pedido realizado.
JJ. Idêntico raciocínio pode (e deve) ser feito relativamente aos pretensos documentos que, à semelhança das bases de dados levaram as Autoridades Fiscais Francesas em crer que a Recorrente estaria a exercer a sua actividade comercial em França.
KK. A Recorrente desconhece que informação constava das bases de dados, quando é que as mesmas foram acedidas, assim como, que documentos encontraram junto dos pretensos clientes da Recorrente.
LL. As Autoridades Fiscais Francesas podiam e deviam concretizar que documentos apontavam/sustentam a conclusão alcançada. Mas não o fizeram, tendo ao invés redigido um requerimento que reduzido ao essencial redunda num pedido de levantamento de informação bancária da aqui Recorrente porque as Autoridades Fiscais Francesas analisaram dois sites e uns (quaisquer) documentos que lhes criaram a convicção que a Recorrente laborava, desde a sua criação, em França.
MM. Tal circunstancialismo redunda em dois efeitos práticos fundamentais, a saber: na inexistência de factos que sustentem o alegado segundo o qual a Recorrente, entre 2007 e 2015 laborou em França, assim como, a referência genérica às bases de dados e documentos, alegadamente, consultados impedem a Recorrente de exercer, cabalmente, o seu direito de contraditório/defesa.
NN. Pelo exposto, dos autos não resulta qualquer elemento factual concludente que demonstre que a Recorrente tenha exercido a sua actividade comercial em França no período em análise, razão pela qual tal nunca poderá resultar provado.
OO. Não se provando que a Recorrente laborou, naquele período, em França então também não poderá colher a existência de qualquer dever de declaração que sempre assentará na prestação de determinados serviços.
Ainda quanto a este tema,
PP. verifica-se a clara omissão nos presentes autos da densificação normativa da alegada obrigação declarativa incumprido pela Recorrente, ou seja, a base legal de tal imposição.
QQ. O Tribunal a quo, sem qualquer remissão normativa, parte do pressuposto que a obrigação existe, assentando tal convicção no facto de a Autoridade Fiscais Francesas terem referido, igualmente sem mais, a sua existência.
RR. A conclusão que o Tribunal a quo alcança mais não é que um preconceito assente na realidade portuguesa e que pressupõe, sem que para isso tenha elementos, que o mesmo se passa na legislação francesa.
SS. Por tudo o exposto, não podia o Tribunal a quo dar como provado o preenchimento da al. b) do artigo 63.º-B da LGT, pelo que, deverá figurar nos factos não provados:
- A Recorrente exerceu a sua atividade comercial em frança no período que mediou 2007 e 2015.
- Sobre a Recorrente recaia um dever de declaração dos rendimentos das pessoas coletivas.
- A Recorrente incumpriu a obrigação de declaração que sobre si pendia.
TT. A decisão de que ora se recorre sempre terá de ser considerada ILEGAL por falta de fundamentação.
UU. Nenhuma das hipóteses constantes na alínea b) do n.º 1 do artigo 63-B da LGT se verifica.
VV. Inexistindo a “invocada” alínea b), facilmente se conclui que não estão verificadas as condições legais para que a AT tenha acesso à conta bancária da sociedade recorrente identificada como PT50(...) da Caixa de Crédito Agrícola relativamente ao período de 1 de Janeiro de 2007 a 31 de Dezembro de 2015.
WW. Incorrendo em erro de julgamento, impõe-se a sua revogação por via da procedência da presente impetrância de recurso.
XX. Relembra-se que todo o percurso da decisão a quo radicou em indícios
YY. Assim, tendo-se evidenciado o erro na aplicação do direito aos factos que integram os pontos anteriormente descritos da matéria dada como provada, deverá o Tribunal ad quem revogar a decisão em recurso.
Já no que que à al. h) do artigo 63.º-B concerne,
ZZ. a derrogação do sigilo bancário no período que mediou 01/01/2007 e 01/01/2015 não poderá assentar na aplicação da na alínea h) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT porquanto tal normativo, à data, não existia.
AAA. Não podendo colher a argumentação gizada pelo Tribunal a quo porquanto a Convenção foi assinado numa altura em que nem a figura do sigilo bancário estava totalmente densificada quanto mais o mecanismo de derrogação/levantamento do sigilo. Aliás, tal decorre de uma leitura completa do Protocolo em questão que, em momento algum, referencia a possibilidade de troca de informações secretas com recurso à quebra do sigilo bancário.
BBB. A posição assumida pelo Tribunal a quo choca, inelutavelmente, contra a própria evolução histórica do mecanismo que pela mão do DL. 644/75 de 15 de novembro ganhou nova força sendo que prevalecia mesmo em face do dever de colaboração com a administração da justiça, podendo existir uma recusa “dos funcionários bancários” a prestar declarações sobre os elementos abrangidos pelo segredo profissional.
CCC. À assinatura da Convenção celebrada entre Portugal e França para Evitar a Dupla Tributação e Estabelecer Regras de Assistência Administrativa Recíproca em Matéria de Impostos sobre o Rendimento não subjazeu qualquer ideia de derrogação do sigilo bancário, seja nos moldes à época em vigor, seja nos moldes atuais, pelo que, literal ou historicamente, o argumento avançado pelo Tribunal a quo não poderá colher.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exa., deverá ser revogada a sentença a quo, com o que se fará a Sã e Habitual JUSTIÇA!”
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A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:
“A. A Recorrida entende que a sentença sob recurso não enferma de qualquer erro de julgamento, devendo manter-se na ordem jurídica por consubstanciar uma correcta aplicação do direito aos factos;
B. A Recorrente invoca o “constrangimento geográfico” para justificar a sua falta de colaboração com a AFF, argumento este que não colhe em face da inexistência de todo e qualquer esclarecimento por ela efectivamente prestado à AFF, o que sempre seria possível em face da documentação contabilística disponível na empresa e dos meios de comunicação existentes.
C. Mais, perante os factos enunciados no pedido formulado pela AFF, os quais fazem fé nos termos do n.º 1 e n.º 4 do art. 76.º da LGT, impendia sobre a Recorrente o ónus de impugnação dos mesmos.
D. Não tendo a Recorrente impugnado aquela factualidade, a mesma é reforçada enquanto fundamento válido para a derrogação do sigilo controvertida.
E. Por fim, em face do teor do pedido apresentado pela AFF, resulta forçoso concluir que o mesmo se apresenta necessário, adequado e perfeitamente proporcional atendendo ao fim em vista que é, justamente, o de esclarecer a situação jurídico-tributária da Recorrente perante a AFF.
