Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01869/08.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/27/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA;
RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO;
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO;
Sumário:I – A nulidade da sentença por falta de fundamentação abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no então n.º 3 do art. 659º do CPC (hoje, no n.º 4 do art.º 607.º do novo CPC).

II – Ao recorrente que impugne a matéria de facto cabe cumprir os ónus processuais vertido no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT).

III - O princípio do inquisitório ou da investigação, na sua vertente jurisdicional, previsto no n.º 1 do art.º 13.º do CPPT e n.º 1 do art.º 99.º da LGT, constitui um dos princípios estruturantes do processo tributário e que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Porém, este princípio não desonera as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicar eventuais elementos de prova de que disponham ou que entendam mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – A Representação da Fazenda Pública – RFP (Recorrente) veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pela qual se julgou procedente a impugnação deduzida pela "X, S.A." (Recorrida), intentada contra a liquidação de IRC do exercício de 2009.

No presente recurso, a Apelante (RFP) formula as seguintes conclusões:
a) O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, que julgou totalmente procedente a impugnação interposta, determinando a anulação da liquidação impugnada, no que respeita ao reporte dos prejuízos fiscais apurados.
b) A douta sentença recorrida, após citação da legislação (artigos 46.º e 60.º, ambos do CIRC), considerou que “tendo sido julgada parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Impugnante quanto à liquidação adicional de IRC do exercício de 1993, (…), o pressuposto da liquidação adicional ora impugnada (…) deixou parcialmente de existir, por ser de atender aos prejuízos fiscais dos exercícios de 1994 (…), de 1995 (…) e 1996 (…), o que determina a anulação da liquidação (…), concretamente no que respeita ao reporte dos prejuízos fiscais apurados nos identificados exercícios”.
c) Fazendo apelo aos doutos Acórdãos do TCAS, proferidos, em 04/10/2011 (proc. 03321.09), e, em 16/12/2020 (proc. 9723/16.1BCLSB), concluiu a douta sentença que “sem necessidade de outros considerandos, procede, na íntegra, a presente impugnação judicial”.
d) A Meritíssima juíza a quo proferiu decisão com base na mera citação da legislação e de dois Acórdãos, sem que dali extraísse qualquer ilação, sem analisar os elementos tidos, nos autos, nem a matéria em discussão, não especificando as razões que a levaram a fundamentar-se, exclusivamente naqueles arestos, desprezando todos os demais elementos juntos aos autos e não fazendo qualquer análise crítica das provas produzidas, no processo.
e) É certo que o cumprimento do dever de fundamentação das sentenças não exige uma fastidiosa explanação que transforme o processo oral em escrito, devendo deixar claro o porquê da decisão tomada, de forma a permitir a avaliação segura e cabal do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respetivo conteúdo.
f) É certo, também, que o princípio da livre apreciação das provas ou da prova livre impõe ao juiz exercer, sobre todas as provas produzidas, a sua atividade crítica e mover-se, na sua apreciação, com inteira liberdade e sem outros limites que não sejam os que lhe são impostos pela sua convicção íntima ou pelo seu próprio juízo, apenas se exigindo que o juiz deixe consignada nos autos, convincentemente, a sua motivação (cf. os artigos 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil - CPC).
g) Exige-se, sobretudo, que a sentença esclareça, as razões que levaram a Meritíssima juíza a quo a aderir, na íntegra, aos referidos Acórdãos, não sendo suficiente citá-los, dispensando outras considerações;
h) não basta, também, que indique as normas jurídicas correspondentes, devendo interpretá-las e aplicá-las, concluindo pela decisão final, o que, in casu, não aconteceu.
i) A transparência das decisões judiciais, o cumprimento do dever de fundamentação de todas as decisões que afetem os interessados e o dever de obediência à lei (cf. o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC) implicam a necessidade de uma racionalização suficiente do processo de formação e explanação da sua convicção.
j) Não especificou a douta sentença, os fundamentos de facto e de direito que justificam a sua decisão, não tendo respeitado o disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e nos artigos 154.º e 659.º, n.º 2, do CPC, bem como no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT.
k) Com total ausência de fundamentação, não pode a Fazenda Pública sindicar tal decisão, por falta de um dos pressupostos necessários, não sendo possível aferir se, no caso em apreço, foi bem ou mal aplicado o direito correspondente, entendendo-se que se está perante uma nulidade da sentença, por falta de fundamentação (cf. artigos 125.º, do CPPT, e 615.º, n.º 1, al. b), do CPC).
l) Por outro lado, no que respeita à factualidade considerada como provada e sem colocar em causa a mesma, a sentença em análise regista, nos pontos 1 a 12, os factos tidos por pertinentes pelo douto Tribunal a quo.
m) Entende a Fazenda Pública, com o devido respeito, que não foram devidamente valorados, nem levados ao probatório, factos que resultam dos autos, mais concretamente, as informações prestadas em cumprimento dos despachos proferidos pelo Tribunal a quo, em 11/02/2020, 10/02/2021 e 12/04/2021, das quais consta, designadamente, que “a liquidação de IRC, referente ao período de tributação de 1999, vai ser anulada parcialmente”.
n) Esta informação refere-se à concretização do Acórdão proferido, pelo TCAS, em 31/10/2019, proc. 273/04, relativo ao recurso apresentado pela Fazenda Pública, no âmbito da impugnação judicial, com o n.º 8675/15.0BCLSB, atinente à liquidação adicional de IRC, do exercício de 1993, causa prejudicial dos presentes autos.
o) Tal omissão é demonstrativa de que a sentença, sob recurso, incorre em erro de julgamento de facto e de direito, porquanto não foi corretamente valorada a prova documental produzida, nos autos, sendo que, entende a Fazenda Pública, que, devidamente valorados tais factos, em conjunto com os demais elementos tidos, nos autos, seria outra a decisão tomada a final pelo Tribunal a quo, como constataremos.
p) Assim, para que sejam devidamente valorados, entende a Fazenda Pública, que, ao acervo probatório, deverão ser acrescentados os referidos factos, resultantes dos documentos tidos, nos autos, o que desde já se requer, aditando os pontos 13 e 14, nos seguintes termos:
“(…) 13. Em 12/02/2020, foi a FP notificada para, «atenta a procedência parcial do processo de Impugnação n.º 00273/04 (já transitada) e considerando que a liquidação, ora, impugnada (liquidação adicional de IRC de 1999 na parte referente à correcção respeitante à dedução do saldo de prejuízos reportáveis a anos anteriores) está directamente relacionada com a desconsideração dos prejuízos fiscais apurados pelo Grupo no exercício de 1993 (causa prejudicial), (…) informar os autos se a AT já deu cumprimento ao disposto no artigo 100.º da LGT, i.é., se a liquidação de IRC de 1999 na parte ora impugnada, se mantém ou se, pelo contrário, já se encontra anulada» - cfr. fls. 339 e 340 do processo SITAF;
14. Na sequência da notificação efetuada e constante do ponto 13 supra, veio a FP informar que «a liquidação de IRC, referente ao período de tributação de 1999, vai ser anulada parcialmente», bem como que, «os prejuízos de 1993 só eram suscetíveis de reporte nos seguintes cinco anos subsequentes, pelo que a anulação da liquidação de 1993 não vai ter qualquer influência na liquidação de 1999» e ainda que, «[n]ão obstante, os prejuízos fiscais de 1994 já são reportáveis para o ano de 1999, pelo que a liquidação vai ser anulada» - cfr. fls. 399 do processo SITAF”.
