Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00828/13.1BEAVR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Antero Pires Salvador
Descritores:CONSTRUÇÃO ZONA RAN MUROS BETÃO VEDAÇÃO PROPRIEDADE, PARECER DESFAVORÁVEL, ORDEM DEMOLIÇÃO
Sumário:1 . Mostrando-se provada a realização de uma acção interdita em área da RAN, em violação do disposto nos artigos 20.º a 24.º do DL n.º 73/2009 – construção de muros de vedação e de estrema, em alvenaria de blocos de cimento com largura de parede de 15 cms, num comprimento total de 272 metros, encimados com uma rede metálica com 1 metro de altura suportada por pilares de betão armado com secção rectangular de 20 x 15 cms, além de que o alicerce dos muros tem uma largura de 30 cms -, ao órgão competente não restava outra alternativa, perante o parecer desfavorável, senão proferir a ordem de reposição do solo no estado inicial, uma vez que foi emitido parecer desfavorável por aquela entidade, acrescendo que tal parecer não foi objeto de oportuna impugnação por parte da Autora/recorrente, por obediência aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público na defesa dos solos da RAN .

2 . As normas legais não contêm uma proibição absoluta da possibilidade de se erigir muros de vedação em área integrada RAN, nomeadamente, de delimitação dos prédios rústicos, mas sim a própria natureza da técnica e materiais utilizados.

3 . As obras de escassa relevância urbanística, como sejam aquelas previstas no artigo 6.º-A, n.º 1, al. b) do RJUE, embora se encontrem isentas de controlo prévio (v.g. licenciamento camarário), não dispensam “a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional”, de modo a garantir a observância de regras relativas aos materiais a utilizar e dimensões das vedações, visando salvaguardar quer o solo quer a fim previsto no RJRAN.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:M.
Recorrido 1:MINISTÉRIO da AGRICULTURA e do MAR
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I
RELATÓRIO

1 . M., habitualmente residente em Espanha e com residência em Portugal na Rua (…), inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 14 de Julho de 2021, que julgou improcedente a acção administrativa especial instaurada contra o MINISTÉRIO da AGRICULTURA e do MAR onde pretendia, em procedência da acção:
a) ver declarado que as obras a que os autos se referem não estão sujeitas à obrigação de comunicação prévia a que alude o art.º 24.° do Dec. Lei n.° 73/2009 de 31 de Março; assim não se entendendo,
b) a ver declarado que nada obsta a que, apesar de já efectivadas, as mesmas são ainda susceptíveis de serem comunicadas,
c) a ver declarada nula a decisão da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro que tenha rejeitado, ou possa rejeitar, a comunicação, pela Autora, das obras a que os autos se referem; e ainda,
d) a que se declare nulo, ou assim não se entendendo, a anulabilidade, do despacho de 09/08/2013 que determinou a reposição da situação anterior à infracção fixando um prazo de 15 dias úteis para a Autora executar as operações que descreve.
*
Nas suas alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
"1. A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo enferma de erro de julgamento sobre a matéria de facto e enferma de erro de julgamento de direito, por ter considerado improcedente o vício de violação de lei e a violação do princípio da proporcionalidade.
2. Sob a alínea J) o Tribunal a quo dá como provado que J. A autora tomou conhecimento do parecer emitido pela ERRANC em 04/09/2012 – cfr. fls. 12 verso e 13 do PA)” e, em sede de fundamentação de direito, conclui que “ Não tendo o parecer em causa sido impugnado por parte da Autora, permitindo assim a sua consolidação, em 09/08/2013 viria a ser proferido o acto objecto de impugnação nestes autos, ao abrigo do artigo 44º do Decreto-lei nº 73/2009.” e ainda que “Confirmada que estava a realização de uma acção interdita em área da RAN, em violação do disposto nos artigos 20º a 24º do DL nº 73/2009, ao órgão competente da Apelada não restava outra alternativa, perante o parecer desfavorável da ERRANC, senão proferir a ordem de reposição do solo no estado inicial, uma vez que foi emitido parecer desfavorável por aquela entidade, quando ainda para mais, tal parecer não foi objecto de oportuna impugnação por parte do Apelante.
Deste modo, perante a consolidação na ordem jurídica do parecer negativo emitido pela ERRANC, estava o Apelado estritamente vinculado, por obediência aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público na defesa dos solos da RAN (cfr. Artigos 3º e 4º do CPA), a emitir a ordem de reposição do solo, aqui consubstanciada no ato impugnado. (…) E sem o parecer favorável da ERRANC tal construção não pode manter-se, não podendo ser legalizada, pelo que, como já tivemos ensejo de enfatizar, não tendo o Apelante reagido contra esse parecer no segmento em que lhe era antagónico, acabou por viabilizar a consolidação na ordem jurídica do aludido parecer, tornando vinculativa para a entidade competente da RAN a decisão de ordenar a reposição do solo nas condições iniciais (cfr. art. 474º, nº 1 do DL nº 73/2009)”
3. A Recorrente não se conforma com o conteúdo da al. J) dos factos provados, quando aí se dá como provado que a Autora tomou “...conhecimento do parecer emitido pela ERRANC...” se interpretado no sentido em que o faz o Tribunal a quo e com as conclusões que daí lhe retira.
4. A matéria de facto provada sob as al. I e K dos factos provados apenas permite concluir que em 23.08.2012 a ERRANC deliberou por unanimidade “manifestar a intenção de emitir parecer DESFAVORÁVEL ao requerido...” e ainda notificar a ora Recorrente para “...apresentar por escrito o que se lhe oferecer sobre a intenção de emitir parecer desfavorável...”
5. Não se ignorando o aí referido: “Mais se informa que na falta de resposta, a presente deliberação torna-se efetiva e eficaz no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo para se pronunciar em sede de audiência prévia”, a verdade é que, não se provou que, após esta notificação, e sobre esta intenção de emitir parecer desfavorável, a ERRANC tenha emitido um parecer desfavorável definitivo, não se provou que tenha notificado a recorrente de ter deliberado sobre este parecer desfavorável definitivo e, igualmente, não se provou que, podendo os interessados, ao abrigo do disposto no nº 10 do art. 23º do Dec. Lei nº 73/2009 de 31 de Março, interpor recurso para a entidade nacional da RAN, sem prejuízo da possibilidade de impugnação contenciosa, a ERRANC tenha notificado a Recorrente sobre a possibilidade de interpor recurso, órgão competente para o efeito, tipo de impugnação e prazo para o poder fazer. (art. 66º e 68º do Código de Procedimento Administrativo – Dec. Lei nº 442/91 de 15 de Novembro, de ora em diante CPA velho, revogado pelo Dec. Lei nº 4/2015 de 07 de Janeiro – Código do Procedimento Administrativo, de ora em diante CPA, neste, art. 114º).
6. Uma decisão final ou um parecer final, só após a audiência dos interessados é que é tomada. O procedimento só se extingue com a “...tomada da decisão final, bem como por qualquer dos outros factos previstos nesta secção” (art. 106º CPA velho).
7. O constante da al. I dos factos provados não consubstancia um parecer final expresso e definitivo.
8. Consignar-se que “mais se informa que na falta de resposta, a presente deliberação torna-se efetiva e eficaz...”- como fez a recorrida na notificação e a que se refere a al. I dos factos provados, quando antes, e no que concerne à “...presente deliberação...” a Ré apenas notifica a Autora de que deliberou “… manifestar a intenção de emitir...” e, disto, se fica a aguardar, em audiência prévia, a pronuncia da Autora, não é o mesmo que notificar a Autora do parecer final ou da decisão final expressa.
9. O Tribunal a quo incorre em erro quando, sem o enquadramento acima concluído, sem mais, dá como provado que em 04.09.2012 a Autora tomou conhecimento ”...do parecer emitido...” e daí concluí o que acima igualmente a Recorrente impugna.
10. A Recorrida não notificou a Autora de que lhe assistia o direito de impugnar tal parecer, nem dos termos e prazos em que, querendo, o poderia fazer.
