Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01187/21.4BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Hélder Vieira
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR, IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE, EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA, OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário:Ocorre omissão de pronúncia, relevante nos termos do disposto na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil «ex vi» artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Fiscais, se, tendo sido formulados dois pedidos cumulativos no processo cautelar, apenas em relação a um deles se julgou verificada a impossibilidade superveniente da lide, sem que sobre o mesmo tivesse havido pronúncia ou o seu conhecimento tivesse sido considerado prejudicado e sem que tivesse sido proferida qualquer outra decisão ou despacho que permitisse concluir pela continuação do processo.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:F. E OUTROS
Recorrido 1:Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Procedimento Cautelar Suspensão Eficácia (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – RELATÓRIO

Recorrentes: F., E., S., SA, C., M., e J.
Recorrido: Comissão do Mercado de Valores Mobiliários
Contra-interessada: C., SA

Vem interposto recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que declarou extinta a instância, por impossibilidade superveniente da lide consubstanciada em requerida providência cautelar de suspensão de eficácia do acto administrativo de autorização de substituição da entidade gestora do Fundo R. e do acto pelo qual decidiu o levantamento da suspensão do respetivo procedimento, a deliberação do Conselho de Administração de 31 de março de 2021.
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva alegação, do seguinte teor:
¯1. No dia 5 de Maio de 2021, os Recorrentes apresentaram a presente providência cautelar de suspensão de eficácia de acto administrativo, objecto do presente recurso, nos termos da qual formularam os seguintes pedidos:
“A presente providência cautelar ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser suspensa a eficácia da deliberação da CMVM, designadamente:
a) Do levantamento da suspensão do procedimento de autorização de substituição da entidade Gestora do Fundo R., considerando-se o procedimento suspenso até decisão no âmbito do processo cautelar de suspensão de deliberação sociais, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 405/21.3T8VNG;
b) Do acto de deferimento do pedido de substituição da entidade gestora do Fundo R., de 19 de Fevereiro de 2021 (ou de 31 de Março, se assim for entendido pelo Tribunal)”.
2. Apenas um dos pedidos/actos cuja suspensão de eficácia se requereu está associado à decisão a proferir no âmbito do processo cautelar de suspensão de deliberações sociais.
3. O outro pedido - de suspensão de eficácia do ato de deferimento do pedido de substituição da entidade gestora - em nada se relaciona com o processo de suspensão de deliberações sociais que foi identificado no primeiro pedido.
4. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que confirmou a sentença da 1.ª instância, que julgou improcedente a referida providência cautelar de suspensão de deliberações sociais é totalmente inócuo, indiferente e irrelevante quanto à apreciação do mérito da suspensão da eficácia do acto identificado na alínea b) do pedido formulado na presente providência cautelar objecto do presente recurso.
5. O Tribunal ad quo faz um incorrecto enquadramento dos pedidos formulados pelos Requerentes, julgando a impossibilidade superveniente de toda a lide.
6. Apenas se poderia decretar a impossibilidade superveniente da lide, quanto ao pedido formulado nos autos que estava dependente da decisão proferida no âmbito do processo n.º 405/21.3T8VNG, ou seja, quanto ao acto identificado na alínea a) do pedido formulado na presente providência cautelar, objecto do presente recurso
7. Assim, a sentença recorrida enferma de erro na apreciação dos factos que influem na aplicação das normas de direito processual erradas, devendo, por isso, a mesma ser revogada e substituída por outra que declare a impossibilidade superveniente da lide apenas e só quanto ao primeiro pedido formulado na referida providência,
8. Sendo que, quanto ao segundo pedido, deverão os autos prosseguir os trâmites ulteriores para a decisão de mérito da providência requerida,