q) Ao serem dados como provados tais factos, como deveriam ter sido, apenas se pode concluir que a ATA já procedeu à concretização do Acórdão proferido pelo TCAS, em 31/10/2019, proc. 273/04, estando apenas pendente, à data da informação, da anulação parcial da liquidação ora controvertida, redundando a concretização daquela decisão na anulação da liquidação relativa ao exercício de 1993, com o correspondente reembolso da quantia paga indevidamente.
r) Constata-se que os prejuízos fiscais gerados, em 1993, apenas são dedutíveis pelo prazo de 5 anos, não podendo ser considerados no exercício de 1999, mas o mesmo não acontece quanto aos prejuízos gerados em 1994, os quais devem ser considerados no exercício de 1999 (cf. o artigo 47.º, n.º 2, do CIRC), o que resulta numa anulação parcial da liquidação controvertida, revertendo a favor da impugnante um lançamento a crédito e consequente reembolso, ambos de igual valor (€ 183.166,35).
s) Face ao supra exposto, considera a Fazenda Pública que, ao decidir como decidiu, a douta sentença fez uma incorreta apreciação da prova constante dos autos, não se extraindo de qualquer elemento probatório destes autos, fundamentos que permitam válida e logicamente julgar “procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação impugnada, no que respeita ao reporte dos prejuízos fiscais apurados”.
t) pelas razões acabadas de explanar, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida decidiu, à revelia de factos que resultam do processo, nos termos expostos, incorrendo em erro de julgamento de facto e de direito, devendo ser revogada, com as legais consequências.
u) Acresce que, entendendo o Tribunal a quo, como entendeu no decurso do processo, ser relevante que a Fazenda Pública prestasse informação sobre se a ATA já havia dado cumprimento ao disposto no artigo 100.º, da LGT, ou seja, se a liquidação de IRC de 1999, na parte ora impugnada, se mantinha ou se, pelo contrário, já se encontrava anulada, e,
v) tendo a Fazenda Pública informado que tal liquidação iria ser anulada, face ao reporte dos prejuízos do exercício de 1994, deveria o Tribunal a quo procurar saber se tal anulação e correspondente reembolso já haviam sido concretizados - o que não fez -, porquanto tal informação poderia determinar uma distinta decisão.
w) A atividade instrutória pertinente, para apurar a veracidade dos factos, compete também ao Tribunal, que deve realizar ou ordenar todas as diligências que considerar úteis ao apuramento da verdade, atendendo a que o processo judicial tributário é regulado pelo princípio do inquisitório (cf. o artigo 114.º, do CPPT).
x) Nesta conformidade, entende a Fazenda Pública, com o devido respeito por melhor opinião, enfermar a douta sentença de que se recorre de erro de julgamento da matéria de facto por défice instrutório - por violação do princípio do inquisitório ou da investigação, posto que foram violados os artigos 13.º, n.º 1, do CPPT, e 99.º, n.º 1, da LGT -, o que importa a sua nulidade, nos termos do disposto no artigo 615.º, do Código de Processo Civil.
y) Impõe-se, assim, a anulação da sentença controvertida e a prolação de uma nova, na qual deverá constar a discriminação de todos os factos ou elementos de facto provados com interesse para a decisão da causa, bem como a especificação dos fundamentos de direito (cf. o artigo 662.º, n.º 2, al. d), do CPC).
z) Caso assim não se entenda, deve a mesma ser revogada, com as legais consequências.
aa) Por último, sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00 e verificando-se os pressupostos estabelecidos no n.º 7, do artigo 6.º, do Regulamento das Custas Processuais, requer-se que seja a Recorrida dispensada do pagamento do remanescente da taxa de justiça
Finaliza a Recorrente pedindo que seja concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, sendo considerada nula a douta sentença recorrida ou, caso assim não se entenda, seja revogada a sentença apelada.
Respondendo ao apontado recurso, a Recorrida ("X, S.A.") apresentou contra-alegações, nestas concluindo que:
A) O presente Recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo que decidiu julgar procedente a impugnação judicial apresentada pela ora Recorrida e determinou a anulação da liquidação de IRC do exercício de 1999, no que respeita ao reporte dos prejuízos fiscais apurados, condenando a AT à restituição do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
B) A questão material ora controvertida consiste na análise da legalidade do ato tributário referente a IRC do exercício de 1999, na parte respeitante à correção referente à dedução do saldo de prejuízos reportáveis de exercícios anteriores.
C) A Recorrida entende que a posição da Administração Tributária, relativa à correção dos prejuízos fiscais reportáveis no exercício de 1999, carecia de base legal, uma vez assentava em correções ao exercício de 1993 declaradas ilegais por decisão judicial transitada em julgado - correções essas que determinaram o esgotamento do saldo de prejuízos reportáveis da ora Recorrida – as quais deverão ser anuladas com a consequente correção da liquidação objeto dos presentes autos, tal como expressamente determinado pelo Tribunal a quo.
D) Sustenta a Recorrente que, “Aligeirando a decisão, o Tribunal a quo estribou-se, exclusivamente, nos citados doutos Acórdãos, sem analisar os elementos tidos nos autos e a matéria em discussão, não especificando as razões que a levaram a fundamentar-se, exclusivamente, naqueles acórdãos, desprezando todos os demais elementos juntos aos autos.”
E) Sem necessidade de grandes considerações e como resulta da simples leitura da sentença, trata-se de uma conclusão sem qualquer base legal ou aderência com a realidade, pois da análise do probatório e dos fundamentos de direito da decisão, o tribunal sustenta a sua decisão com base na prejudicialidade dos presentes autos com o desfecho do processo de 1993 – facto que a Recorrente nunca logrou contrariar nos presentes autos.
F) Não há assim qualquer obscuridade ou dúvida nos factos e/ou fundamentos de direito que levaram o tribunal a decidir como decidiu, mormente para efeitos do disposto no artigo 125.º do CPPT e do artigo 615.º do CPC.
G) Face ao acima exposto, é evidente que a decisão recorrida não padece de qualquer vício, em concreto de qualquer nulidade por falta de fundamentação, sendo claros e evidentes os factos e os fundamentos de direito nos quais o tribunal fez assentar a sua decisão, ao contrário do que pretende fazer crer a Recorrente.
H) Estando os presentes autos assentes numa única questão prejudicial – já resolvida por acórdão do TCA Sul, do qual a AT não recorreu – fica por perceber da análise das alegações da Recorrente, quais as questões que na sua ótica ficaram por analisar ou os factos por resolver, pois a mesma também nada concretiza em nenhuma passagem do seu recurso.