Nos termos supra expostos, e nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado improcedente.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
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Dada a natureza urgente do processo, há dispensa de vistos prévios (artigo 36.º, n.º 2 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos ex vi artigo 2.º, n.º 2, alínea c) do Código de Procedimento e de Processo Tributário).
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa apreciar se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de facto e de direito, ao concluir pela verificação dos pressupostos legalmente exigidos para a derrogação do sigilo bancário.

III. Fundamentação

1. Matéria de facto

Da sentença prolatada em primeira instância, consta decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
“De facto
1. Em 19 de Setembro de 2017, as Autoridades Fiscais francesas solicitaram à Autoridade Tributária e Aduaneira, ao abrigo da cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, a prestação de variadas informações sobre o sujeito passivo A., Lda., aqui Recorrente (cf. pedido de troca de informações constante de fls. 103 a 128 do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido).
2. Do pedido identificado na alínea antecedente, consta, entre o mais, o seguinte (cf. pedido de troca de informações em fls. 107, 108, 110, 111 e 113 do SITAF e respetiva tradução a fls. 131 e 132 do SITAF):
(…) SECÇÃO B3: INFORMAÇÃO GERAL SOBRE O PEDIDO DE INFORMAÇÃO
B3-1) Tipo de Imposto
R: Imposto sobre o rendimento de pessoas colectivas
B3-2) Tipo de rendimento
R: Rendimento de empresas
B3-3) Período sob investigação
R: Início: 01/01/2007 Fim: 31/12/2015
B3-4) Áreas específicas da troca de informação:
R: Informação fiscal geral; Emprego/Regimes de contratação laboral; Transacções comerciais; Informação bancária; Informação sobre propriedade.
B.3-5) Descrição geral do caso e fins fiscais para os quais a informação é pedida:
La société A., LDA. qui a comme objet social “l’achat et la vente de biens immobiliers, et la construction de bàtiments a vendre”, a été constituiée au Portugal le 11 février 2002.
Suite à contrôle de facturation effectuee chez l’un de ses clientes, la société A., LDA. a fait l’objet en France, d’une procédure de visite e de saise, qui a condut à l’engagément de la vérification de sa comptabilite, pour ses exercices clos au titre de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 e 2015
A l’analyse des documents saisis et des résultats de investigations menées pendant les opérations de contrôle, il apparaît que la société A., LDA., qui n’a jamais déposé de declarations fiscales en France depuis sa constituion, a exercé pendant les exercises contrôles, une activité de sous-traitance en France (souis-traitance de travaux immobiliers).
En effet, au vu des sites s(...).com, a(...) com, et des informations communiquées par les clientes français, la quasi-totalité de son chifre d’affaire est issue de clientes établis en France. Ceux-ci ont fait appel à ses services, pour qu’elle realise des travaux immobiliers, sur des chantiers qui de surcroît, son situés en France.
La société A., LDA. refuse de participer au contrôle dont elle fait l’objet, se bornant à affirmer qu’elle déposé des déclarations au Portugal et envitant le servisse a se rendre dans ses locaux au Portugal pour effectuer le contrôle de sa comptabilité.
Une demande d’assistence administrative est donc necessaire pour corroborrer et compléte les informations récoltées pendant les opérations de contrôle et appréhender au mieux la situation d’ensemble, c’est à dire au Portugal et en France, da la société A., LDA. au regard de l’ensemble de ses impôts profissionnels, et en paticulier de l’impôt sur les bénéfices.
(…)
Tradução
“A empresa A., LDA, que tem como um objeto social "a compra e venda de imóveis e construção de edifícios para venda," foi constituída em Portugal em 11 de Fevereiro de 2002. Na sequência de um controlo à faturação efetuada junto de um dos seus clientes, a empresa A., LDA foi objeto em França de um procedimento de visita e apreensão, o que levou ao compromisso da auditoria às suas contas para os exercícios encerrados de 2007, 2008,2009,2010,2011,2012,2013,2014 e 2015. Da análise aos documentos apreendidos e aos resultados das investigações realizadas durante as operações de controlo, parece que a empresa A., LDA, que nunca apresentou declarações de imposto em França desde a sua constituição, exerceu, durante os exercícios investigados, uma atividade de subcontratação em França (subcontratação de trabalhos de construção). De fato, vistos os sites s(...).com, a(...).com, e as informações fornecidas pelos clientes franceses, quase todo o seu volume de negócios vem de clientes de França. Eles usaram os seus serviços para realizar trabalhos imobiliários, em locais que, além disso, estão todos localizados em França. A empresa A., LDA recusa-se a participar no controlo do qual é o objeto, apenas afirmando que apresenta declarações Portugal, e convida o serviço para visitar as suas instalações em Portugal para a efetuar o controlo da sua contabilidade. Um pedido de assistência administrativa é necessário para corroborar e completar as informações recolhidas durante as operações de inspeção e uma melhor avaliação da situação geral, ou seja, em Portugal e França, da empresa A., LDA, no que diz respeito a todos os seus impostos profissionais e, em particular, ao imposto sobre o rendimento.”
B.3.6) Tipo de procedimento:
R: Inspecção/investigação fiscal
B.3.7.) Para os anos sujeitos a auditoria/investigação:
R: O contribuinte não entregou uma declaração de rendimentos
(…)
C7-1)
Nome do banco: CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS – 2012 – Senhora a Branca – Braga
Número da conta bancária: 0(...) – IBAN PT 50 (…)
Nome do detentor da conta: A., LDA
C7-2) Queira fornecer informação bancária para o período: Início 01/01/2007 Fim 31/12/2015 (…).”
3. Por despacho da Sra. Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira de 15 de Novembro de 2018, ao abrigo das alínea b) e h), do n.º 1, do artigo 63.º-B, da LGT, foi determinado o acesso à informação bancária da conta n.º PT50(...) sediada na Caixa Geral de Depósitos, para recolher a identificação dos seus titulares e pessoas autorizadas a movimentá-la, os balanços de abertura e fecho, bem assim, os extratos de todos os movimentos relativamente ao período entre 1 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2015 (cf. despacho em fls. 129 do SITAF).