9. Na verdade, não tendo o tribunal ad quo apreciado o segundo pedido, verifica-se omissão de pronúncia,
10. Pelo que estamos perante a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.
11. Assim, verifica-se que a sentença recorrida viola o artigo 277.º, al. e) e o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA
Sem prescindir,
12. A sentença recorrida é nula, na medida em que constitui uma decisão surpresa relativamente ao pedido formulado pelos Requerentes, que consta da al. b) – i.e., quanto ao pedido de suspensão do acto de deferimento do pedido de substituição da entidade gestora do Fundo R.,
13. Na medida que nem os Requerentes, nem a Entidade Requerida e demais contra-interessados foram objecto de qualquer audiência das partes, nem lhes foi concedido o direito a qualquer contraditório sobre a alegada impossibilidade superveniente da lide relativamente ao conhecimento do mérito da suspensão da eficácia do acto identificado na alínea b) do pedido formulado na presente providencia cautelar objecto do presente recurso,
14. Nulidade que deverá ser declarada por violação e ao abrigo do artigo 3.º, n.º 3 e 195.º, n.º 1 do CPC, ex vi do artigo 1.º do CPTA, com todas as demais e legais consequências.
Termos em que, e nos demais de Direito com o douto suprimento de Vossas Exas., deve:
Ser o presente recurso admitido e, uma vez recebido, ser julgado totalmente procedente e, por via dele, ser revogada a sentença recorrida, devendo-se ordenar a baixa do processo ao Tribunal de 1.ª instância, por forma a ser apreciado o pedido de suspensão de eficácia do acto identificado na alínea b) do pedido formulado na providência cautelar objecto do presente recurso, com todas as demais e legais consequências.
Com o que se fará inteira Justiça!‖.
O Recorrido contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem:
¯1.ª
(i) A impossibilidade superveniente da lide constitui uma exceção de conhecimento oficioso e a sua ocorrência determina a extinção da instância, nos termos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPP ex vi artigo 1.º do CPTA.
2.ª
O conhecimento da exceção da impossibilidade superveniente da lide não se encontra dependente do conteúdo das alegações das partes (designadamente, dos termos em que a mesma foi suscitada pela CMVM na sua oposição), nem da circunstância de os RECORRENTES terem condicionado apenas o primeiro pedido à decisão proferida no processo cível, uma vez que o Tribunal pode efetuar uma apreciação autónoma da eficácia que essa decisão assume na utilidade ou possibilidade da presente lide.
3.ª
O Tribunal a quo considerou que ambos os pedidos formulados pelos RECORRENTES se encontravam dependentes da decisão proferida no âmbito do processo cautelar de suspensão de deliberações sociais e que a prolação de decisão nesse processo determinava a impossibilidade da lide relativamente a ambos os pedidos formulados nos autos.
4.ª
Assim, tendo o Tribunal julgado a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide (por referência aos dois pedidos formulados pelos ora RECORRENTES), inexiste qualquer omissão de pronúncia invocada pelos RECORRENTES, uma vez que tal declaração pretere o conhecimento das demais questões suscitadas pelos REQUERENTES, ora RECORRENTES.
5.ª
(ii) O princípio do contraditório constitui um princípio processual basilar que atribui aos sujeitos processuais um papel ativo na condução da lide e encontra-se teleologicamente destinado a impedir a ocorrência de decisões surpresa, ou seja, de decisões cujo sentido decisório não apresenta qualquer correspondência razoavelmente previsível com os argumentos suscitados pelos sujeitos processuais ou que assenta em fundamentos que não foram sujeitos à possibilidade de pronúncia por parte dos mesmos.
