Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00529/12.8BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:07/13/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Margarida Reis
Descritores:AÇÃO ADMINISTRATIVA; CONTRIBUIÇÕES PARA A SEGURANÇA SOCIAL;
DECLARAÇÕES DE REMUNERAÇÃO;
ÓNUS DA PROVA; MATÉRIA DE FACTO
Sumário:
I. Por aplicação do n.º 1 do art. 74.º da LGT, ex vi art. 3.º, alínea a) do CRCSPSS, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração da segurança social, no que à relação jurídica contributiva diz respeito, recai sobre a mesma.

II. Não tendo a Recorrida na instrução do procedimento administrativo conducente ao ato em crise logrado provar qualquer facto que sequer indicie que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o Recorrente e a respetiva entidade empregadora não se concretizou, não podia o Tribunal a quo ter concluído pela devolução do ónus da prova ao Recorrente quanto a esta questão.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. RElatório
«AA», inconformado com a sentença proferida em 2018-06-27 pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a ação administrativa por si interposta tendo por objeto ato proferido pela Diretora do núcleo de identificação, qualificação e remunerações do Centro Distrital do Instituto da Segurança Social, IP que determinou a anulação de remunerações declaradas no período contributivo ocorrido entre 2009-01-02 e 2010-01-22, vem dela interpor o presente recurso.
O Recorrente encerra as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:
1ª. O recorrente não se conforma com a decisão proferida.
2ª. Deve ser considerada a nulidade do processado após findos os articulados dos autos com todas as legais consequências
3ª. Devem ser considerados provados os factos não provados 1) e 2) tendo em conta a prova documental e testemunhal produzida.
4ª. Deve ser considerado como provado que existiu um contrato de trabalho subordinado entre autor e a entidade patronal «BB», NISS ........., no período compreendido entre 02-01-2009 a 22-01-2010;
5ª. Deve ser considerado como provado que nesse período o autor exercia as funções de “Técnico Comercial” e auferia um vencimento mensal de € 2.000,00;
6ª. Deve ser considerado como provado que muito embora com a autonomia imposta para o exercício da função em causa, o beneficiário, aqui Autor, esteve sempre sob as ordens e direção de «BB», atuando de acordo com as instruções que lhe eram dadas por aquele.
7ª. Há aplicação de todas praticamente todas as alíneas do artigo 12º do CT à atitude comportamental de autor e entidade patronal, confirmando a existência de um contrato de trabalho entre autor e entidade patronal, conforme ao artigo 11º do CT.
Termina pedindo:
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, nomeadamente alterando a decisão proferida por outra que considere a anulação do ato administrativo produzido, devendo a decisão de anulação do período contributivo ser substituída por outra que reconheça a existência de uma relação de trabalho subordinado e reconheça as remunerações declaradas no período em que o Autor esteve ao serviço da entidade patronal, impondo-se, reitera-se, por total falta de fundamento legal e prova, que a decisão proferida pela segurança social, seja substituída por uma outra que considere como válidas as remunerações em causa, com as devidas consequências, para o que se pede e espera o douto suprimento de Vossas Excelências, pois só assim se fará justiça.
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A entidade Recorrida não apresentou contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M.º Público junto deste Tribunal foi oportunamente notificado nos termos e para os efeitos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, nada tendo vindo requerer ou promover.
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Os vistos foram dispensados com a prévia concordância dos Ex.mos Juízes Desembargadores-Adjuntos.
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O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, tal como decorre do disposto nos arts. 635.º nºs 4 e 5 e 639.º do Código de Processo Civil (CPC), disposições aplicáveis ex vi art. 281.º do CPPT.
Assim sendo, no caso em apreço, atentos os termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso, há que apurar se a sentença padece dos erros de julgamento de facto e de direito que lhe são imputados pelo Recorrente.

