Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00440/21.1BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:DISPENSA DE PRESTAÇÃO DE GARANTIA; VIOLAÇÃO DO DEVER DE COOPERAÇÃO
Sumário:I. O art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido.
II. Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, sendo que parte substancial se consubstanciar em documentos que estejam na posse da administração tributária devidamente identificados, a administração deve, sob pena de violar o dever de colaboração e cooperação, no caso de entender que a sua actualidade os coloca em causa (decorrido um ano), convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, convidá-lo a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera ultrapassados pelo tempo ou em falta para o fim em vista.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:C., LDA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (C., Lda.), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, em que foi julgado improcedente o pedido de anulação do despacho proferido pelo Diretor de Finanças da Guarda que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia e subsequente suspensão do processo de execução fiscal nº 1279202101002520, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1ª) A Sentença recorrida enferma de nulidade por omissão de pronúncia quanto ao alegado e peticionado nos arts. 24º a 29º da PI da reclamação.
2ª) Com efeito, tendo a Recorrente peticionado ao tribunal recorrido, de forma expressa, não só que o mesmo admitisse, em sede judicial, a junção aos autos dos elementos (adicionais e que a AT entendeu estarem em falta) comprovativos da sua falta de meios económicos; mas também, que o mesmo tribunal se pronunciasse, com base nesses elementos (e nos já existentes no PEF), acerca da verificação concreta dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa da prestação de garantia,
3ª) É manifesto que esses pedidos constituem verdadeiras “questões” independentes submetidas a juízo, e não meros argumentos aduzidos nas alegações, não se verificando igualmente que uma decisão expressa sobre as mesmas “esteja prejudicada pela solução dada a outras”.
4ª) Por esse motivo, ao não ter conhecido dessas questões, designadamente, apreciando os documentos juntos aos autos pela Recorrente, quer com a PI da reclamação, quer mediante o requerimento apresentado em 21/10/2021, e decidindo se, com base nos mesmos, se verificavam, ou não, os pressupostos para a concessão da dispensa da prestação de garantia, o douto tribunal a quo violou o dever de decisão estatuído no art. 608º-2 do CPC, o que inquina a sentença recorrida de nulidade por omissão de pronúncia, ex vi do disposto nos arts. 125º do CPPT e 615º-1/d do CPC.
Sem conceder,
5ª) Para além daqueles que foram dados como provados na Sentença recorrida, deveriam igualmente ter sido dados como provados, por serem de manifesto interesse para a boa decisão da causa, os factos infra identificados, os quais, tendo sido alegados pela Recorrente na PI, se encontram cabalmente suportados pela prova documental produzida.
6ª) Desde logo, deveriam ter sido julgados provados os factos alegados nas al. a) e e) do art. 5º da PI – ou seja, que a Recorrente não era proprietária de quaisquer bens imóveis ou veículos, e, bem assim, que se encontrava a pagar em prestações importâncias para cuja cobrança coerciva foram instaurados processos de execução fiscal – porquanto os mesmos foram admitidos sob os pontos 27 e 28 da própria decisão do OEF reclamada, para cujo teor se remete.
7ª) Alegou também a Recorrente, sob os arts. 5º, 11º, 12º e 13º da PI, que se encontrava (e encontra) onerada com o pagamento de diversos financiamentos bancários, que se cifram em montante superior a €100.000,00 – factos esses que resultam directamente do documento nº 4 da PI e dos documentos nºs 1, 2 e 3 juntos com o requerimento apresentado pela Recorrente em 21/10/2021.
8ª) Na al. g) do art. 5º, a Recorrente invocou que as inscrições no seu ginásio e nas aulas de música em 2021, após a época estival e no regresso às aulas, não aumentaram – o que está corroborado pelos documentos nºs 6 e 7 juntos com a PI, dos quais resulta de forma evidente que o número de alunos inscrito diminuiu drasticamente de Junho para Julho, não tendo havido qualquer retoma nos meses de Setembro e Outubro, e, relativamente às aulas de música, que não houve qualquer aluno inscrito.
9ª) Foi ainda alegado pela Recorrente na PI da reclamação que, no ano de 2019, teve um prejuízo fiscal de €8.392,53, e que, no ano de 2020, apurou um lucro tributável de €3.723,49 – o que comprovou através das declarações periódicas que, enquanto documento nº 3, foram juntas aos autos com a PI (e que constam igualmente da informação cadastral da AT).
10ª) Pelo exposto, impunha-se uma decisão diversa da recorrida sobre esses factos, devendo dar-se como provado que:
a) a Recorrente não é proprietária de quaisquer bens imóveis ou veículos;
b) a Recorrente se encontra onerada com o pagamento de diversos financiamentos bancários, que se cifram em montante superior a €100.000,00;
c) a Recorrente se encontra a pagar em prestações a dívida em cobrança coerciva nos autos do PEF nº 127920150100086 e aps.;
d) com referência ao ano de 2021, as inscrições no ginásio e nas aulas de música da Recorrente, após a época estival e no regresso às aulas, não aumentaram;
e) na sua declaração periódica de 2019, a Recorrente apurou um prejuízo fiscal de €8.392,53,
f) na sua declaração periódica de 2020, a Recorrente apurou um lucro tributável de €3.723,49.
11ª) A Sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento na apreciação da prova e na qualificação jurídica dos factos, ao ter concluído que a Recorrente, no pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado, não demonstrou «o preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, vertidos nos artigos 52.º, n.º 4 da L.G.T., 170.º, n.º 3 e 199.º, n.º 3 do C.P.P.T».
12ª) É que, em ordem a ser proferida tal decisão, não podia o tribunal recorrido ter deixado de relevar tudo quanto a Recorrente alegou nos arts. 5º a 14º da PI (cujo teor, para os devidos efeitos, se dá por integralmente reproduzido), nos quais a Recorrente não só invocou que, na data em que apresentou o pedido de dispensa de prestação da garantia, se verificavam os factos a seguir enunciados, como indicou, fundadamente, os motivos pelos quais os mesmos se deviam considerar provados.
13ª) Com efeito, nos aludidos arts. 5º a 14º da PI a Recorrente alegou, em síntese, que (i) não era proprietária de quaisquer bens imóveis ou veículos, que (ii) se encontrava onerada com o pagamento de diversos financiamentos bancários, em montante superior a €100.000,00, que (iii) se encontrava a pagar em prestações, à Administração Tributária, dívidas em processos de execução fiscal, e, bem assim, que (iv) em 2019, apresentou um prejuízo fiscal de €8.392,53 e, no ano seguinte, um lucro tributável de apenas €3.723,49.
14ª) Encontrando-se a AT, na data em que proferiu a decisão reclamada, munida do conhecimento de todos os factos supra indicados, jamais poderia ter indeferido o pedido de dispensa de prestação da garantia apresentado pela Recorrente, com fundamento na falta de verificação dos pressupostos da norma do art. 52º-4 da LGT, o que a inquinou de erro nos respectivos pressupostos.
15ª) Por seu turno, a Sentença recorrida, ao ter decidido julgar improcedente a reclamação deduzida pela Recorrente, fazendo tábua rasa de tudo quanto havia sido alegado na reclamação, com o fundamento de que a Recorrente não havia demonstrado «o preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, vertidos nos artigos 52.º, n.º 4 da L.G.T., 170.º, n.º 3 e 199.º, n.º 3 do C.P.P.T», incorreu em erro de julgamento, determinante da sua anulação.
16ª) Deverá, pois, a Sentença recorrida ser anulada, decidindo o tribunal ad quem, em substituição, que a AT, na data em que proferiu a decisão reclamada, estava em condições de, com os elementos ao seu dispor, dar os aludidos factos como provados, e, bem assim, que os factos alegados pela Recorrente no pedido de isenção de garantia preenchem os pressupostos da norma do art. 52º-4 da LGT, revogando-se, em conformidade, a decisão reclamada.
Sem conceder,
17ª) A sentença recorrida incorreu ainda em erro de julgamento quanto ao decidido relativamente à violação dos princípios da boa fé, da igualdade e da colaboração.
18ª) Com efeito, do teor dos documentos juntos com a PI, sob o documento nº 4 (e que estavam já em poder da AT), resulta que os financiamentos bancários com os quais a Recorrente se encontrava (e encontra) onerada, ainda não se venceram.
19ª) Por outro lado, conforme alegado na PI da reclamação, para instruir o pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado nos autos do PEF nº 1279202001001051, a Recorrente não apresentou mais qualquer elemento para além dos documentos constantes no documento nº 4 junto com a PI.
20ª) Sucede que, se para deferir o pedido de isenção de garantia nos autos do PEF nº 1279202001001051, a AT se tinha bastado, como único meio de prova da oneração da Recorrente com os mútuos e acordos de regularização de dívida por ela alegados, com os documentos constantes no documento nº 4 da PI, sem ter peticionado, designadamente, documentos comprovativos de que “persistem as dívidas às entidades bancárias”, de “quais as despesas efetivamente suportadas, mensalmente, com o pagamento das prestações dos ditos mútuos e regularização de dívidas”, como “extratos bancários, faturas, recibos” ou ainda “elementos contabilísticos” que permitissem à AT “aferir quais os valores dos encargos bancários refletidos na contabilidade” (cfr. pontos 19, 20 e 21 da decisão do OEF reclamada),
21ª) Já no que se refere ao pedido apresentado no PEF nº 1279202101002520, a AT entendeu que esses elementos eram de tal forma essenciais à demonstração dos pressupostos no art. 52º-4 da LGT, que decidiu indeferir o peticionado por o pedido não ter sido instruído com os mesmos.