11. Só após as sobreditas notificações se pode concluir de que foi emitido um parecer negativo expresso, definitivo e eficaz. E, sobretudo, para se pode concluir que, após isso, não tendo ele sido objecto de oportuna impugnação, se consolidou na ordem jurídica.
12. O Tribunal a quo faz errada interpretação e aplicação da lei ao considerar e concluir que com aquela notificada mera intenção, sem acrescida notificação, nomeadamente para efeitos de impugnação, sem mais, se consolida em 09/08/2013 na ordem jurídica como parecer definitivo e vinculativo para a entidade competente da RAN que ordena a reposição.
13. Os muros em causa não se revelam obras de construção, não possuem relevância urbanística nem se encontram sujeitos à comunicação prévia prevista no art. 24º do DL. nº 73/2009. (Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional - RJRAN).
14. Os muros da vedação e de estrema delimitam os prédios da Autora a que se referem as alíneas A) e B) dos factos provados. À data da propositura da ação, ambos, de nascente confrontavam com caminho.
15. Consta do ofício datado de 30.09.2013 – 009162 – DRAPC (ref. OF/670/2013/NAJ) “...a nossa fiscalização, em deslocação ao local da infração, verificou em 16.09.2013 que... a Câmara Municipal pavimentara o caminho de terra confinante com o muro Nascente, alterando dessa forma a classificação do dito muro, que passou assim a confinar com via pública...(o sublinhado é nosso). Esta Rua é hoje denominada Rua das (...). Está implantada em área integrada em Reserva Agrícola Nacional. Grande parte do seu piso é em betuminoso. Tem uma largura não inferior a seis metros. E uma extensão muito superior a 140 metros. Os muros que as alíneas D a G dos factos provados identificam ocupam uma área de implantação inferior a 41 m2 ...
16. Como consta das alíneas A e B (cfr. doc. n.º 1 a 4 da p.i de que decorrem), desses factos provados, esses dois aí identificados prédios são rústicos, terrenos de cultura com, e respetivamente, 1.400 m2 e 1.470 m2. Eram e são terrenos de cultura.
17. O Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação ao disposto no nº1 do art. 20º e al. a) do 21º do RJRAN. Os prédios rústicos da Recorrente não deixaram de ser terrenos de cultura. Não deixaram de estar afetos à actividade agrícola. Os muros de vedação e delimitação não visam expansão urbana ou o desenvolvimento urbano daquele espaço rural. Tais vedações mantêm a afectação dos prédios que delimitam à atividade agrícola e em nada beliscam o que concerne a uma óptica de uso sustentando e de gestão eficaz do espaço rural.
18. Aqueles muros de vedação e delimitação não colidem com o objectivo principal da instituição da RAN que é, no dizer de Fernando Alves Correia, in Manual de Direito do Urbanismo, citado na sentença, o de “… resguardar os solos de maior aptidão agrícola de todas as intervenções – designadamente urbanísticas … “, uma vez que não diminuem ou destroem as suas potencialidades agrícolas, que se mantêm, nem impedem a sua afectação à agricultura, que igualmente se mantêm.
19. O disposto no nº 1 do art. 20º do RJRAN não consente a interpretação restritiva que dele fez o Tribunal a quo. Só as construções que visem expansão urbana ou desenvolvimento urbano, e que não permitam que os prédios sejam afectos à actividade agrícola, ou as acções que diminuam ou destruam as potencialidades do prédio para o exercício da actividade agrícola das terras e dos solos da RAN é que estão interditas pelo art. 21º RJRAN.
20. Porque os muros de vedação e delimitação não diminuem nem destroem as potencialidades dos prédios para o exercício da actividade agrícola que se mantém, não careciam de parecer prévio nem mesmo de comunicação prévia à entidade regional da RAN.
21. Está em causa nos autos o despacho de 09/08/2013 a que se refere a alínea S dos factos provados. Que atento o acima já concluído é anulável, atento o disposto no art. 135º do CPA.
22. Reforça-se que o essencial do que está em causa e o essencial do interesse que se pretende salvaguardar através do regime jurídico de proteção de solos da RAN é a defesa do interesse público, mormente a salvaguarda dos solos com elevado potencial produtivo agrícola. O que se pretende é a proteção do recurso solo, como suporte do desenvolvimento da atividade agrícola e a contribuição para a preservação dos recursos naturais.
23. Os muros em causa não implicam alterações irreversíveis na topografia do solo e também não impedem, nem condicionam a utilização daquele solo para a atividade agrícola. Não estamos a falar da edificação de qualquer prédio em solo de RAN, nem da pavimentação do solo, estamos a falar apenas e tão só de muros de vedação.
24. A existência destes muros de vedação não provoca a destruição ou o condicionamento da capacidade de produção do solo que o RJRAN pretende acautelar.
25. É Jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que: “A construção de um muro de vedação, corresponde, em regra, a uma alteração mínima do perfil dos terrenos agrícolas, não conduzindo à diminuição ou destruição das suas potencialidades agrícolas (…)”, neste sentido se pronunciou o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 14.02.2002 no processo 48176 da 2ª Subsecção do CA, disponível em www.dgsi.pt, que acrescenta “na perspetiva do direito do proprietário, a construção em causa não corresponde, senão, ao exercício do direito de propriedade e de demarcação das áreas da sua propriedade, conforme resulta, designadamente, dos arts. 1305, 1311, 1344, 1348 e 1353 todos do C.C., só sendo lícita a restrição a tal direito a existir norma legal que o impedisse (…)”, o que no caso vertente não se justifica.
26. A douta sentença recorrida fez uma errada aplicação da Lei aos factos e da sua interpretação ao considerar, e nos termos em que o faz, aplicável ao caso sub judice, o regime jurídico da RAN aprovado pelo Decreto-Lei nº 73/2009 de 31 de Março. Este diploma legal estabelece no seu artº 21º que se encontram interditas nos solos inseridos na RAN todas as ações que diminuam ou destruam as potencialidades para o exercício da atividade agrícola, nomeando algumas dessas ações.
27. Já assinalado que no caso vertente, aqueles muros não implicam alterações de topografia do solo, podendo este, a todo o tempo, ser utilizado para os fins a que se encontra vocacionado (agrícolas), como também não implica a impermeabilização do solo, nem a sua degradação, mantendo, como mantêm, intactas as suas qualidades agrícolas. Estes muros, embora ocupem uma pequeníssima parte do solo, não são impermeabilizadores do mesmo, não provocam risco para o meio ambiente e permitem a manutenção daqueles solos como aptos para a agricultura e a sua utilização agrícola, sem que os mesmos sofram deterioração com a sua manutenção. Os muros em causa não se inserem nas ações interditas estabelecidas no artº 21 º do Decreto-Lei nº 73/2009 de 31 de Março.
28. O Tribunal a quo interpretou o texto da lei (relativamente aos normativos que invoca, e aplica, do Decreto-Lei nº 73/2009 de 31 de Março) tendo apenas em consideração a letra da lei. É errado considerar tal letra da lei com uma interpretação absolutamente restritiva, como o fez o Tribunal, em vez de efectuar uma interpretação enunciativa da lei em causa como se exigia. O que consubstancia incorreta interpretação da lei, na medida em que não atende aos critérios legais de interpretação consignados no art. 9º do Código Civil
29. A sentença recorrida enferma ainda de erro de julgamento por, ao decidir como decidiu, afrontar o princípio da proporcionalidade. A ordem de demolição viola o princípio da proporcionalidade. Não há nenhum impedimento absoluto a que o referido muro subsista, mesmo que se considere o disposto no art.º 22.º do Decreto-Lei n.º 73/2009
30. O acto impugnado, no limite, não se trata de uma exigência de racionalidade e de justa medida. Não procede de uma correta avaliação da providência adotada em termos qualitativos e quantitativos e vai muito para além do que importa, para se obter o resultado devido.
