Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02058/14.6BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:05/13/2021
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:IMT, PRÉDIOS RÚSTICOS, REVENDA, CADUCIDADE DA ISENÇÃO
Sumário:1- A revenda pressupõe a transmissão do bem no estado em que o mesmo foi adquirido, isto é, a comercialização do mesmo sem que tenha sofrido uma transformação significativa ou substancial, de modo a que, uma vez (re)vendido não seja passível de ser qualificado como um outro, que não o adquirido.

2- Sempre que ocorra qualquer alteração material sobre o prédio, ou do prédio, não só ao nível da edificação sobre o mesmo, como também qualquer outra susceptível de lhe alterar, de modo significativo, o VPT, tais factos podem relevar para efeitos de apurar se há aquisição de um novo direito de propriedade gerado através de obras ou outra alteração do prédio pelo proprietário, havendo “destino diferente” quando se puder afirmar que o direito de propriedade deixou de ter o conteúdo que tinha anteriormente.

3- Se os prédios em apreço foram alterados na sua substância tal implica de acordo com os artigos 7º e 11º, nº 5 do CIMT, a caducidade da isenção.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:D., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
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1. RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 28/02/2017, que em sede de impugnação judicial intentada por D., LDA., julgou procedente a impugnação relativa IMT, no montante de €45.000,00, referente à escritura de compra e venda celebrada em 29/01/2010, através da qual adquiriu vários prédios rústicos.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes

CONCLUSÕES:
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou totalmente procedente a impugnação deduzida contra o acto de liquidação de IMT, do qual resultou a pagar o valor de € 45.000,00, referente à escritura de compra e venda celebrada em 29.01.2010, no Cartório Notarial de (...), através da qual a Impugnante, aqui Recorrida, adquiriu à sociedade I., S.A., nove prédios rústicos, na freguesia de (...), concelho de (...), inscritos na matriz sob os artigos 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 53 e 112, pelo valor global de € 900.000,00.

B. Constituem fundamentos de tal impugnação o (I) erro nos pressupostos de facto da liquidação, (II) erro na qualificação dos factos tributários e (III) errada aplicação da lei, violando a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), designadamente, os artigos 4.º, 6.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, 10.º, n.º 1, alínea d) e 13.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do IMI (CIMI) e ainda o artigo 7.º, do Código do IMT (CIMT).

C. A douta sentença sob recurso julgou totalmente procedente a presente impugnação, com a consequente anulação da liquidação impugnada e a condenação da AT nas custas.

D. Com a ressalva do sempre devido respeito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, porquanto considera que da prova produzida não é de extrair a conclusão que serviu de base à decisão proferida, padecendo a mesma de erro de julgamento na apreciação da matéria de facto, nomeadamente pela forma como não foi valorada a prova documental produzida (facto provado n.º 7), e de erro de julgamento na apreciação da matéria de direito, uma vez que não efectuou correcta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 7.º e 11.º, n.º 5, ambos do CIMT, pelas razões que passa a expender:

E. Entende a Fazenda Pública que a Impugnante/Recorrida deu destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, uma vez que aqueles não foram vendidos no mesmo estado.

F. A Impugnante/Recorrida adquiriu prédios rústicos que foram transformados por via de obras ali realizadas em prédios urbanos, fazendo cessar a isenção prevista no artigo 7.º do CIMT, de acordo com o artigo 11.º, n.º 5, do mesmo diploma.

G. Pela escritura de compra e venda de 29.01.2010, a Impugnante, aqui Recorrida, adquiriu nove prédios rústicos. Facto provado n.º 2;

H. Depois de analisados os elementos solicitados à Câmara Municipal, verificou-se que os prédios foram transformados por via das obras que ali aconteceram.

I. De acordo com os elementos apresentados pela Câmara Municipal (CM), só a partir de 09.12.2010, após a escritura de compra e venda, é que aquela – CM – emitiu o Alvará de Licença de Obra e Edificação.

J. A Impugnante/Recorrida registou na sua contabilidade, no ano de 2012 (30.03.2012, 30.04.2012 e 31.10.2012), 3 (três) facturas emitidas pela sociedade construtora G., S.A., NIPC: (…), relativas às obras realizadas para edificação dos parques de estacionamento. – Facto provado n.º 7.