22ª) Tal decisão torna-se ainda menos compreensível, se for levado em consideração o facto de alguns dos mútuos em questão remontarem ao ano 2014, ou seja, de terem sido formulados mais de 5 anos antes da data em que foi apresentado o pedido de isenção de garantia no PEF nº 1279202001001051.
23ª) Isto posto, a violação dos princípios da boa fé e da igualdade na decisão reclamada reside, precisamente, em a AT, com base nos mesmos elementos probatórios, ter proferido essa mesma decisão num sentido diametralmente oposto ao da referida decisão anterior por ela proferida, e sem que, para essa divergência de decisões, tivesse sequer aduzido qualquer justificação, apesar de saber das expectativas que criara na esfera da Recorrente com a aquela primeira decisão.
24ª) Com efeito, ao ter deferido o pedido de isenção de garantia no PEF nº 1279202001001051 apenas com base nos elementos constantes no documento nº 4 da PI, a AT criou na esfera da Recorrente a confiança de que, num procedimento análogo, em que estava em causa a mesma questão substancial, tais elementos, aliados aos que já estavam em seu poder (como o cadastro de imóveis e veículos e as declarações periódicas de 2019 e 2020) bastariam para demonstrar a sua insuficiência de meios económicos.
25ª) Ao ter decidido, nos autos do PEF nº 1279202101002520, que os documentos juntos enquanto documento nº 4 não eram suficientes para demonstrar a falta de meios económicos da Recorrente, depois de, nos autos do PEF nº 1279202001001051 e apensos ter decidido, com base nesses mesmos elementos, verificar-se uma situação de «inexistência/insuficiência de bens do executado», naquela decisão do OEF reclamada foram violados os referidos princípios da boa fé e da igualdade.
26ª) Verifica-se igualmente que, contrariamente ao decidido na Sentença recorrida, a ocorrência de violação do princípio da boa fé e da colaboração, decorrente de, depois de a AT ter criado na esfera da Recorrente a confiança de que os elementos constantes no documento nº 4 da PI seriam suficientes para o deferimento do pedido, ter decidido que os mesmos não bastavam, sem sequer ter solicitados os elementos que entendeu estarem em falta antes da prolação da decisão reclamada, é também evidente.
27ª) Constitui, aliás, jurisprudência consolidada do STA, que, não obstante o disposto no art. 170º-3 do CPPT, deve a AT, «ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e cooperação recíprocas com o convidar contribuinte, solicitar-lhe esclarecimento de dúvidas e solicitar-lhe elementos de prova adicionais ou complementares» (cfr. Acórdão proferido em 03/09/2014 nos autos do Proc. nº 0718/14).
28ª) Ora, tendo a Recorrente instruído o pedido de isenção de garantia com os elementos que já se encontravam em poder da Administração Tributária, e que, com base em entendimento anterior dessa mesma Administração Tributária, julgou serem suficientes para a demonstração dos pressupostos da norma do art. 52º-4 da LGT, é manifesto que o OEF, ao indeferir o peticionado, sem dar à Recorrente a oportunidade de vir juntar aos autos os elementos que entendeu estarem em falta para poder deferir o pedido, violou os princípios da boa fé e da colaboração, inquinando a decisão reclamada de ilegalidade, motivo pelo qual deveria a mesma ter sido revogada, pelo que, ao assim não ter decidido, a Sentença recorrida enferma de erro.
29ª) Pelo exposto, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento decorrente de erro de interpretação e aplicação da norma contida no art. 52º-4 da LGT, bem como dos princípios da boa fé, da colaboração e da igualdade, estatuídos nos arts. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA.
*
Nos termos das alegações e conclusões supra, e com o sempre douto suprimento de V. Exas., deve ser julgado procedente o presente recurso e revogada a douta decisão recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a habitual
JUSTIÇA!»

1.2. A Recorrida (Fazenda Pública), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:
«1. Na perspetiva da ora recorrente, o Tribunal “a quo” terá incorrido em omissão de pronúncia por não tomar conhecimento – com base nos elementos que a recorrente fez chegar aos autos e noutros que protestou juntar – se a recorrente reunia ou não os pressupostos legais para poder beneficiar da dispensa de prestação de garantia e desta forma suspender a execução fiscal contra ela instaurada.
2. Contrariamente à tese que a recorrente tenta incutir a este Venerando Tribunal, do discurso fundamentador da decisão recorrida, resulta, sem margem para dúvidas, que o Tribunal “a quo” pronunciou-se de forma expressa e cristalina sobre a questão que lhe foi submetida pela recorrente, tendo concluído, de forma fundamentada – expondo as razões de facto e de direito que lhe permitiram decidir no sentido em que decidiu e não noutro – que a recorrente não demonstrou o preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, vertidos nos artigos 52.º, n.º 4 da L.G.T., 170.º, n.º 3 e 199.º, n.º 3 do C.P.P.T.
3. Mas para além de se ter pronunciado de forma expressa e inequívoca sobre a questão relativa à alegada ilegalidade da decisão de indeferimento que recaiu sobre o seu pedido de dispensa de prestação de garantia, o Tribunal “a quo”, de igual modo, pronunciou-se também de forma expressa, sobre as demais questões suscitadas pela ora recorrente, consubstanciadas na alegada violação do principio da colaboração e na alegada violação dos princípios da boa fé e da igualdade, tendo concluído, de forma fundamentada, que a decisão reclamada não violou os referidos princípios.
4. Resulta, assim, demonstrado, que a douta decisão recorrida, contrariamente à tese defendida pela recorrente, pronunciou-se, de forma expressa, clara e objetiva, sobre todas as questões que lhe foram submetidas para apreciação e decisão, pelo que, forçoso é concluir, que a mesma não padece da invocada nulidade decorrente da alegada omissão de pronúncia, devendo, pois, improceder a pretensão da recorrente e manter-se na ordem jurídica a douta decisão recorrida.
5. Questão diversa – que a recorrente “parece” confundir” – é saber se o Tribunal “a quo” à luz dos documentos cuja junção a recorrente requereu aos autos3vide artigos 24º a 29º da PI de reclamação – estava obrigado a analisar os mesmos e com base nessa apreciação, emitir decisão sobre se a recorrente reunia ou não os pressupostos legais de que depende o reconhecimento da isenção de dispensa de prestação de garantia.
3 Conforme é referido pela ora recorrente no âmbito do seu discurso recursivo, mais concretamente na página 3, os documentos a que a mesma se reporta, são aqueles que a AT, na decisão reclamada, entendeu que seriam essenciais para averiguar da alegada falta de meios económicos da recorrente e que não foram juntos com o pedido de dispensa de prestação de garantia que a recorrente formulou perante o órgão de execução fiscal.
6. Nos termos do artigo 52.º, nº 4, da LGT, a AT pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia no caso de essa prestação lhe causar prejuízo irreparável ou no caso de manifesta falta de meios económicos revelada por insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido.
7. A utilização da expressão “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia...”, aponta no sentido de se estar perante um poder discricionário que é atribuído à administração tributária na qualidade de titular do crédito cujo pagamento o executado deve assegurar. Tratar-se-á, pois, de um poder que o sujeito ativo da relação tributária obrigacional ou titular do crédito exercerá em conformidade com o julgamento que realize, no âmbito de competências próprias, sobre a situação económica do executado e o prejuízo que a prestação de garantia lhe poderá causar.
8. Sendo a apreciação do pedido de dispensa/isenção de garantia da competência da AT, forçoso será concluir que ao Tribunal “a quo” estava vedado o conhecimento de tal pedido.
9. Note-se que o Tribunal “a quo” no âmbito das competências que lhe são legalmente atribuídas, de controlo da legalidade dos atos praticados pela AT, apreciou, como se lhe impunha, a decisão que recaiu sobre o pedido de dispensa de garantia formulado pela recorrente e concluiu pela manutenção da mesma na ordem jurídica.
10. Querer que o Tribunal “a quo” se pronunciasse sobre documentos que não foram submetidos à apreciação e decisão do órgão de execução fiscal – porque simplesmente a recorrente entendeu que não os devia juntar uma vez que era sua convicção que os documentos com que instruiu um pedido de isenção de prestação de garantia que tinha apresentado um ano e meio noutro processo de execução fiscal, distinto daquele que está em causa nos presentes autos, seriam suficientes para fundamentar o pedido de isenção – seria enveredar pela ilegalidade da decisão do Tribunal “a quo”, além do mais, por manifesta violação do principio da separação de poderes.
11. Por outro lado, não tendo a AT apreciado e emitido decisão sobre o pedido de dispensa de garantia à luz das provas documentais cuja junção foi requerida pela recorrente nos presentes autos, não existe na ordem jurídica qualquer ato com potencialidade lesiva dos direitos e interesses legalmente protegidos da recorrente, pelo que, por manifesta falta de objeto, o Tribunal “a quo” nunca e poderia ter pronunciado.
12. Em suma, a recorrente, de forma manifestamente ilegal, tenta, na pendência da presente instância, enxertar um novo pedido de dispensa de prestação de garantia, devendo este, no seu entendimento, ser apreciado e decidido pelo Tribunal “a quo”.