4. A decisão identificada na alínea antecedente baseou-se no Parecer da Direção de Serviços de Relações Internacionais, emitido no âmbito do processo n.º 662020186622000741, bem como nos pareceres e despachos nele exarados e dos quais se destaca, entre o mais, a seguinte fundamentação (cf. Parecer de fls. 129 a 133 constante do processo administrativo):
“DO PEDIDO
1. Em 19/09/2017, ao abrigo da Diretiva do Conselho 2011/16/EU, de 15/02, relativa à cooperação administrativa no domínio da fiscalidade, as Autoridades Fiscais Francesas efetuaram um pedido de troca de informação à AT, com referência ao contribuinte A., Lda, com o NIF (...), com morada em território francês sita em 75 (...), (…).
2. Parte da informação solicitada encontra-se abrangida pelo sigilo bancário.
3. Importa salientar que uma parcela substancial do presente pedido já havia sido requerida anteriormente através de outros pedidos, sendo que, nalguns casos, ainda não foi possível satisfazer as respetivas solicitações, na medida em que os visados apresentaram recursos judiciais que ainda não transitaram em julgado.
4. Pelo que houve necessidade de pedir esclarecimentos adicionais às Autoridades Fiscais Francesas, para que estas explanassem o porquê da repetição de pedidos e indicassem clara e expressamente, quais as informações efetivamente pretendidas.
5. Em resposta, foi esclarecido que os pedidos repetidos se referem a contas relativamente às quais já havia sido solicitada informação, mas com referência a períodos diferentes dos antes indicados, tendo então sido expressamente mencionadas as contas bancárias cuja informação se pretende (excluindo as contas de uma das entidades inicialmente constante no pedido, a C., Lda, com o NIF (...)).
FUNDAMENTAÇÃO DO PEDIDO
6. O pedido fundamenta-se no facto do contribuinte estar a ser objeto de uma investigação à sua situação fiscal em território francês, conforme se passa a transcrever: “La société A., LDA, qui a comme objet social " l´achat et la vente des biens immobiliers et la construction de bâtiments à vendre", à été constituée au Portugal le 11 février 2002. Suite à un contrôle de facturation effectuée chez l´un de ses clients, la société A., LDA a fait l´objet en France, d´une procèdure de visite et de saisie, qui a conduit à l´engagement de la verification de sa comptabilité, pour ses exercices clos au titre de 2007, 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2014 et 2015. A l´analyse des documents saisis et des résultats des investigations menées pendant les operations de contrôle, il apparaît que la société A., LDA, qui n´a jamais déposé de déclarations fiscales en France depuis sa constitution, à exercé, pendant les exercices contrôles, une activité de sous-traitance en France (sous-traitance de travaux immobiliers). En effet, au vu des sites s(...).com, a(...).com, et des informations communiquées par les clients français, la quasi-totalité de son chiffre d´affaire, est issue de clients établis en France. Ceux-ci ont fait appel à ses services, pour qu´elle réalise des travaux immobiliers, sur des chantiers qui, de surcroit, sont toutes situés en France. La société A., LDA refuse de participer au contrôle dont elle fait l´objet, se bornant à affirmer qu´elle dépose des déclarations au Portugal et invitant le service à se rendre dans ses locaux au Portugal pour effectuer le contrôle de sa comptabilité. Une demande d´assistance administrative est donc nécessaire pour corroborrer et compléter les informations recoltées pendant les opérations de contrôle et apprèhender au mieux la situation d´ensemble, c´est à dire au Portugal et en France, de la société A., LDA, au regard de l´ensemble de ses impôts professionnels, et en particulier de l´impôt sur les bénéfices”.
“A empresa A., LDA, que tem como um objeto social "a compra e venda de imóveis e construção de edifícios para venda," foi constituída em Portugal em 11 de Fevereiro de 2002. Na sequência de um controlo à faturação efetuada junto de um dos seus clientes, a empresa A., LDA foi objeto em França de um procedimento de visita e apreensão, o que levou ao compromisso da auditoria às suas contas para os exercícios encerrados de 2007, 2008,2009,2010,2011,2012,2013,2014 e 2015. Da análise aos documentos apreendidos e aos resultados das investigações realizadas durante as operações de controlo, parece que a empresa A., LDA, que nunca apresentou declarações de imposto em França desde a sua constituição, exerceu, durante os exercícios investigados, uma atividade de subcontratação em França (subcontratação de trabalhos de construção). De fato, vistos os sites s(...).com, a(...).com, e as informações fornecidas pelos clientes franceses, quase todo o seu volume de negócios vem de clientes de França. Eles usaram os seus serviços para realizar trabalhos imobiliários, em locais que, além disso, estão todos localizados em França. A empresa A., LDA recusa-se a participar no controlo do qual é o objeto, apenas afirmando que apresenta declarações Portugal, e convida o serviço para visitar as suas instalações em Portugal para a efetuar o controlo da sua contabilidade. Um pedido de assistência administrativa é necessário para corroborar e completar as informações recolhidas durante as operações de inspeção e uma melhor avaliação da situação geral, ou seja, em Portugal e França, da empresa A., LDA, no que diz respeito a todos os seus impostos profissionais e, em particular, ao imposto sobre o rendimento.”.
DA LEGITIMIDADE DAS AUTORIDADES FISCAIS FRANCESAS PARA O PEDIDO
7. As autoridades fiscais francesas consideram que o sujeito passivo exerce uma atividade em França, e que aí estando a ser objeto de uma investigação à sua situação fiscal pessoal, poderá estar a omitir rendimentos tributáveis em França que não foram declarados naquele território.
8. Com efeito, uma vez que o sujeito passivo não entregou quaisquer declarações de rendimentos em território francês, pese embora se tenha verificado que a maior parte do seu volume de negócios provém de atividades exercidas em França para clientes franceses, surgiram fortes indícios de omissão declarativa de rendimentos ali sujeitos a tributação.
9. Mais se suspeita que o sujeito passivo tenha utilizado, para canalizar rendimentos da sua atividade, não só contas bancárias por si tituladas em Portugal, como também outras, em nome do seu sócio (A., com o NIF (...)) e duas empresas (C., Lda, com o NIF (...) e M., Lda., com o NIF (...)) que também têm como sócio o Sr. A..
10. Nesse contexto, e sobretudo porque o contribuinte se recusou a colaborar na investigação, a informação bancária ora solicitada revela-se crucial para a investigação em curso em território francês, de modo a que as respetivas autoridades fiscais possam apurar se existem rendimentos suscetíveis de tributação em França que o contribuinte ali não declarou.
11. Por outro lado, foi reconhecido o esgotamento das fontes habituais de informação a que se teria podido recorrer segundo as circunstâncias para obter as informações solicitadas sem correr o risco de prejudicar a consecução dos seus objetivos, condição prévia para o pedido, conforme estabelece o nº1 do artº17º da Diretiva 2011/16/EU.