II. Fundamentação
II.1. Fundamentação de facto
Na sentença prolatada em primeira instância consta a seguinte decisão da matéria de facto, que aqui se reproduz:
FACTOS PROVADOS
Compulsados os autos, vista a prova produzida, com interesse para a decisão, dão-se como provados os seguintes factos:
A) Em 02 de Janeiro de 2009 o aqui AA. celebrou, na qualidade de segundo outorgante, um contrato de trabalho sem termo, com «BB», NIF ..., com início em 02-01­2009, para desempenhar as funções de “Técnico Comercial” sob as ordens e direcção daquele, com a remuneração mensal de € 2.000,00 (dois mil euros), acrescida da quantia de € 6,17, por cada dia de trabalho efectivo, a título de subsídio de refeição – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 3, a fls. 29 da paginação electrónica, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido;
B) «BB», NIF ..., NISS..., é empresário em nome individual, na área da mediação de seguros;
C) Em 31-01-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Janeiro de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 21 (vinte e um) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 15;
D) Em 28-02-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Fevereiro de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 19 (dezanove) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 14;
E) Em 31-03-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Março de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 22 (vinte e dois) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 13;
F) Em 30-04-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Abril de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 21 (vinte e um) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 12;
G) Em 31-05-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Maio de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 20 (vinte) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 11;
H) Em 30-06-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Junho de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 20 (vinte) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 10;
I) Em 31-07-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Julho de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 23 (vinte e três) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 09;
J) Em 31-08-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Agosto de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 21 (vinte e um) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 08;
K) Em 15-08-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao Subsídio de Férias, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 07;
L) Em 30-09-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Setembro de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 22 (vinte e dois) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 06;
M) Em 31-10-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Outubro de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 21 (vinte e um) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 05;
N) Em 30-11-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Novembro de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 21 (vinte e um) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 04;
O) Em 31-12-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Dezembro de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 20 (vinte) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 03;
P) Em 22-01-2009 foi emitido, pelo empresário identificado em B., Recibo de Vencimento em nome do AA., referente ao mês de Janeiro de 2009, com vencimento base mensal de € 2.000,00, categoria de “técnico administrativo”, no qual consta 15 (quinze) dias de trabalho, com descontos para a Segurança Social e retenção para IRS, tendo como local de pagamento a sede da empresa – cf. doc. do PA sob o n.º 02;
Q) O empresário a que se alude na al. B. foi alvo de uma acção inspectiva [n.º ................254], pelos Serviços de Fiscalização do Norte, Sector de ..., do Instituto da Segurança Social, IP [doravante ISS], com o objectivo da verificação da relação de trabalho com carácter regular e subordinado com o aqui AA – cf. fls. 6 do PA apenso;
R) No Relatório elaborado na acção inspectiva a que se alude na al. anterior foi formulada a seguinte conclusão:
Face aos factos atrás enunciados, conclui-se que:
Na empresa o trabalho dos beneficiários «AA», NISS ..., e (...), não configura a natureza de trabalho por conta de outrem, mas a natureza de uma prestação de serviços, nos termos do art. 12.º do Código de Trabalho”;
S) No Relatório elaborado na acção inspectiva a que se alude na al. Q. foram formuladas as seguintes propostas:
Face ao exposto, propõe-se que:
· se remeta a presente informação, e documentos anexos ao Processo, para o NGR, para proceder à anulação da qualificação como TCO, na firma supra, dos beneficiários «AA», NISS ..., e (...), desde 2009-01-02 até 2010-01-22 (...);
· se remeta informação ao NPSP (Desemprego) a fim de emitir nota de débito aos beneficiários «AA», NISS ..., e (...), do total recebido do subsídio de desemprego, na sequência dos descontos efectuados como TCO no contribuinte supra e que vão ser agora anulados, no entanto.
À Consideração Superior”;
T) Na sequência da proposta a que se alude na al. anterior, a Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições do ISS – ..., formulou a seguinte informação para despacho – conclusões processo fiscalização, relativamente ao empresário identificado em B., na qualidade de entidade empregadora (cf. informação a fls. 7 do PAT):
“Face ao relatório dos serviços de fiscalização que se anexa, propõe-se:
Que sejam anulados os salários e as qualificações dos Benf.°s – «AA» – ...37 de 2009-01-02 a 20-01-22 (...) uma vez que os Benf.°s exerciam a função de angariadores de seguros, não tinham horário estabelecido, sabendo unicamente que tinham de atingir os objectivos que lhes foram propostos, não obedecendo a ordens da entidade patronal.
OS mesmos não configuram a natureza de trabalhadores por conta de outrem, mas a natureza de uma prestação de serviços, nos termos do art. 12.ç do Código de Trabalho.
Os salários enviados para a segurança social coincidem com os declarados para a DGCI relativamente aos anos de 2009 e 2010.
Que se informe a secção de desemprego a fim de suspender o mesmo e emitir uma nota de débito do total do valor recebido.;
U) Em 5 de Setembro de 2011, a Directora do NGR, na sequência da informação a que se alude na al. anterior lavrou o seguinte DESPACHO: “Concordo. Notifique-se entidade empregadora e beneficiários” (cf. fls. 7 do PAT).