13. Tal entendimento, constitui, além do mais, uma verdadeira distorção das competências que são legalmente reconhecidas ao órgão de execução fiscal e ao Tribunal “a quo”, porquanto, a concretização da pretensão da recorrente implicaria que o Tribunal “a quo” ao invés de ter exercido a sua competência de controlo da legalidade da decisão de indeferimento do pedido de isenção de garantia que foi efetivamente emitida pelo órgão de execução fiscal, iria substituir o órgão de execução fiscal, na apreciação de um novo pedido de isenção de garantia, fundamentado noutros elementos probatórios, distintos daqueles que nortearam o pedido de isenção que foi objeto de indeferimento por parte do órgão de execução fiscal e que foi objeto de apreciação e decisão pelo Tribunal “a quo”.
14. Aqui chegados, as evidências probatórias refletidas nos presentes autos, permitem-nos concluir, que a douta decisão recorrida não enferma da invocada nulidade decorrente de uma alegada omissão de pronuncia, não merecendo qualquer censura ou reparo, devendo, em consequência manter-se na ordem jurídica.
15. Alega a recorrente, que para além dos factos que foram dados como provados na sentença recorrida, deveriam igualmente ter sido dados como provados, por serem de manifesto interesse para boa decisão da causa, outros factos – vide páginas 5 e 6 do presente recurso – que tendo sido alegados na PI, se encontram cabalmente suportados pela prova documental produzida. Concluindo a recorrente que perante tais factos, o Tribunal “a quo”, deveria dar como provada, a seguinte factualidade: a) a Recorrente não é proprietária de quaisquer bens imóveis ou veículos; b) a Recorrente se encontra onerada com o pagamento de diversos financiamentos bancários, que se cifram em montante superior a €100.000,00; c) a Recorrente se encontra a pagar em prestações a dívida em cobrança coerciva nos autos do PEF nº 127920150100086 e aps; d) com referência ao ano de 2021, as inscrições no ginásio e nas aulas de música da Recorrente, após a época estival e no regresso às aulas, não aumentaram; e) na sua declaração periódica de 2019, a Recorrente apurou um prejuízo fiscal de €8.392,53; f) na sua declaração periódica de 2020, a Recorrente apurou um lucro tributável de €3.723,49.
16. Desde logo, cumpre referir que a recorrente – no que aos factos que considera que deveriam ter sido dados como provado efetua uma verdadeira “miscelânea”, entre os factos que foram enunciados na decisão reclamada como tendo resultado provados, os factos que não foram demonstrados pela ora recorrente, devido à não apresentação de diversos documentos que ali surgem identificados – veja-se, por exemplo, documentos contabilísticos, IES, documentos recentes comprovativos do pagamento dos encargos bancários que alega estar a suportar – e aqueles que no seu entendimento seriam suscetíveis de serem dados como provados se o Tribunal “a quo” tivesse apreciado os documentos cuja junção requereu no decurso do desenvolvimento da instância – note-se que estamos perante documentos que não foram submetidos à apreciação do órgão de execução fiscal aquando da apresentação do pedido de dispensa da prestação de garantia, e que como tal, não poderiam à posteriori ser apresentados no Tribunal para que este os apreciasse, porque a apreciação de tais documentos para além de não ser da competência do Tribunal, não serviu de base de fundamentação do pedido apresentado perante o órgão de execução fiscal e consequentemente, não integrou a fundamentação da decisão de indeferimento proferida pelo órgão de execução fiscal.
17. Ora, no elenco dos factos e das provas que foram invocadas pela recorrente perante o Tribunal “a quo”, apenas poderiam ser relevados pelo Tribunal “a quo”, aqueles que fundamentaram o pedido de dispensa de prestação de garantia que a ora recorrente formulou perante o órgão de execução fiscal, e não outros factos e provas que a recorrente apresentou perante o órgão de execução fiscal, após o decurso do prazo a que alude o nº 2 do artigo 277º do CPPT, pois estes não foram apreciados pelo órgão de execução fiscal no âmbito da decisão de indeferimento que a recorrente submeteu ao escrutínio do Tribunal “a quo”.
18. E se tais factos e respetivas evidências probatórias não foram objeto de apreciação e decisão por parte do órgão de execução fiscal no âmbito da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia, os mesmos nunca poderiam ser apreciados pelo Tribunal “a quo”, desde logo, porque estaríamos perante uma manifesta violação da separação de poderes, uma vez que a decisão do pedido de dispensa de prestação de garantia, à luz de novas evidencias probatórias, integra-se no âmbito das competências legalmente reconhecidas ao órgão de execução fiscal (vide nº 4 do artigo 52º da LGT) e não ao Tribunal “a quo” a quem cabe aferir da legalidade da decisão proferida pelo órgão de execução fiscal (vide artigo 276º do CPPT).
19. Neste contexto, no que se reporta aos factos que seriam suscetíveis de resultar provados ou não provados na sequência da apreciação dos documentos apresentados pela recorrente, após o decurso do prazo a que alude o nº 2 do artigo 277º do CPPT, os mesmos nunca poderiam ser relevados pelo Tribunal “a quo”, porquanto, não suportaram a decisão de indeferimento proferida pelo órgão de execução fiscal, sendo, por isso, totalmente estranhos, à decisão de indeferimento que constitui o objeto dos presentes autos.
20. Já no que se reporta aos factos e às evidencias probatórias que foram identificadas na própria decisão reclamada, os mesmos não careciam de ser levados ao probatório, porquanto, o objeto dos presentes autos, tal como foi expressamente delimitado pela ora recorrente, consubstanciou-se na apreciação da legalidade da decisão proferida em 23/09/2021 pela Exma. Senhora Diretora de Finanças da Guarda, que foi notificada à Reclamante através do Ofício nº 2626, datado de 24/09/2021 – vide PI.
21. E perante a causa de pedir e o pedido, que foram expressamente invocados pela recorrente, impunha-se ao Tribunal “a quo” face à prova produzida nos autos, aferir da legalidade da decisão de indeferimento do pedido de prestação de garantia apresentado pela recorrente, em ordem a decidir da sua anulação ou manutenção na ordem jurídica, o que efetivamente sucedeu no caso em apreço.
22. Face à causa de pedir e ao pedido que foi expressamente formulado pela recorrente, vislumbra-se que contrariamente à tese que a recorrente tenta incutir a este Venerando Tribunal, os factos que o Tribunal “a quo” fez constar da matéria de facto dada como provada, afiguram-se ser manifestamente suficientes e adequados, para sustentar de facto, a douta decisão recorrida, motivo pelo qual, a decisão recorrida não merece qualquer censura ou reparo.
23. Por outro lado, ainda que se admitisse – o que se equaciona como mero exemplo ilustrativo do nosso raciocínio – que os factos que são identificados na decisão reclamada fossem levados ao probatório, os mesmos não iriam repercutir-se no sentido da douta decisão recorrida, ou, dito de outro modo, os mesmos iriam permitir ao Tribunal “a quo” decidir no sentido em que decidiu e não noutro.
24. Conforme resulta do artigo 662º do CPC, a decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser alterada, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou u m documento superveniente impuserem decisão diversa.
25. Ora, no caso concreto dos presentes autos, os factos que surgem elencados na decisão reclamada e as provas que nela são identificadas – aqui se incluindo, as provas que a AT tinha na sua disponibilidade, por consulta às informações constantes das plataformas informáticas, e as provas que a AT considerou que deveriam ter sido apresentadas pela recorrente com o pedido de dispensa de prestação de garantia que apresentou – conjugadas com todas as provas apresentadas com a reclamação deduzida ao abrigo do artigo 276º do CPPT aqui não se incluindo, por manifesta ilegalidade, as provas que a recorrente protestou juntar e que se consubstanciavam em evidências documentais, que não tinham sido submetidas à apreciação e decisão do órgão de execução fiscal aquando da apresentação do pedido de dispensa de prestação de garantia – permitiram ao Tribunal formular um juízo critico quanto às provas apresentadas e dar como assentes os factos que constam do probatório e com os quais fundamentou a douta decisão recorrida.
26. Acresce referir, que face à prova produzida nos autos, não se encontram reunidos os pressupostos legais para que fosse viável uma eventual ampliação da matéria de facto, porquanto, os factos que a recorrente pretende que fossem levados ao probatório, não iriam alterar o sentido da douta decisão recorrida.
27. Por outro lado, os factos que eventualmente resultariam da apreciação da prova documental, apresentada perante o órgão de execução fiscal, após o decurso do prazo a que alude o nº 2 do artigo 277º do CPPT, nunca poderiam constar da matéria de facto dada como provada, uma vez que não estamos perante documentos supervenientes, mas antes perante prova documental que não tendo sido apreciada pelo órgão de execução fiscal, não fundamentou a decisão de indeferimento reclamada, logo, fora do âmbito da causa de pedir e do pedido e consequentemente, fora do âmbito de controlo jurisdicional do Tribunal “a quo”.
28. Termos em que, deverá improceder a pretensão da recorrente e manter-se na ordem jurídica, a decisão proferida sobre a matéria de facto que fundamentou o sentido da decisão.
29. Entende a recorrente que a decisão de indeferimento proferida pela Diretora de Finanças da Guarda, violou os princípios da boa fé, da igualdade e da colaboração, porquanto, os elementos de prova que indicou no pedido de dispensa de prestação de garantia em 16.09.2021, foram considerados pela AT como sendo suficientes para deferir um outro pedido de dispensa de garantia em 20.04.2020, no âmbito de outro PEF, tendo adquirido a expectativa que os mesmos seriam suficientes para novamente demonstrar a insuficiência de bens.