12. Pelo que se reconhece legitimidade à Administração Fiscal Francesa para aceder à informação bancária solicitada com o objetivo de poder verificar a verdadeira situação tributária do sujeito passivo.
ANÁLISE DO PEDIDO
13. Face ao exposto, há-que aferir se estão, ou não, reunidos os pressupostos para que possa ser autorizado o levantamento do sigilo bancário.
14. Desde logo, sendo prevista na Diretiva 2011/16/EU, de 15/11, a possibilidade de troca de informação entre os Estados-Membros da União Europeia (UE), Portugal está vinculado ao seu cumprimento, por decorrência do nº4 do artº8º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
15. Por outro lado, a Diretiva, no seu artº17º, não impõe qualquer obrigação ao Estado Membro requerido de tomar medidas administrativas, nomeadamente proceder a inquéritos ou comunicar informações, se a sua realização infringir a sua legislação e/ou for contra a sua prática administrativa.
16. De onde se infere que é necessário que a legislação interna permita a derrogação do sigilo bancário aqui solicitado.
17. Ora, nos termos dos nºs1 e 4 do artº76º da LGT, fazem fé (quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos), as informações prestadas pelas administrações tributárias estrangeiras ao abrigo de convenções internacionais de assistência mútua a que o Estado Português esteja vinculado, sem prejuízo da prova em contrário do sujeito passivo ou interessado,
18. Sendo que, de acordo com a alínea b) e h) do nº1 do artº63º-B da LGT (norma em vigor desde 01/01/2001, por via da Lei nº30-G/2000), a administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários, bem como a informações ou documentos de outras entidades financeiras previstas como tal no artigo 3.º da Lei n.º 25/2008, de 5 de Junho, alterado pelos Decretos-Leis nºs 317/2009, de 30 de Outubro, e 242/2012, de 7 de Novembro, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos:
- Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível
- Quando se trate de informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado.
19. Nesta medida, conjugadas as referidas normas legais, porque o pedido formulado pelas autoridades fiscais francesas, remetido ao abrigo da Diretiva 2011/16/EU, de 15/02, se fundou em informação bem fundamentada, na qual foram apresentados indícios de omissões declarativas e falta de veracidade do declarado, nada obsta à recolha da informação bancária solicitada.
PROPOSTA DE DECISÃO
20. Concluindo, nos termos e com os fundamentos expostos na presente informação, verificando-se os condicionalismos previstos nas alíneas b) e h) do nº 1 do artº 63º-B da LGT relativamente ao sujeito passivo A., Lda., com o NIF (...), propõe-se que seja autorizada a derrogação do sigilo bancário, ao abrigo da competência estabelecida no nº4 da mesma norma, de modo a permitir o acesso à informação bancária solicitada, relacionada:
• Com a conta nºPT50(...) da Caixa Geral de Depósitos, titulada por A., Lda, ou com quaisquer outras contas tituladas ou co-tituladas pelo mesmo naquela ou noutras instituições financeiras a laborar em Portugal, para o período compreendido entre 01/01/2007 e 31/12/2015, a saber:
- Quem é/são o(s) atual(is) titular(es) da(s) conta(s);
- Identificação da(s) pessoa(s) que está(ão) / estava(m autorizada(s) a movimentar a(s) conta(s);
- Identificação da(s) pessoa(s) que procedeu(ram) à abertura da(s) conta(s)
- Balanço(s) de abertura e fecho da(s) conta(s) bancária(s)
- Cópias de todos os extratos da(s) conta(s) relativos ao período de 01/01/2007 a 31/12/2015.
• Com a conta nºPT50(...) da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, titulada por A., com o NIF (...), a saber:
- Cópias de todos os extratos das contas relativos ao período de 01/01/2007 a 31/12/2015
• E ainda com as contas nº PT50(...) da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo, titulada por A., com o NIF (...), e com as contas nºPT50(…) do Barclays Bank PLC, nº PT50(…) da Caixa Geral de Depósitos, nº PT50(…) do BPI, SA e nº PT50(…) do Finibanco, SA, tituladas por M., Lda, com o NIF (...), a saber:
- Cópias de todos os extratos das contas relativos ao período de 01/01/2015 a 31/12/2015
21. Após autorização da derrogação do sigilo bancário, deverá o presente processo ser remetido à DSRI para que a mesma diligencie no sentido de obter a referida informação, sem prejuízo de, em, simultâneo, se notificar o sujeito passivo visado, dando-lhe conhecimento do levantamento do sigilo bancário para efeitos de eventual recurso, devendo notificar-se igualmente, para efeitos de audição prévia, o Sr. A., com o NIF (...) e a empresa M., Lda., com o NIF (...), ambos na qualidade de terceiros numa relação especial com o sujeito passivo investigado, nos termos dos nºs 2 e 5 do artº63º-B da LGT, para efeitos de eventual recurso.”
5. Por ofício datado de 16 de Novembro de 2018, com o n.º 12297, da Direção de Serviços de Relações Internacionais, dirigido ao Presidente do Conselho de Administração da Caixa Geral de Depósitos, S.A., foi solicitado que, no prazo de 10 dias úteis, fosse enviado àquela Direção, as seguintes informações relativamente à conta n.º PT50(...) titulada pela Recorrente: Quem é/são o(s) atual(ais) titular(es) da(s) conta8s); Identificação da(s) pessoa(s) que está(ão) / estava(m) autorizada(s) a movimentar a(s) conta(as); Identificação da(s) pessoa(s) que procedeu(ram) à abertura da(s) conta(s); Balanço(s) de abertura e fecho da (s) conta(s) bancária(s); Cópias de todos os extratos da(s) conta(s) relativos ao período de 01/01/2007 a 31/12/2015 (cf. ofício constante de fls. 96 do SITAF).
6. Em 20 de Novembro de 2018, o ofício identificado na alínea antecedente foi rececionado na sede da Caixa Geral de Depósitos, S.A. (cf. carimbo constante do recibo de receção dos CTT em fls. 97 do SITAF).
Factos não provados
Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.
Motivação
A convicção do tribunal baseou-se na análise dos documentos constantes dos presentes autos, tal como especificado nos vários pontos da matéria de facto provada.”
*
2. O Direito

Alega a Recorrente que incorreu a sentença recorrida em erro de julgamento da matéria de facto, pois não podia o Tribunal a quo dar como provado o preenchimento da alínea b) do artigo 63.º-B da LGT, pelo que, deverá figurar nos factos não provados:
“- A Recorrente exerceu a sua atividade comercial em França no período que mediou 2007 e 2015.