31. Não tendo a intenção de emitir parecer desfavorável, nos precisos termos em que a Recorrida o comunicou à Recorrente, feito consolidar na ordem jurídica o aludido parecer, este necessariamente não se tornou vinculativo para a Recorrida. Daqui decorre que, e sempre com o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao concluir que “Estando aqui em causa um poder vinculado, inexiste a apontada violação do princípio da proporcionalidade, incapaz de determinar a anulabilidade total do acto impugnado.
32. Inexistindo, como no caso sucede, um poder estritamente vinculado ou um poder-dever que conduza à produção do acto datado de 09/08/2013, incorre a douta sentença em erro ao concluir que não se verifica a violação do princípio da proporcionalidade conforme reclamado pela Autora, na sua tripla vertente da adequação, necessidade e proporcionalidade".
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Notificadas as alegações, apresentadas pela recorrente, supra referidas, nada disse a entidade recorrida.
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A Digna Procuradora Geral Adjunta, neste TCA, notificada nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
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Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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2 . Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts.1.º e 140.º, ambos do CPTA.

II
FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida:
A. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial (...), a favor da aqui Autora, o prédio rústico, com uma área de 1.400m2, denominado Lombo, sito no lugar (…) – cfr. doc. n.ºs 1 e 2 da p.i.
B. Encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial (...), a favor da aqui Autora, o prédio rústico, com uma área de 1.470m2, sito no lugar (...), freguesia (…) – cfr. doc. n.ºs 3 e 4 da p.i,.
C. Os dois prédios referidos nas alíneas anteriores, à data da propositura da acção, não confrontavam com a via pública – facto não controvertido.
D. O autor edificou nos prédios identificados nas alíneas A) e B), muros de vedação e de estrema, em alvenaria de blocos de cimento com largura de parede de 15 cm, e um desenvolvimento total de 272 metros – facto não controvertido - fls. 4 a 6 do PA.
E. A norte, nascente e poente têm uma altura média entre 1,40 a 1,45 metros e são encimados por rede metálica com 1 metro de altura suportada por pilares de betão armado com secção rectangular de 20cm x 15 cm – facto não controvertido - fls. 4 a 6 do PA.
F. A sul, o muro tem uma altura média de 40 cm acima da cota natural do terreno, sendo encimado por rede metálica com 2 metros de altura, também suportada por pilares de betão com secção igual aos dos restantes muros – facto não controvertido - fls. 4 a 6 do PA.
G. O alicerce dos muros tem uma largura de 30 centímetros – facto não controvertido - fls. 4 a 6 do PA.
H. Em 18.07.2012, a Autora apresentou junto da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro, o requerimento junto a fls. 9 do PA, cujo teor se tem por integralmente reproduzido, e de onde se extrai o seguinte segmento:
(…) venho por este meio solicitar à ER-RANC, que emita o competente parecer ao abrigo da alínea__, do n.º 1 do Art. 22.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, pelos motivos que a seguir se expõem:
E que constam já do req. 06.03.2012 que aqui se renovam. Obras de escassa relevância urbanística e não sujeitas a comunicação prévia, ou assim não se entendendo se emita parecer no sentido de não se ver inconveniente no deferimento do pedido de licenciamento de obras acima referido”;
I. Em 23.08.2012, a Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro (ERRANC), emitiu parecer sobre o pedido apresentado pela Autora, nos termos constantes da acta de fls. 11 e 12 do PA, que se tem por integralmente reproduzida, e de onde se extrai o seguinte excerto:
“1.12 Processo n.º 367/ER-RAN.C/2012, de M. (concelho (...))
DLB n.º 556/2012 – Referente a um prédio rústico sito no lugar de Estrada, freguesia (...), concelho (...), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), com a área total de 1400 metros quadrados, da qual pretende utilizar 15 metros quadrados e cuja finalidade é a legalização de muros de vedação.
O prédio descrito integra-se na carta da RAN do PDM do concelho (...).
(…)
Após a apreciação do processo a Entidade Regional deliberou, por unanimidade, o seguinte:
1 – Manifestar a intenção de emitir parecer DESFAVORÁVEL ao requerido, atento o não enquadramento no regime da excepções do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, dado que na Reserva Agrícola Nacional fora do limite das vias públicas, só é permitido executar vedações em materiais perecíveis e amovíveis, do tipo rede zincada suportada por estacas de madeira tratada.
2 – Notificar o requerente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo, para no prazo de 10 dias úteis a contar da data da notificação, apresentar por escrito o que se lhe oferecer sobre a intenção de emitir parecer desfavorável, podendo o processo ser consultado pelo próprio ou por advogado constituído, na sede da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro (…)
Mais se informa que na falta de resposta, a presente deliberação torna-se efetiva e eficaz no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo para se pronunciar em sede de audiência prévia.”
J. A autora tomou conhecimento do parecer emitido pela ERRANC em 04.09.2012 – cfr. fls. 12 verso e 13 do PA.
K. A autora não apresentou resposta ao parecer emitido pela ERRANC - Cfr. PA.
L. Os prédios identificados em A) e B) encontra-se enquadrado em área RAN – facto não controvertido.
M. Em 24.04.2013 foi redigida a informação n.º 081/2013/NAJ, junta a fls. 15 e ss. do PA, que se considera aqui inteiramente reproduzida, e de onde se extrai o seguinte excerto:
(…)
Em 06/09/2011 o técnico da DRAP, Eng.º A., deslocou-se ao local descrito no artigo anterior e constatou a existência de:
a) Muros de vedação divisórios construídos em alvenaria de blocos de cimento com largura de parede de 15 cm, com
b) Com uma altura média de 1,45 metros nos lados Norte, Nascente e poente, sendo encimado por rede metálica com 1 metro de altura suportada por pilares de betão armado com secção retangular de 20 cm x 15 cm;
c) Com uma altura média de 40 cm acima da cota natural do terreno no lado Sul, sendo encimado por rede metálica com 2 metros de altura, suportada por pilares de betão armado com secção rectangular de 20 cm x 15 cm;
d) Cujos alicerces têm uma largura de 30 cm:
e) Estando a decorrer nessa ocasião os trabalhos de colocação da rede no muro Norte
(…)
3.ª A infractora, ao ter cometido os factos descritos no artigo 2.º, praticou a contraordenação p.p. no artigo 39.º, n.º 1, alínea b) e n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, tendo sido condenada, por despacho da Senhora Diretora Regional de Agricultura e Pescas do Centro, datado de 26/07/2012, no pagamento de uma coima de €500,00, no âmbito do Processo de Contraordenação n.º 108/2011 (estando esse processo extinto e arquivado).
4ª Em 19/07/2012 a infratora requereu à ERRAN a legalização das obras dos autos, para uma ocupação de apenas 15 m2 (planta topográfica de fls. 10 dos autos).
5.ª Em 23/08/2012 a ERRAN manifestou a intenção de emitir parecer desfavorável à pretensão do arguido (extrato da ata de fls. 11 dos autos).
6.ª Em 18/09/2012 por falta de resposta da infratora no processo da ERRANC, aquele parecer converteu-se em desfavorável definitivo (extrato da ata e aviso de receção de fls 11 a 13 dos autos.
2. Do direito
2.1 O regime da RAN e a tutela (reintegração) da legalidade
(…)
No que respeita à natureza do poder da Diretora Regional ordenar a restituição do solo defende a Informação SG-MAMAOT n.º 746/2012/GJ, de 20 de Junho, que mereceu a concordância do Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, que o RJAN “não possibilita ao Diretor Regional qualquer margem de discricionariedade quanto à reposição da situação anterior à infracção. (…) Quaisquer outras circunstâncias invocadas pelos interessados (…) poderão ser sempre ponderadas através da via judicial”.
Neste caso, a DRAPC, na pessoa da Senhora Diretora Regional de Agricultura e Pescas, tem o dever de ordenar a reposição da legalidade violada com a utilização não agrícola levada a cabo pelas infractoras.