30. Desde logo, o pedido de dispensa de garantia que a ora recorrente formulou no âmbito de outro processo de execução fiscal mais concretamente no âmbito do processo de execução fiscal nº 1279202001001051 e apensos no qual juntou os referidos elementos probatórios, foi apresentado perante a AT em 4 de março de 2020, motivo pelo qual, decorridos cerca de um ano e meio, sobre a data da apresentação do mesmo, não pode a ora recorrente pretender, que tais elementos probatórios, por si só, sejam suscetíveis de demonstrar que a manifesta falta de meios económicos para suportar a garantia se mantêm e que a realidade da empresa na atualidade é exatamente a mesma que existia aquando da apresentação do primeiro pedido de garantia, num outro processo de execução fiscal.
31. Com efeito, não sendo a atividade empresarial uma realidade estática, mas estando o seu desenvolvimento sujeito a oscilações dependentes de um vasto conjunto de fatores endógenos e exógenos, que a podem influenciar de forma positiva ou negativa, impendia sobre a ora recorrente, o dever de apresentar todos os elementos probatórios que fossem suscetíveis de demonstrar perante a AT que o circunstancialismo económico-financeiro que norteou o primeiro pedido de prestação de garantia – apresentado num outro processo de execução fiscal – não sofreu alterações, mantendo-se a mesma falta de meios financeiros para poder fazer face à prestação de garantia que lhe é exigida no âmbito do processo de execução em causa nos presentes autos – processo de execução fiscal nº 1279202101002520 – e atendendo ao valor da divida e exequenda que está a ser objeto de cobrança coerciva.
32. Tal como se encontra devidamente explanado na fundamentação que presidiu ao sentido da decisão de indeferimento do pedido de dispensa de garantia que a recorrente formulou, salvo nos casos de pagamento em prestações, a dispensa de garantia é valida apenas por um ano, findo o qual o contribuinte, após notificação, da AT, terá de formular novo pedido e demonstrar que os fundamentos para a isenção de garantia estão reunidos.
33. Ou seja, as dispensas de garantia têm de ser objeto de reapreciação anual, de modo a poder verificar se mantêm os pressupostos da sua concessão, não sendo a sua renovação automática, cabendo ao interessado/requerente, demonstrar que os pressupostos perduram e não apenas cingir-se a mencionar que as circunstâncias são as mesmas, limitando-se apenas a indicar como elementos de prova, os que havia junto à cerca de um ano e meio atrás.
34. Ora, o pedido de isenção de garantia formulado em 16.09.2021, no âmbito do PEF n.º 1279202101002520, sobre o qual recaiu a decisão de indeferimento, dista cerca de um ano e meio do pedido isenção de garantia deferido em 20.04.2020, no âmbito do PEF n.º 1279202001001051, sendo que, mesmo relativamente a este ultimo PEF, a isenção de garantia terá de ser reapreciada, nos termos do art 52.º n.º 5 da LGT, de modo a avaliar-se se se mantem os pressupostos do artigo 52.º n.º 4 da LGT.
35. Neste contexto, não pode a recorrente pretender que os elementos probatórios que apresentou em 04.03.2020, no âmbito de um processo de execução fiscal distinto daquele que está em causa nos presentes autos, com uma quantia exequenda a garantir de montante totalmente diferente, sejam, por si só, suscetíveis de demonstrar que na atualidade, persiste a manifesta falta de meios económicos para prestar garantia. Nem que tais elementos probatórios são inequívocos em demonstrar, que em 16.09.2021, as suas receitas sejam essencialmente canalizadas para o pagamento dos encargos originados pelos financiamentos obtidos e para as despesas correntes da empresa.
36. Acresce referir, que sendo a recorrente uma sociedade comercial, o seu desempenho não é igual em todos os exercícios económicos e embora alegue que a sua situação económica se agravou com a crise económica, a verdade é que, da análise da informação constante das declarações modelo 22 de IRC do período de tributação de 2019 (apresentada em 01-08-2020) e do período de tributação de 2020 (apresentada em 19.07.2021) verifica-se que a atividade da recorrente passou de uma situação de prejuízo fiscal (de €8.392,53) em 2019, para lucro em 2020 (€3.723,49) – vide fls. 57 a 74, juntas com a resposta da Fazenda Pública.
37. Nos termos do art.º 52.º da LGT, é admissível a suspensão do processo de execução fiscal, designadamente em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, recurso, impugnação e oposição à execução, desde que prestada garantia idónea ou desde que a administração tributária (AT), a requerimento do executado, o isente de tal prestação (cfr. art.º 52.º, n.º 4).Por seu turno, o art.º 170.º do CPPT determina os termos do procedimento do pedido de dispensa em causa, decorrendo do seu n.º 3 que «o pedido a dirigir ao órgão da execução fiscal deve ser fundamentado de facto e de direito e instruído com a prova documental necessária» (nosso destacado).
38. Conforme já se referiu, e é expressamente reconhecido pela recorrente, a mesma fundamenta o pedido de dispensa de garantia que apresentou perante o órgão de execução fiscal com base em elementos probatórios que já havia apresentado há cerca de um ano e meio, no âmbito de um outro processo de execução fiscal, remetendo para a AT o dever de no âmbito do processo de execução fiscal que agora pretende ver suspenso por força do reconhecimento da dispensa de garantia, o dever de reunir tais evidencias probatórias e com base nas mesmas pronunciar-se nos exatos termos em que o fez no âmbito daquele outro processo de execução fiscal.
39. Sucede que a atuação da recorrente consubstancia uma violação do ónus da prova previsto no nº 3 do artigo 170º do CPPT, porquanto, o pedido de dispensa de garantia, para além de outras formalidades obrigatórias – como sejam a fundamentação de facto e de direito – deve ser instruído com a prova documental necessária para que o órgão de execução fiscal fique devidamente habilitado a verificar se no caso concreto estão reunidos os requisitos que o quadro legal exige para que seja reconhecido o direito à dispensa de prestação de garantia.
40. E tal como decorre do preceito em análise – veja-se nº 3 do artigo 170º do CPPT – o pedido de dispensa de prestação de garantia deve ser instruído com a prova documental necessária, tal significando, que o momento para a apresentação da prova que sustenta o pedido, corresponde ao momento em que pedido é apresentado e não em momento posterior à apresentação do pedido, aqui se ressalvando os casos em que porventura a prova não esteja na disponibilidade do reclamante, mas de terceiros, facto que não constituirá a regra, desde logo, porque a recorrente melhor do que ninguém conhece as vicissitudes e as fragilidades do seu negócio e por isso, melhor do que ninguém estará em condições de poder demonstrar a eventual falta de disponibilidade de meios financeiros e/ou patrimoniais que lhe permitam suportar os eventuais encargos decorrentes da prestação de garantia.
41. Ora, in casu, o que se verificou foi que a recorrente ao arrepio da lei, decidiu apresentar um pedido de dispensa de garantia, fundamentado em provas documentais que já havia apresentado há mais de um ano – em rigor da verdade há quase 1 ano e meio – num processo de execução fiscal que nada tem a haver com o processo de execução fiscal em causa nos presentes autos, ou seja, em bom rigor, efetua uma prova por remissão a outro processo de execução fiscal, imputando ao órgão de execução fiscal o ónus de recolher tais elementos para o processo de execução fiscal em causa nos presentes autos e exigindo ao órgão de execução fiscal que decida nos exatos termos em que decidiu no âmbito do outro processo de execução fiscal.
42. Mais se verifica que a recorrente ao invés de juntar ao pedido de dispensa de prestação de garantia, todas as provas documentais que no seu entendimento fossem suscetíveis de permitir ao órgão de execução fiscal emitir uma decisão que lhe fosse favorável, fazendo “tábua rasa” do dever de colaboração e da descoberta da verdade material, acaba por referir no seu pedido que protesta juntar outros documentos, sendo certo que o nº 3 do artigo 170º do CPPT é muito claro quando refere de forma expressa e inequívoca que o reclamante deve juntar com o pedido todas as provas documentais necessárias.
43. No que ao principio da colaboração e da boa fé concerne, cumpre referir que os mesmos não são exclusivos da atuação da AT no âmbito na relação tributária que estabelece com os contribuintes, uma vez que também estes devem pautar a sua atuação pelo respeito de tais princípios, o que não se verificou no caso em apreço, uma vez que a recorrente não instruiu o pedido com toda a documentação que tinha na sua disponibilidade, sendo disso prova a reclamação que apresentou e na qual protestou juntar vários documentos.
44. Ora, se tais documentos existiam na disponibilidade da recorrente, a mesma face ao ónus probatório que decorre do nº 3 do artigo 170º do CPPT, deveria ter instruído o pedido de dispensa de garantia com os alegados documentos de cuja posse se arroga, ao invés de se refugiar em meras interpretações subjetivas da lei, que segundo o seu entendimento o libertam do referido ónus probatório e lhe conferem um reconhecimento automático do direito à dispensa de prestação de garantia, sendo certo que tal interpretação não tem qualquer sustentabilidade legal.