K. Em 09.01.2013, a aqui Recorrida vendeu, também através da celebração de uma escritura de compra e venda, pelo montante de € 900.000,00, os referidos prédios rústicos – facto provado n.º 8;

L. Verifica-se que foi dado destino diferente aos prédios rústicos adquiridos para revenda, pois estes foram alterados substancialmente, com o início das obras licenciadas de “construção de parque de estacionamento, armazém e edifício de apoio” – cf. factura n.º 21203007/21203, de 30.03.2012, emitida pela sociedade construtora G., S.A.;

M. Os prédios rústicos adquiridos para revenda sofreram obras de transformação, sendo revendidos em estado diferente do adquirido;

N. A Impugnante/Recorrida deixa de poder beneficiar da isenção prevista no artigo 7.º, do CIMT, conforme estatui o artigo 11.º, n.º 5, do mesmo diploma legal, a partir da data das primeiras obras de transformação, em 30.03.2012.

O. Por força do artigo 13.º, n.º 1, alínea b), do Código do IMI (CIMI), dever-se-ia ter dado a inscrição do terreno para construção na matriz predial urbana e a simultânea actualização/eliminação dos prédios rústicos na matriz, com base em Declaração Modelo 1 do IMI a apresentar pela aqui Recorrida, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência do evento susceptível de determinar a alteração da classificação do prédio.

P. Face aos factos dados como provados, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, não estarem verificados os pressupostos para a isenção de IMT, razão pela qual deveria a douta sentença ter concluído pela improcedência da impugnação;

Q. Ao decidir no sentido que decidiu, a douta sentença incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto e de direito.
Termos em que, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a desejada JUSTIÇA!
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A Recorrida contra-alegou, formulando as conclusões que melhor resultam dos autos e concluindo pela improcedência do recurso apresentado.
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A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu o parecer no sentido não assistir razão à Recorrente defendendo a improcedência do recurso.
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Com dispensa dos vistos dos Exm.ºs Senhores Desembargadores Adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
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DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que as questões suscitadas resumem-se, em suma, a analisar se a sentença proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento da matéria de facto, por incorrecta apreciação da matéria factual, nomeadamente, pela forma como foi valorada a prova documental produzida (facto provado nº 7) e se padece de erro de julgamento de direito, uma vez que não efectuou correcta subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 7º e 11º, nº 5, ambos do CIMT.
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3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio consta da sentença recorrida a seguinte factualidade.

Factos provados:
1. A sociedade comercial D., com o NIOC (…), está registada desde 23.02.2000, para o exercício de compra e venda de bens imobiliários, CAE 68100, enquadrado para efeitos de IVA no regime normal de periodicidade mensal, com contabilidade organizada informatizada e localizada na sua sede, enquadrado para efeitos de IRC no regime geral de determinação do lucro tributável – PA em anexo;

2. Por escritura de compra e venda, realizada em 29.01.2010, no Cartório Notarial de (...) a Impugnante adquiriu pelo montante de €900.000,00 à sociedade I., SA nove prédios rústicos sitos na freguesia de (...), inscritos na matriz sob os artigos 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 53 e 112 – fls. 16 e ss. e PA em anexo;
3. Pelo requerimento n.º 11822/09 de 23.07.2009 foi apresentado nos serviços de urbanismo e habitação do Município de (...) o pedido de licenciamento de obras de construção de parque de estacionamento armazém e edifício de apoio em nome da D. – fls. 62 e ss. e PA em anexo;
4. Em 17.03.2010 pelo requerimento n.º 4895/2010 foi apresentado um pedido de averbamento do novo titular a Impugnante – fls. 92 e ss. e PA em anexo;
5. Em 01.04.2010 pelo requerimento n.º 5879/2010 foi apresentado um pedido de aditamento de documentos ao processo – PA em anexo;
6. Em 09.12.2010 foi emitido o alvará de licença de obras e edificação n.º 639/10 a incidir sobre os nove prédios em apreço em nome da impugnante – PA em anexo;
7. Em 30.03.2012, 30.04.2012 e 31.10.2012 a Impugnante pagou três facturas à sociedade G., SA num total de €37.405,86, pelas obras realizadas nos prédios em apreço, as quais são ali descritas como trabalhos de revestimento de portaria e arranjos exteriores; trabalhos de pavimentação; trabalhos preparatórios/complementares e trabalhos extra – PA em anexo;

8. Em 09.01.2013 a impugnante vendeu à sociedade F. SA por €900.000,00 os referidos nove prédios
9. Em 17.07.2014 a AT procedeu à liquidação de IMT no valor de €45.000,00 – PA em anexo;
10. Em 2008 no local em questão já existia um estacionamento pavimentado em betão e vedado com gradeamento – fls. 83 e 87.

Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não houve.
MOTIVAÇÃO.
O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (art. 74, n.º 1, da LGT).
A dúvida sobre a realidade de um facto e sobre a repartição do ónus da prova resolve-se contra a parte a quem o facto aproveita (art. 414, do CPC).
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise conjugada e crítica dos documentos juntos aos autos e PA, que não foram impugnados, para os quais se remete em cada facto.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados, por constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e por não terem relevância para a decisão da causa.
Aliás as partes estão de acordo quanto aos factos, sendo a sua divergência de natureza jurídica.”

CORRECÇÃO E ADITAMENTO OFICIOSO À MATÉRIA DE FACTO

Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, corrige-se e adita-se à factualidade apurada os seguintes pontos:

CORRECÇÃO OFICIOSA DO PONTO 5, 7 e 8

5. Em 01.04.2010 pelo requerimento n.º 5879/2010 e em relação à pretensão de “licenciamento de obras de construção de parque de estacionamento” foi apresentado pela impugnante um pedido de aditamento de documentos ao processo – cf. fls. 60 do PA em anexo;
7. Em 30.03.2012, 30.04.2012 e 31.10.2012 a Impugnante pagou três facturas à sociedade “G. SA ” num total de €37.411,86, pelas obras realizadas nos prédios em apreço, as quais são ali descritas como trabalhos de revestimento de portaria e arranjos exteriores; trabalhos de pavimentação; trabalhos preparatórios/complementares a esta empreitada, trabalhos extra – PA em anexo;

8. Por escritura pública celebrada em 09.01.2013, a impugnante vendeu à sociedade F. SA por €900.000,00 os referidos nove prédios na qualidade de rústicos (cfr. fls. 24/29 dos autos).


ADITAMENTO OFICIOSO

11 – Em Março de 2010, a impugnante apresentou nos serviços do Município de (...) a “Memória Descritiva” relativa ao “Parque de Estacionamento ao Ar Livre” onde se diz “Refere-se a presente memória descritiva e justificativa ao aditamento ao projecto de construção de parque de estacionamento e edifício de apoio, que a requerente, D., pretende edificar na Rua (…), anteriormente submetido a V. apreciação através do P.O.P. nº 3374/09”, acrescenta-se, em aditamento o seguinte:
Ponto 1 e 5 – Foi reduzida substancialmente a área de construção do edifício de apoio, conforme solicitado, passando este a possuir a área mínima necessária para o fim a que se destina, implantando-se no terreno de acordo com indicações fornecidas.
Ponto 2 – O terreno será utlizado como estacionamento ao ar livre (…)”(negrito e sublinhado nosso) (cfr. fls. 33v a 35 do PA).

12- Sob o título de “Caracterização da Proposta e Edificação” é dito na “Memória descritiva que “Pretende-se a manutenção das características genéricas do terreno, nomeadamente a sua topografia, praticamente plana, para um aproveitamento como espaço de aparcamento para veículos pesados (60 lugares) e de veículos ligeiros (8 lugares, onde se inclui 2 lugares para pessoas com mobilidade condicionada, nos termos do DL 163/06, de 8 de Agosto), com um pequeno edifício de apoio, com a área de implantação de 310, 55m2, composto por um piso térreo amplo, onde se poderão prestar pequenos serviços de manutenção (limpeza e reparação, sem envolver componentes mecânicos) e essencialmente de aparcamento de veículos, uma pequena área de arrumos/ arrecadação, casa de banho, chuveiro e vestiário para os funcionários, bem como um entre-piso parcial, com a área de 108m2 com um espaço próprio de casa de banho e zona de escritório para a administração da empresa. Refere-se ainda que esta tipologia edificatória não se encontra sujeita ao cumprimento do regime de acessibilidades – DL 163/06, de 8 de Agosto” (cfr. fls. 34v do PA).