V) Em 16 de Setembro de 2011 a Unidade de Identificação, Qualificação e Contribuições do ISS ..., procedeu à emissão do ofício n.º ...41, sob a ref.ª ..., dirigido ao aqui AA., para o notificar que iriam proceder à anulação das remunerações declaradas referentes ao período contributivo de 2009/01/02 a 2010/01/22, na entidade «BB», NISS ......... – cf. doc. junto com a PI sob o n.º 1 e fls. 9 do PA apenso;
W) Em 29 de Setembro de 2011 o aqui AA exerceu o direito de resposta ao projecto de decisão a que se alude na al. anterior pedindo que sejam consideradas as Declarações de Remuneração referentes ao período em questão – cf. fls. 29 do PA apenso;
X) Em 14 de Dezembro de 2011 o Núcleo de Gestão de Remunerações da Unidade de Identificação Qualificação e Contribuições, do ISS, elaborou informação para despacho, a propor a manutenção do projecto de anulação das declarações de remunerações aqui em causa – cf. fls. 31 do PA apenso;
Y) Na mesma data a que se alude na al. anterior, na sequência da informação para despacho, a Directora do NGR proferiu despacho com o seguinte teor:
“Concordo”
– cf. fls. 58 do PA apenso;
Z) Em 19 de Dezembro de 2011, o ISS, procedeu à emissão do ofício n.º ...56, dirigido ao AA. sob o Assunto: Notificação da decisão de anulação de remunerações declaradas, visando dar-lhe conhecimento do despacho a que se alude na al. anterior, do qual se destaca aqui o seguinte:
“Serve o presente para informar V. Ex.ª que, relativamente à sua exposição de 29/09/2011, em resposta à audiência prévia de anulação de remunerações declaradas no período contributivo 02/01/2009 a 22/01/2010, efectuada pelo n/ ofício n.º ...41, de 16/09/2011, se procedeu a nova apreciação do processo, tendo sido proferido despacho de anulação das referidas remunerações, em 14/12/2011, pela Directora do NGR (...), com os seguintes fundamentos:
1. Em averiguações dos serviços de fiscalização do ISS, I.P., constatou-se que:
· Em 1 de Julho de 2011, foi ouvida em Auto de Declarações a beneficiária «DD» (trabalhadora da firma), que declarou: »Que trabalha na firma «BB» desde 2008, a exercer funções de administrativa;
» Que desde 2008 o salário é pago por transferência bancária;
» Que pessoalmente não conhece os beneficiários (...) e «AA», só os conhece de vista;
» Que ... trabalhavam na empresa na área comercial, nunca permanecendo nas instalações da mesma;
(...)
Em 01 de Julho de 2011, foi ouvido em Auto de Declarações o beneficiário «BB» (...) que declarou:
» (...)
» Que exerciam a função de angariadores de clientes na área de mediação de seguros;
» Que o seu salário era pago em dinheiro a pedido dos dois trabalhadores;
» Que não tinham horário estabelecido, sabendo unicamente que tinham de cumprir os objectivos estabelecidos;
» Que não trabalhavam nas instalações da firma, trabalhando fora desta e a sua deslocação para angariação de clientes era feita em viatura própria;
» (...)
» Que os beneficiários eram autónomos, não obedecendo a ordens, só tendo de cumprir objectivos;
(...)
No que se refere ao seguro de acidentes de trabalho:
» (...) O documento apresentado não apresenta o nome dos trabalhadores;
2. Pela análise do acima exposto, verifica-se que:
Ø Foram apurados fortes indícios de que as declarações de remunerações que deram entrada no Cdist e referentes ao período supra indicado, não correspondem a efectiva prestação de trabalho subordinado;
Ø Das declarações prestadas (...) pode concluir-se que os beneficiários não tinham horários estabelecidos, eram autónomos, não obedecendo a ordens, só cumprindo objectivos, deslocavam-se nas suas próprias viaturas, nunca permanecendo nas instalações da entidade em ..., (...), não tinham seguro de acidentes de trabalho (art. 127.º e 283.º do Código do Trabalho).
(...)
Ø Ora, apesar de na resposta à audiência prévia, os reclamantes virem alegar que existiu de facto subordinação jurídica, constata-se que na averiguação dos serviços de fiscalização e nas declarações que os intervenientes prestaram todos os indícios são exactamente para a não existência dessa subordinação (...), concluindo-se que a inclusão nas Declarações de Remunerações destes Trabalhadores, visou apenas permitir o acesso indevido ao subsídio de desemprego.” – cf. fls. 33 do PA apenso;
*
FACTOS NÃO PROVADOS
1) O autor esteve sempre sob as ordens e direcção de «BB»;
2) O autor recebeu os salários da empresa identificada em B. dos factos provados, durante todo o ano de 2009 e Janeiro de 2010.
*
Inexistem outros factos sobre os quais o Tribunal deva pronunciar-se, já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa.