I) O tribunal decidiu pela reposição do saldo dos prejuízos fiscais em 1999 face à decisão prejudicial sobre o tema referente ao ano de 1993, decisão essa que obriga a AT a efetuar tal reposição, tão simples quanto isto, tanto mais que, como a própria Recorrente reconhece nas suas alegações, já terá iniciado os procedimentos de execução da referida decisão…
J) Os presentes autos estiveram com a instância suspensa durante largos anos a aguardar o desfecho do processo de IRC 1993 do qual dependia exclusivamente, suspensão essa à qual a Recorrente nunca se opôs.
K) Assim, havia uma e apenas uma questão material a decidir: a anulação da liquidação sindicada face à procedência do processo prejudicial e à reposição do saldo dos prejuízos fiscais, como bem conclui o tribunal a quo.
L) É assim evidente que, ao contrário do alegado pela Fazenda Pública, é perfeitamente claro o juízo valorativo e decisório efetuado pelo Tribunal a quo, o qual tinha a sua função decisória muito mais facilitada na medida em que estando perante um processo exclusivamente de natureza prejudicial, decidiu em harmonia com a decisão proferida pelo TCA Sul naquele processo, tão claro e simples quanto isto.
M) Invoca ainda a Recorrente que o Tribunal a quo deveria ter incluído no probatório as informações prestadas nos autos quanto à concretização da decisão proferida no processo de 1993, efetuando assim um errado julgamento da matéria de facto.
N) Fica, contudo, por demonstrar por parte da Recorrente qual a prova documental que não foi alegadamente valorada pelo Tribunal a quo. A Recorrente não indica b[n]em esclarece, talvez porque não existe qualquer prova documental produzida pela mesma no processo, uma vez que nada foi demonstrado ou provado nos autos quanto à execução da decisão do processo de 1993 no que respeita à anulação da liquidação aqui sindicada.
O) Aliás, é a própria a admitir, tal como exposto nas informações em 1.ª instância, que ainda não anulou a liquidação aqui sindicada. Nem existe qualquer documento ou outro elemento que comprove tal anulação.
P) A AT foi notificada para esclarecer em 1.ª instância se já havia cumprido a decisão prejudicial e anulado a liquidação de 1999, sendo que nas 3 informações por si prestadas nos autos (referidas no ponto 25 das suas alegações) confirmou expressamente que ainda não havia anulado a liquidação.
Q) É assim evidente que o aditamento ao probatório dos factos indicados pela Recorrente no artigo 30 das suas alegações nada são suscetíveis de alterar quanto à matéria controvertida ou aos factos relevantes à decisão nos autos, pois a única conclusão que resulta das alegações, em sintonia, aliás, com todas as informações anteriormente prestadas pela AT nos autos, é que a liquidação sindicada ainda não foi objeto de anulação, pelo que nada haveria mais a considerar pelo tribunal a quo.
R) De tais informações prestadas pela AT em primeira instância não resultava fundamentado por parte da AT como havia chegado aos valores de reembolso que se propunha a concretizar (inferiores aos requeridos pela Recorrida nos presentes autos), sendo que a AT nunca logrou contrariar nos autos de forma fundamentada a reconstrução do saldo dos prejuízos fiscais reportar para o exercício de 1999 e o consequente valor a reembolsar tal como solicitado pela Recorrida na sua petição inicial.
S) Ao contrário do alegado pela Recorrente, é evidente que o Tribunal a quo procurou saber junto da AT o estado exato de execução da decisão, a mesma é que tardou a responder, tal como não apresentou contestação, nem alegações, tal como tarda a executar decisões favoráveis aos contribuintes – um padrão uniforme da sua atuação!
T) Sejamos claros, qualquer notificação adicional do tribunal a quo não significaria qualquer decisão em sentido contrário, porque a situação de inexecução permanece na presente data, tal como confirmado expressamente pela Recorrente nas suas alegações, numa demonstração clara da inexistência de qualquer erro de julgamento por parte do tribunal a quo, o que motivará a improcedência do presente recurso.
U) A Recorrente pretende assacar ao tribunal vícios e omissões decorrentes da sua inércia processual, uma vez que a Recorrente nem se dignou deduzir contestação ou alegações em primeira instância.
V) A questão material controvertida nos presentes autos ficou resolvida com a prolação do acórdão proferido pelo TCA Sul no processo referente à análise da legalidade da liquidação de IRC de 1993 da Recorrida.
W) Tendo a Recorrida obtido vencimento no processo de 1993, conforme prova documental constante dos autos, o que motivou a anulação parcial do referido ato tributário – facto confirmado pela Fazenda Pública - é evidente que a questão material controvertida nos presentes autos está resolvida, nada mais tendo o Tribunal a quo para decidir para além da anulação do ato tributário aqui sindicado conforme cálculos apresentados pela Recorrida na sua petição inicial e que a Recorrente nunca logrou contestar.
X) A reintegração dos prejuízos apurados em 1993 inviabiliza a correção efetuada pela Administração Tributária respeitante ao exercício de 1999, no valor de EUR 671.182,34, a qual deve ser anulada em conformidade, sendo que, uma vez que a Recorrida efetuou o pagamento da liquidação de IRC de 1999 objeto dos presentes autos, tem direito à restituição do valor correspondente à diferença entre o montante pago (EUR 437.288,00) e o valor afinal devido (EUR 23.640,18), o que perfaz um valor total de EUR 413.647,82, a título de imposto e juros compensatórios, acrescido de juros indemnizatórios.
Y) Face a tudo o acima exposto, deve o presente recurso ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida no sentido da anulação do ato tributário ora sindicado, conforme cálculos apresentados pela ora Recorrida, tudo com as devidas consequências legais, mormente o reconhecimento do seu direito ao reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
Termina a Recorrida pedindo que seja negado provimento ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
*
Os autos foram com vista à digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo este emitido parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 521 e segs. dos autos – paginação do SITAF).
*
Com a concordância dos MMs. Juízes Desembargadores Adjuntos, dispensam-se os vistos nos termos do art.º 657.º, n. º 4, do Código de Processo Civil ex vi art.º 281.º do CPPT, sendo o processo submetido à Conferência para julgamento.

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II - Matéria de facto indicada em 1.ª instância:
1. A sociedade impugnante, "X, S.A.", incorporou, por fusão, a sociedade "Y, SGPS, S. A.", a qual era sociedade dominante de um grupo de sociedades, tributada pelo lucro consolidado até ao termo do exercício de 2000, tendo, renunciado ao regime especial de tributação de grupos de sociedades, com efeito a partir do período de tributação que se inicia no ano de 2001 – facto que resulta do alegado na Petição Inicial, que não foi posto em causa pela impugnada, bem como do Relatório de Inspeção tributária, constante de fls. 62 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, doc. 3 da Petição Inicial;
2. Pela Ordem de Serviço n.º ...27 de 17.07.2003 “realizou-se a inspeção externa de âmbito parcial às contas consolidadas do exercício de 1999, do grupo "Y, SGPS, S. A.", nomeadamente no que diz respeito à verificação das condições de acesso ao Regime de Tributação do Lucro Consolidado”, ação iniciada externamente em 20.08.2003 e que foi concluída em 24.10.2003 – cf. Relatório de Inspeção tributária, constante de fls. 62 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, doc. 3 da Petição Inicial;
3. Esta ação de inspeção teve como objetivo verificar, no que respeita ao exercício de 1999, o cumprimento das obrigações fiscais inerentes à aplicação do Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado da sociedade impugnante, “nomeadamente no que concerne às condições previstas no art. 59º do CIRC e às normas estabelecidas na Circular n.º 15/94 de 6 de Maio da DGCI” – cf. Relatório de Inspeção tributária, constante de fls. 62 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, doc. 3 da Petição Inicial;
4. Da ação de inspeção identificada supra, resulta:

Descrição dos factos e fundamentos das correções à matéria tributável e ao imposto encontrado diretamente em falta
Verificaram-se os seguintes factos:
(…)
Correções ao nível das deduções ao lucro tributável consolidado
Prejuízos fiscais (art. 60º do CIRC)
O grupo declarou dedução de prejuízos fiscais nos termos do art. 60º do CIRC, no montante de €671.182,34.