- Sobre a Recorrente recaía um dever de declaração dos rendimentos das pessoas coletivas.
- A Recorrente incumpriu a obrigação de declaração que sobre si pendia.”
No que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr. artigo 685.º-B, n.º 1, do Código de Processo Civil, “ex vi” do artigo 281.º, do CPPT; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181).
Tal ónus rigoroso deve-se considerar mais vincado no actual artigo 640.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, na redacção resultante da Lei n.º 41/2013, de 26/6 (cfr. Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; Acórdão do T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; Acórdão do T.C.A. Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14).
Esta prerrogativa não foi cabalmente cumprida pela Recorrente.
Limita-se a indicar os factos que deveriam ser aditados à factualidade não provada, sem apontar qualquer meio de prova que, em sua opinião, impusesse decisão diversa da adoptada pela decisão recorrida.
Uma vez que a motivação dos pontos da decisão da matéria de facto remete para a análise dos documentos expressamente indicados, tal como especificado nos vários pontos da matéria de facto provada, não se vislumbrando qualquer erro palmar no julgamento dessa factualidade, forçoso é rejeitar o recurso nesta parte, na medida em que a Recorrente não cumpriu o ónus que se lhe impunha.
Salientamos, apenas, que a decisão da matéria de facto assenta, essencialmente, em dois documentos – o pedido de troca de informações formulado pelas autoridades fiscais francesas e o teor da decisão de levantamento do sigilo bancário – cujo conteúdo se mostra parcialmente reproduzido na decisão de facto. Trata-se, portanto, em grande medida, da reprodução da fundamentação do pedido de prestação de informações fiscais e da motivação da decisão de derrogação do sigilo. Note-se que os factos utilizados para sustentar esse pedido e a respectiva decisão não haviam sido questionados na petição inicial, ou seja, a Recorrente no recurso da decisão de levantamento do sigilo bancário não tinha negado os factos fundamentadores ou tão-pouco afirmado não serem os mesmos reais. Somente, agora, em sede recursiva, pretende aditar aos factos não provados que tivesse exercido a sua actividade comercial em França, no período de 2007 a 2015, e que estivesse obrigada a apresentar declaração de rendimentos em França. Porém, esta factualidade não é controvertida. Que a Recorrente tenha exercido a sua actividade em França de 2007 a 2015 e que aí não tenha entregado qualquer declaração é simplesmente a base factual enunciada no pedido das autoridades francesas e, posteriormente, na decisão de levantamento do sigilo, que a Recorrente não impugnou oportunamente.
O tribunal partirá sempre desses factos (fundamentadores) para analisar e ponderar se estão reunidos os pressupostos para a derrogação do sigilo bancário. Pelo que se mantém estabilizada a decisão da matéria de facto.

Pela ora Recorrente foi apresentado recurso judicial ao abrigo do disposto no artigo 146.º-B do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) contra a decisão da Directora - Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 15/11/2018, que autorizou o acesso à informação bancária da conta n.º PT50(...) sediada na Caixa Geral de Depósitos, para recolher a identificação dos seus titulares e pessoas autorizadas a movimentá-la, os balanços de abertura e encerramento e os extractos de todos os movimentos relativamente ao período entre 01 de Janeiro de 2007 e 31 de Dezembro de 2015, por entender estarem preenchidos os requisitos legais previstos nas alíneas b) e h) do n.º 1 do artigo 63.º-B, da Lei Geral Tributária (LGT).
O tribunal recorrido julgou improcedente o recurso apresentado, mantendo, consequentemente, a decisão impugnada, por ter considerado que se encontravam preenchidos os pressupostos previstos no artigo 63.º-B, n.º 1, alíneas b) e h) da LGT e a decisão impugnada não padecer do vício de falta de fundamentação que lhe vinha imputado.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido pelo tribunal a quo, argumentando verificar-se o vício de falta de fundamentação, por falta de concretização ou densificação factual, dado inexistirem enunciados factos reveladores da violação do dever de colaboração por parte da Recorrente e não se mostrar fundamentado o esgotamento das fontes de informação.
Alerta a Recorrente que, não constando da decisão de derrogação do sigilo bancário qualquer informação que refira expressamente que a sociedade recorrente deveria ter apresentado as declarações de imposto em França, não pode a AT pura e simplesmente determinar de per se o levantamento do sigilo bancário sem qualquer facto legitimador para o efeito. Apelando, ainda, para a excepcionalidade do levantamento do sigilo e para o princípio da proporcionalidade, pois, na sua óptica, a medida adequada, necessária e proporcional seria as autoridades fiscais francesas pedirem para consulta e remessa as declarações apresentadas em Portugal.
Conclui, então, que a AT não densificou factos susceptíveis de legitimar o acesso à conta da Recorrente com fundamento nas alíneas b) e h) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT, insistindo que a fundamentação do acto não pode assentar nesta alínea h), pois tal norma não existia à data dos factos tributários.
Como refere a sentença recorrida, pela natureza dos direitos e interesses envolvidos, a decisão que determina o acesso directo aos documentos bancários deve ser formalmente fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP). Esta fundamentação pode, no entanto, por razões de praticabilidade, ser efectuada por remissão para os fundamentos constantes de um parecer ou informação, os quais passarão a fazer parte integrante da decisão (artigo 77.º, n.º 1, da LGT e artigo 153.º, n.º 1, do CPA) – cfr. neste sentido, o Acórdão do Pleno do STA, de 28 de Abril de 2010, proferido no processo n.º 0897/09.
Impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, como também o efectuou a sentença recorrida, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
Distinguindo a dimensão formal e a dimensão substancial do dever de fundamentação, Vieira de Andrade, in “O dever de fundamentação expressa de actos administrativos”, Almedina, 2003, pág. 231, diz que a diferença está «em que o dever formal se cumpre pela apresentação de pressupostos possíveis ou de motivos coerentes e credíveis; enquanto a fundamentação material exige a existência de pressupostos reais e de motivos correctos susceptíveis de suportarem uma decisão legítima quanto ao fundo».
Ora, o presente recurso está direccionado para a dimensão material do dever de fundamentação, na medida em que se alega que a AT não densificou factos bastantes susceptíveis de legitimar o acesso à conta bancária da Recorrente
Parece transparecer da sentença recorrida uma ideia de esbatimento da evolução legislativa do regime de derrogação administrativa do sigilo bancário, mas a verdade é que a mesma ocorreu e teve significado próprio em cada momento.