*
Motivação
Alicerçou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados na posição assumida pelas partes, no exame crítico dos documentos que constam dos autos e do PA, não impugnados, e no depoimento prestado, em sede de julgamento, pela única testemunha arrolada pelo autor: «BB»
A testemunha identificada, empresário, entidade patronal do aqui AA, no período aqui em causa, embora revelasse conhecimento directo e pessoal dos factos não mereceu a credibilidade suficiente do Tribunal de forma a poder-se atribuir ao seu depoimento força probatória necessária à consideração de provados os factos alegados pelo autor, desde logo por tratar-se da entidade patronal do AA. e da conveniência legal que o mesmo tem em que a situação seja tratada de relação laboral entre eles, sob pena de o mesmo ter prestado falsas declarações ao ISS.
Apelando às regras da experiência e do bom senso, o depoimento da única testemunha arrolada pelo AA. não foi suficiente para provar a existência de um contrato de trabalho entre eles.
Os factos não provados resultaram da ausência de meios prova que os sustentassem, salientando-se aqui o facto do autor só ter arrolado uma testemunha, cujo depoimento, pelas razões acima expostas, não mereceu um juízo de credibilidade da parte do tribunal.
*
II.2. Aditamento oficioso à fundamentação de facto:
Atento o disposto no art. 662.º, n.º 1 do CPC, ex vi art. 281.º do CPPT, o alegado pela Recorrente e a prova documental produzida nos autos, procede-se ao seguinte aditamento à fundamentação de facto:
Q1 No Relatório da inspeção, datado de 16 de agosto de 2011, a que se alude no ponto anterior lê-se o seguinte (cf. fls. 6 a 8 do PAT):
(…)
1. Introdução
A situação da empresa foi relatada em relatório anterior, de 2 de Maio de 2011, pelo Inspetor «CC», que entretanto se aposentou. Uma vez que ainda eram necessárias algumas diligências para concluir o Processo, nomeadamente as indicadas pelo colega mencionado, tais como, visitar a sede da empresa em ... e ouvir a trabalhadora, «DD», no sentido de saber se conhece e o que faziam os beneficiários em causa «AA», e «EE» e ainda analisar a contabilidade da empresa para verificar se há prova de pagamentos (os 2 beneficiários declararam que recebiam em dinheiro), foram efectuadas as diligências tidas por necessárias. (conforme páginas 1 a 77)
2. Diligências desenvolvidas durante a ação:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
3. Recolha e descrição dos elementos documentais:
2 Auto Declarações; extracto da conta 111 do POC de 1/2009 a 5/2010; 2 Notificações; processamentos de salários de 1/2009 a 5/2010; fotocópia do prémio de seguro relativo ao período de 4/2009 a 4/2010; Documento tirado da Internet de como «BB» é mediador de seguros; resposta à Notificação de 15.07.2011.
4. Resultado da acção inspectiva:
4.1 Descrição dos Factos:
(…)
Ø Por consulta ao SISS, CDF e outros documentos (nomeadamente Auto de Declarações, Contrato de Trabalho), apurou-se o seguinte relativamente ao beneficiário «AA», NISS ...:
o Trabalhou na firma supra no período de 2009.01.02 {data em que assinou Contrato de Trabalho sem Termo) até 2010.01.22 (Motivo fim: cessação Contrato Trabalho por iniciativa do trabalhador); (conforme página 9)
o Foi admitido na firma “... passará a desempenhar sobre as ordens e direcção do Primeiro, as funções de “Técnico Comercial” categoria profissional com que se intitulou desempenhar”; (conforme página 9)
o No período de 2010.01.25 a 2010.03.12 [Motivo fim: cessação contrato por iniciativa da EE: denúncia contrato no período exp. (iniciativa do empregador)], trabalhou na firma «FF», NISS ...;
o Em 16 de Março de 2010, passa a receber prestações de desemprego (data fim prevista para recebimento de prestações desemprego: 2013-05-15)
o Os rendimentos auferidos no contribuinte supra, nos anos de 2009 e 2010, foram declarados ao Fisco e coincidem com os salários declarados à Segurança Social.
Ø Em 1 de Julho de 2011, foi ouvida em Auto Declarações a beneficiária «DD» (trabalhadora da firma), NISS ..., que declarou: (conforme página 78) (…)
o Que trabalha na firma «BB» desde 2008, a exercer funções de administrativa;
o Que desde 2008 o salário é pago por transferência bancária;
o Que pessoalmente não conhece os beneficiários «EE» e «AA», só os conhece de vista;
o Que trabalhavam na empresa «BB», mas na área comercial, nunca permanecendo nas instalações da mesma;
o Que os beneficiários vinham algumas vezes às instalações da firma para falar com o seu responsável, mas não sabe de que assuntos vinham tratar;
o Que o Sr. «AA» trabalhou na empresa no ano de 2009 e talvez até início de 2010, e o Sr. «EE» trabalhou no ano de 2009 (completo) e até Maio ou Junho de 2010.