6.ª
Os RECORRENTES beneficiaram da oportunidade de exercer (e exerceram) o direito ao contraditório em três momentos distintos por referência à relevância processual das decisões judiciais proferidas no processo cautelar que correu termos sob o n.º 405/21.3T8VNG – no requerimento de resposta às exceções, no requerimento de resposta aos requerimentos da CMVM e da CONTRAINTERESSADA e no requerimento de resposta ao requerimento de junção aos autos do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
7.ª
A CMVM suscitou a questão da impossibilidade superveniente da lide quanto ao primeiro pedido e a CONTRAINTERESSADA suscitou a mesma questão por referência a toda a argumentação dos ora RECORRENTES, ou seja, quanto a ambos os pedidos formulados, o que corresponde ao enquadramento feito pelo Tribunal a quo no despacho que se pronunciou sobre o exercício do direito ao contraditório por parte dos ora RECORRENTES.
8.ª
Antes da prolação da Sentença ora recorrida, existiam já três elementos nos autos que denunciavam que o Tribunal iria apreciar a questão da impossibilidade superveniente da lide por referência a ambos os pedidos formulados – a saber, (i) o teor da oposição da Contrainteressada, (ii) o teor do despacho proferido pelo Tribunal a quo e (iii) o requerimento da CONTRAINTERESSADA de junção aos autos do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto – os quais põem em evidência que a douta Sentença recorrida não se afigura surpreendente.
9.ª
Ao que acresce que no seu requerimento de “resposta” ao requerimento de junção aos autos, pela CONTRAINTERESSADA, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, os ora RECORRENTES pronunciaram-se sobre a utilidade do Acórdão para apreciação das questões em discussão no presente processo.
10.ª
Não só foi conferido aos RECORRENTES ampla possibilidade para o exercício do direito ao contraditório, como esse direito foi efetivamente exercido, soçobrando assim a invocada nulidade por alegada violação do artigo 3.º, n.º 3, do CPC.
Termos em que, deve o recurso ser julgado improcedente e a decisão proferida ser integralmente mantida, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!.
A Contra-interessada contra-alegou em termos que se dão por reproduzidos e, tendo formulado conclusões, aqui se vertem:
¯I. O presente Recurso é interposto pelos Requerentes do Processo Cautelar, ora Recorrentes, da douta Sentença, de 12.11.2021, que declarou extinta a instância por inutilidade superveniente da lide;
II. Conforme é entendimento pacífico, o recurso é delimitado pelas respetivas conclusões (v. art. 639.º do CPC, ex vi arts. 1.º e 140.º/3 do CPTA);
III. Em nenhum momento das Conclusões das Alegações (ou do respetivo texto), os Recorrentes invocam e, muito menos, demonstram que vício ou questão teria ficado por apreciar, maxime com relevância para a decisão, pelo que improcede a alegada nulidade por omissão de pronúncia;
IV. Na fundamentação da douta Sentença recorrida, considerou-se, nomeadamente, que “assim, face ao exposto, atendendo a que, por força do artigo 381.º, n.º 3 do CPC com a decisão em primeira instância cessa o efeito inibitório de execução da deliberação social (independentemente do efeito suspensivo que seja atribuído ao recurso da decisão final de indeferimento da providência cautelar), concluímos que não pode o Tribunal emitir pronúncia nos termos peticionados” (sublinhado nosso);
V. No Recurso dos Recorrentes, não só não se imputa qualquer erro de julgamento a estes fundamentos da decisão, como não se invoca ou demonstra que vícios ou questões teriam ficado por apreciar, que mantivessem utilidade à lide;
VI. Os Recorrentes tiveram a oportunidade de se pronunciar (e pronunciaram-se), quanto à inutilidade superveniente em três momentos distintos, pelo que é manifesto que o decidido na douta Sentença recorrida não constitui qualquer decisão surpresa (v. Requerimentos dos ora Recorrentes, de 28.06.2021 e de 26.07.2021, e ainda Requerimento de 12.11.2021, relativo à junção aos autos do Acórdão da Relação do Porto referido no n.º 27 dos factos da Sentença recorrida);
VII. Aliás, por Despacho de 29.09.2021, o Tribunal a quo manteve nos autos trecho daquele Requerimento dos Recorrentes, de 28.06.2021, em que respondia à Oposição da Contrainteressada, precisamente por considerar que a parte em que a Contrainteressada invocou na sua Oposição (arts. 30.º e segs.) que “os requerentes suportam toda a argumentação num processo cautelar que intentaram, que correu termos nos Juízos de Comércio” (v. Despacho), constituía exceção de inutilidade superveniente;
VIII. Note-se, ainda, que naqueles seus Requerimentos, os ora Recorrentes nunca invocaram que o referido em b) do petitório do R.I. constituía um pedido autónomo, que mantivesse utilidade à lide (sendo que, conforme decorre do R.I., o que consta em b) do respetivo petitório era uma mera decorrência do referido em a) - cfr., nomeadamente, art. 34.º do R.I.);