45. In casu, não se afigura existir a alegada violação do princípio da igualdade, já que não resulta da factualidade constante do processo de execução fiscal em causa, que estejamos perante situações iguais, tanto mais que a recorrente se arroga ter direito à mesma decisão que a AT proferiu em processo de execução fiscal diferente, onde está em causa um montante de divida exequenda diferente, sendo certo que os contextos factuais são distintos, desde logo porque entre o processo de execução fiscal, no qual a AT deferiu o pedido de dispensa de garantia apresentado pela ora reclamante e o processo de execução fiscal em apreço já decorreu cerca de um ano e meio, motivo pelo qual sempre a recorrente teria de demonstrar que os pressupostos que justificaram o reconhecimento do direito de dispensa de prestação de garantia naquele outro processo de execução fiscal, mantem-se inalterados no processo de execução fiscal em apreço, situação que não se verificou.
46. Ora, decorrido mais de um ano sobre o pedido de dispensa de garantia, formulado em 04.03.2020 e deferido em 20.04.2020, no âmbito de outro processo de execução fiscal, cabia à ora recorrente demonstrar que o contexto factual é o mesmo e que a manifesta falta de meios se manteve ou até eventualmente melhorou ou se agravou.
47. Neste contexto, forçoso será concluir que, no caso em apreço, a recorrente no âmbito do pedido de dispensa de prestação de garantia, não logrou provar, concludentemente, que se encontram reunidos os requisitos previstos no artigo 52.º n.º 4 da LGT, uma vez que não cumpriu o ónus probatório que lhe é imposto pelo nº 3 do artigo 170º do CPPT.
Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências deve ser negado provimento ao presente recurso e em consequência manter-se a decisão recorrida.»

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 363 SITAF, no sentido da procedência do recurso, nos seguintes termos:
«Não concordando com a sentença proferida pelo TA de Viseu, de 24 de Novembro de 2021, que julgou improcedente a reclamação e manteve o despacho do OEF reclamado, veio a recorrente “CMS – Centro Musical de Seia, Lda”, recorrer de tal decisão para este TCAN, invocando:
- nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
- erro de apreciação da matéria de facto dada como provada;
- erro de subsunção e de aplicação da matéria de direito.
*
Acompanhamos o teor das alegações de recurso, nomeadamente quando nelas se refere que:
“Ora, tendo a Recorrente, no pedido de isenção de prestação de garantia sobre o qual recaiu a decisão do OEF reclamada, instruído esse mesmo pedido com os elementos que já se encontravam em poder da Administração Tributária, e que, com base em entendimento anterior dessa mesma Administração Tributária, julgou serem suficientes para a demonstração dos pressupostos da norma do art. 52º-4 da LGT, é manifesto que o OEF, ao indeferir o peticionado, sem dar à Recorrente a oportunidade de vir juntar aos autos os elementos que entendeu estarem em falta para poder deferir o pedido, violou os princípios da boa fé e da colaboração, inquinando-a de ilegalidade, motivo pelo qual deverá a mesma ser revogada.
Por tudo o exposto, a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento decorrente de erro de interpretação e aplicação da norma contida no art. 52º-4 da LGT, bem como dos princípios da boa fé, da colaboração e da igualdade, estatuídos nos arts. 266º-2 da CRP, 55º da LGT e 3º do CPA (aplicável ex vi da norma do art. 2º/c da LGT).”
Assim, é nosso parecer que a sentença recorrida terá incorrido nos vícios apontados e, por tal facto, deve ser revogada.»
1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Nulidade da sentença por omissão de pronúncia;
Ø Erro de apreciação da matéria de facto dada como provada;
Ø Erro de subsunção e de aplicação da matéria de direito.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Em face dos elementos juntos aos autos, e com interesse para a decisão a proferir, considero relevantes os seguintes factos:
A) O Serviço de Finanças de Seia, com vista à cobrança coerciva da liquidação de IVA do exercício de 2016, no montante global de 9 475,87€ instaurou, em 22-01-2021, contra a ora Reclamante, o processo de execução fiscal n. º 1279202101002520, cfr. n.º 1 da III parte da informação que alicerçou o despacho de manutenção do despacho reclamado e ordenou a subida dos autos a este Tribunal e demais elementos dos autos constantes;
B) A Reclamante peticionou, em 16-09-2021, a dispensa de prestação de garantia, alegando ter apresentado impugnação judicial n.º 114/21-3B e invocando falta de meios económicos, suportando tal pedido nos mesmos fundamentos aduzidos no requerimento de dispensa de prestação de garantia apresentado em 04-03-2020, no âmbito do processo de execução n.º 1279202001001051 e apensos, para os quais remeteu, dando por reproduzida a documentação ali junta, acrescendo-lhe novos fatos, expostos nos artigos 5º a 12º, vide os documentos que instruíram a petição inicial que originou os presentes autos;
C) O Órgão de Execução Fiscal remeteu o pedido e documentação que o instruiu à Direção de Finanças de Guarda a qual, ratificando informação sobre o requerido, indeferiu-o, por despacho de 23-09-2021, sendo que naquela, depois de se apreciarem os documentos juntos pela Reclamante, argumentando-se de forma similar à apresentada na resposta da FP, vide supra, indeferiu-se o pedido por se ter concluído “não se encontram reunidos os requisitos legais constantes nos artigos 52º da LGT e 170º do CPPT. ...”, cfr. docs. de fls. 25 e segs. do processo digital;
D) Despacho comunicado à Reclamante por ofício datado de 24-09-2021, e expedido postalmente no dia 27 a que ela reagiu apresentando em 11-10-2021 e a Reclamação que agora se aprecia, vide fls. 24 e parágrafos 3º a 8º da parte II da informação que alicerçou o despacho que manteve o despacho reclamado e ordenou a subida dos autos a este Tribunal.
III II Factos Não provados
Inexistem.
A factualidade assente resultou dos elementos probatórios referidos em cada alínea, não esquecendo a sua análise crítica e concatenada, a maior parte dela já expressa em cada uma das referidas alíneas.»
2.1.2. Aditamento oficioso
Pela sua pertinência para o conhecimento do presente recurso e uma vez que consta dos autos a correspondente prova documental, adita-se ao probatório a seguinte matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do Código de Processo Civil:
E) Análise, apreciação e argumentação que integra o despacho de indeferimento a que se alude no item C):
“17. Analisado o requerimento, subjudice, constata-se que Executada vem reiterar, nesta sede, quer o conteúdo dos fundamentos, quer dos documentos apresentados num pedido de dispensa de garantia formulado em 04 de marco de 2020, no âmbito de outro processo de execução fiscal.
18. Verifica-se que os documentos supra descritos, que foram remetidos com o dito pedido de 04.03.2020, e que a Executada pretende dar por integrados e reproduzidos nestes autos reportam-se essencialmente a acordos de regularização de divida e a financiamentos (mútuos) bancários, tendo sido juntos de modo a demonstrar os encargos bancários que suporta.
19. Ora, no pedido aqui em analise a Recorrente não junta qualquer novo documento, que comprove que persistem as dividas às entidades bancárias e que prove quais as despesas efetivamente suportadas, mensalmente, com o pagamento das prestações dos ditos mútuos e regularização de dividas.
20. Pese embora alguns dos documentos enviados a 04.03.2020 se reportem a contratos de mútuo celebrados em 2014 e 2016, com pagamento de prestações a longo prazo (96 meses, 120 meses) e acordo de regularização de divida de 04.10.2018 a pagar em 55 prestações, a verdade é que, não veio agora juntar qualquer documento que comprove que continua efetivamente a suportar as ditas despesas com os financiamentos, designadamente extratos bancários, faturas, recibos.
21. Também não carrea elementos contabilísticos que nos permitam aferir quais os valores dos encargos bancários refletidos na contabilidade de modo a verificarmos se as receitas que obtém são canalizadas essencialmente para o pagamento dos financiamentos e encargos bancários tal como refere.
(…) 25. Assim, não pode a Executada, pura e simplesmente, pretender que documentos probatórios apresentados em 04.03.2020, no âmbito de um outro PEF, por si só sejam suficientes para comprovar que a mencionada situação de insuficiência económica atual.
26. Note-se que a mesma, no requerimento de 16.09.2021, não comprova que as despesas com os ditos financiamentos, persistem atualmente, nem qual o valor real que suporta com as mesmas.
27. No cumprimento do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT, do princípio da economia processual e na busca da verdade material, compulsamos o sistema informático da AT, tendo-se apurado que inexistem quer bens imóveis, quer veículos automóveis registados em nome da Executada.
28. Consultado o SEFWEB, verificou-se que a Executada, tem ativo o plano de pagamento em prestações 2016.92, no qual se encontra a pagar em prestações no âmbito do PERES, a divida em cobrança no PEF n.º 127920150100086 e aps;
29.Na modelo 22 de IRC do exercício 2019, vê-se que a Executada apurou prejuízo fiscal de €8.392,53 e declarou um volume de negócios de 63.531,14€ e na Mod.22 de 2020, constata-se que a mesma apurou lucro tributável de €3.723,49 e declarou um volume de negócios de 74.210,37€
30. Ainda de modo a apurar a real situação patrimonial e os rendimentos da Executada, encontrando-se a mesma a exercer atividade (CAE 85593 – OUTRAS ACTIVIDADES EDUCATIVAS, N.E), compulsamos as aplicações informáticas da AT, de modo a visualizarmos, a respetiva Informação Empresarial Simplificada (IES), tendo-se constatado que última IES apresentada pela Executada foi referente ao ano de 2018.
31. Encontrando-se em falta a IES do ano de 2019, dado que o prazo de entrega da mesma com as prorrogações concedidas terminou em 30.09 2020.