Da análise efetuada em anexo 1, tendo por base os valores corrigidos pela Administração Tributária, conclui-se que à data de 31.12.98 o saldo de prejuízos fiscais reportáveis, nos termos das alíneas a) e b) do art. 60º do CIRC, é nulo.
Assim, procede-se à retificação a favor do Estado da dedução de prejuízos fiscais declarada no valor de €671.182,34, apurando-se matéria coletável consolidada corrigida de €4.390.975,99.
(…)
Direito de Audição
(…) foi remetida à sociedade dominante (…) a notificação para o exercício do direito de audição (…) sobre o projeto de conclusões do relatório de inspeção tributária ao lucro consolidado do exercício de 1999 (…)
Decorrido o prazo concedido para a sociedade se pronunciar e não tendo esta apresentado qualquer resposta, mantêm-se as correções constantes do referido projeto de relatório.
– cf. relatório de inspeção tributária constante de fls. 62 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, doc. 3 da Petição Inicial;
5. Sobre o RIT id. em 4., em 24.10.2003 recaiu parecer de confirmação, tendo em 27.10.2003, sido lavrado despacho pelo Diretor de Serviços, com o seguinte teor: “1. Concordo com as conclusões do relatório; 2. (…), 3. Notifique-se o contribuinte nos termos do art. 60º do RCPIT” – cf. parecer e despacho, constantes de fl. 11 do processo administrativo apenso aos autos, para os quais se remete e cujo integral teor se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
6. Em 11.11.2003, pela DGI foi emitida a liquidação de IRC com o n.º ...30, referente ao ano de 1999, em nome da impugnante, da qual resulta um valor a pagar de €437.288,00, com data limite de pagamento voluntário em 31.12.2003 – cf. cópia de liquidação, junta a fls. 18 dos autos, numeração referente ao processo físico, para a qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;
7. A liquidação id. em 6., foi integralmente paga na data limite de pagamento voluntário, ou seja, em 31.12.2003 – cf. indicação de cobrança aposta na liquidação cuja cópia consta de fls. 18 dos autos, numeração referente ao processo físico, documento para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
8. Nos termos e com os fundamentos constantes do requerimento constante dos autos, em 29.03.2004 a sociedade impugnante instaurou Reclamação Graciosa – cf. requerimento inicial constante de fls. 80 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os feitos legais;
9. Para efeito da decisão da Reclamação Graciosa instaurada foi elaborada informação, a qual, atendendo ao caso sub judice se destaca:
Da alegada falta de fundamentação das correções:
13.Da consulta do anexo 1 (…) para o qual remete a correção ao nível das deduções ao lucro tributável consolidado, podemos verificar o seguinte:
14.Para efeitos do art. 60º do Código do IRC, o Grupo "Y" (…) passou a estar sujeito ao Regime de Tributação pelo Lucro Consolidado a partir do exercício de 1993.
15.A determinação do luco tributável do grupo tem como base o resultado líquido consolidado, ao qual se efetuarão as correções positivas e negativas que resultam das disposições do CIRC nesta matéria.
16.Assim, ao lucro tributável consolidado, para efeitos do cálculo da matéria coletável consolidada, serão dedutíveis, nos termos do art. 60º do código do IRC:
a) Os prejuízos fiscais das sociedades do grupo verificados em exercícios anteriores ao do início da tributação pelo lucro consolidado, até à concorrência do lucro tributável da sociedade a que respeita;
b) Os prejuízos fiscais consolidados e os que não tenham sido objeto de compensação nos exercícios anteriores em consequência da aplicação do limite do art. 59ºA do CIRC.
17.Assim, podemos verificar que no exercício de 1993 o prejuízo fiscal declarado pelas sociedades do grupo sujeito ao RTLC no montante de 1.776.363.213$00 (€8.860.462,35), passou a lucro tributável corrigido no montante de 177.289.615$00 (€884.316,87), sendo que de 37.301.296$00 (€188.058,08) o lucro corrigido à sociedade "Y, SGPS, S. A." e de 139.988.319$00 (€698.258,79) à sociedade "Z, S.A.”.
18.A sociedade "Y, SGPS, S. A." apresentava e, 1992 um prejuízo fiscal no montante de 44.490.180$00 (€221.916,08), o qual foi no exercício de 1993 deduzido até à concorrência do seu lucro tributável, ficando por deduzir em exercícios posteriores o montante de 7.188.884$00 (€35.858,00), nos termos da alínea a) do art. 60º do CIRC;
19.A sociedade "Z, S.A.” apresentava em 1992 um prejuízo fiscal no montante de 25.037.044$00 (€124.884,25) o qual foi no exercício de 1993 deduzido na totalidade ao seu lucro tributável, nos termos da alínea a) do CIRC;
20.No exercício de 1994, não houve correção ao resultado fiscal declarado pelas sociedades do grupo, sendo o resultado fiscal do exercício igual à soma dos prejuízos fiscais declarados, pelo que não houve lugar a dedução de prejuízos fiscais anteriores;
21.No exercício de 1995, o lucro tributável declarado, no montante de 244.293.884$00 (€1.221.675,18), foi corrigido para 284.881.391$00 (€1.420.982,39), em resultado das correções efetuadas ao lucro tributável na sociedade "Z, S.A.” e deduziram-se os prejuízos fiscais no montante de 55.940.588$00 (€279.030,48), gerados no próprio exercício pela sociedade "Y, SGPS, S. A.", bem como os prejuízos fiscais do grupo no montante de 70.955.139$00 (€353.922,74) reportados ao exercício de 1994, ao abrigo do disposto na supracitada alínea b) do art. 60º do CIRC.
22.No exercício de 1996, o lucro tributável declarado no montante de 451.121.478$00 (€2.250.184,45), foi corrigido para 476.821.615$00 (€2.378.376,19) em resultado das correções efetuadas ao lucro tributável na sociedade "Z, S.A.” e deduziu-se o prejuízo fiscal no montante de 7.658.214$00 (€38.199,01), gerados no próprio exercício pela sociedade "Y, SGPS, S. A.";
23.No exercício de 1997, o lucro declarado no montante de 461.485.247$00 (€2.301.878,71), foi corrigido para 463.369.457$00 (€2.311.277,11), em resultado das correções efetuadas ao lucro tributável da sociedade "Z, S.A.” e deduziu-se o prejuízo fiscal no montante de 7.188.884$00 (€35.858), reportado pela sociedade "Y, SGPS, S. A." do exercício de 1992, ao abrigo do disposto na alínea a) do art. 60º do CIRC.