IX. O presente Recurso é, assim, totalmente improcedente.
Termos em que, deve o presente Recurso ser julgado totalmente improcedente, com as legais consequências, como é de Lei e de Justiça‖.
O Ministério Público foi notificado ao abrigo do disposto no artº 146º, nº 1, do CPTA, e, fundamentadamente, pronunciou-se no sentido ¯ser concedido provimento ao recurso, por provado, e consequentemente ordenar a descida dos autos ao tribunal de 1ª instancia com vista à realização dos ulteriores trâmites e com a consequente prolação de sentença sobre o segundo pedido do requerimento cautelar”, em termos que se dão por reproduzidos.
De harmonia com as conclusões da alegação de recurso, que balizam o objecto do recurso [(artigos 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi nº 3 do artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)], impõe-se determinar, se a tal nada obstar, se a decisão recorrida padece da nulidade [violação da alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC], e imputado erro de julgamento [violação da alínea e) do artigo 277º do
CPC], de nulidade processual, por violação do dever de cumprir o contraditório (nº 3 do artigo 3º do CPC), nos aspectos adiante pontualmente indicados.

II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – OS FACTOS
Por não ter sido impugnada, nem haver lugar a qualquer alteração da matéria de facto, remete-se para os termos da decisão do TAF a quo sobre aquela matéria (artigo 663º, nº 6, do CPC).
II.2 – O DIREITO
Tendo presente os termos da causa e os argumentos das partes, passamos a apreciar cada uma das questões a decidir no plano da impugnação da decisão sob recurso, tendo presente que «jura novit curia», o mesmo é dizer, de harmonia com o princípio do conhecimento oficioso do direito, que o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, tal como dispõe o nº 3 do artigo 5º do CPC.
II.2.1. — Da nulidade da sentença
Os Recorrentes entendem ser nula a sentença sob recurso, por omissão de pronúncia sobre o segundo pedido formulado, no entendimento, em síntese, de que apenas se poderia decretar a impossibilidade superveniente da lide, quanto ao pedido formulado nos autos que estava dependente da decisão proferida no âmbito do processo n.º 405/21.3T8VNG, ou seja, quanto ao acto identificado na alínea a) do pedido formulado na presente providência cautelar, objecto do presente recurso, sendo que, quanto ao segundo pedido, deverão os autos prosseguir os trâmites ulteriores para a decisão de mérito da providência requerida.
E culmina: ¯Na verdade, não tendo o tribunal ad quo apreciado o segundo pedido, verifica-se omissão de pronúncia, Pelo que estamos perante a nulidade da sentença prevista no artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC, aplicável ex vi do artigo 1.º do CPTA.
Já se adianta que os Recorrentes têm razão.
Vejamos, passo a passo.
No processo cautelar foram formulados os seguintes pedidos:
¯A presente providência cautelar ser julgada procedente por provada e, em consequência, ser suspensa a eficácia da deliberação da CMVM, designadamente:
a) Do levantamento da suspensão do procedimento de autorização de substituição da entidade Gestora do Fundo R., considerando-se o procedimento suspenso até decisão no âmbito do processo cautelar de suspensão de deliberação sociais, que corre termos no Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia, sob o n.º 405/21.3T8VNG;
b) Do acto de deferimento do pedido de substituição da entidade gestora do Fundo R., de 19 de Fevereiro de 2021 (ou de 31 de Março, se assim for entendido pelo Tribunal);.