13.- Sob o título de “Síntese construtiva” é dito na “Memória Descritiva” que “Construtivamente o edifício possuíra fundações a executar em terreno firme (…). A zona de escritório será rebocada e pintada (…). Todos os espaços dos compartimentos interiores serão ventilados (…). A caixilharia exterior será de alumínio (…) A cobertura será em duas águas (…). O abastecimento de água será feito (…). Os espaços exteriores e arranjos a realizar ao nível do espaço púbico, serão tratados em conformidade (…).” (cfr-. fls. 35 do PA).

14-É ainda mencionado na “Memória Descritiva” que “O prazo previsto para a execução da obra é de 12 meses” (cfr. fls. 35 do PA).

15-Em 01/08/2012, o Director Municipal do Urbanismo do Município de (...), informa a impugnante, na qualidade de requerente, que por despacho de 29/06/2012, foi deferida a 2ª prorrogação de prazo para execução de obras relativo ao Alvará de Licença de Obras nº 639/10, passando o prazo para a conclusão das obras a ser válido até 01/08/2013, ou seja, mais 12 meses (cfr. fls. 37 do PA).
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4- O DIREITO

Cumpre, agora, entrar no conhecimento do recurso.
Está em causa a sentença proferida pelo TAF do Porto que julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela Recorrida e relativa ao IMT.

A Recorrente não se conforma com o sentido decisório por, sinteticamente, defender que a Recorrida adquiriu 9 (nove) prédios rústicos para revenda, mas que veio a dar-lhes destino diferente ao da revenda, pois que foram transformados mediante a construção de parque de estacionamento, armazém e edifício de apoio, motivo que, em seu entender, provocou a caducidade da isenção do imposto e implicou a sua consequente liquidação, ora, em crise (conclusão D), E) e F) do recurso).
Segundo a Recorrente, “verifica-se que foi dado destino diferente aos prédios rústicos adquiridos para revenda, pois estes foram alterados substancialmente, como início das obras licenciadas de “construção de parque de estacionamento, armazém e edifício de apoio” cf. factura nº 21203007/21203, emitida pela sociedade G., S.A.” e que os prédios rústicos adquiridos para revenda sofreram obras de transformação, sendo revendidos em estado diferente do adquirido (conclusão L) e M) do recurso).

Assim, a Recorrente defende que a sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, nomeadamente pela forma como não foi valorada a prova documental produzida, mormente do vertido no ponto 7 da factualidade.

Além do erro de julgamento de facto, a Recorrente também imputa à sentença o erro de julgamento de direito, por entender que aquela não fez uma adequada subsunção dos factos dados como provados às normas jurídicas invocadas – artigos 7º e 11º, nº 5, ambos do CIMT (conclusão D).

Vejamos.
A Recorrida, na petição inicial sustentou que adquiriu aqueles prédios com o parque de estacionamento instalado e que tal obra não é de sua autoria, mas da sociedade antecessora proprietária, pois que já há muito os mesmos haviam sido transformados num parque de estacionamento de viaturas.

Vejamos, antes do mais, o que é dito na sentença recorrida.
A sentença discorreu da seguinte forma: “Posto isto, e voltando ao caso vertente, é evidente que não se pode abstrair da circunstância de o terreno adquirido ter nele implantado um estacionamento e que apesar de a anterior proprietária ter solicitado o licenciamento para construção o certo é que o licenciamento veio a ser autorizado quando a Impugnante já era a proprietária.
Portanto, a Impugnante adquiriu um prédio que era rustico que passou a terreno para construção, por força da aprovação do licenciamento requerido pela anterior proprietária (negrito nosso).
Acontece que as obras realizadas pela Impugnante foram essencialmente de conservação das obras já realizadas. Ou seja, aquando da aquisição pela impugnante os imoveis já tinham implantado um estacionamento pavimentado e vedado, sendo que o licenciamento veio a ser aprovado quando estes já eram propriedade da Impugnante, tendo esta feito obras de conservação e melhoramento no estacionamento já existente.
Pelo que a realização dessas obras não representa uma transformação susceptível de configurar uma alteração substancial do destino do prédio adquirido. Por outras palavras, não se pode conceber que as obras ocorridas sejam idóneas a desviar o fim declarado (a revenda do prédio constituído por terreno onde estava implantado um parque de estacionamento), na medida em que elas se destinaram à conservação e molhamento da construção do mesmo, de acordo com um pedido já efectuado mas não aprovado.
Se o licenciamento das obras tivesse sido aprovado em momento anterior ao da compra não restariam dúvidas de que não havia alteração do destino do prédio
Apesar da realização de obras no mesmo, pois que estas foram de conservação, como já se pronunciou em outras situações o STA, sendo que a diferença aqui reside na circunstância de no prédio já existir uma parque de estacionamento, para os quais foram solicitadas obras que vieram a ser aprovadas quando a proprietária já era a impugnante, que ali fez obras de manutenção e melhoramento.
Ainda assim, afigura-se-nos que a intervenção da Impugnante não implicou uma transformação substancial nos imoveis adquiridos para revenda, pelo que não lhe foi dado um destino diferente, nos temos legais em apreço.
Por conseguinte, entende-se que as obras levadas a cabo pela adquirente não são intervenções susceptíveis de integrar o conceito de “destino diferente” para efeitos de exclusão da isenção de imposto.”