3. Conclusões e proposta de decisão
I – Considerando que a utilização não agrícola em causa foi levada a cabo em solos integrados em RAN, de acordo com o PDM do concelho em vigor, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/95, de 10 de Julho, sem comunicação prévia à ERRANC, em violação do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março.
II – Considerando que em 18/09/2012 a intenção de emitir parecer desfavorável à legalização da citada utilização não agrícola anteriormente manifestada pela ERRAN se converteu em parecer definitivo.
III – Considerando que a manutenção das obras dos autos diminuiu as potencialidades para o exercício da actividade agrícola, lesando o interesse público na defesa das áreas da RAN, atribuição que a DRAPC prossegue no quadro legal em referência (cfr. artigos 40.º, 41.º, 43.º e 44.º do RJRAN), impede que se proteja o solo como suporte do desenvolvimento da atividade agrícola – para produção de bens alimentares, fibra e madeira – e como recurso “precioso, escasso e indispensável à sustentabilidade dos nossos ecossistemas e à salvaguarda do planeta”.
VI – Considerando, por fim, o teor da informação SGMAMOT n.º 746/2012/GJ, de 20 de junho, que mereceu a concordância do Senhor Secretária de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural.
(…)
Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, com fundamento nos elementos de facto e de direito supra indicados, proponho que a Senhora Diretora Regional de Agricultura e Pescas do Centro, após a audição da interessada, determine a reposição da situação anterior á construção dos muros dos autos, a executar voluntariamente num prazo de 15 dias úteis, a contar da data da notificação da infratora, alertando-a ainda para o ónus a que se referem os n.ºs 2, 3 e 4 do supra citado artigo”.
N. Sob a informação referida no ponto anterior, o Director Regional Adjunto de Agricultura e Pescas do Centro exarou o seguinte despacho, datado de 05.06.2013: “concordo. Notifique-se a infratora quanto à intenção de decretar a reposição do solo à situação anterior à infracção” - cfr. fls. 15 do PA.
O. Através do ofício n.º OF/429/2013/NAJ, foi a Autora notificada da intenção de ser ordenada a reposição da situação anterior à infração no prazo de 20 dias úteis, nos termos constantes de fls. 19 do PA, cujo teor se considera aqui reproduzido.
P. A autora pronunciou-se em sede de audiência prévia através do requerimento a fls. 23 e ss. do PA que se tem aqui por reproduzido;
Q. Em 19.07.2013 foi redigida a informação n.º 146/2013/NAJ, junta a fls. 25 e ss. do PA, que se considera aqui inteiramente reproduzida, e de onde se extrai o seguinte excerto na parte que releva:
4. Fundamentação
4.1. Factos provados
A pronúncia da Infratora em sede de audiência dos Interessados não carreou para os presentes autos prova e factos adicionais, pelo que se dão por provados aqueles que constam da Informação n.º 081/2013/NAJ, de 24 de abril (fls 15) e que aqui se dão por inteiramente reproduzidos.
4.2. Motivação da decisão de facto
A nossa convicção fundou-se na apreciação crítica, e de acordo com as regras da experiência e com critérios de normalidade e razoabilidade, do conjunto de toda a prova produzida, conforme acima ficou devidamente explicitado.
O facto 1.° resulta da certidão de fls 10; o facto 2.º da Informação técnica, auto de notícia e planta de condicionantes de fls 3 a 6 e 9.° v.° dos autos; os factos 4.º, 5.° e 6.° resultam dos documentos extraídos do Processo n.° 367/ERRANC/2012 de fls 10 a 13 dos autos.
Refira-se que o facto de a utilização não agrícola dos autos se encontrar isenta de controlo prévio municipal, não a isenta da obrigação de comunicação prévia nos termos do Decreto-Lei n,° 73/2009, de 31 de Março, tal como resulta do disposto no artigo 65, n.° 1, alínea c) e n.º 8 do RJUE.
4.3. O regime da RAN e a tutela (reintegração) da legalidade
O solo é um recurso precioso, escasso, finito, indispensável à sustentabilidade dos nossos ecossistemas e à salvaguarda do Planeta, desempenhando funções na regulação do ciclo da água e na manutenção da sua qualidade, na redução das emissões de carbono, no suporte da biodiversidade e no lazer das populações, sendo pois um elemento ambiental da maior importância paisagística, patrimonial e física para o desenvolvimento de infraestruturas e atividades humanas.
Neste enquadramento e considerando que é fundamental e estratégico que se promovam políticas de defesa e conservação das terras e solos do revisto o regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional (RAN), aprovado pelo Decreto-Lei n.° 73/2009, de 31 da março.
Ao mesmo tempo que a utilização não agrícola dos autos consubstancia a prática de uma contraordenação (prevista e punida nos termos do regime jurídico da RAN), e justifica que seja ordenada a reposição da situação anterior á infração, medida de polida sujeita aos princípios de direito administrativo relativamente à qual o Interessado detém a garantia de recurso contencioso, a Interpor para o competente tribunal da Jurisdição administrativa, nos termos da lei processual aplicável.
Veja-se o que dispõe o n.° 1 do citado artigo 44º do citado Decreto-Lei n.° 73/2009:
Após audição dos interessados e independentemente de aplicação de coimas, compete ao diretor regional de agricultura e pescas determinar [sublinhado nosso] que os responsáveis pelas ações violadoras do regime da RAN procedem à reposição da situação anterior à Infração, fixando o prazo e os termos que devem ser observados.
No que respeita à natureza do poder da Diretora Regional ordenar a reposição do solo defende a Informação SG-MAMAOT n 0 746/2012/GJ, de 20 de Junho, que mereceu a concordância do Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural, que o RJRAN «não possibilita ao Diretor Regional qualquer margem de discricionariedade quanto á reposição da situação anterior à infração. (...)
Quaisquer outras circunstâncias invocadas pelos interessados (...) poderão ser sempre ponderadas através da via judicial».
Neste caso, a DRAPC, na pessoa da Senhora Diretora Regional de Apicultura e Pescas, tem o dever de ordenar a reposição da legalidade violada com a utilização não agrícola levada a cabo pela infratora.
5. Conclusões e proposta de decisão
I — Considerando que a utilização não agrícola em causa foi levada a cabo em solo Integrados na RAN, de acordo com o PDM do concelho (...) em vigor, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 66/95, de 10 de julho, sem comunicação prévia à ERRANC, em violação do disposto no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março.
II — Considerando que em 18/09/2012 a intenção de emitir parecer desfavorável á legalização da citada utilização não agrícola anteriormente manifestada pela ERRANC se converteu em parecer definitivo.
III - considerando que a manutenção das obras dos autos diminui as potencialidades para o exercido da atividade agrícola, lesando o interesse público na defesa das áreas de RAN, atribuição que a DRAPC prossegue no quadro legal em referência (cfr. artigos 40.°, 41.°, 43.° e 44.° do RJRAN), impede que se proteja o solo como suporte do desenvolvimento da atividade agrícola - para produção de bens alimentares, fibra e madeira - e como recurso «precioso, escasso e Indispensável à sustentabilidade dos nossos ecossistemas e à salvaguarda do planeta» ( ’ ).
IV — Considerando que o exercido do poder de ordenar a reposição da situação anterior à infração relativamente a ações violadoras do regime jurídico da RAN encontra apoio na lei, e mais concretamente, no artigo 44.º do Decreto-Lei n.° 73/2009. de 31 de março, competindo, nesse caso, à DRAPC, através dos seus órgãos e serviços competentes, apreciar os pressupostos de facto e decidir, tendo como pano de fundo a boa prossecução do Interesse público da defesa dos solos com maior aptidão agrícola, sobre o mérito da reposição.
V - Considerando, por fim, o teor da Informação SG-NIAMAOT n.º 746/2012/GJ, de 20 de junho, que mereceu a concordância do Senhor Secretário de Estado das Florestas e Desenvolvimento Rural.