(...)
Ø Em 1 de Julho de 2011, foi ouvido em Auto Declarações o beneficiário «BB» (responsável da firma supra). NlSS ...09, que declarou: (conforme página 79) (...)
o Que é responsável da firma beneficiário «BB», há pelo menos 11 anos;
o Que é uma firma de mediação de seguros e financeira;
o Que conhece os Srs. «EE» e «AA», que não são seus familiares;
o Que eles trabalharam na empresa no ano de 2009 e alguns meses de 2010;
o Que exerciam a função de angariadores de clientes na área de mediação de seguros;
o Que o seu salário (dos beneficiários) era pago em dinheiro a pedido dos dois trabalhadores;
o Que não tinham horário estabelecido, sabendo unicamente que tinham de cumprir os objectivos estabelecidos;
o Que não trabalhavam nas instalações da firma, trabalhando fora desta e a sua deslocação para angariação de clientes era feita em viatura própria;
o Que as reuniões com os beneficiários eram realizadas normalmente em ... em locais públicos (porque aqueles residiam lá);
o Que os beneficiários deixaram de ser comerciais da firma porque deixaram de cumprir os objectivos;
o Que os beneficiários eram autónomos, não obedecendo a ordens, só tendo de cumprir objectivos;
o Que as férias dos beneficiários eram gozadas de acordo com serviço, havendo uma coordenação no início do ano do gozo destas.
Ø Pela análise a alguns elementos contabilísticos e outros, apurou-se que: (conforme páginas 16 a 54 e de 80 a 89)
o O pagamento dos salários aos beneficiários «AA» e «EE» encontram-se reflectidos na contabilidade da firma, e coincidem com os valores constantes nos recibos de vencimento (esta conferência foi feita por amostragem)
o -Os beneficiários «AA» e «EE» constam nos processamentos de salários; (conforme páginas 90 a 98)”
o Na Notificação de 1 de Julho de 2011, foi solicitado ao contribuinte documento comprovativo da inclusão na Apólice de Acidentes de Trabalho dos beneficiários «EE» e «AA», no período de 2009 e 2010. O documento apresentado não apresenta o nome dos trabalhadores segurados; (conforme páginas 99 e 100)
Ø Por consulta na Internet ao Site ISP- Instituto de Seguros de Portugal - Entidades Autorizadas, verificou-se que o beneficiário «BB», tem carteira profissional para exercer a actividade de agente de seguros. No mesmo site foi feita a consulta para os beneficiários «AA» e «EE», tendo-se verificado que estes não possuem carteira profissional indicando no resultado da pesquisa o seguinte: “Resultado de pesquisa de Mediadores - Não existem resultados para apresentar” (conforme páginas 101 e 102)
Ø Foi elaborada nova Notificação no dia 15 de Julho de 2011, a solicitar ao contribuinte, para o dia 18.07.2011, fotocópia da carteira profissional dos beneficiários «EE» e «AA» e também a declaração da Companhia de Seguros, com o nome dos trabalhadores segurados, no período de Janeiro de 2009 até Maio de 2010 (este documento já tinha sido solicitado em Notificação anterior de 1 de Julho de 2011); (conforme páginas 99 e 103)
Ø No dia 18 de Julho de 2011, o contribuinte apresenta a seguinte resposta à Notificação de 15.07.2011: (conforme página 104)
s “...Os funcionários referidos eram angariadores/comerciais todos os contratos eram formalizados por mim como mediador inscrito no ISP (Instituto Seguros Portugal), não poderiam estar inscritos no ISP como mediadores e nem ter carteira profissional mesmo que fossem mediadores inscritos no ISP teriam de suspender a inscrição para poderem trabalhar por conta outrem para outro mediador, assim estão definidas as regras do ISP.
s Em relação ao documento que me solicita do comprovativo de inclusão no seguro de acidentes de trabalho, não encontro tal documento de 2009 é possível que me tenha escapado, somente encontro um recibo de pagamento de um seguro de acidentes de trabalho por conta outrem da anuidade 2009/2010, que já enviei em anteriores correios eletrónicos
4.2 O Direito Aplicável
o lei n. º 7/2009, de 12 de Fevereiro;
o LC.T. (Lei do Contrato de Trabalho)
5. Conclusões:
Face aos factos atrás enunciados, conclui-se que:
o Na empresa o trabalho dos beneficiários «AA», NISS ..., e «EE», NISS ..., não configura a natureza de trabalho por conta de outrem mas a natureza de uma prestação de serviços, nos termos do art. 12.º do Código de Trabalho.