A grande mudança nesta matéria foi introduzida pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de Dezembro, que passou a definir na LGT novas condições de acesso à informação bancária por parte da administração fiscal a par da obrigação de apresentação de informações relevantes para a inspecção fiscal, flexibilizando-se o sigilo bancário no domínio tributário. Com esta Lei deu-se uma ampliação substancial das possibilidades de levantamento do sigilo bancário por parte da AT, deixando de depender de autorização judicial em determinadas situações previstas na lei. Foi, ainda, regulado o acesso a informações relativas a operações financeiras, impondo deveres de informação automática sobre transferências transfronteiriças.
Verificaram-se alterações significativas com a Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, que alargou as situações em que a AT, sem dependência do consentimento do titular, pode levantar o sigilo bancário. Com esta alteração legislativa a AT passa, em caso de indícios da prática de crime em matéria tributária, nomeadamente, de fraude fiscal, ou quando existam factos concretamente identificados indiciadores da falta de veracidade do declarado, a poder aceder às informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular.
Entre outras alterações, com a Lei n.º 94/2009, de 01 de Setembro, o regime de derrogação do sigilo bancário tornou-se ainda mais permissivo, prevendo-se maiores obrigações de informação por parte das instituições bancárias e de crédito, a par de um novo aumento do leque de circunstâncias em que o levantamento do sigilo bancário não depende de autorização prévia. A AT passou a poder aceder directamente, isto é, sem dependência de autorização judicial, aos documentos bancários de familiares ou terceiros que se encontrem numa relação especial com o contribuinte, nas situações de recusa da sua exibição ou de autorização para a sua consulta. Pela importância nos presentes autos, aludimos, ainda, à alteração introduzida no artigo 63.º-B, n.º 1, alínea b) da LGT, que passou a ter a seguinte redacção: “1 – A administração tributária tem o poder de aceder a todas as informações ou documentos bancários sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos: (…) b) Quando se verifiquem indícios da falta de veracidade do declarado ou esteja em falta declaração legalmente exigível.”
Esta temática continuou a ter alterações legislativas, além do mais, com a Lei n.º 82-B/2014, de 31 de Dezembro, que alargou novamente as possibilidades de derrogação do sigilo bancário por parte da AT sem consentimento do titular, desta vez a informações solicitadas nos termos de acordos ou convenções internacionais em matéria fiscal a que o Estado português esteja vinculado – cfr. a introdução da alínea h) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT.
Através da evolução legislativa operada observa-se que o regime de derrogação administrativa do sigilo bancário, que começou por ser muito rígido e restrito, se tem tornado mais flexível e permissivo, dando cada vez mais poderes à AT para, sem dependência do consentimento do titular dos elementos protegidos, aceder às informações e documentos bancários. Num regime que se quer de carácter excepcional, encontram-se, actualmente, tipificadas oito situações que possibilitam este tipo de acesso administrativo às informações bancárias, às quais acrescem a obrigatoriedade de troca de informações relativas a operações financeiras.
Salientamos que a regra geral para a derrogação do sigilo bancário continua a ser a consagrada no artigo 63.º, n.º 2 da LGT, de acordo com o qual o acesso à informação bancária sigilosa depende de autorização judicial. Todavia, sem prejuízo desta regra geral, para fins fiscais os artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C da LGT vieram consagrar situações excepcionais, tipificadas na lei, de acesso administrativo a estas informações por parte da AT, isto é, que não dependem de autorização judicial.
Independentemente dos casos específicos de quebra do sigilo bancário, por parte da AT para efeitos fiscais sem consentimento do titular, que foram sendo introduzidos ao longo do tempo, designadamente, no artigo 63.º-B, n.º 1 da LGT, importa realçar que a derrogação do sigilo bancário se deve limitar aos períodos abrangidos pelos actos inspectivos que estão na sua origem – cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 03/02/2011, proferido no âmbito do processo n.º 01273/10.6BEPRT, bem como o Acórdão deste mesmo tribunal, de 27/09/2012, proferido no processo n.º 00380/12.5BEBRG, segundo o qual “o levantamento do sigilo bancário nunca pode ser um fim em si mesmo, só podendo ocorrer no quadro de uma acção de fiscalização tributária, sendo, por isso, delimitada pelo objecto e pelo âmbito temporal dessa acção inspectiva”.
E é aqui que o que vimos dizendo entronca com o especial dever de fundamentação que se exige nas decisões de derrogação do sigilo bancário efectuadas nestes termos, expressamente consagrado no artigo 63.º-B, n.º 4 da LGT, sendo necessária a expressa menção dos motivos concretos que as justificam, ou seja, dos indícios que pressupõem o preenchimento de uma das alíneas do n.º 1 deste artigo. Este dever, em obediência ao dever geral de fundamentação dos actos administrativos, justifica-se enquanto mecanismo de controlo da legalidade.
Contudo, importa referenciar que, ao contrário do que possa parecer decorrer da letra da lei, a AT não tem um acesso ilimitado às informações e documentos bancários, devendo sempre pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e aceder apenas àquelas informações com relevância tributária, preferencialmente, somente às de carácter patrimonial e não pessoal.
Importa acrescentar que o princípio da proporcionalidade é um princípio geral de direito acolhido pela União Europeia e pelo Estado português, que tem enorme relevo em matéria de recolha e troca de informações e de assistência mútua. Ele decorre da Constituição da Republica Portuguesa e tem expressão no procedimento tributário – cfr. artigo 55.º da LGT.
Na medida em que a derrogação do sigilo bancário in casu foi realizada a coberto do artigo 63.º-B da LGT, sublinhamos o afirmado no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 16/10/2014, proferido no âmbito do processo n.º 07945/14, que este regime tem como pressupostos que “decorra uma acção de fiscalização tributária (artigo 63.º, n.º 3 da LGT); nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do seu n.º 1 (artigo 63.º-B n.º 1 da LGT); e a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção (artigos 63.º, n.º 1 e 55.º da LGT).”
“(…) o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário (no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte); adequado (no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária), e proporcionada em sentido estrito (no sentido de que só pode ser pretendido o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos e aos períodos relativamente aos quais foi verificada a falta de colaboração) ” – cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 27/09/2012, processo n.º 00380/12.5BEBRG.
Das circunstâncias que envolveram a prática do acto em crise, ressalta ter o mesmo subjacente um pedido de assistência mútua entre Estados-membros para efeitos da correcta determinação dos impostos sobre o rendimento (pedido de troca de informação para cooperação administrativa no domínio da fiscalidade).