Nos termos e pera os efeitos do disposto no artigo 44.° do Decreto-Lei n.° 73/2009, de 31 de março, com fundamento nos elementos de facto e de direito supra indicados, proponho que a Senhora Diretora Regional de Agricultura e Pescas do Centro determine a reposição da situação anterior à utilização não agrícola dos autos, a executar voluntariamente num prazo de 18 dias úteis, a contar da data da notificação da infratora, neste caso, do seu mandatário, com execução dos trabalhos Já notificados a coberto do oficio de fls 19 dos autos”.
1 Ac. do TCA Sul, de 06/06/2002. Proc. n. s 11337/02”.
R. Sobre a aludida informação foi aposto em 09.08.2013 pelo Diretor Regional Adjunto o despacho com o seguinte teor: “Determino a reposição do solo à situação anterior à infração nos termos do teor e parecer do presente relatório final de instrução” (Cfr. fls. 25 do PA);
S. Através do ofício n.º OF/571/2013/NAJ foi a autora notificada de que, por despacho de 09.08.2013, foi determinada a reposição do solo na situação anterior à infração com os fundamentos de facto e de direito constantes da informação n.º 146/2013/NAJ, com o seguinte teor que ora se transcreve na parte que releva:
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 44.º do Decreto-lei n.º 73/2009, de 31 de março, com a finalidade de repor a legalidade objetivamente violada, fica notificado, na qualidade de procurador da infratora, para repor a situação anterior à infração, no prazo de 15 dias úteis, a contar da data da presente notificação, com execução das seguintes operações:
a) Desmontagem das vedações em rede;
b) demolição dos muros;
c) escavação dos alicerces;
d) carregamento e transporte dos materiais resultantes da demolição e escavação para vazadouro autorizado, devendo ser exibida cópia da guia de entrega dos resíduos;
e) limpeza e regularização do solo no local dos trabalhos.
Mais fica advertido que, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.º s 2, 3 e 4 do citado artigo 44.º do Decreto-Lei n.° 73/2009, caso a infratora não proceda voluntariamente à reposição, a DRAPC disso dará conhecimento ao Município de Ovar, para que este proceda às operações materiais necessárias a tal reposição e remeta àquela, para pagamento, no prazo de 60 dias, a respetiva nota de despesas, sob pena de cobrança coerciva em sede de execução fiscal” – cfr. fls. 29 do PA.

2 . MATÉRIA de DIREITO

No caso dos autos, a questão essencial a decidir resume-se em determinar se, na situação vertente, a decisão recorrida, ao julgar a presente acção improcedente, incorreu em erro de julgamento.
E, atentas as alegações recursivas, supra sintetizadas nas respectivas conclusões, verificamos que a recorrente, em relação à sentença recorrida, deixa incólume a apreciação/decisão atinentes às invalidades de falta de fundamentação e erro nos pressupostos se facto e de direito, pelo que a abordagem que nos cumpre reapreciar se prende, por um lado, pela reverificação dos vícios/invalidades de (ii) violação de lei e ainda (iii) violação do princípio da proporcionalidade, e, por outro, se existe (i) erro de julgamento de facto, no que se refere à al. J) da factualidade dada como provada Onde consta : "A autora tomou conhecimento do parecer emitido pela ERRANC em 04.09.2012", sustentando-se no que resulta de fls. 12 verso e 13 do PA.
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Por razões de logicidade incontestável, impõe-se que iniciemos a nossa análise/decisão por esta questão fáctica.
Se bem entendemos a argumentação propendida pela recorrente, com esta impugnação pretende não tanto questionar o facto de se ter dado como provado, nesse concreto facto, que a Autora tomou conhecimento do Parecer emitido pela ERRANC – demonstrado dos documentos do PA -- fls. 12 e 13 do PA – aviso de recepção --, mas antes as conclusões que a sentença dele retirou.
Assim neste prisma, a A./Recorrente, em bom rigor, não questiona a factualidade em causa, antes questiona que, tendo ela tomado conhecimento desse Parecer, ele se tenha tornado definitivo, vinculativo nas subsequentes decisões da entidade pública que, de acordo com os normativos legais, estava "obrigada", em prol do princípio da legalidade, a prosseguir.
Porém, esta questionação da recorrente tem a ver com a sua discordância com a abordagem/decisão jurídica consequente retirada pela entidade recorrida que, a final, ordenou a reposição do status quo, em relação aos terrenos em causa (sendo incontroverso que se inserem em RAN Cfr. al. L ) dos factos provados. - demolição dos muros e reposição dos terrenos no seu estado anterior - , bem como com a decisão recorrida que, julgando improcedente a acção, a consolidou fáctica e juridicamente.
Nestes termos, nenhuma alteração importa que se efective no sentido de alterar a factualidade constante da al. J dos factos provados que assim se mantém, na sua integralidade.
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Passemos agora à alegada violação de lei – conclusões 1 a 12 das alegações.
Ora a argumentação da recorrente carece de razão, salvo meliore.
Na verdade, a A./Recorrente foi indubitavelmente notificada – esta parte não será questionável – na sequência de pedido, de 18/7/2012, de legalização das obras realizadas pela recorrente, onde solicita a emissão de Parecer, pelo que, – al. H) dos factos provados – foi emitido, em 23/8/2012, o seguinte Parecer pela Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro (ERRANC), referente a um prédio rústico sito no lugar de Estrada, freguesia (...), concelho (...), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), com a área total de 1400 metros quadrados, da qual pretende utilizar 15 metros quadrados e cuja finalidade é a legalização de muros de vedação:
“O prédio descrito integra-se na carta da RAN do PDM do concelho (...).
(…)
Após a apreciação do processo a Entidade Regional deliberou, por unanimidade, o seguinte:
1 – Manifestar a intenção de emitir parecer DESFAVORÁVEL ao requerido, atento o não enquadramento no regime das excepções do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, dado que na Reserva Agrícola Nacional fora do limite das vias públicas, só é permitido executar vedações em materiais perecíveis e amovíveis, do tipo rede zincada suportada por estacas de madeira tratada.
2 – Notificar o requerente, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 100.º e 101.º do Código do Procedimento Administrativo, para no prazo de 10 dias úteis a contar da data da notificação, apresentar por escrito o que se lhe oferecer sobre a intenção de emitir parecer desfavorável, podendo o processo ser consultado pelo próprio ou por advogado constituído, na sede da Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro (…)
Mais se informa que na falta de resposta, a presente deliberação torna-se efetiva e eficaz no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo para se pronunciar em sede de audiência prévia– sublinhado e negrito nosso.
Como resulta da alínea K) dos factos provados, “A autora não apresentou resposta ao parecer emitido pela ERRANC”, pelo que, atento o parágrafo “Mais se informa que na falta de resposta, a presente deliberação torna-se efetiva e eficaz no 1º dia útil subsequente ao termo do prazo para se pronunciar em sede de audiência prévia”, facilmente se entende que aquele Parecer se tornou definitivo.
Poder-se-á não concordar com esta actuação linguística/procedimental – ainda que habitualmente usada pela administração pública – mas da mesma resulta para qualquer destinatário normal que, com a actuação descrita, se faz a enunciação dos seguintes vectores:
- o projecto de Parecer é desfavorável;
- o destinatário tem 10 dias úteis para se pronunciar por escrito – audiência prévia – podendo consultar o processo administrativo;
- caso nada diga, nesse prazo, o Parecer desfavorável torna-se efectivo e definitivo, no 1.º dia útil subsequente ao termo do prazo de pronúncia.
No caso dos autos, nada tendo dito a A./recorrente no prazo de audiência prévia, é lógico, perfeitamente entendível, concluir-se que aquele Parecer se tornou definitivo e eficaz.
Argumentar contra esta actuação/leitura/entendimento carece de qualquer relevância e assim concluímos desconsiderá-la, ou seja, temos de concluir que com aquele Parecer desfavorável se tornou definitiva a pronúncia da entidade competente no sentido de que apenas é permitido executar vedações de propriedades rústicas inseridas em zonas RAN, não confrontantes com a via pública Cfr. al. C) dos factos provados, onde consta que os prédios da recorrente, “…à data da propositura da acção, não confrontavam com a via pública”. – direito inquestionado dos proprietários – com materiais perecíveis e amovíveis, do tipo de rede zincada suportada por estacas de madeira tratada.