24.Desta forma ficou esgotado o saldo de prejuízos fiscais dedutíveis em valores corrigidos;
25.Nos anos de 1998 e 1999 as sociedades do grupo apresentaram resultado fiscal positivo, não existindo prejuízos fiscais reportáveis, nos termos das alíneas a) e b) do art.60º do CIRC;
26.Assim sendo, foi correta a correção efetuada pelos Serviços de Inspeção Tributária, uma vez que tendo o Sujeito Passivo esgotado o saldo de prejuízos dedutíveis em valores corrigidos no exercício de 1997 e tendo nos exercícios de1998 e 1999 as sociedades do grupo apresentado um resultado fiscal positivo, não havia lugar a reporte de prejuízos no exercício de 1999.
(…)
Conclusão
Em conformidade com os fundamentos explanados na presente informação e tendo em conta o objeto da reclamação, afigura-se-nos que esta deverá ser parcialmente deferida, nos termos que a seguir se discriminam:
a) De acordo com o exposto nos pontos 6 a 26 da presente informação, deverá ser mantida a correção respeitante à retificação a favor do Estado da dedução de prejuízos fiscais declarada no valor de €671.182,34, no ponto 3.2. do Relatório final de Inspeção Tributária
b) (…)
- cf. informação par decisão de Reclamação Graciosa elaborada pela DSIT – Direção de Serviços da Inspeção Tributária, constante de fls. 56 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
10. Por despacho do Diretor de Finanças Ajunto, por competência delegada, datado de 04.07.2008 foi a Reclamação Graciosa parcialmente deferida, nos termos da informação prestada e id. em 9. – cf. despacho constante de fls. 90 dos autos, numeração referente ao processo físico, para cujo integral teor se remete e o qual se dá por reproduzido para todos os efeitos legais;
11. Em 01.09.2008, via fax, foi remetido a este TAF do Porto a Petição Inicial que deu origem à presente impugnação – cf. fls. 2 e seguintes dos autos, numeração referente ao processo físico;
12. Por decisão transitada em julgado em 09.12.2019, o Tribunal Central Administrativo Sul, no processo 8675/15.0BCLSB (273/04) negou provimento ao recurso interposto e confirmou a sentença recorrida, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Impugnante (na parte que resultou de correções relativas a menos valia fiscal no montante de 1.726.753.604$00, à não consideração de custos no montante de 20.000.000$00, à não contabilização de proveitos, no valor de 85.772.265$00 e à não consideração [de] custos fiscais de juros e imposto de selo suportados pela impugnante no montante de 97.883.519$00), nos termos e com os fundamentos que constam a fls. 336 do SITAF, e cujo teor se dá por reproduzido.
*
Na sentença recorrida considerou-se que inexistiam factos não provados com relevância para a decisão da presente questão.
*
No que diz respeito à motivação factual, escreveu-se na sentença recorrida que:
«A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada relevante para a decisão da causa, resultou da análise do teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo ínsito no processo eletrónico, os quais não foram impugnados, conforme discriminado nos vários pontos do probatório.
Refere-se, no que respeita ao facto provado n.º4, que constitui o relatório de inspeção aduaneira aí coligido, um documento autêntico (cf. artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil), na medida em que é exarado por funcionário da Autoridade Tributária e Aduaneira, no âmbito e exercício das respetivas funções, o qual tem força probatória plena relativamente aos factos afirmados como sendo praticados pela Autoridade Tributária e Aduaneira ou com base na perceção dos seus órgãos e que apenas pode ser ilidida nos termos da lei, sendo que os juízos conclusivos aí considerados só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do tribunal, segundo a sua prudente convicção, atenta a análise crítica e conjugada de todos os meios de prova (cfr. artigo 76.º, n.º 1 da LGT e artigos 363º e ss. do Código Civil e 607.º, n.º 5 do Código do Processo Civil).
Foi ainda considerado o teor da decisão em sede de Reclamação Graciosa, bem como do Acórdão do TCA Sul no processo considerado prejudicial, veja-se factos provados n.º 9 e 11.»
*
Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte:
4A – Do relatório referido no n.º 4, retira-se que:
“[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]” – cf. doc. a fls. 11 a 25 do PA.
4B – No anexo n.º 1 ao relatório referido no n.º 4 consta que:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]

[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”
- cf. doc. a fls. 24 do PA.
*
Os dois factos supra enunciados, agora aditados pela presente instância, resultam da prova documental neles referida, sendo que aquela não foi objeto de qualquer infirmação pelas partes presentes no presente litígio.

-/-

III – Questões a decidir.

No presente recurso, cabe analisar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, nomeadamente da nulidade invocada da sentença recorrida, do erro de julgamento de facto e dos erros de julgamento de direito por aquela invocados.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto dos presentes recursos a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que decidiu pela procedência parcial da impugnação movida pela ora Recorrida contra a liquidação de IRC do ano de 2009.
Assim, a liquidação supra referida teve por base o relatório inspetivo a que supra se faz alusão e do qual resultaram as seguintes correções:
1) ao nível do lucro tributável consolidado:
1.1) emergentes de reintegrações e amortizações, não aceites como custos;
1.2) ao nível das despesas de representação e de encargos com viaturas ligeiras de passageiros;
2) ao nível das deduções ao lucro tributável consolidado:
2.1 – ao nível dos prejuízos fiscais tidos como deduzidos de forma excessiva;
3) relativamente ao cálculo do imposto.
Na petição inicial, a então Impugnante veio questionar unicamente a consideração feita pelos serviços da AT no que concerne ao cálculo dos prejuízos fiscais, tendo aqueles considerado que estes haviam sido deduzidos em excesso por parte da ora Recorrida.
Ora, na sentença recorrida deu-se razão à ora Apelada, tendo o Tribunal de primeira instância circunscrito a anulação do ato tributário aqui em causa “[…] no que respeita ao reporte dos prejuízos fiscais apurados”.
Posto isto, passemos então a analisar os fundamentos do presente recurso.
IV.1 – Da nulidade invocada.
A Apelante invoca que a decisão jurisdicional ora sob escrutínio padece de falta de fundamentação (cf. conclusões a) a k) do presente recurso). Para este efeito a Recorrente invoca, em síntese, que na sentença recorrida não se fez uma análise crítica da prova e não se especificou devidamente os respetivos fundamentos de facto e de direito, ou sequer se fez a subsunção daqueles a este, o que torna impossível acompanhar a construção da solução que conduziu ao sentido decisório prosseguido em primeira instância.
Assim, como se refere no acórdão desta instância proferido no processo n.º 00134/07.0BEVIS, datado de 05.05.2022 (in www.dgsi.pt):
“[…] Efectivamente, a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito, nos termos do artigo 125.º, n.º 1 do CPPT constitui, entre outras, causa de nulidade da sentença.