Efectivamente, a Autoridade Fiscal Francesa precisou de variada informação fiscal, comercial e também de documentos bancários de um sujeito passivo com residência fiscal em Portugal, a fim de instruir procedimento no âmbito de uma acção de fiscalização em curso, sendo necessário corroborar e completar as informações recolhidas durante as operações de inspecção e uma melhor avaliação da situação geral da empresa, em Portugal e França.
Consta a indicação no formulário deste pedido que o mesmo é efectuado ao abrigo da Directiva n.º 2011/16/EU. Ora, considerando que Portugal integra o grupo de Estados-membros da União Europeia sujeitos à Directiva n.º 2011/16/UE, do Conselho, de 15 de Fevereiro de 2011 (transposta para a ordem jurídica interna do Estado português - DL n.º 61/2013, de 10 de Maio de 2013), que regula as condições em que se deve efectuar a assistência mútua entre os Estados-membros para efeitos da correcta determinação dos impostos sobre o rendimento, entre outros, a Administração Tributária não deve dar aos pedidos de informação de outros Estados-membros um tratamento diferente daquele que usa nas suas próprias actuações administrativas e tributárias destinadas à obtenção de dados fiscais de que necessita para uso interno.
Repare-se, de resto, que as informações prestadas por aquelas autoridades em pedidos de assistência administrativa fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objectivos, conforme dispõe o artigo 76.º, n.º 1 e 4, da LGT.
Na situação em apreço, decorre dos factos provados, que a Administração Fiscal Francesa, tendo-se apercebido, no decurso de uma acção de fiscalização, que a entidade Recorrente poderia ter obtido rendimentos em França, nos exercícios de 2007 a 2015, e que esta nunca havia apresentado qualquer declaração para efeitos fiscais, contactou-a no sentido de obter as competentes informações. Contudo, o sujeito passivo apenas afirmou que apresenta declarações em Portugal, convidando o serviço francês a visitar as suas instalações em Portugal para efectuar o controlo da sua contabilidade.
Deparando-se com as naturais dificuldades no contacto de uma entidade que, embora labore maioritariamente em França, é residente em Portugal, as autoridades fiscais francesas decidiram, no decurso de acção de inspecção efectuada à Recorrente e, ao abrigo da assistência administrativa, efectuar um pedido de variadas informações às autoridades fiscais portuguesas e, de entre as quais, se encontra o pedido de acesso a documentos bancários da Recorrente, submetidos, por isso, ao dever de sigilo bancário –cfr. artigo 63.º, n.º 3, da LGT.
Nesta conformidade, as autoridades fiscais francesas, sem apontarem quaisquer factos concretos, pretendem verificar se a Convenção celebrada entre Portugal e França para evitar a Dupla Tributação se aplica e em que termos se aplica e descortinar qual a situação conjunta. A verdade é que os serviços franceses ainda não sabem se serão devidas legalmente declarações de rendimentos em França e, consequentemente, impostos. Perante os indícios de obtenção de rendimentos em França, as autoridades apenas afirmam que o sujeito passivo nunca apresentou declarações de imposto em França, ao que o mesmo respondeu tê-las apresentado em Portugal.
Ora, desde logo, o pedido das declarações de rendimentos apresentadas em Portugal, concatenado com os restantes pedidos formulados às autoridades portuguesas, como toda a informação fiscal do sujeito passivo, documentos (facturas-recibos, por exemplo), identificação de clientes e de transacções, informações na posse da Segurança Social, informações patrimoniais, conforme consta do pedido de troca de informações, num primeiro momento seria suficiente para verificar se a Convenção celebrada entre Portugal e França para evitar a Dupla Tributação se aplica e em que termos se aplica e descortinar qual a situação conjunta.
Desconhecem-se os factos, por não se apresentarem concretizados pelas autoridades fiscais francesas, que terão sido apurados em sede inspectiva francesa. Tal assume particular importância, na medida em que o sub-procedimento de derrogação do sigilo bancário não tem autonomia, destinando-se, essencialmente, a confirmar ou infirmar os factos indiciários obtidos na inspecção tributária.
Existindo uma obrigação de declaração da totalidade dos rendimentos pelo contribuinte, têm de existir mecanismos eficazes para que a administração fiscal possa verificar a fidelidade das informações prestadas. Ora, é neste ponto que encontramos total relevância na resposta do sujeito passivo, dado afirmar que declarou os seus rendimentos em Portugal.
É deste marco que devemos partir, pois as autoridades fiscais francesas somente revelam que a empresa terá obtido rendimentos em França, sem densificar, afirma que, das informações fornecidas pelos clientes franceses, quase todo o volume de negócios vem de clientes de França (actividade de subcontratação de trabalhos de construção e imobiliários localizados em França). Tendo a Recorrente, com sede em Portugal, contraposto que declarou os rendimentos em Portugal, haverá somente que confirmar as declarações de rendimentos apresentadas à autoridade tributária portuguesa e se incluem a indicação de rendimentos obtidos no estrangeiro, bem como o pagamento do respectivo imposto que fosse devido. Note-se que, a par do pedido de informação bancária, as autoridades tributárias francesas solicitaram diversificada informação comercial, contabilística, patrimonial e fiscal, como referimos. O fornecimento destes elementos serão certamente bastantes para apurar indícios de eventual evasão fiscal, que ainda não são conhecidos, e aí sim, concluir se seria legalmente exigível a declaração de rendimentos e pagamento de impostos em França.
Da conjugação da informação constante no pedido formulado pelas autoridades fiscais francesas e da informação constante no cadastro da autoridade tributária portuguesa não resulta demonstrado que a Recorrente tivesse a obrigação de apresentação da declaração de imposto junto das autoridades fiscais francesas.
E, naturalmente, é à AT que compete o ónus da prova da existência da situação que constitui o pressuposto legal da decisão de derrogar o sigilo bancário como, aliás, resulta do artigo 74.º da LGT, o que in casu não se verificou.
É que, pese embora o levantamento do sigilo bancário constitua um instrumento do procedimento de inspecção tributária, e, nessa medida, poderá não fazer sentido exigir que a AT recolha para este procedimento todos os factos que espera justamente conseguir com esse levantamento, a verdade é que têm que ser invocados factos que permitam o enquadramento em alguma das situações que têm vindo a ser introduzidas no artigo 63.º-B da LGT. Sendo apontada a omissão de um dever (legal) de entregar uma declaração, é fulcral acompanhar tal afirmação de factos que o evidenciem, principalmente quando a Recorrente respondeu que efectivamente apresentou as declarações de rendimentos devidas em Portugal. Mais, relembramos que a actual redacção da alínea b) do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT invocada só foi introduzida pela Lei n.º 94/2009, de 01/09.