O dissídio sobre sentença incide na interpretação dos factos, aplicação e interpretação do direito, sendo que a Recorrente considera, como acima se expôs, que face ao conjunto dos factos provados, mormente ao vertido no ponto 7, que defende não ter sido considerado, a decisão deveria ser contrária à que foi proferida.

Se bem entendemos a posição da Recorrente, o que esta pretende é que o Tribunal a quo, em face do licenciamento para construção de um parque de estacionamento que foi autorizado em 09/12/2010 à impugnante, ora, recorrida, e das facturas de realização de obras no dito parque, sendo ainda certo que são posteriores a essa autorização, interprete os factos de forma distinta considerando que a recorrida alterou substancialmente os prédios adquiridos, transformando-os, dando-lhes diferente destino, uma vez que deixaram de ser prédios rústicos.

Atentemos, antes do mais, ao quadro legal aplicável.
Diz o art. 7º do CIMT que:
“1 - São isentas do IMT as aquisições de prédios para revenda, nos termos do número seguinte, desde que se verifique ter sido apresentada antes da aquisição a declaração prevista no artigo 112.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) ou na alínea a) do n.º 1 do artigo 109.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC), consoante o caso, relativa ao exercício da actividade de comprador de prédios para revenda.
2 - A isenção prevista no número anterior não prejudica a liquidação e pagamento do imposto, nos termos gerais, salvo se se reconhecer que o adquirente exerce normal e habitualmente a actividade de comprador de prédios para revenda.
3 - Para efeitos do disposto na parte final do número anterior, considera-se que o sujeito passivo exerce normal e habitualmente a actividade quando comprove o seu exercício no ano anterior mediante certidão passada pelo serviço de finanças competente, devendo constar sempre daquela certidão se, no ano anterior, foi adquirido para revenda ou revendido algum prédio antes adquirido para esse fim.
4 - Quando o prédio tenha sido revendido sem ser novamente para revenda, no prazo de três anos, e haja sido pago imposto, este será anulado pelo chefe de finanças, a requerimento do interessado, acompanhado de documento comprovativo da transacção.

Por seu turno o art. 11º, nº 5 estipula que: “5 - A aquisição a que se refere o artigo 7.º deixará de beneficiar de isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro do prazo de três anos ou o foram novamente para revenda.”.

Posto isto, é indiscutível que em 29/01/2010 a recorrida declarou, na escritura de compra e venda que subscreveu, que adquiriu para revenda 9 (nove) prédios rústicos e que por se dedicar à actividade de compra e venda de imóveis beneficiou da isenção de IMT.

A AT fez cessar tal isenção, com a consequente liquidação do IMT, por considerar que a recorrida alterou substancialmente os prédios adquiridos para revenda, dando-lhes um destino diferente, uma vez que aqueles não foram vendidos no mesmo estado em que foram adquiridos.

Sobre a acepção de “destino diferente” a jurisprudência do STA pronunciou-se, no quadro da vigência do Código da Sisa (que não diverge do actual Código do IMT no que a esta matéria respeita), no sentido de considerar que «a isenção de sisa concedida às aquisições de prédios para revenda caduca quando os imóveis não forem revendidos no estado em que foram adquiridos», não importando, «porém, modificação desse estado as obras feitas pelo comprador de que não resulte alteração substancial da estrutura externa ou da disposição interna das divisões dos edifícios» - cf. o Acórdão do STA, processo n.º 016253/ de 16 de maio de 1973, e no mesmo sentido o Acórdão do STA (Pleno), processo n.º 001730/ de 10 de Novembro de 1982.