Citado, o Requerido deduziu oposição e nesta, entre o mais, excepcionou a impossibilidade ou inutilidade da lide — artigos 13º e seguintes da oposição, a pag. 771 do processo.
Fê-lo, todavia, apenas quanto ao pedido formulado na alínea a) do petitório, como revela a atinente causa de pedir e o pedido que se transcreve, com nosso
sublinhado: ¯Assim, relativamente ao pedido de suspensão do ato de levantamento da suspensão do procedimento administrativo deve a instância ser considerada extinta, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.‖.
Os Requerentes (ora Recorrentes), notificados — o que cumpre a obrigação de oferecimento do contraditório e obvia a que se possa qualificar como decisão surpresa a que conheceu da excepção —, replicaram nos autos à matéria dessa excepção.
Apesar da clareza na formulação do pedido, na decisão recorrida a questão foi enunciada de forma deficiente, assim: «Alega a Entidade Requerida que, por força da prolação de sentença no âmbito do processo 405/21.3T8VNG, a presente instância deve ser extinta por ocorrer impossibilidade da lide».
À primeira vista e ao invés de uma omissão de pronúncia quanto ao segundo pedido cautelar, pareceria poder resultar da decisão um excesso de pronúncia (esta, uma nulidade não arguida no presente recurso), se porventura a decisão ora recorrida, em face do pedido de que ¯relativamente ao pedido de suspensão do ato de levantamento da suspensão do procedimento administrativo deve a instância ser considerada extinta, por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide” , operasse a extinção da instância atinente a ambos os pedidos.
Todavia, poderá conduzir a uma omissão de pronúncia (esta, a nulidade arguida no presente recurso) se se concluir que, apesar de um enunciado pouco assertivo ou incorrecto relativamente à matéria da excepção em causa, como se constata, o discurso fundamentador, todavia, conduz a decisão apenas num sentido, o da apreciação da situação atinente ao pedido formulado sob a alínea a) do petitório cautelar e sobre este versa o dispositivo decisório.
É este último o caso dos autos.
Na verdade, após o enunciado e preâmbulos da questão, a decisão sob recurso apresenta um discurso dirimente todo ele exclusivamente centrado na relação entre o pedido formulado em a) do petitório e a decisão proferida no processo n.º 405/21.3T8VNG, fundamento, este, invocado pelo Requerido na arguição da impossibilidade da lide relativamente ao dito primeiro pedido.
Nesse segmento jus-dirimente, nenhuma referência ao pedido b) ou segundo pedido é efectuada, mostrando-se toda a argumentação centrada na matéria atinente ao primeiro pedido cautelar.
Veja-se:
«Ora, verifica-se que o processo cautelar referenciado já foi objeto de decisão em primeira instância (decisão de indeferimento da providência requerida), bem como de acórdão do TRP (que ainda não transitou em julgado) que negou provimento ao recurso dos requerentes e, como tal, confirmou a sentença da primeira instância.
Assim sendo,
O artigo 381.º, n.º 3 do CPC rege que “a partir da citação, e enquanto não for julgado em 1ª instância o pedido de suspensão, não é lícito à associação ou sociedade executar a deliberação impugnada.”
Referindo Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (CPC Anotado, 2º volume, 4ª Edição, Almedina, p. 116-117), que “o significado do preceito é (…), por um lado, com ele se pretende, em contraponto à regra da citação da requerida para se opor, obstar a que a providência não possa ser decretada por, à data em que a decisão é proferida, a deliberação se mostrar já executada: “não é à data da decisão que ordena a suspensão da execução que tem de se atender para o efeito de determinar se houve já execução, mas sim à data da citação (…). Por outro lado, pretende-se responsabilizar a sociedade ou associação pelas consequências da execução da deliberação depois do momento da contestação, condicionalmente ao ulterior decretamento da providência:
em vez de a decisão de improcedência do pedido cautelar funcionar como causa extintiva de efeitos suspensivos já produzidos, é, ao invés, a decisão de procedência do pedido cautelar que, operando um efeito retroativo, sujeita a responsabilidade civil desde a citação (…).