Nos termos do art. 123º, n.º 2 do CPPT, na sentença o juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões. Esta exigência deve ser apropinquada com aquela que decorre do disposto no art. 607º, n.º 4 do CPC segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz tomará em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito e os que o tribunal colectivo deu como provados, fazendo o exame crítico das provas de que lhe cumpre conhecer.
O cumprimento do dever de fundamentação/motivação da sentença contribui «…para a sua eficácia, pela via da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral, (ii) consinta às partes e aos tribunais de recurso, fazer reexame do processo lógico ou racional subjacente à decisão, e (iii) constitua um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere), nessa medida se configurando como garantia do respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões» (Ac. do TRE de 13.05.2014, in proc. n.º 368/12.6GBLLE.E1).
Seguindo Jorge Lopes de Sousa, in ob cit, volume II, 6ª ed., 2011, pp. 321, 322 e 357 «Relativamente à matéria de facto, esta nulidade abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no n.º 3 do art. 659º do CPC. A que corresponde hoje, ainda que de forma mais exigente, ao disposto no n.º 4 do art.º 607.º do novo CPC.
Como vem entendendo uniformemente o STA só se verifica tal nulidade quando ocorra falta absoluta de fundamentação….
A fundamentação da sentença visa primacialmente impor ao juiz reflexão e apreciação crítica da coerência da decisão, permitir às partes impugnar a decisão com cabal conhecimento das razões que a motivaram e permitir ao tribunal de recurso apreciar a sua correcção ou incorrecção.
Mas, à semelhança do que sucede com a fundamentação dos actos administrativos, a fundamentação da sentença tem também efeitos exteriores ao processo assegurando a transparência da actividade jurisdicional.
Assim, a fundamentação de facto não deve limitar-se à mera indicação dos meios de prova em que assentou o juízo probatório sobre cada facto, devendo revelar o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo juiz ao decidir como decidiu sobre todos os pontos da matéria de facto.
Nos casos em que os elementos probatórios tenham um valor objectivo (como sucede, na maior parte dos casos, com a prova documental) a revelação das razões por que se decidiu dar como provados determinados factos poderá ser atingida com a mera indicação dos respectivos meios de prova, sem prejuízo da necessidade de fazer uma apreciação crítica, quando for questionável o valor probatório de algum ou alguns documentos ou existirem documentos que apontam em sentidos contraditórios.»
Procedendo ao exame crítico da prova, o juiz deve esclarecer quais foram os elementos probatórios que o levaram a decidir como decidiu e não de outra forma. Deve indicar os fundamentos suficientes para que através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade da convicção sobre o julgamento do facto como provado ou não provado (Miguel Teixeira de Sousa in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 348).
[…]”
Da leitura da sentença ora sob apreciação podemos constatar que nela que faz referência aos factos provados e não provados, sustentando-se a motivação que preside à consideração e classificação dos mesmos. Por outro lado, na sentença recorrida também se faz um apelo ao direito pertinente consubstanciada na alusão e assunção de decisões jurisdicionais que o Tribunal recorrido teve como pertinentes para a solução do presente litígio. Mas esta remissão para a fonte jurisprudencial feita na sentença recorrida, ao invés do que é invocado pela Apelante, não é destituída de qualquer raciocínio fundamentador. Com efeito, na sentença apelada justifica-se a aplicação da jurisprudência nela citada com a similidade de situações entre aquela e o presente pleito.
Assim sendo, não perfilhamos o entendimento da ora Apelante no sentido que a sentença recorrida padeça de falta de fundamentação, pelo que, neste ponto, terá que improceder o presente recurso.
IV.2 – Do erro de julgamento de facto.
Nas conclusões l) a q) deste recurso, a Apelante veio questionar a matéria de facto exarada na sentença recorrida, pretendendo que sejam aditados determinados factos nesta instância.
Assim, tendo sido impugnada a matéria de facto provada em primeira instância, cabe, antes de mais verificar se a ora primeira Recorrente cumpre os ónus processuais vertido no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT). Deste modo, como refere António Abrantes Geraldes in «Recursos no Novo Código de Processo Civil», 2018, pag. 165 e segs.:
“[…] Sem nos alongarmos demasiado em considerações sobre os regimes anteriores, podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora vigora sempre que o recurso de apelação envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Deve ainda especificar, na motivação, os meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados que, no seu entender, determinem uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre-lhe indicar com exatidão, na motivação, as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente pode sugerir à Relação a renovação da produção de certos meios de prova, nos termos do art. 662.º, n.º 2, al. a), ou mesmo, a produção de novos meios de prova nas situações referidas na al. b). Porém, como anotamos à margem desses preceitos, não estamos perante um direito potestativo do recorrente, antes em face de um poder-dever da Relação que esta deve usar de acordo com a perceção que recolher dos autos;
e) O recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente;
f) Na posição em que o recorrido se encontra, incumbe-lhe o ónus de contra-alegação, cujo incumprimento produz efeitos menos acentuados do que os que se manifestam em relação ao recorrente. O facto de inexistir efeito cominatório para a falta de apresentação de contra-alegações ou para o incumprimento das regras sobre a sua substância ou forma e o facto da a Relação ter poderes de investigação oficiosa determinam que sejam menos visíveis os efeitos que decorrem da sua deficiente atuação. […]”.
O mesmo autor na obra supra citada a fls. 168, refere que a rejeição total ou parcial da decisão da matéria de facto dever ocorrer quando:
“a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 635.º, n.º 4, e 641.º, n.º 2 al. b));
b) Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados (art. 640.º, n.º 1, al. a));
c) Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”.
Na presente situação, a Apelante cumpre, genericamente, os ónus processuais decorrentes do art.º 640.º do CPC, designadamente indicando a prova documental constante dos autos em que sustenta a sua pretensão (cf. ponto 25 da motivação do presente recurso).
Assim, a ora Recorrente pretende que sejam aditados os seguintes factos:
«13. Em 12/02/2020, foi a FP notificada para, «atenta a procedência parcial do processo de Impugnação n.º 00273/04 (já transitada) e considerando que a liquidação, ora, impugnada (liquidação adicional de IRC de 1999 na parte referente à correcção respeitante à dedução do saldo de prejuízos reportáveis a anos anteriores) está directamente relacionada com a desconsideração dos prejuízos fiscais apurados pelo Grupo no exercício de 1993 (causa prejudicial), (…) informar os autos se a AT já deu cumprimento ao disposto no artigo 100.º da LGT, i.é., se a liquidação de IRC de 1999 na parte ora impugnada, se mantém ou se, pelo contrário, já se encontra anulada» - cfr. fls. 339 e 340 do processo SITAF;
14. Na sequência da notificação efetuada e constante do ponto 13 supra, veio a FP informar que «a liquidação de IRC, referente ao período de tributação de 1999, vai ser anulada parcialmente», bem como que, «os prejuízos de 1993 só eram suscetíveis de reporte nos seguintes cinco anos subsequentes, pelo que a anulação da liquidação de 1993 não vai ter qualquer influência na liquidação de 1999» e ainda que, «[n]ão obstante, os prejuízos fiscais de 1994 já são reportáveis para o ano de 1999, pelo que a liquidação vai ser anulada» - cfr. fls. 399 do processo SITAF”».