Ora, atentos os materiais usados na construção dos muros de vedação – blocos de cimento, pilares de betão armado Mais concretamente, muros de vedação e de estrema, em alvenaria de blocos de cimento com largura de parede de 15 cm, e um desenvolvimento total de 272 metros; a norte, nascente e poente têm uma altura média entre 1,40 a 1,45 metros e são encimados por rede metálica com 1 metro de altura suportada por pilares de betão armado com secção rectangular de 20cm x 15 cm e, a sul, o muro tem uma altura média de 40 cm acima da cota natural do terreno, sendo encimado por rede metálica com 2 metros de altura, também suportada por pilares de betão com secção igual aos dos restantes muros, além de que o alicerce dos muros tem uma largura de 30 centímetros – cfr. als. d) a g) dos factos provados. – é facilmente entendível aquele Parecer.
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Quanto ao alegado de que os muros em causa não são obras de construção, não possuem relevância urbanística, nem se encontram sujeitos a comunicação prévia, bem como das consequências da construção de muros como os que foram construídos e bem assim da alegada violação do princípio da proporcionalidade em relação à ordem de reposição dos terrenos no seu estado anteriorconclusões 13 e segs. das alegações – porque, em bom rigor, a recorrente não adianta argumentos que importem alteração de entendimento deste Tribunal de recurso, em conjugação com a clara, justificada – alinhada com decisões dos tribunais superiores que cita e transcreve, quando necessário – e correcta fundamentação jurídica efectivada pelo Sr. Juiz do TAF de Aveiro, bastamo-nos com a remessa para essa consequente argumentação que só pode conduzir à improcedência da acção e que aqui se reitera e assim importa a total improcedência do recurso.
Relembra-se, assim, no essencial, a decisão recorrida:
......
Em termos de legislação aplicável, por força do referido princípio e à data da prática do acto impugnado, atender-se-á ao regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional, aprovado pelo DL n.º 73/2009, de 31 de Março (doravante RJRAN), na versão dada pelo DL n.º 73/2009, e anterior ao DL n.º 199/2015, de 16/09.
(i) Do vício de violação de lei, por a obra em causa não constituir uma obra de construção civil:
A Autora começa por imputar ao acto impugnado o vício de violação de lei por, no seu entender, que os muros que edificou ou erigiu, com as características e implementação no solo que descreve na petição inicial, não constituem obras de construção.
Estabelece o artigo 20.º, n.º 1, do RJRAN que “As áreas da RAN devem ser afectas à actividade agrícola e são áreas non aedificandi, numa óptica de uso sustentado e de gestão eficaz do espaço rural”.
Por seu turno, nas áreas RAN, por força da alínea a) do artigo 21.º do RJRAN são interditas, entre o mais, as “Operações de loteamento e obras de urbanização, construção ou ampliação”, com excepção das utilizações previstas no artigo 22.º do RJRAN.
Ficou demonstrado nos autos, que a Autora edificou nos prédios identificados nas alíneas A) e B), muros de vedação e de estrema, em alvenaria de blocos de cimento com largura de parede de 15 cm, e um desenvolvimento total de 272 metros. A norte, nascente e poente têm uma altura média entre 1,40 a 1,45 metros e são encimados por rede metálica com 1 metro de altura suportada por pilares de betão armado com secção rectangular de 20cm x 15 cm. A sul, o muro tem uma altura média de 40 cm acima da cota natural do terreno, sendo encimado por rede metálica com 2 metros de altura, também suportada por pilares de betão com secção igual aos dos restantes muros. O alicerce dos muros tem uma largura de 30 centímetros.
No que respeita à natureza e função do muro de vedação, bem como aos materiais utilizados na sua construção (em alvenaria de blocos de cimento e encimados por rede metálica suportada por pilares de betão armado), e com o que resulta das fotografias constante a fls. 5, 6, 41 e 42 do processo administrativo, o referido muro reúne todas as características para que possa ser qualificado como obra de construção.
Com efeito, a operação urbanística realizada pela Autora e identificada em D) a G) do probatório deve ser considerada, uma obra de construção civil, na medida em que resulta de uma ligação artificial de diversos elementos, funcionalmente dirigido a um fim especifico (vedação da propriedade), com individualidade própria e carácter permanente, logo, sem carácter transitório.
Pois, atentas as características dos muros, não pode deixar de se considerar a sua incorporação ao solo com carácter definitivo/permanente.
Importa fazer notar que, mesmo que em função das características evidenciadas se qualificasse a obra como de escassa relevância urbanística, nos termos e para os efeitos do artigo 6.º - A, n.º 1, alínea b) do RJUE, nada obsta a que o referido muro de vedação fosse considerado como uma obra de construção.
Na verdade, a classificação de uma obra como de escassa relevância urbanística apenas tem como consequência a isenção de controlo prévio ao abrigo do RJUE e não ao abrigo de outras normas legais ou regulamentares, como seja o RJRAN (cf. artigo 6.º, n.ºs 1, alínea c) e 8 do RJUE).
No mesmo sentido, vai aliás a jurisprudência ao concluir que “(...) E se alguma coisa se pode adiantar, é que da mera leitura do artigo 6.º do RJUE, conjugado com os artigos 20.º a 22.º do Regime Jurídico da RAN, constante do D.L. n.º 73/2009, de 31.03., resulta que em zonas classificadas legalmente como Reserva Agrícola Nacional, não existe liberdade para efetuar obras de escassa relevância urbanística, as quais continuam sujeitas ao regime jurídico da RAN. É que, pese embora o art.º 6.º do RJUE isente esse tipo de obras de comunicação prévia às autoridades municipais fá-lo sem prejuízo de outras comunicações exigidas em legislação especial, designadamente as previstas no Regime Jurídico da RAN” (cf Acórdão do TCA - Norte de 20 de Abril de 2015, processo n.º 00831/14.4BEAVR).
Por tanto, mesmo que a obra em causa fosse reconduzida ao conceito de obra de escassa relevância urbanística, isso não afasta o facto de, enquanto obra de construção, se encontrar sujeita às normas legais e regulamentares em vigor, designadamente as constantes do RJUE e do RJRAN – vide desde logo o artigo 24.º, n.º 1, do RJRAN.
Nos termos preditos, a caracterização da obra enquanto obra de escassa relevância urbanística apenas dispensa o controlo urbanístico prévio, conforme decorre do artigo 6.º do RJUE, mas não isenta o cumprimento das normas aplicáveis, designadamente as que se encontram vertidas noutros diplomas legais.
Com efeito, isso mesmo resulta textualmente da conjugação do disposto no artigo 6.º, n.ºs 1, alínea c) e 8, com o prescrito no artigo 6.º-A, n.º 1, al.b) ambos do RJUE., As obras de escassa relevância urbanística, como seja aquela prevista no artigo 6.º-A, n.º 1, al. b) do RJUE, embora se encontrem isentas de controlo prévio (v.g. licenciamento camarário), não dispensa “a obrigação de comunicação prévia nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de março, que estabelece o regime jurídico da Reserva Agrícola Nacional” (cfr. artigo 6.º, n.º 8, do RJUE), de modo a garantir a observância de regras relativas aos materiais a utilizar e dimensões das vedações, visando salvaguardar quer o solo quer a fim previsto no RJRAN.
Desta feita, contrariamente ao defendido pela Autora, as obras realizadas pela Autora são efectivamente obras de construção.
(ii) Do vício de violação de lei, por preterição do disposto no artigo 24.º, n.º 1 Dl n.º 73/2009, de 31 de Março
Defende ainda a Autora que, a entender-se que se tratam de obras de construção, as mesmas não possuem qualquer relevância urbanística, pela sua natureza, dimensão e localização, nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 555/99, pelo que se encontra dispensada de licença ou autorização por parte do município competente (artigos 6.º, al. c) e artigo 6.º-A, n.º 1, al. b) do RJUE), dado que não ultrapassam 1,80 mt e os prédios não confrontam com a via pública.