Na procura da determinação do sentido da expressão “destino diferente” não pode deixar de considerar-se a noção de revenda que subjaz à ratio da isenção (revenda pressupõe a transmissão do bem no estado em que o mesmo foi adquirido, isto é, a comercialização do mesmo sem que tenha sofrido uma transformação significativa ou substancial, de modo a que, uma vez (re)vendido não seja passível de ser qualificado como um outro, que não o adquirido).

Mas sempre que ocorra qualquer alteração material sobre o prédio, ou do prédio, não só ao nível da edificação sobre o mesmo, como também qualquer outra susceptível de lhe alterar, de modo significativo, o VPT, tais factos podem relevar para efeitos de apurar se há aquisição de um novo direito de propriedade gerado através de obras ou outra alteração do prédio pelo proprietário, havendo “destino diferente” quando se puder afirmar que o direito de propriedade deixou de ter o conteúdo que tinha anteriormente Neste sentido cfr. Acd. do STA de 06/07/206, processo 01436/15, disponível in: www.dgsi.pt. .

Impõe-se, assim, apurar se face à matéria que consta dos autos se pode concluir, como o fez o Juiz do Tribunal a quo, que a impugnante/recorrida não alterou substancialmente os prédios adquiridos, uma vez que apenas procedeu a obras de conservação e que por esse motivo a isenção não caducou ou, pelo contrário, se ocorreu alteração substancial do bem adquirido para revenda e que tal facto tem como consequência a caducidade da isenção.

Desde já adiantamos, que da concatenação de toda a factualidade dada como provada, em articulação com aquela por nós aditada, se pode concluir que a sentença recorrida não reflecte uma correcta interpretação da factualidade e consequente aplicação do direito.

Concretizemos.
Diz a impugnante que adquiriu em 29/01/2010, 9 prédios rústicos, mas que quando os adquiriu já há muito os mesmos haviam sido transformados, pela anterior proprietária e vendedora, num parque de estacionamento de viaturas devidamente equipado e estruturado, e que foi com aquelas aptidões e características que os revendeu.

Todavia, mal se compreende e aceita tal tese, uma vez que tal discurso é manifestamente contrário à factualidade apurada e ao que a impugnante declarou na escritura de compra e venda, não se vislumbrando motivo para ter declarado que adquiriu terrenos rústicos quando, alegadamente, já sabia que neles existia um parque de estacionamento pronto, equipado e em funcionamento.
Ainda que se admita, por confronto com os extractos dos Ortofotomapas relativos aos anos de 2000, 2003, 2005 e 2008, e de algumas das fotografias juntas com a petição inicial, que os terrenos rústicos começaram a ser preparados para assumir uma estrutura distinta dos terrenos destinados ao cultivo, pois que deixou de existir um espaço verde e passou a existir um terreno terraplanado e aparentemente asfaltado, o certo é que tais factos não são inequívocos e tais alterações concretizam, quando muito, uma utilização rudimentar, abusiva e clandestina dos prédios rústicos, pois outra é a realidade apurada documentalmente e declarada pela impugnante.

Efectivamente, da factualidade apurada resulta que a vendedora daqueles prédios tinha apresentado no Município de (...) um pedido de licenciamento de obras de construção de um parque de estacionamento, mas também é límpido que na data da venda dos prédios o licenciamento não se mostrava autorizado, tanto assim, que a recorrida apresentou, após a compra, um pedido de averbamento daquele licenciamento para o seu nome, fazendo, posteriormente, um pedido de aditamento de documentos, apresentando, para o efeito, a “Memória Descritiva” do que pretendia construir e do destino que pretendia dar aos terrenos.