(…) 34. Sendo que, o facto de a Executada não ter junto quaisquer elementos contabilísticos compaginado com a inexistência de IES inviabiliza, igualmente, a possibilidade da AT verificar se a Executada tem ativos corrente ou não correntes (bens moveis, rendimentos ou créditos) passiveis de serem dados em garantia e de aferir da existência ou não de bens penhoráveis.
35. Relembrando-se, a este propósito, que encontrando - se a Executada a exercer atividade, são passíveis de penhora os créditos que esta eventualmente detenha sobre os clientes, os bens do inventário, do imobilizado, os saldos de contas bancárias, valores que devem estar evidenciados na IES e nos elementos contabilísticos dos sujeitos passivos.
36. Ora, atendendo a que a ultima IES submetida reporta-se a 2018, visto que também não juntou elementos contabilísticos (balanços, mapa de depreciações/amortizações dos ativos, balancetes) que espelhem os bens, créditos que possui e os resultados da Executada e acrescido ao facto, que também não carreou outros elementos que demonstram quais as despesas bancárias efetivamente suportadas, somos da opinião que não se mostra comprovada a manifesta falta de meios económicos alegada pela Executada.
(…) 41. Em síntese, dúvidas não subsistem que a Executada não cumpriu o ónus que sobre si impende de provar que se encontram reunidos os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de dispensa/isenção de garantia, porquanto, tal como resulta do supra exposto, a Executada:
-Não submeteu a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) de 2019;
-Não enviou elementos contabilísticos (designadamente, balancete, mapa de amortizações/depreciações do ativo, demonstração de resultados, balanço) que evidenciem a manifesta falta de meios económicos para prestar garantia, nem o efetivo impacto da crise pandémica nos resultados da empresa;
-Não juntou comprovativos das despesas efetivamente suportadas, atualmente, com os financiamentos bancários e com os acordos de regularização de divida.
42. Donde, não tendo, a Requerente demonstrado a manifesta insuficiência de bens para garantir a divida exequenda, tal como lhe incumbia nos termos do plasmado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT e no artigo 342.º do Código Civil (CC) e 170.º n.º 3 do CPPT, entendemos que não se encontram preenchidos os pressupostos necessários para a concessão da dispensa da garantia, previstos nos artigos 52.º n.º 4 da LGT e 170.º do CPPT.
(tudo conforme documento junto com a p.i. de fls 25 e ss. do processo SITAF)


2.2. De direito
A Recorrente (C., Lda.) insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou improcedente o pedido de anulação do despacho proferido pelo Diretor de Finanças da Guarda que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia e subsequente suspensão do processo de execução fiscal nº 1279202101002520.
Está em causa sindicar se a sentença recorrida incorreu em (i) nulidade por omissão de pronúncia, (ii) erro de julgamento da matéria de facto e (iii) erro de julgamento de direito ao considerar que a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia não enferma de ilegalidade por violação dos princípio da colaboração e da boa fé e bem assim considerou que não tendo a Reclamante, demonstrado o preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa - artigo 52.º, n.º 4 da Lei Geral Tributária (LGT).
Na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, estabelece o artigo 52.º, n.º 4 da LGT que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.”
Deste preceito normativo resulta que a competência para conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia é da Administração Tributária. O tribunal não pode praticar actos que são da competência da Administração Tributária, como resulta do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT.
Não pode, por isso, o tribunal conhecer do pedido de dispensa de prestação da garantia, pelo que apenas lhe compete apreciar a legalidade da decisão, neste âmbito, proferida pela Administração Tributária. Compete-lhe apenas aferir da legalidade/ilegalidade das decisões proferidas pela administração, verificando da ofensa/não ofensa dos princípios jurídicos que condicionam toda a actividade administrativa, e, anular/não anular o acto reclamado, sem qualquer possibilidade legal de, em substituição da Administração Tributária, definir se a Recorrente fica ou não dispensada de prestar garantia – nesse sentido confirmar entre outros acórdão do STA, de 15.10.2014, proferido no âmbito do processo n.º 0918/14.
A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação daquele acto.
A mencionada norma estabelece, que a par de dois requisitos de verificação alternativa — (i) o caso de a prestação de garantia causar prejuízo irreparável ou (ii) a verificação de manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, existe um outro critério, de verificação cumulativa com os anteriores, com vista ao deferimento do pedido de isenção de garantia, (iii) a inexistência de fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
Após este sucinto enquadramento legal do regime de dispensa de prestação de garantia e sua impugnação, cumpre apreciar e decidir o presente recurso, balizado pelas alegações e conclusões da Recorrente.
2.2.1. Da nulidade por omissão de pronúncia
In casu, não se verifica a nulidade arguida porquanto a especificação da matéria de facto em causa (constante dos artigos 24º a 29º da petição inicial da reclamação, nos moldes configurados pela Recorrente - «a junção aos autos dos elementos (adicionais e que a AT entendeu estarem em falta) comprovativos da sua falta de meios económicos; mas também, que o mesmo tribunal se pronunciasse, com base nesses elementos (e nos já existentes no PEF), acerca da verificação concreta dos pressupostos de que depende a concessão da dispensa da prestação de garantia» [conclusão 2º], não releva para a decisão da causa, designadamente, não releva para aferir da legalidade do despacho reclamado praticado pelo órgão de execução fiscal.
Na verdade, o que importa é que tal factualidade alegada pela Recorrente não resultou provada na decisão proferida pelo órgão de execução fiscal, nem a mesma foi tida em consideração porque não havia sido apresentada pela executada a instruir o seu pedido, não integrava a prova que produziu para a apreciação do pedido de dispensa de prestação de garantia junto daquele órgão, e assim sendo, é irrelevante em sede de reclamação dirigido ao tribunal a prova desses factos em momento posterior aquele outro.
Isto porque, o objecto da reclamação prevista no art. 276.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT) é o acto praticado pelo órgão de execução fiscal, cuja legalidade é apreciada pelo tribunal atendendo às circunstâncias em que foi praticado, ou seja, atendendo à prova que foi feita perante o órgão de execução fiscal e com base na qual foi proferida decisão.

Por outras palavras, não releva para efeito da apreciação da legalidade do acto praticado pelo órgão de execução fiscal a prova nova produzida pelo executado em tribunal, ou seja, a prova que não foi produzida aquando o pedido de dispensa de prestação de garantia, quando a obrigação da produção dessa prova cabia legalmente ao executado, na medida em que o órgão de execução fiscal não a pode ter em consideração aquando da emissão do acto.
O que cumpre ao tribunal, nesta matéria e no âmbito da apreciação da legalidade do despacho reclamado, é aferir se a factualidade alegada pelo executado aquando do pedido de dispensa de prestação de garantia devia ter sido dada como provada pelo órgão de execução fiscal e foi devidamente considerada, e consequentemente aferir da legalidade da decisão que concluiu pela não prova da insuficiência económica do executado. Assim sendo, não releva, para o caso dos autos, discriminar a matéria de facto que o Recorrente pretende.
Face ao exposto, não se verifica a nulidade invocada.
1. Do erro de julgamento da matéria de facto
A Recorrente, no que respeita à decisão da matéria de facto, entende que a factualidade seleccionada se apresenta insuficiente e que tal limitação terá influenciado o sentido decisório. Por isso, defende a Reclamante que da matéria de facto dada como provada deverão constar os factos enumerados na conclusão 10ª das alegações de recurso e que resultam, essencialmente, de prova documental ínsita nos autos.
Mas, na discriminação dos factos que há-de fazer não tem o juiz que se pronunciar sobre todos os factos alegados pelas partes, tendo antes o dever de seleccionar os que interessam para a decisão segundo as várias soluções plausíveis de direito. Nesta conformidade, só haverá erro de julgamento de facto, se as partes tiverem invocado factos relevantes para o exame e decisão da causa (que podem ser controvertidos ou necessitados de prova) e o tribunal não os teve em conta na solução de direito – cfr. artigos 5.º, 410.º e 411.º do Código de Processo Civil (CPC).
Reforçando, lembramos os poderes de que o juiz goza, entre eles, o de cingir a discussão da causa à matéria relevante para o julgamento da mesma – cfr. artigo 602.º do CPC.
Destes preceitos decorre que o dever na selecção dos factos provados e dos não provados e de, inerentemente, realizar e ordenar as correspondentes diligências probatórias, se deve limitar àqueles que o tribunal considere, no seu livre juízo de apreciação, como úteis ao apuramento da verdade.
Está em causa sindicar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento ao considerar que a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia enferma do vício de violação do disposto no artigo 52.º, n.º 4 da LGT, a par dos princípios da boa fé e da cooperação.
Na actual redacção, introduzida pela Lei n.º 42/2016, de 28/12, estabelece o artigo 52.º, n.º 4 da LGT que “a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a actuação dolosa do interessado.
Deste preceito normativo resulta que a competência para conhecer do pedido de dispensa de prestação de garantia é da Administração Tributária. O tribunal não pode praticar actos que são da competência da Administração Tributária, como resulta do disposto no n.º 4 do artigo 52.º da LGT, como já referimos supra e cumpre novamente recalcar.
A apreciação da legalidade do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia só pode fazer-se tendo em conta os elementos de facto e de direito que condicionaram a respectiva prolação.
A controvérsia situa-se, apenas, no facto de a Recorrente entender que a decisão de indeferimento é ilegal por violação dos princípios da boa fé, da igualdade e da colaboração decorrente de em situação idêntica, com idênticos meios de prova sobre a situação económica da Reclamante, ter deferido o pedido de isenção, de não solicitar mais elementos antes da decisão de indeferimento.