Conclui que as obras em causa não se encontram sujeitas a comunicação prévia prevista no artigo 24.º do DL n.º 73/2009.
Vejamos, então.
É inquestionável (e incontrovertido entre as partes) que os solos onde se situam os controvertidos muros se integram em área integrada em Reserva Agrícola Nacional
O regime jurídico da RAN, à data em vigor quando da prolação do acto impugnado, vinha regulado no Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março.
Conforme decorre da proclamação feita no seu preâmbulo e nos artigos 2.º e 4.º do RJRAN, a RAN é uma restrição de utilidade pública, à qual se aplica um regime territorial especial, que estabelece um conjunto de condicionamentos à utilização não agrícola do solo, identificando quais as permitidas tendo em conta os objectivos do presente regime nos vários tipos de terras e solos, com a finalidade de proteger as áreas que apresentam uma maior aptidão para a actividade agrícola através da protecção do recurso solo enquanto desenvolvimento da actividade agrícola, contribuindo para o desenvolvimento sustentável da actividade agrícola.
Nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do citado diploma, “As áreas da RAN devem ser afectas à actividade agrícola e são áreas non aedificandi, numa óptica de uso sustentado e de gestão eficaz do espaço rural”, pelo que, nas áreas integradas em RAN só excepcionalmente são permitidas utilizações não agrícolas dos solos.
Assim, a defesa das áreas RAN impõe que tais áreas não possam ser sujeitas v.g, a construções, a utilizações que visem expansões urbanas ou ao desenvolvimento urbano (artigos 20º e sgs do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março).
Ora, conforme resulta dos artigos 20.º e 21.º do Decreto-Lei n.º 173/2009 de 31 de Março, não é permitida a construção em áreas de RAN (salvo nos casos excepcionais previstos no artigo 22.º), constituindo, por isso, áreas non aedificandi.
Estamos, assim, perante uma imposição legal aos particulares necessária e funcionalmente adequada para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio ecológico, entre outros interesses públicos.
Refere especialmente o artigo 21º deste Decreto-Lei que estão interditas em área RAN, a) Operações de loteamento e obras de urbanização, construção ou ampliação, com excepção das utilizações previstas no artigo seguinte. Deste modo, os referidos usos ou utilizações, têm não só de se revelar compatíveis com os objectivos de protecção da actividade agrícola, mas carecem sempre de parecer prévio vinculativo ou comunicação prévia à entidade regional da RAN territorialmente competente (artigo 23.º e 24.º do DL n.º 73/2009), estipulando-se no artigo 38.º desse DL que “São nulos todos os atos administrativos praticados em violação do disposto nos artigos 22.º a 24.º”
Assim, salvo o devido respeito, não basta à Autora alegar, genericamente, a alegada conformidade da construção em causa com os objectivos previstos no RJRAN, visto que as utilizações interditas (como seja a construção) dependem de controlo realizado pelas entidades públicas (entidade regional da RAN), após solicitação do particular interessado na obtenção desse(s) título(s), que procedem ao controlo da legalidade da pretensão edificatória, mediante emissão de parecer ou/e não rejeição da comunicação prévia.
Com efeito, as utilizações não agrícolas dos solos, como seja a construção de um muro, integrados em área RAN estão sujeitas a parecer prévio vinculativo das respectivas entidades regionais da RAN, nos termos do artigo 23º do referido diploma, e mesmo as obras de escassa relevância urbanística estão sujeitas a comunicação prévia.
No caso dos autos, como sabemos, não houve nem parecer prévio nem qualquer comunicação prévia. No entanto, como se retira da matéria de facto dada como provada não está em causa apenas a construção do muro de vedação em blocos de cimento com pilares e com pulares de betão, mas a própria natureza dos materiais utilizados.
Assim, importa ainda acrescentar que dos autos resultou que, no dia 23.08.2012, a Entidade Regional da Reserva Agrícola Nacional do Centro emitiu o seguinte parecer: “(...)Manifestar a intenção de emitir parecer DESFAVORÁVEL ao requerido, atento o não enquadramento no regime da excepções do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março, dado que na Reserva Agrícola Nacional fora do limite das vias públicas, só é permitido executar vedações em materiais perecíveis e amovíveis, do tipo rede zincada suportada por estacas de madeira tratada”.
Da conjugação da referida deliberação resulta que, no essencial, a escolha da vedação adoptada pela Autora não se compadece com o tipo de vedação exigida pela Entidade Demandada. Segundo os termos constantes do próprio parecer, não está em causa uma proibição absoluta da possibilidade de se erigir muros de vedação em área integrada RAN – e em concreto, de delimitação dos prédios da aqui Autora – mas sim a própria natureza da técnica e materiais utilizados, cabendo à Autora, se assim o entender, conformar-se com as condições técnicas exigidas, quanto à perecibilidade e mobilidade dos materiais utilizados, aquando da (eventual) (re) construção do muro.
Ora, prevê o artigo 4.º do RJRAN que “Constituem objectivos da RAN: a) Proteger o recurso solo, elemento fundamental das terras, como suporte do desenvolvimento da actividade agrícola; b) Contribuir para o desenvolvimento sustentável da actividade agrícola; c) Promover a competitividade dos territórios rurais e contribuir para o ordenamento do território; d) Contribuir para a preservação dos recursos naturais; e) Assegurar que a actual geração respeite os valores a preservar, permitindo uma diversidade e uma sustentabilidade de recursos às gerações seguintes pelo menos análogos aos herdados das gerações anteriores; f) Contribuir para a conectividade e a coerência ecológica da Rede Fundamental de Conservação da Natureza; g) Adoptar medidas cautelares de gestão que tenham em devida conta a necessidade de prevenir situações que se revelem inaceitáveis para a perenidade do recurso «solo»”.
Para concretização destes objectivos, encontram-se previstos na lei um conjunto de controlos prévios e sucessivos que permitem avaliar e controlar as intervenções nas áreas de RAN, designadamente por meio de imposição de regras de ocupação e uso do território. Para além destas medidas, e conforme resulta dos autos, é conferida à Administração uma margem de adaptabilidade da utilização sustentável dos solos, desde que cumpridas determinadas exigências de cariz técnico-legal.
Acresce ainda dizer que a eventual construção de muros é susceptível de contender com a drenagem natural dos solos, fertilização e impermeabilização, dependendo das características dos materiais utilizados (vide, a este propósito o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 23.09.2016, proferido no processo n.º 146/13.5BEAVR, onde se ponderou, com grande pertinência, que “E isto porque se entende, naturalmente, que qualquer obra tem como resultado a diminuição das potencialidades dos terrenos em questão para o exercício da actividade agrícola. Esta interdição não se encontra dependente de eventuais testes de impermeabilização do solo. Basta estarem os terenos integrados em área RAN para não ser permitida a construção, a não ser nos casos excepcionais e decorrentes da lei. De acrescentar que não se torna necessário efectuar quaisquer testes para se saber que um muro construído em alvenaria, com blocos de cimento e com pilares e vigas de betão armado, com 108 metros de comprimento e 20cm de largura, e com fundações, é um obstáculo à livre circulação das águas e na parte da sua construção leva à impermeabilização do solo, quando ocupa 21, 6 m2. Este resultado é verificável pela experiência comum”).
Por outro lado carece de razão a aqui Autora, conforme já se mencionou, uma vez que em zonas classificadas legalmente como Reserva Agrícola Nacional, não existe liberdade para efectuar obras de escassa relevância urbanística e, por isso, a alegação de que a obra é de escassa relevância urbanística não é suficiente para afastar a necessidade da impossibilidade daquela construção ser erigida, atentas as limitações decorrentes do regime jurídico da RAN (cfr. artigo 6.º, do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação, constante do Decreto-Lei 555/99, de 16 de Dezembro, conjugado com os artigos 20.º a 24.º, do Regime Jurídico da Reserva Agrícola Nacional, constante do Decreto-Lei n.º 73/2009, de 31 de Março), em especial o artigo 24.º do RJRAN, já citado.