Diversamente do que acontecia na vigência do regime anterior (…), esta responsabilização condicional cessa a partir do momento em que a requerida tenha obtido decisão favorável na 1ª instância. Se, ao invés, a providência for concedida, o recurso que da decisão seja interposto tem efeito meramente devolutivo (…), pelo que a questão não se põe.
Mais referindo os autores citados (op. Cit., p. 60-61) que “o recurso interposto pelo requerente (da decisão de absolvição da instância ou de indeferimento) sobe nos autos do procedimento e teria efeito suspensivo, se algo houvesse a suspender (…), mas, não havendo, o seu efeito é, por natureza, meramente devolutivo; o recurso interposto pelo requerido (da decisão de deferimento da providência) sobe em separado e com efeito meramente devolutivo (…).” (negrito nosso)
Dizendo Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume, 4ª Edição revista e ampliada, Almedina, p. 94, que “diversamente do que resultava da anterior redação, o impedimento à execução da deliberação só se mantém até à prolação da decisão em primeira instância, em vez de aguardar, como dantes ocorria, pelo respetivo trânsito em julgado.
Sendo deferida a providência, o efeito pré-cautelar derivado da citação é substituído pelo emergente da decisão final, ainda que não transitada em julgado.
Sendo improcedente, ainda que o requerente interponha recurso, deixará de subsistir a limitação executiva, ficando a sociedade com liberdade de movimentos a esse respeito.”
Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6ª Edição Atualizada, 2020, Almedina, p. 273) refere ainda que a suspensão da decisão que não ordene a providência cautelar não apresenta qualquer efeito prático, já que se mantém inalterada a situação.
Mais aduzindo que “A apelação do despacho que não ordene a providência também tem efeito suspensivo, mas nenhum efeito prático se extrai de tal regime, nem sequer no procedimento de suspensão de deliberações sociais. Ainda que neste procedimento específico a citação da requerida impeça a execução da deliberação (art. 381.º, n.º 3), a inibição apenas persiste até à decisão em 1ª instância, tornando por isso irrelevante o efeito suspensivo que seja atribuído ao recurso da decisão final de indeferimento da providência cautelar.” (sublinhado e negrito nosso)
Nessa medida, pese embora não tenha ainda ocorrido trânsito em julgado do acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto, e o despacho de admissão do recurso de apelação tenha atribuído efeito suspensivo ao mesmo, a verdade é que o efeito suspensivo atribuído ao recurso de apelação - da decisão final de não decretamento da providência cautelar -, não tem o pendor de vedar a inibição da execução da deliberação social, uma vez que esse efeito cessou com decisão de não decretamento da providência cautelar proferida em primeira instância (por força do disposto no artigo 381.º, n.º 3 do CPC), deixando de subsistir a limitação executiva.
Assim sendo, cessando a inibição de execução da deliberação social, relativamente à sociedade emissora da deliberação social em causa, por maioria de razão, também cessa qualquer prejudicialidade que o processo cautelar poderia projetar na esfera da Requerida.
Na verdade, se a própria entidade requerida não se encontra inibida de executar a deliberação objeto dos autos cautelares, de suspensão de deliberação social, não faria sentido que a CMVM (que não é parte nos autos cautelares) se mantivesse adstrita a manter a suspensão do procedimento de autorização de substituição da entidade gestora do Fundo R..