(…)
W1 Em 26 de setembro de 2011 deu entrada nos serviços do Centro Distrital de ... do ISS, IP, intervenção escrita de «BB», com o seguinte teor (cf. fls. 10 do PAT):
(…)
Serve a presente para apresentar a minha discordância quanto à V/ decisão de anulação do período contributivo dos 2 trabalhadores «AA» e “«EE»”.
Entende V/ Ex.a que o contrato não configura uma relação de carácter laboral, mas sim de prestação de serviços. Discordo pois o art. 12, do Código de Trabalho, referido na V/ decisão é taxativo ao elencar 5 características do contrato de trabalho, bastando verificar-se uma delas para estarmos em presença de um contrato de trabalho. A primeira a verificar-se é o salário fixo pago mensalmente. Depois a subordinação, apesar de ser trabalhadores com alguma flexibilidade, obedeciam às minhas ordens e orientações.
Por estes mesmos motivos não contratei os trabalhadores a recibo verde, para não ser mais tarde acusado de contribuir para a precariedade laboral e sabendo que perante a Lei estamos em presença de contratos de trabalho.
Quanto aos meios de prova, foram entregues todos os documentos solicitados pelos V/ serviços de fiscalização, por mais que uma vez ao Sr. «GG» e Sr.ª «HH», pelo que não tenho quaisquer elementos adicionais ao que já foi entregue.
Nestes termos, solicito a V/ Ex.a que não anule o período contributivo dos referidos trabalhadores.
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A fundamentação de facto da sentença é omissa quanto aos fundamentos do ato em crise, não revelando a fundamentação do relatório elaborado pelos serviços de inspeção, cujo teor é agora aditado sob o pontos Q1, assim como não situa no tempo a respetiva emissão, motivo pelo qual o ponto R da fundamentação de facto é alterado, passando ali a ler-se “Em 16 de agosto de 2011 foi emitido o Relatório referente à ação inspetiva a que se alude a al. anterior, do qual consta a seguinte conclusão”, em vez de “No Relatório elaborado na acção inspectiva a que se alude na al. anterior foi formulada a seguinte conclusão” (alterações já introduzida supra).
Foi igualmente introduzida nos pontos T e U especificação da localização no PAT do meio de prova utilizados, que não constava da redação inicial (alterações já introduzida supra).
II.2. Fundamentação de Direito
O Recorrente inicia as suas alegações de recurso imputando à sentença em crise a “nulidade”, “decorrente da omissão de formalidade que a lei prescrevia – art. 5.º, 4 e 195.º do CPC”, por alegadamente se verificar a “omissão definitiva da notificação para os (…) efeitos do n.º 4 do art. 5.º da Lei n.º 41/2013”, ou seja, “para, em 15 dias, apresentarem os requerimentos probatórios ou alterarem os que hajam apresentado” tal como resulta daquela norma.
Sucede, no entanto, que o que verdadeiramente assim invoca é a existência de uma nulidade secundária do processo – a omissão de um ato prescrito pela lei - e não uma qualquer nulidade da sentença, pelo que deveria ter invocado a mesma perante o Tribunal a quo, no prazo de 10 (dez) dias previsto nos arts. 195.º, 196.º e 199.º do CPC, sob pena da respetiva sanação, sendo que os autos revelam que teve ampla oportunidade de o fazer no decurso da respetiva tramitação.
Pelo que, não o tendo feito, não cabe a este Tribunal conhecer desta questão.
Donde, e em face do exposto, este segmento do seu recurso não será objeto de conhecimento.
Compulsado o seu recurso no demais, é possível apreender que o que pretende é imputar à sentença erro de julgamento de facto, pois entende que a matéria que na mesma se deu por “não provada” foi por si comprovada, através da prova documental e testemunhal que ofereceu aos autos, e ainda o erro de julgamento de direito, pois, e como já alegara na sua PI, entende que a aqui Recorrida não cumpriu o seu ónus probatório no procedimento que antecedeu o ato impugnado, não tendo feito a adequada instrução do mesmo, e que a sentença fez uma incorreta interpretação e aplicação ao caso do regime jurídico aplicável ao mesmo.
Tanto é o que resulta da conclusão 7 do seu recurso, na qual alega que a sentença fez uma incorreta interpretação das regras constantes no Código do Trabalho que ali enuncia, lida em conjugação com a motivação do mesmo, maxime quando ali alega, claramente, que do processo instrutor nada resulta que fundamente ou corrobore “a decisão tomada de anulação do período contributivo e da falta de relação laboral” (cf. fls. 264, verso, dos autos).