Ora, a referida factualidade traduz-se, antes, em meras informações colhidas no devir dos presentes autos e não colide com a questão da controvertida validade da liquidação de IRC aqui em causa, alicerce fundamental da causa de pedir formulada pela então Impugnante. Por outro lado, tal factualidade, não bole sequer com a eficácia da liquidação supra referida, sendo um mero espelho de uma anunciada e ainda não concretizada intenção manifestada pela AT no sentido da anulação da dita liquidação (intenção esta derivada do alegado cumprimento do julgado anulatório quanto à anterior liquidação de IRC do ano de 1993).
Por isso, ter-se-á que concluir que a factualidade que se pretende ver aditada não é de todo relevante para a decisão do presente pleito, o que determina a desnecessidade da mesma ser aqui objeto de consideração.
Deste modo, terá que improceder neste segmento o presente recurso.
IV.3 – Da alegada violação do princípio do inquisitório.
Nas conclusões u) a x), a Recorrente veio alegar que o Tribunal recorrido afrontou o princípio do inquisitório, tendo infringido o disposto no n.º 1 do art.º 13.º do CPPT e o n.º 1 do art.º 99.º da LGT.
Assim, convém referir que sobre o princípio do inquisitório em sede jurisdicional, relatou-se no Acórdão deste Tribunal, datado de 12.03.2015 e proferido no processo n.º 199/09.0BEAVR, que: “[…] De acordo com o disposto no artigo 13º, nº 1 do CPPT "Aos juízes dos tribunais tributários incumbe a direcção e julgamento dos processos da sua jurisdição, devendo realizar ou ordenar todas as diligências que considerem úteis ao apuramento da verdade relativamente aos factos que lhes seja licito conhecer".
Por seu turno, também o artigo 99º, nº 1 da LGT determina que "O tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer".
Está, pois, consagrado nestas normas o princípio do inquisitório ou da investigação, um dos princípios estruturantes do processo tributário e que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material.".
Este princípio não desonera, todavia, as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicar eventuais elementos de prova de que disponha ou que entenda mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos […]”.
Na situação sub judice, a Recorrente defende que se prefigurando a possibilidade da liquidação aqui em causa vir a ser anulada, caberia ao Tribunal ter tomado a iniciativa no sentido de aferir se tal se teria concretizado. Ora, salvo o devido respeito, não vislumbramos qualquer apoio legal para a tese da Recorrente no que concerne a este ponto. Efetivamente o que resulta do quadro normativo a este propósito aplicável é que tal ónus caberia à ora Recorrente, como dimana designadamente do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 8.º do CPTA, aplicável por via da remissão contida na alínea c) do art.º 2.º do CPPT. Por outro lado, mais concretamente, resulta dos autos que o Julgador em primeira instância tomou diversas invetivas processuais no sentido de apurar se a liquidação ora em causa, havia sido objeto de anulação (veja-se, a este propósito, os despachos proferidos nestes autos, datados de 12.04.2021 (fls. 309), de 04.05.2012 (fls. 394) e de 18.05.2021 (fls. 405)).
Deste modo, apenas se pode concluir que, na presente situação, não se consumou a apontada violação do princípio do inquisitório.
IV.4 – Do erro de julgamento relativamente à interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 47.º do CIRC.
A Apelante, nas conclusões r) a t) do presente recurso, concluiu que a sentença recorrida padece de erro de julgamento de facto e de direito, uma vez que à luz do que ia então disposto no n.º 2 do art.º 47.º do CIRC, os prejuízos ocorridos no ano de 1993 apenas seriam dedutíveis no prazo de cinco anos.
Ora, a este propósito exarou-se na sentença recorrida que:
“[…]
Relativamente à dedução dos prejuízos fiscais, o art.º 46º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante CIRC), na versão em vigor à data dos factos, estabelecia o seguinte:
1. Os prejuízos fiscais apurados em determinado exercício, nos termos das disposições anteriores, serão deduzidos aos lucros tributáveis, havendo-os, de um ou mais dos seis exercícios posteriores.
2. Nos exercícios em que tiver lugar o apuramento do lucro tributável com base em métodos indiciários, os prejuízos fiscais não são dedutíveis, ainda que se encontrem dentro do período referido no número interior, não ficando, porém, prejudicada a dedução, dentro daquele período, dos prejuízos que não tenham sido anteriormente deduzidos.
3. Quando se efectuarem correcções aos prejuízos fiscais declarados pelo contribuinte, alterar-se-ão em conformidade as deduções efectuadas, não se procedendo, porém, a qualquer anulação ou liquidação, ainda que adicional, do IRC, se forem decorridos mais de cinco anos relativamente àquele a que o lucro tributável respeite.
4. No caso de o contribuinte beneficiar de isenção parcial e ou de redução de IRC, os prejuízos fiscais sofridos nas respectivas explorações ou actividades não poderão ser deduzidos, em cada exercício, dos lucros tributáveis das restantes.
5. O período mencionado na alínea d) do n.º 4 do artigo 7.º, quando inferior a seis meses, não conta para efeitos da limitação temporal estabelecida no n.º 1.
6. Os prejuízos fiscais respeitantes a sociedades mencionadas no n.º 1 do artigo 5.º serão deduzidos unicamente dos lucros tributáveis das mesmas sociedades.
7. O previsto no n.º 1 deste artigo deixará de ser aplicável quando se verificar, à data do termo do período de tributação em que é efectuada a dedução, que foi modificado o objecto social da entidade a que respeita ou alterada, de forma substancial, a natureza da actividade anteriormente exercida.
8. O Ministro das Finanças pode autorizar, em casos especiais de reconhecido interesse económico e, mediante requerimento a apresentar na Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, antes da ocorrência das alterações referidas no número anterior, que não seja aplicável a limitação prevista no mesmo número.
Nos mesmos termos, o art.º 60º do CIRC, na redação em vigor à data dos factos, sob a epígrafe “Regime específico de dedução de prejuízos fiscais”, previa o seguinte:
“Quando seja aplicável o regime estabelecido no artigo anterior, na dedução dos prejuízos fiscais prevista no artigo 46.º observar-se-á ainda o seguinte:
a) Os prejuízos das sociedades do grupo verificados em exercícios anteriores ao do início da tributação pelo lucro consolidado só poderão ser deduzidos ao lucro tributável da sociedade a que respeitam, corrigido pela eliminação de resultados internos;
b) Os prejuízos fiscais consolidados de um exercício e os prejuízos não objecto de compensação nos termos do artigo 59.º-A só poderão ser deduzidos aos lucros tributáveis consolidados ou nos termos referidos na parte final do n.º 14 do artigo 59.º;
c) Terminada a aplicação do regime relativamente a uma dada sociedade, podem ser deduzidos aos seus lucros tributáveis, nos termos e condições do n.º 1 do artigo 46.º, os prejuízos a que se refere a alínea a) que não tenham sido totalmente deduzidos ao lucro tributável consolidado e os prejuízos adicionados para efeitos de determinação do lucro tributável, nos termos dos n.os 10, 11 e 12, que lhe forem imputáveis.
Assim, a dedução de prejuízos (reporte de prejuízos) permite ao sujeito passivo de IRC deduzir os prejuízos fiscais apurados em determinado período de tributação aos lucros tributáveis de períodos de tributação posteriores (se existirem).