Note-se, que tal como resulta da factualidade por nós aditada, a recorrida apresentou em Março de 2010, nos serviços do Município de (...) a “Memória Descritiva” relativa ao “Parque de Estacionamento ao Ar Livre” onde claramente assume que: “Refere-se a presente memória descritiva e justificativa ao aditamento ao projecto de construção de parque de estacionamento e edifício de apoio, que a requerente, D., pretende edificar na Rua (…), anteriormente submetido a V. apreciação através do P.O.P. nº 3374/09”, ou seja, resulta daquele documento que ainda nada estava edificado e a edificação estaria a cargo da impugnante/recorrida com as especificidades por si ali indicadas.
Assim, na Memória Descritiva a impugnante indica que “O prazo previsto para a execução da obra é de 12 meses”, prazo esse que veio, inclusivamente, a ser prorrogado por mais 12 meses, passando o Alvará de Licença de Obras emitido em 09/12/2010, a ser válido até 01/08/2013 (negrito e sublinhado nosso).

Destarte, independentemente do que poderia existir naqueles terrenos na data da escritura de compra e venda, e do destino que eventualmente lhe era dado, o que se desconhece de forma cabal, o certo é que nunca o parque de estacionamento equipado e infra-estruturado, com edifício de apoio e todas as especificações enunciadas na dita “Memória Descritiva” podia existir, pois é a própria impugnante que na “Memória Descritiva” apresentada junto do Município de (...) declara que o pretende construir, indicando como, de que modo, e com que especificações o pretende fazer.

Esta convicção assume particular relevo em face da emissão do Alvará de Licença de Construção emitido apenas em 09/12/2010, o qual veio a ser prorrogado por mais 12 meses, mal se aceitando a existência de uma prorrogação para algo que, afinal, alegadamente, estaria pronto permanecendo inalterado. Assim, articulando a emissão de tal Alvará e suas prorrogações, com as facturas a que se alude no ponto 7 do probatório, as quais se referem a valores por conta de obras (de pavimentação, trabalhos preparatórios etc.) nos mencionados terrenos com vista a prepará-los para o fim licenciado, concluímos que foi a impugnante que concretizou a alteração dos terrenos rústicos, ou seja, deu destino diferente aos prédios adquiridos para revenda, dito de outra forma, alterou-lhes a sua substância e revendeu-os, forçosamente, em estado distinto do adquirido.

Não ponderando a sentença recorrida toda a factualidade existente nos autos, articulando-a entre si, e limitando-se a aceitar a tese da impugnante de que as obras realizadas foram de mera conservação, errou no julgamento dos factos levados ao probatório e na interpretação do direito a aplicar.

Atente-se que a sentença a certo passo diz que “a impugnante adquiriu um prédio rústico que passou a terreno para construção, por força da aprovação do licenciamento” sem que daí tenha retirado as devidas ilações, ou seja, os prédios foram alterados na sua substância com a aprovação do licenciamento em nome da impugnante e quando esta era a proprietária dos mesmos.

Acresce dizer que o fim declarado pela impugnante não era a revenda de um prédio onde estava implantado um parque de estacionamento, tal como se diz na sentença recorrida, mas sim a revenda de 9 prédios rústicos, o que como vimos não aconteceu, porque por força do Alvará de Construção emitido aqueles prédios passaram a terreno para construção e neles foi construído pela impugnante/recorrida um parque de estacionamento.

O artigo 7º do Código do IMT, dispõe que estão isentas de IMT as aquisições de prédios para revenda desde que se verifiquem certos pressupostos, dentre os quais, que o prédio deve ser vendido no estado em que foi adquirido.

Por seu turno, o artigo 11º, nº 5 do CIMT, faz cessar a isenção logo que se verifique que aos prédios adquiridos para revenda foi dado destino diferente ou que os mesmos não foram revendidos dentro de 3 anos ou o foram novamente para revenda.

In casu, os prédios em apreço foram alterados na sua substância o que implica, de acordo com os preceitos legais supra citados, a caducidade da isenção.

Destarte, assiste razão à Recorrente não podendo a sentença recorrida manter-se na ordem jurídica, porque enferma dos vícios de erro de julgamento de facto e de direito.
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5 – DECISÃO

Termos em que acordam em conferência os Juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar a impugnação improcedente.

Custas a cargo da Recorrida.
Porto, 2021-05-13

Maria Celeste Oliveira
Carlos de Castro Fernandes
Manuel Escudeiro dos Santos
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i) Neste sentido cfr. Acd. do STA de 06/07/206, processo 01436/15, disponível in: www.dgsi.pt.