A este respeito importa ainda recordar, por um lado, que este Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito [cf. art. 5.º, aplicável ex vi art. 2.º, alínea e) do CPPT], cabendo-lhe, por isso, a última palavra quanto ao enquadramento e qualificação jurídica a efetuar, e por outro, que na aferição do cumprimento dos seus requisitos legais, e em homenagem ao princípio da proporcionalidade, se deve privilegiar uma leitura global do recurso que exponencie os aspetos de ordem material sobre os de caráter formal.
Situado que está o âmbito do recurso, importa referir que uma apreciação global do mesmo conduz à conclusão de que o conhecimento do erro de julgamento de direito apontado à sentença se revela logicamente anterior ao conhecimento do erro de julgamento de facto enunciado pelo Recorrente, pelo que se começará pela apreciação do primeiro.
Vejamos então.
Tal como foi já aqui referido, o Recorrente questiona no seu recurso a apreciação feita na sentença recorrida no que se refere ao (in)cumprimento do ónus da prova que cabia à Recorrida no âmbito do procedimento que conduziu ao ato impugnado.
Ora, quanto a esta questão, não pode deixar de se lhe dar razão.
De facto, a sentença revela uma errada compreensão das regras aplicáveis ao supramencionado ónus da prova.
Tal como foi já referido, em causa está o ato administrativo por força do qual foram anuladas as declarações de remuneração referentes ao período de 2009-01-02 e 2010-01-22, por ter sido considerado pelos serviços de inspeção no relatório que sustentou a correção oficiosa subjacente às mesmas que não terá existido um qualquer contrato de trabalho, mas antes uma prestação de serviços.
Estamos, deste modo, claramente, no domínio tributário, pois que em causa estão declarações de remunerações, por forças das quais é delimitado o período contributivo para a segurança social (cf. arts. 38.º, 40.º, n.º 1 e 40.º, n.º 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social - CRCSPSS).
Donde, por estar em causa a relação jurídica contributiva, e em face do disposto no art. 3.º, alínea a) do CRCSPSS, era subsidiariamente aplicável ao caso a Lei Geral Tributária, maxime o que nela se dispõe, nos arts. 74.º e 75.º, quanto à repartição do ónus da prova.
Com efeito, resulta do disposto no n.º 1 do art. 74.º da LGT que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração recai sobre a mesma, e do n.º 1 do art. 75.º do mesmo diploma que se presumem verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei.
Assim sendo, e ao contrário do que é afirmado na sentença, não era ao aqui Recorrente que cabia, sem mais, a prova do cumprimento do estipulado no contrato de trabalho, antes cabendo à Administração provar que as declarações de remunerações anuladas não tiveram subjacente a prestação de trabalho subordinado titulada pelo contrato de trabalho em questão, assim afastando a presunção de verdade e boa fé das declarações do contribuinte, e só se o seu ónus da prova se demonstrasse cabalmente cumprido é que o respetivo encargo passaria a ser da responsabilidade do aqui Recorrente.
Sucede que, claramente, a Administração não cumpriu o respetivo ónus probatório, não tendo logrado provar que ocorreu uma prestação de serviços , sustentando-se exclusivamente em declarações que terão sido prestadas por «DD» e por «BB», sem que, no entanto, as mesmas sejam transcritas ou que do processo administrativo constem os respetivos autos de declarações (cf. ponto Q1, da fundamentação de facto).
Com efeito, as afirmações alegadamente feitas são “resumidas” no Relatório, de modo descontextualizado, e de acordo com um critério que é desconhecido e como tal, imperscrutável.
Aliás, é patente a forma tendenciosa como as mesmas são relatadas, o que é revelado, por exemplo, quando ali se diz que «DD» terá afirmado que o Recorrente e outro funcionário nunca permanecia nas instalações da empresa, para logo afirmar que “vinham algumas vezes às instalações da firma para falar com o seu responsável”, ou quando se diz que “não tinham horário estabelecido, sabendo unicamente que tinham de cumprir os objectivos estabelecidos”, o que nada revela sobre se agiam de acordo com as instruções do empregador, ou ainda que «BB» terá afirmado que “não trabalhavam nas instalações da firma” (cf. ponto Q1, da fundamentação de facto), quando o conteúdo funcional das funções do aqui Recorrente era a de angariar clientes e fazer cobranças, o que, obviamente, e pela natureza das coisas, obrigava a que se deslocasse para que pudessem exercer as mesmas.
Não é por isso possível relevar em prol da Recorrida declarações cujo real conteúdo se desconhece e cujo relato obedece a critérios desconhecidos e reveladores de parca objetividade.