Na sequência do que já afirmámos, a aferição das ilegalidades apontadas não pode alhear-se dos elementos de facto e de direito considerados no acto de indeferimento em apreço e, por isso, necessariamente, partiremos da fundamentação do acto para a nossa análise.
É por estes motivos que se nos afigura suficiente a matéria de facto constante da decisão recorrida, na medida em que estão vertidos na mesma os fundamentos que sustentaram o indeferimento do pedido de dispensa. Aliás, os factos que a Recorrente agora pretende ver aditados autonomamente já constam, na sua generalidade, da fundamentação do acto reclamado, não tendo a documentação a eles inerentes sido junta com o requerimento de dispensa, só serão considerados enquanto tal para apreciação da legalidade do acto, enquanto facto alegados e na medida em que os mesmos, sustentados ou não em documentação, foram valorados e apreciados pelo órgão de execução fiscal.
Logo, tais factos afiguram-se-nos irrelevantes para a decisão da causa.
2. Do erro de julgamento de direito
Estabilizada, assim, a decisão da matéria de facto, concentremo-nos no erro de julgamento de direito (conclusão 11ª e 17ª), “erro de julgamento na apreciação da prova e na qualificação jurídica dos factos, ao ter concluído que a Recorrente, no pedido de dispensa de prestação de garantia apresentado, não demonstrou «o preenchimento dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia com vista à suspensão da execução fiscal, vertidos nos artigos 52.º, n.º 4 da L.G.T., 170.º, n.º 3 e 199.º, n.º 3 do C.P.P.T»” e “erro de julgamento quanto ao decidido relativamente à violação dos princípios da boa fé, da igualdade e da colaboração

Tem precedência lógica o conhecimento do segundo vício imputado à sentença recorrida (o erro quanto ao decidido sobre a violação dos princípios da boa fé, da igualdade e da colaboração), porque o seu conhecimento prejudica por si só o aferir-se da demonstração dos pressupostos de que depende a dispensa de prestação de garantia, por outras palavras, saber se a atitude do órgão de execução fiscal por ilegal impediu essa demonstração, só ultrapassada esta fase, cumpre aferir da demonstração por parte da executada/reclamante.
O cerne da discórdia, cuja apreciação cumpre privilegiar, situa-se, pois, não na questão do ónus probatório, mas na questão da instrução do procedimento, mais concretamente na amplitude dos deveres de inquisição e de colaboração e cooperação entre a administração tributária e a executada/reclamante.
Vejamos.
Neste sentido já se pronunciou o STA no acórdão de 19.12.2012, proferido no âmbito do processo nº 1298/12, segundo o qual: «No que aos pressupostos da dispensa de prestação de garantia respeita, entendemos que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa, a dirigir ao órgão de execução fiscal, seja instruído com a prova documental necessária (cfr. o nº 3 do artigo 170º do CPPT), norma esta que, não devendo ser interpretada, sob pena de inconstitucionalidade, como uma restrição probatória (…), obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelos requerentes para prova dos factos constitutivos do direito à dispensa da prestação de garantia sejam desde logo juntos ao requerimento em que é solicitada a dispensa.».
Convoquemos a este respeito o dissidindo no acórdãos deste TCAN de 15.10.2015, proferido no processo 879/15.1BEPRT, “Estamos pois, perante um “princípio de preclusão procedimental” dirigido ao executado que almeja obter a dispensa de prestação de garantia para alcançar suspensão da execução fiscal, na exacta medida em que define o momento procedimental em que o interessado deve alegar os factos que sustentam a sua pretensão e apresentar os respectivos meios de prova, colaborando, assim, com a administração fiscal no sentido de evidenciar que preenche os pressupostos que a lei faz depender a aplicação desse regime, sob pena de não resultando demonstrados o interessado perder a oportunidade de obter aquele benefício.
Ressalta deste princípio que o legislador fiscal visou conciliar quer interesses de eficiência, quer de celeridade, quer economia procedimental, prevenindo o eventual prolongar e/ou retardar de um procedimento que tem a sua génese na vontade e iniciativa do executado e que assume carácter célere e urgente, uma vez que ao requerimento se lhe segue, de imediato, a decisão, não prevendo a lei, sequer, actividade instrutória a desenvolver pelo órgão decisor, que decidirá de seguida, ponderando as razões de facto e de direito invocadas no requerimento e a prova que nele tiver sido oferecida, como se de um deferimento ou indeferimento liminar se tratasse.
Se atentarmos no curtíssimo prazo concedido ao órgão administrativo para a decisão do pedido (lembre-se, dez dias), conjugado com a obrigatoriedade de o executado apresentar simultaneamente o requerimento onde formula a pretensão, e a prova da factualidade ali alegada como sustentáculo do seu pedido, ressalta manifesta a natureza urgente deste procedimento, onde o factor tempo constitui um elemento determinante na finalidade pública que se visa prosseguir, ou seja, de obviar à ocultação ou dissipação de património susceptível de garantir a cobrabilidade da quantia exequenda e do acrescido, bem como, traduz uma opção legislativa clara no sentido de valorar negativamente a total inércia probatória do interessado e que, salvo sempre o devido respeito por opinião contrária, não comporta um ónus desproporcionado sobre o requerente, atenta a especifica natureza do procedimento m apreço e os fins que por ele são prosseguidos.
Assim, o indeferimento imediato do pedido de dispensa de prestação ou reforço de garantia por total ausência de requerimento probatório representa um sibi imputet que não se nos afigura excessivo, porquanto o requerente, por um lado não pode deixar de estar ciente, perante a claríssima letra da lei, do seu dever de iniciativa e de instrução, e, por outro, na medida em que é ele quem está em melhores condições( ou melhor, em situação privilegiada) para apresentar os meios de prova da factualidade por si alegada e em que alicerça a sua pretensão, a que acresce o dever de colaboração que Lei Geral Tributária estabelece nos seu art. 59º e que exige ao contribuinte, num manifesto sistema de “vasos comunicantes”, que este coopere activamente com a administração tributária, no sentido da descoberta da verdade, dever este que não pode deixar de ser lido em conjugação com a “regra mater “ relativa ao ónus da prova, ou seja, impende sobre o interessado o ónus de invocar e demonstrar que se encontram reunidos os pressupostos para ser dispensado da prestação ou reforço de garantia, cabendo-lhe, assim, o dever de apresentar os meios de prova que permitam dar por verificados tais requisitos, sob pena de a sua inércia probatória e de o non liquet que daí resulta ter de ser resolvido contra si.
Contudo, todo o vertido supra não redunda na conclusão simplista de que a administração tributária não deva, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar quer os esclarecimentos que entenda essenciais à sua decisão, quer elementos de prova adicionais ou complementares.” (finde transcrição)
Neste sentido, ressalte-se o teor da jurisprudência firmada pelo Supremo tribunal Administrativo promanado no processo nº. 718/14, datado de 03.09.2014, a qual sufragamos e esclarecedora desta temática:
O que não significa que a administração tributária não deva, ao abrigo do princípio do inquisitório e do dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte, solicitar-lhe esclarecimento de dúvidas e solicitar-lhe elementos de prova adicionais ou complementares. Todavia, tal dever deve ser interpretado em termos hábeis, pois a investigação oficiosa pressupõe, no mínimo, que tenham sido alegados factos e oferecidos meios de prova que não ditem o indeferimento liminar e imediato do pedido. Se o requerente omite completamente a apresentação de meios de prova no momento legalmente assinalado, não pode considerar-se que o órgão decisor se encontra obrigado a ir investigar os factos alegados ou a dirigir convite ao requerente para apresentar a prova que ele completamente omitiu.
(…) A observância dos princípios do inquisitório e da cooperação não implicam, pois, para a administração, o dever de se substituir ao contribuinte na articulação dos factos e na apresentação da prova que, nos termos da lei, a este compete invocar e apresentar num procedimento célere da sua estrita iniciativa; todavia, tal não significa que a administração não deva, à luz desses princípios, empenhar-se em criar condições para poder vir a proferir uma decisão de mérito, convidando o requerente a aperfeiçoar as deficiências formais do requerimento, isto é, as suas imprecisões e inexactidões, de lhe solicitar o esclarecimento de dúvidas, de lhe pedir meios de prova complementares caso considere que o requerimento se encontra deficientemente instruído e que necessita de prova adicional para a comprovação de factos essenciais, bem como de colher oficiosamente dados e informações susceptíveis de confirmar ou infirmar os factos alegados e os elementos documentais apresentados pelo requerente. Mas, como se disse, o exercício destes poderes de investigação pressupõe que a parte cumpriu minimamente o ónus que sobre ela prioritariamente recai de indicar tempestivamente as provas de que pretende socorrer-se, não podendo esses princípios configurar-se como uma forma de suprimento oficioso de comportamentos negligentes da parte.
(…) Para além disso, o dever de apresentação dos meios de prova juntamente com o requerimento inicial também claudicará no caso de a prova que o requerente pretende utilizar se consubstanciar em documentos que estejam na posse da administração tributária, bastando então, para que deles se possa prevalecer, que o requerente os identifique no seu requerimento (art. 74º, nº 2, da LGT), ou se, por razões fundamentadas, for impossível juntar a prova dentro do prazo de apresentação daquele requerimento.