Na situação a decidir, conforme resulta do projeto de correções, resultantes de consulta ao anexo I ao RIT (a que se refere o facto provado n.º4), a aqui Impugnante deduziu, no exercício de 1999, €671.182,34 atinentes a prejuízos fiscais apurados nos exercícios de 1994 (­70.955,139 – Grupo "Y"), 1995 e 1996 (€55.940,58 e €7.658,214 – "Y, SGPS, S. A.", respetivamente).
A Autoridade Tributária propôs, no entanto, a correção para a matéria coletável consolidada corrigida no valor de €4.390.975,99 e, em consequência, emitiu a liquidação adicional de IRC n.º ...30, referente ao exercício de 1999, no valor a pagar de €437.288.
Importa na decisão do caso vertente não esquecer que a sociedade Impugnante intentou no Tribunal Tributário de Lisboa um processo de impugnação judicial peticionando a anulação parcial da liquidação adicional efetuada ao lucro tributável consolidado do exercício de 1993, na parte respeitante às correções impugnadas, no valor de 1.930.409.388$00.
Esta impugnação foi julgada parcialmente procedente na parte que resultou de correções relativas a menos valia fiscal no montante de Esc. 1.726.753.604, à não consideração de custos no montante de Esc. 20.000.000, à não contabilização de proveitos, no valor de Esc. 85.772.265, e à não consideração custos fiscais de juros e imposto de selo suportados pela sociedade impugnante no montante de Esc. 97.883.519.4
Conforme resulta do facto provado n.º 11 esta decisão foi objeto de recurso, tendo o Tribunal Central Administrativo Sul, (em acórdão transitado em julgado em 09.12.2019) negado provimento ao recurso interposto e confirmado a sentença recorrida.
Assim sendo, considerando que a presente impugnação judicial respeita a uma liquidação adicional de IRC do exercício de 1999, que resulta da desconsideração dos prejuízos fiscais apurados pela Impugnante nos exercícios de 1994, 1995 e 1996, é inequívoca a natureza prejudicial da liquidação adicional ora impugnada, desde logo pela influência do reporte de prejuízos de 1993 sobre o resultado fiscal da mesma.
Por essa ordem de razões foi, oportunamente determinada a suspensão da presente instância até ao trânsito em julgado da decisão a proferir no identificado processo 0023/04 (8675/15.0BCLSB) que correu termos no Tribunal Tributário de Lisboa e que foi decidido, com acórdão transitado em julgado, pelo Tribunal Central Administrativo Sul.
Do exposto resulta que, tendo sido julgada parcialmente procedente a impugnação judicial apresentada pela Impugnante quanto à liquidação adicional de IRC do exercício de 1993, concretamente na parte em que resultou da correção de Esc.1.726.753.604 resultante da não aceitação como custo fiscal de menos-valias nesse montante e da correção resultante da consideração como custo fiscal da quantia de Esc. 97.883.519, o pressuposto da liquidação adicional ora impugnada (relativa ao exercício de 1999) deixou parcialmente de existir, por ser de atender aos prejuízos fiscais dos exercícios de 1994 (€353.922,74 ou 70.955.139$99), de 1995 (€279.030,48 ou 55.940.588$00) e 1996 (€38.199,01 ou 7.658.214$00), o que determina a anulação da liquidação impugnada nos presentes autos, concretamente no que respeita ao reporte dos prejuízos fiscais apurados nos identificados exercícios.
[…]”
Se atendermos na fundamentação do relatório inspetivo que conduziu à liquidação de IRC do exercício aqui em causa, ou seja do ano de 1999, podemos primeiramente concluir que as correções efetuadas foram de natureza meramente técnica e que, sobretudo, os prejuízos ocorridos em 1993 e então desconsiderados pela AT, foram influenciar os resultados negativos que ocorreram sistemática e interruptamente nos anos seguintes, nestes se incluindo o ano de 1999, ou seja no ano relativo ao IRC aqui em causa. Assim, tal como aponta a sentença recorrida e como decorre do anexo I do apontado relatório, para o efeito a AT foi buscar os seis anos anteriores a 1999, de acordo com o que ia então previsto no n.º 1 do art.º 46.º do CIRC (artigo este que só mais tarde veio a ser renumerado como artigo 47.º, por força do Decreto-Lei n.º 198/2001 de 3 de julho).
Mais se diga, que o julgado em primeira instância se limitou a anular a liquidação aqui em causa, no que concerne à questão dos prejuízos fiscais, mas apenas na medida em que os mesmos afetassem o valor apurado relativamente ao exercício de 1999 aqui em causa.
Deste modo, não existe aqui o apontado erro de julgamento apontado à sentença recorrida.
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Assim sendo, terá que improceder in totum o presente recurso.

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Estabelece o artigo 6.º, n.º 7 do RCP que nas causas de valor superior a € 275.000,00, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, exceto se o Juiz de forma fundamentada dispensar o respetivo pagamento, se a especificidade da situação o justificar, atendendo nomeadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes.
A dispensa do remanescente da taxa de justiça prevista na aludida norma legal depende, assim, da verificação de dois requisitos cumulativos: a singeleza da questão analisada e o comportamento das partes facilitador e simplificador do labor desenvolvido pelo Tribunal.
Na situação presente, consideramos que se justifica a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 6.º do RCP, uma vez que as questões a decidir no recurso não se afiguraram como sendo particularmente complexas, a conduta processual das partes não é merecedora de qualquer censura ou reparo e o concreto valor das custas a suportar pela parte vencida se afiguraria desproporcionado relativamente ao serviço público ora prestado, isto caso não se admitisse a referida dispensa ora concedida.
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Assim, nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, apresenta-se o seguinte sumário:
I – A nulidade da sentença por falta de fundamentação abrange não só a falta de discriminação dos factos provados e não provados, exigida pelo n.º 2 do art.º 123º do CPPT, como a falta do exame crítico das provas, previsto no então n.º 3 do art. 659º do CPC (hoje, no n.º 4 do art.º 607.º do novo CPC).
II – Ao recorrente que impugne a matéria de facto cabe cumprir os ónus processuais vertido no art.º 640.º do atual CPC (aplicável ex vi art.º 281.º do CPPT).
III - O princípio do inquisitório ou da investigação, na sua vertente jurisdicional, previsto no n.º 1 do art.º 13.º do CPPT e n.º 1 do art.º 99.º da LGT, constitui um dos princípios estruturantes do processo tributário e que consiste no poder de o juiz ordenar as diligências que entender necessárias para a descoberta da verdade material. Porém, este princípio não desonera as partes das suas obrigações processuais, nomeadamente da alegação da factualidade em que assenta a sua pretensão e de indicar eventuais elementos de prova de que disponham ou que entendam mais apropriados à demonstração da sua versão dos factos.

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V – Dispositivo
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em negar provimento ao presente recurso, confirmando-se o sentido decisório da sentença recorrida, com os presentes fundamentos.

Custas pela Recorrente (por vencida), com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Porto, 27 de abril de 2023

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Tiago A. Lopes de Miranda
Cristina da Nova