A este propósito não pode ainda deixar de ser sublinhado que do próprio relatório de inspeção consta expressamente que «BB» explicou que “Os funcionários referidos eram angariadores/comerciais todos os contratos eram formalizados por mim como mediador inscrito no ISP (Instituto Seguros Portugal), não poderiam estar inscritos no ISP como mediadores e nem ter carteira profissional mesmo que fossem mediadores inscritos no ISP teriam de suspender a inscrição para poderem trabalhar por conta outrem para outro mediador” (cf. ponto Q1, da fundamentação de facto), afirmação que é ignorada tanto pela Recorrida, como pelo Tribunal a quo, e que é bem reveladora da dependência do aqui Recorrente relativamente ao seu empregador.
Por último, particularmente impressivo e revelador do erro em que se labora na sentença é a circunstância de resultar patente na fundamentação do relatório de inspeção que os elementos recolhidos sobre o pagamento dos salários revelam que os mesmos foram efetivamente pagos, motivo pelo qual, aliás, a Recorrida nunca, seja no decorrer do procedimento, seja no decurso da ação judicial, questione o mesmo, e, paradoxalmente, da sentença esta circunstância resulte como não provada no ponto 2 dos factos não provados.
Recordando, refere-se no relatório de inspeção a este propósito que “Pela análise a alguns elementos contabilísticos e outros, apurou-se que (…) [o] pagamento dos salários aos beneficiários «AA» e «EE» encontram-se reflectidos na contabilidade da firma, e coincidem com os valores constantes nos recibos de vencimento (esta conferência foi feita por amostragem)” e que “[o]s beneficiários «AA» e «EE» constam nos processamentos de salários(cf. ponto Q1, da fundamentação de facto),
Ora, para que se pudesse concluir que a Administração cumpriu com o ónus de demonstrar o incumprimento do estipulado no contrato de trabalho que esteve subjacente às contribuições anuladas, teria de ter reunido prova de que os respetivos requisitos, constantes na lei – que o caracteriza como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta (cf. arts. 1152.º do CC, e 11.º do CT), - não se concretizaram, o que, manifestamente, não sucedeu.
Efetivamente, não logrou a Ré provar quaisquer factos que o indiciassem, como que a atividade não tenha sido realizada em local pertencente ao empregador ou por ele determinado, que os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados não pertencessem ao empregador, que o A. não tenha observado horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo empregador, que não lhe tenha sido pago, com determinada periodicidade, uma quantia certa, como contrapartida da atividade (cf. art. 12.º do CT).
Tanto basta para que se conclua que a sentença padece de erro de julgamento de direito, na sua modalidade de erro de previsão (cf. PINTO, Rui – Manual do Recurso Civil. Volume I. Lisboa, AAFDL editora, 2020, p. 27), por ali não se ter logrado identificar corretamente o regime jurídico aplicável à repartição do ónus da prova no caso em apreço, o que inquina inexoravelmente toda a fundamentação, de facto e de direito, ali expendida.
Aqui chegados é possível concluir que a fundamentação de facto, no que aos factos não provados diz respeito, é também ela o resultado do erro de julgamento identificado, pelo que aqui se determina a eliminação de todos os pontos nela elencados.
Assim sendo, e em face do exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente.
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No que diz respeito à responsabilidade pelas custas do presente Recurso, a mesma cabe à Recorrida, atendendo ao seu decaimento [cf. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, aplicável ex vi art. 1.º, do CPTA], não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, visto que nele não contra-alegou (cf. art. 7.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais – RCP).
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Conclusão:
Preparando a decisão, formulamos a seguinte síntese conclusiva:
I. Por aplicação do n.º 1 do art. 74.º da LGT, ex vi art. 3.º, alínea a) do CRCSPSS, o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração da segurança social, no que à relação jurídica contributiva diz respeito, recai sobre a mesma.
II. Não tendo a Recorrida na instrução do procedimento administrativo conducente ao ato em crise logrado provar qualquer facto que sequer indicie que o contrato de trabalho a termo certo celebrado entre o Recorrente e a respetiva entidade empregadora não se concretizou, não podia o Tribunal a quo ter concluído pela devolução do ónus da prova ao Recorrente quanto a esta questão.
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III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em conceder provimento ao presente recurso, e em consequência, revogar a sentença recorrida, e julgar procedente a ação administrativa, anulando o ato impugnado, devendo em consequência, ser aceites as declarações de remunerações anuladas, com as demais consequências.
Custas pela Recorrida, não lhe sendo devida taxa de justiça pelo presente recurso, por nele não ter contra-alegado.

Porto, 13 de julho de 2023 - Margarida Reis (relatora) - Cláudia Almeida – Paulo Moura.