Sufraga-se, assim, mais uma vez, o entendimento expresso no acórdão desta Secção no aludido processo nº 1298/12 (em que a presente Relatora interveio como Adjunta), no sentido de que a lei é clara na exigência que formula de que o pedido de dispensa de prestação de garantia seja instruído com a prova documental necessária, norma que obriga a que, salvo casos excepcionais e devidamente justificados, os documentos indicados pelo requerente para prova dos factos constitutivos do direito que invoca sejam juntos logo com o requerimento em que solicita essa dispensa. Mas mais se acrescenta que a completa omissão de requerimento probatório pelo requerente não implica para a administração o dever de suprimento oficioso da lacuna, conduzindo, antes, ao indeferimento imediato do pedido. Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, a administração deve, no caso de entender o contrário, isto é, de entender que faltam documentos que na sua perspectiva são essenciais, convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera em falta para o fim em vista.
Entende-se ser esta a solução mais defensável do ponto de vista do regime jurídico do procedimento tributário, tendo em conta que cabe plenamente nos poderes/deveres da administração este tipo de diligência, de colher oficiosamente ou junto do contribuinte interessado (através de convite para a sua junção) a documentação adicional considerada essencial para a prova de um facto fundamental do núcleo complexo que integra a alegada causa de pedir da requerida dispensa de prestação de garantia. É precisamente nestes casos que os deveres que impendem simultaneamente sobre o contribuinte (ónus da prova dos factos constitutivos do direito a que se arroga) e a administração tributária (deveres inquisitórios, de colaboração e, em última análise, de cooperação procedimental) têm de ser adequadamente conjugados, nomeadamente nos termos previstos no art. 48º, nº 1, do CPPT, segundo o qual «A administração tributária esclarecerá os contribuintes e outros obrigados tributários sobre a necessidade de apresentação de declarações, reclamações e petições e a prática de quaisquer outros actos necessários ao exercício dos seus direitos, incluindo a correção dos erros ou omissões manifestas que se observem».
Tal é o também entendimento que se nos afigura mais adequado à observância dos princípios da eficiência e economia procedimental, do inquisitório e da colaboração que deve mediar as relações entre os sujeitos do procedimento, bem como da justiça material, sendo que a urgência do procedimento não é incompatível com o convite para o requerente juntar, num prazo razoavelmente curto fixado pelo órgão administrativo decisor, os meios de prova julgados necessários face à factualidade alegada. Se até no processo judicial o juiz está legalmente obrigado a promover oficiosamente as diligências necessárias ao normal prosseguimento da acção, colaborando activamente com as partes e convidando-as a carrear para o processo todos os documentos que considere essenciais [cfr. arts. 6º, 7º, e 590º, nºs 2 e 3) do actual CPC, e 114º do CPPT], por maioria de razão isso deve acontecer no procedimento tributário, sujeito a regras de simplicidade, celeridade e economia procedimental, traduzidas na prevalência de actuações desburocratizadas e nas quais prevalece o dever de investigação e de imparcialidade para o órgão decisor, que o obrigam a carrear (ou convidar a carrear) para o procedimento todos os elementos probatórios que se lhe afigurem necessários e úteis à descoberta da verdade material, mesmo que do ponto de vista estrito dos interesses patrimoniais da administração tributária isso lhe seja desfavorável.” (finde transcrição)
É neste enquadramento legal e doutrinal que importa olhar para o caso em apreço.
Como se viu, a sociedade executada requereu o pedido de dispensa de prestação de garantia para obter a suspensão da execução fiscal, com o argumento de falta de meios económicos avocando os fundamentos por si aduzidos no requerimento de dispensa de garantia apresentado em 04.03.2020, nos autos do PEF n.º 1279202001001051 e aps., cujo respectivo teor, e documentos dá por integralmente reproduzidos no seu requerimento, acrescido de novos fundamentos aduzidos nos artigos 5 a 12º do seu requerimento.
Naquele outro requerimento de março de 2020, alegava que não dispunha de meios económicos suficientes para prestar garantia adequada, porquanto: - não é proprietária de quaisquer bens imóveis ou veículos automóveis; - as poucas receitas que obtém visam solver as despesas bancárias necessárias ao funcionamento do estabelecimento comercial; - dado os escassos recursos que aufere, para prosseguir a sua actividade recorreu a diversos financiamentos bancários, que se cifram em montante superior a € 100.000,00; - devido ao incumprimento do pagamento de um empréstimo foi executada judicialmente por uma entidade bancária, tendo celebrado um acordo de pagamento em prestações; - para além disso encontra-se a pagar em prestações importâncias, para cuja cobrança coerciva foram instaurados processos de execução fiscal; - sendo que entende que qualquer penhora fara ruir o já frágil equilíbrio económico financeiro da Executada; - os instrumentos musicais que dispõem visam a venda, donde, a penhora dos mesmos impossibilitaria a sua alienação; - por sua vez, o valor dos materiais que não se destinam à venda é reduzido.
Quanto a estes, o órgão da execução fiscal, apesar de não ter posto em causa que tais fundamentos foram avocados naquele outro PEF, o qual cumpre referir foi objecto de deferimento o pedido de dispensa de prestação de garantia, argumenta que não foram careados documentos actualizados que comprovem que continua efectivamente a suportar as ditas despesas com os financiamentos, ou sejam, considerando que aqueles documentos probatórios juntos em 2020 naquele outro PEF, não comprovam os mesmos no pedido agora formulado em 2021.
O seu pedido viria a ser indeferido, referindo o órgão decisor em síntese que “dúvidas não subsistem que a Executada não cumpriu o ónus que sobre si impende de provar que se encontram reunidos os pressupostos necessários ao deferimento do pedido de dispensa/isenção de garantia, porquanto, tal como resulta do supra exposto, a Executada:
- Não submeteu a declaração anual de informação contabilística e fiscal (IES) de 2019;
- Não enviou elementos contabilísticos (designadamente, balancete, mapa de amortizações/depreciações do ativo, demonstração de resultados, balanço) que evidenciem a manifesta falta de meios económicos para prestar garantia, nem o efetivo impacto da crise pandémica nos resultados da empresa;
- Não juntou comprovativos das despesas efetivamente suportadas, atualmente, com os financiamentos bancários e com os acordos de regularização de divida.
42. Donde, não tendo, a Requerente demonstrado a manifesta insuficiência de bens para garantir a divida exequenda, tal como lhe incumbia nos termos do plasmado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT e no artigo 342.º do Código Civil (CC) e 170.º n.º 3 do CPPT, entendemos que não se encontram preenchidos os pressupostos necessários para a concessão da dispensa da garantia, previstos nos artigos 52.º n.º 4 da LGT e 170.º do CPPT.
Ora, aplicando a doutrina acima enunciada, é manifesto que não se pode dizer que a requerente tenha omitido por completo a indicação de elementos de prova com o pedido de dispensa de garantia – pese embora eles não contemplem todos os factos alegados, quer por falta, quer por remissão, quer por insuficiência, certo é que a mesma foi considerada prova insuficiente e desactualizada para o fim em vista – cabia ao órgão decisor, nos seus deveres inquisitórios e de colaboração com a requerente, convidá-la a completar a prova apresentada, pela junção de documentação adicional actual para prova dos factos considerado essenciais para a requerida dispensa (manifesta insuficiência de bens), tendo em conta que tal pode ser rapidamente comprovado através de elementos extraídos quer da contabilidade da sociedade, quer através de elementos que comprovem os financiamentos e regularizações de dívidas em curso, enfim, uma prova que demonstre a sua situação contextualizada temporalmente no presente, à semelhança do que logrou efectuar em 2020 aquando do seu requerimento apresentado em 04.03.2020.
Aliás diga-se, que conforme indica o órgão decisor a situação da empresa será economicamente mais favorável, razão a que acresce indagar, atenta a actividade exercida e os dissabores causados pela situação pandémica vivenciada, permitir ao requerente o probatório do por si argumentado e remetido para anterior requerimento de modo simplista, mas por certo convicto da sua suficiência.
Deve, por isso, concluir-se que o órgão administrativo decisor tinha o dever de convidar a sociedade requerente a apresentar meios adicionais/complementares de prova para demonstração cabal da factualidade alegada, pelo menos exigir actualização dos elementos que o sujeito passivo em consciência considerava suficiente, e que não o tendo feito violou o dever de colaboração e de cooperação recíprocas com o contribuinte.
O assim julgado determina que o conhecimento das restantes questões colocadas no recurso se mostre prejudicado, designadamente, a matéria vertida 11ª conclusão.
2.3. Conclusões
I. O art. 170º nº 3 do CPPT exige que com requerimento seja apresentada a prova que suporta o pedido de dispensa da prestação de garantia, pelo que, no caso de completa omissão de prova, a administração não está obrigada a chamar o requerente para a apresentar, seguindo-se o imediato indeferimento do pedido.
II. Já no caso de a parte ter cumprido, no momento próprio, o ónus de instrução, juntando os meios de prova que entendeu suficientes, sendo que parte substancial se consubstanciar em documentos que estejam na posse da administração tributária devidamente identificados, a administração deve, sob pena de violar o dever de colaboração e cooperação, no caso de entender que a sua actualidade os coloca em causa (decorrido um ano), convidar o requerente a juntar prova adicional ou complementar, isto é, convidá-lo a carrear para o procedimento os elementos de prova que considera ultrapassados pelo tempo ou em falta para o fim em vista.

3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogar a sentença recorrida e em sua substituição julgar a presente reclamação procedente.
Custas pela Recorrida.
Porto, 13 de janeiro de 2021

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Maria Celeste Oliveira