Conforme se fez consignar lapidarmente no Ac. do TCA Norte, proferido no processo 00155/15.0BECBR, datado de 09.04.2021,“Decorre deste aresto o entendimento segundo o qual, em solo abrangido pela RAN, mesmo em relação a obras de escassa relevância nos termos do RJUE, como poderá ser o caso da construção de muros, é obrigatória a prévia intervenção da entidade regional territorialmente competente quando estejam em causa solos integrados em RAN”.
Desta feita, improcede in totum a argumentação da Autora, em torno da desnecessidade da construção em causa se sujeitar a controlo por parte da entidade regional da RAN, nomeadamente, comunicação prévia.
- (ii) violação do princípio da proporcionalidade
Alega a Autora que o acto é desproporcional, na sua tripla vertente da adequação, necessidade e proporcionalidade sctricto sensu face aos objectivos que se pretende acautelar, alegando que a ordem de demolição deverá figurar como última ratio.
Por outro lado, o princípio da proporcionalidade encontrava-se regulado no artigo 5.º, n.º 2, do CPA, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de novembro e revista pelo Decreto-Lei n.º 6/96, de 31 de janeiro, aí se consignando que “ As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
Não obstante a ordem de demolição se constituir como ultima ratio, por força do aludido princípio da proporcionalidade constatando-se que as obras, no estado em que se encontravam à data da prática do acto, são insusceptíveis de legalização por contrariarem o RJAN, conforme parecer emitido pela autoridade com competência legal, inexistia outra solução legal que não fosse determinar a demolição/reposição do terreno, por estar em causa um poder vinculado do Director Regional de Agricultura e Pescas do Centro.
Conforme se ponderou com grande pertinência no Ac. citado (Ac. do TCA Norte, proferido no processo 00155/15.0BECBR, datado de 09.04.2021), e que aqui se apropria para fundamentação da presente decisão:
A proporcionalidade, conforme se afirma no Acórdão do STA, de 09/09/2010, proferido no processo n.º 076/10 exige que entre as medidas necessárias e adequadas à prossecução do interesse público aquelas que se afigurem menos intrusivas e impliquem menos sacrifícios ou perturbações à posição dos administrados”. Conforme se assinala no Acórdão do STA, de 03/11/2016, proferido no processo n.º 0548/16 “ Este princípio releva autonomamente quando a lei confere à Administração uma margem de autonomia decisória, constituindo um limite material interno ao poder discricionário.
Na verdade, se o ato for vinculado a eventual injustiça resulta diretamente da lei, que o juiz não pode deixar de aplicar, salvo em caso de inconstitucionalidade. Este princípio implica a necessidade de adequação das medidas administrativas aos objetivos a serem prosseguidos, por um lado, e a necessidade de equilíbrio entre os interesses públicos e privados, não podendo ser infligidos sacrifícios desnecessários aos destinatários das decisões administrativas, por outro”.
Assim, o princípio da proporcionalidade desempenha um papel de limite interno ao exercício administrativo de poderes discricionários, pelo que a sua violação não é configurável no uso de poderes vinculados para a emissão da ordem de reposição, no contexto do já aludido artigo 44.º do Decreto-Lei n.º 73/2009.
Confirmada que estava a realização de uma ação interdita em área da RAN, em violação do disposto nos artigos 20.º a 24.º do DL n.º 73/2009, ao órgão competente da Apelada não restava outra alternativa, perante o parecer desfavorável da ERRANC, senão proferir a ordem de reposição do solo no estado inicial, uma vez que foi emitido parecer desfavorável por aquela entidade, quando ainda para mais, tal parecer não foi objeto de oportuna impugnação por parte do Apelante.
Deste modo, perante a consolidação na ordem jurídica do parecer negativo emitido pela ERRANC, estava o Apelado estritamente vinculado, por obediência aos princípios da legalidade e da prossecução do interesse público na defesa dos solos da RAN (cfr. Artigos 3.º e 4.º do CPA), a emitir a ordem de reposição do solo, aqui consubstanciada no ato impugnado. (…) E sem o parecer favorável da ERRANC tal construção não pode manter-se, não podendo ser legalizada, pelo que, como já tivemos ensejo de enfatizar, não tendo o Apelante reagido contra esse parecer no segmento em que lhe era antagónico, acabou por viabilizar a consolidação na ordem jurídica do aludido parecer, tornando vinculativa para a entidade competente da RAN a decisão de ordenar a reposição do solo nas condições iniciais ( cfr. art.º 44.º, n.º1 do DL n.º 73/2009). Não havendo, no caso, margem para diferente decisão que não fosse a determinação da reposição do solo integrado em RAN nas condições iniciais, atento o disposto no art.º 44.º, n.º1 do DL n.º 73/2009, tratando-se da prolação de uma decisão de estrita legalidade, não havia espaço para a mediação do princípio da proporcionalidade, que não foi, também por este prisma, violado. Noutra perspetiva de abordagem, dir-se-á que sempre poderia o Apelante construir o muro em causa, a delimitar a sua propriedade, desde que utilizasse os materiais adequados e autorizados pela Apelada, possibilidade que não lhe foi recusada. O cumprimento, voluntário ou coercivo, da ordem de reposição prolatada pelo órgão competente da Apelada não suprimiu o direito de tapagem, tendo o Apelante ao seu dispor outras formas de vedar a sua propriedade, impedindo a entrada de pessoas e animais, sem inutilizar solos da RAN” – realce nosso.
Não tendo o indeferimento do pedido de emissão de parecer da obra em causa sido impugnado nos termos da lei, estabilizado o acto que concluiu pela desconformidade da obra com os objectivos do RJRAN, a decisão de reposição da situação anterior, como acto consequente, constituiu o extrair das devidas consequências desse indeferimento, não violando o princípio da proporcionalidade.
Estando aqui em causa um poder vinculado, inexiste a apontada violação do princípio da proporcionalidade, incapaz de determinar a anulabilidade total do acto impugnado.
Conclui-se assim, que o acto, à data em que foi praticado, não viola os normativos legais invocados pela Autora, não obstante a Administração, por força do princípio da legalidade a que se encontra adstricta, dever atender a eventuais novos actos supervenientes que contendam com a eventual legalização da obra, susceptíveis de evitar a demolição parcial (de alguma parte do muro) dessas obras, por ter deixado de subsistir, com a legalização ainda que parcial, o motivo de ilegalidade que justificaria a sanção urbanística, ainda que apenas na parte entretanto legalizada.
Falecendo todas as causas de invalidade suscitadas pela Autora, consequentemente improcede a presente acção”.

III
DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em negar provimento ao recurso e assim manter a decisão recorrida.
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Custas pela recorrente.
*
Notifique-se.

DN.

Porto, 28 de Janeiro de 2022

Antero Salvador
Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
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i) Onde consta : "A autora tomou conhecimento do parecer emitido pela ERRANC em 04.09.2012", sustentando-se no que resulta de fls. 12 verso e 13 do PA.

ii) Cfr. al. L ) dos factos provados.

iii) Cfr. al. C) dos factos provados, onde consta que os prédios da recorrente, “…à data da propositura da acção, não confrontavam com a via pública”.
iv) Mais concretamente, muros de vedação e de estrema, em alvenaria de blocos de cimento com largura de parede de 15 cm, e um desenvolvimento total de 272 metros; a norte, nascente e poente têm uma altura média entre 1,40 a 1,45 metros e são encimados por rede metálica com 1 metro de altura suportada por pilares de betão armado com secção rectangular de 20cm x 15 cm e, a sul, o muro tem uma altura média de 40 cm acima da cota natural do terreno, sendo encimado por rede metálica com 2 metros de altura, também suportada por pilares de betão com secção igual aos dos restantes muros, além de que o alicerce dos muros tem uma largura de 30 centímetros – cfr. als. d) a g) dos factos provados.