Não basta a AT motivar que a sociedade Recorrente não apresentou qualquer declaração de imposto em França, teria igualmente de comprovar, que, quanto ao período de 2007, 2008 e até 01/09/2009 havia uma falta de veracidade do declarado – o que não se verifica, e, quanto aos períodos restantes até 2015, que havia uma obrigação de declaração que a sociedade Recorrente incumpriu – o que, claramente, também não se verifica.
Mesmo com um regime de derrogação do sigilo bancário mais flexível (a evolução supra mencionada revela-o), a administração fiscal não possui um acesso ilimitado às informações e documentos bancários, devendo sempre pautar-se pelo princípio da proporcionalidade e aceder apenas àquelas informações com relevância tributária, preferencialmente, às de carácter patrimonial e não pessoal.
A Recorrente remeteu para os elementos da sua contabilidade localizados em Portugal, ao invés de ter colaborado e demonstrado que já declarou os rendimentos em causa em Portugal. Porém, o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário, no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte. É nossa convicção que, na situação concreta, o envio, pelas autoridades tributárias portuguesas, das declarações de rendimentos apresentadas em Portugal, acompanhadas de elementos comerciais, contabilísticos, outros documentos fiscais e patrimoniais de que disponha, será suficiente, ou melhor, será essa a forma de obviar à falta de colaboração da Recorrente, pois permitirá observar se foram declarados rendimentos obtidos no estrangeiro, se foram pagos impostos sobre os mesmos e verificar se a Convenção celebrada entre Portugal e França para evitar a Dupla Tributação se aplica e em que termos se aplica e descortinar qual a situação conjunta.
Aqui chegados, concluímos que os elementos descritos ao longo do pedido formulado pelas autoridades fiscais francesas e a motivação concreta da decisão em crise não legitimam o acesso aos elementos bancários da Recorrente. Qualquer que seja o momento temporal (entre 2007 e 2015), com o correspondente regime de derrogação do sigilo bancário aplicável, onde se observa um incremento do leque de situações de admissibilidade desta derrogação, ainda assim, os factos apontados na respectiva decisão mostram-se insuficientes, não sendo enquadráveis em qualquer das situações que foram sendo previstas ao longo da evolução do regime – não foram dados a conhecer indícios que preencham as alíneas do n.º 1 do artigo 63.º-B da LGT.
Acresce que, além de os factos apontados na decisão não preencherem os pressupostos de aplicabilidade do normativo em apreço, a decisão de derrogação do sigilo bancário apresenta-se desproporcional, por não ser necessária no contexto singular de a Recorrente afirmar que declarou os rendimentos obtidos em França em Portugal.
Nesta conformidade, o que fica dito é suficiente para conceder provimento ao recurso jurisdicional, ficando prejudicado o conhecimento das restantes questões colocadas no mesmo, revogar a sentença recorrida e julgar o recurso da decisão de levantamento do sigilo bancário procedente, anulando essa decisão proferida em 15/11/2018.

Conclusões/Sumário

I - Pela natureza dos direitos e interesses envolvidos, a decisão que determina o acesso directo aos documentos bancários deve ser formalmente fundamentada com expressa menção dos motivos concretos que a justificam (artigo 63.º-B, n.º 4, da LGT e artigo 268.º, n.º 3, da CRP). Esta fundamentação pode, no entanto, por razões de praticabilidade, ser efectuada por remissão para os fundamentos constantes de um parecer ou informação, os quais passarão a fazer parte integrante da decisão (artigo 77.º, n.º 1, da LGT e artigo 153.º, n.º 1, do CPA).
II - Para apurar se uma decisão está, ou não, fundamentada impõe-se, antes de mais, que se faça, desde logo, a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.
III - O acesso, no âmbito de uma inspecção tributária, à informação protegida pelo sigilo profissional, bancário ou qualquer outro dever de sigilo legalmente regulado depende de autorização judicial, nos termos da legislação aplicável, excepto nos casos em que a lei admite a derrogação do dever de sigilo bancário pela administração tributária sem dependência daquela autorização – cfr. artigo 63.º, n.º 2 e n.º 3, bem como os artigos 63.º-A, 63.º-B e 63.º-C, todos da LGT.
IV - O procedimento da inspecção e os deveres de cooperação são os adequados e proporcionais aos objectivos a prosseguir. As acções integradas no procedimento de inspecção tributária devem ser adequadas e proporcionais aos objectivos de inspecção tributária – cfr. artigo 63.º, n.º 4 da LGT e artigo 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária.
V - Da necessidade de subordinar o levantamento do sigilo bancário a critérios de proporcionalidade decorre que o levantamento do sigilo bancário só constituirá um instrumento lícito do apuramento da situação tributária do sujeito passivo quando, em concreto, se revelar necessário (no sentido de que não existe outra forma de suplantar a falta de colaboração do contribuinte); adequado (no sentido de que a informação em falta pode ser obtida com recurso a essa informação bancária), e proporcionado em sentido estrito (no sentido de que só pode ser pretendido o levantamento do sigilo bancário quanto aos elementos e aos períodos relativamente aos quais foi verificada a falta de colaboração).
VI – Conclui-se, assim, que a derrogação do sigilo bancário a coberto do artigo 63.º-B da LGT tem como pressupostos que: (i) decorra uma acção de fiscalização tributária (artigo 63.º, n.º 3 da LGT); (ii) nessa acção de fiscalização tributária se recolham indícios de incumprimento dos deveres de colaboração do sujeito passivo que decorrem das circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do seu n.º 1 (artigo 63.º -B, n.º 1 da LGT); (iii) a derrogação do sigilo bancário seja necessária, adequada e proporcionada ao apuramento da situação tributária visado na inspecção (artigo 63.º, n.º 1 e 55.º da LGT e 7.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária).
VII – In casu, a decisão em crise não só não apontou factos-índice enquadráveis nas circunstâncias mencionadas nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 63.º -B, da LGT, como também se apresenta desproporcional, por não ser necessário o levantamento do sigilo bancário.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença recorrida e julgar o recurso da decisão de derrogação do sigilo bancário procedente, anulando essa decisão proferida em 15/11/2018.

Custas a cargo da Recorrida em ambas as instâncias.

Porto, 02 de Julho de 2020

Ana Patrocínio
Cristina Travassos Bento
Paulo Ferreira de Magalhães