Até porque, nos termos do artigo 38.º do CPA, surgindo uma questão prejudicial, o órgão administrativo fica constituído no dever de suspender o procedimento até que ela seja decidida na instância ou procedimentos próprios – cfr. Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco de Amorim, CPA Comentado, 2ª Edição, Almedina, p. 199. (negrito nosso)
Ora, a decisão da questão prejudicial mostra-se cumprida, uma vez que há decisão no âmbito cautelar (processo n.º 405/21.3T8VNG). Decisão proferida em primeira instância e confirmada por acórdão do Tribunal da Relação do Porto.».
Nesta medida, a decisão recorrida veio a concluir o seguinte, com discurso dirigido apenas ao primeiro dos pedidos cautelares, sendo nossos os sublinhados:
«Face ao exposto, o pedido formulado nos presentes autos cautelares tornou-se impossível, uma vez que o Tribunal não pode intimar a Entidade Requerida a suspender do levantamento da suspensão do procedimento de autorização de substituição da entidade Gestora do Fundo R. (…) até decisão no âmbito do processo cautelar de suspensão de deliberações sociais, que corre termos sob o n.º 405/21.3T8VNG, uma vez que este processo já conheceu decisão. (negrito nosso)» — eis a identificação concreta do que se tornou impossível.
Afigura-se que a decisão conclui indubitavelmente pela verificação da impossibilidade superveniente da lide respeitante ao primeiro dos pedidos cautelares, com a extinção da atinente instância.
E, após exposição de mais alguns argumentos, veio a concluir assim, sendo nossos os sublinhados:
«A decisão proferida no âmbito do processo n.º 405/21.3T8VNG ocorreu na pendência da ação, ou seja, derivou de facto objetivamente superveniente e, por força da prolação de decisão no âmbito cautelar aludido, ocorre impossibilidade quanto ao pedido formulado nos presentes autos.
Nessa medida, atendendo a que a pretensão dos requerentes não se pode manter, importa julgar a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.».
Aqui chegados, constata-se que, apesar de julgar que «o pedido formulado nos presentes autos cautelares tornou-se impossível, uma vez que o Tribunal não pode intimar a Entidade Requerida a suspender do levantamento da suspensão do procedimento de autorização de substituição da entidade Gestora do Fundo R.» — primeiro pedido, o da alínea a) do petitório cautelar — e que «a pretensão dos requerentes não se pode manter, importa julgar a instância extinta por impossibilidade superveniente da lide» — ou seja e naquela lógica, da lide respeitante àquele pedido —, o Tribunal «a quo» não veio a pronunciar-se sobre o segundo pedido cautelar, o formulado na alínea b) do petitório, nem a exarar a necessidade de realização de eventual sessão de julgamento, ou outra atinente decisão, v.g., prejudicado conhecimento, etc.
E esse segundo pedido permanece formulado perante o Tribunal «a quo», em 1ª instância do seu conhecimento.
Em face de todo o exposto, verifica-se ocorrer a arguida omissão de pronúncia, sendo nula a sentença na parte em que deixou de se pronunciar relativamente ao pedido de suspensão da eficácia do ¯acto de deferimento do pedido de substituição da entidade gestora do Fundo R., de 19 de Fevereiro de 2021 (ou de 31 de Março, se assim for entendido pelo Tribunal)‖, o que se declara.
Devem os autos baixar ao Tribunal «a quo», a fim deste, se nada obstar, se pronunciar quanto ao identificado pedido formulado na alínea b) do petitório cautelar, seguindo os autos o seu regular curso.

III. DECISÃO

Termos em que os juízes da Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte acordam em conferência, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal «a quo» a fim de, se nada obstar, se pronunciar quanto ao identificado pedido formulado na alínea b) do petitório cautelar, seguindo os autos o seu regular curso.

Custas pelos Recorridos (artigo 527º do CPC).

Notifique e D.N..

Porto, 28 de Janeiro de 2022

Helder Vieira, o Relator
Alexandra Alendouro
Celestina Castanheira (em substituição)