Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00804/21.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Paulo Moura
Descritores:PRESTAÇÃO DE GARANTIA NA EXECUÇÃO FISCAL; ÁLCOOL DESNATURADO; IABA.
Sumário:I – O álcool desnaturado em desconformidade com as normas da União Europeia não pode beneficiar de isenção de imposto especial sobre o álcool, pelo que para ser introduzido no consumo, está sujeito ao pagamento de IABA.

II – O álcool desnaturado em desconformidade com as normas da União Europeia, pode ser dado em garantia na execução fiscal, uma vez que o arrematante fica a ser o sujeito passivo do pagamento do imposto especial sobre o álcool.

III – A idoneidade da garantia, afere-se pela possibilidade de satisfazer os créditos exequendos e não apresentar quaisquer condições ou limitações.
Recorrente:IFAP, I.P.
Recorrido 1:D.,S.A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, I.P. (IFAP, I.P.), interpõe recurso da sentença que julgou procedente a Reclamação dos Atos do Órgão de Execução Fiscal, deduzida pela sociedade «D., S.A.», contra o despacho que recusou a prestação da garantia apresentada pela Executada. A Recorrente considera que a garantia que a Reclamante deseja aprestar não tem idoneidade, ao contrário do que decidiu o Tribunal.

Formula nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
A. O presente recurso vem interposto de sentença de 30/6/2020, através da qual foi julgada procedente a reclamação apresentada pela sociedade D., S.A., e em consequência anulou o Despacho datado de 4/02/2021, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Braga …, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 0361 2020 0121…, no entendimento que o “... o despacho sindicado não clarifica qual o impacto que a falta de verificação desse requisito tem na definição do seu sentido decisório, isto é, quais os exactos e concretos obstáculos à exequibilidade prática desta garantia”.
B. Salvo melhor opinião, a garantia não pode ser considerada idónea nos termos do disposto no Artº 199º do CPPT, pois, como constatou a Alfandega de Braga, os produtos acabados e intermédios oferecidos pela ora recorrida como garantia para suspensão do processo de execução fiscal, correspondem a um depósito, com o numero 38, de álcool desnaturado utilizado para fins industriais ou para venda ao publico para fins terapêuticos e sanitários.
C. Ou seja, o álcool etílico aí existente totalmente desnaturado com um teor alcoólico de 95,00% Volume, foi desnaturado em desconformidade com o n° 1 do anexo ao regulamento de execução (EU) n° 2017/1112 da Comissão, que substituiu o anexo ao regulamento (CE) n° 3199/93.
D. Mais foi clarificado que o depositário autorizado, desde há alguns anos não tem qualquer atividade produtiva, tendo até março de 2020 quantidades significativas daquele produto em entreposto fiscal (álcool parcialmente e totalmente desnaturado).
E. Sucede que, em virtude do surto pandémico da COVID-19, e face à escassez daqueles produtos no mercado e à eminente necessidade para lhe dar resposta, foram flexibilizadas algumas regras de desnaturação, através da Portaria n° 89/2020, de 7 de abril, que introduziu medidas excecionais quanto às formalidades aplicáveis em matéria de produção, armazenagem e comercialização, bem como isenção de imposto de álcool destinado aos fins previstos no Artº 67° n° 2 dos do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), e cujo prazo de vigência terminou em 31-12-2020 nos termos da Portaria 105/2020, de 30 de abril.
F. Considerando, que a desnaturação efetuada pela ora recorrida, foi feita com base em regulamento diferente do que atualmente vigora, sendo autorizada excecionalmente e sob controlo aduaneiro a saída de entreposto fiscal de álcool totalmente desnaturado para o operador I., Lda., doravante já não será admitida em semelhantes termos.
G. Ademais, verifica-se que os produtos inventariados e oferecidos através da modalidade de "penhora", estiveram mais de 10 anos em entreposto fiscal, e que a sua introdução no consumo pressupõe primeiro que a sua desnaturação obedeça aos ínsitos no Artº 68° do CIEC, e o pagamento dos respetivos impostos conforme regula o mesmo diploma (Art° 66° n° 2 alínea j).
H. Sucede, porém, que os bens oferecidos, tratando-se de álcool desnaturado em armazém há longos anos, só teve escoamento mercê do surgimento da pandemia em 2019, em virtude de ser um produto que de modo imprevisível teve uma grande procura no mercado.
I. E também, porque aquele produto beneficiou para os anos 2019 e 2020, de isenção de IABA, decorrente das portarias anteriormente mencionadas.
J. Porém, como também esclarece a Alfandega de Braga, atualmente, não só o mercado já se adaptou às necessidades de produção do dito produto para a satisfação das necessidades atualmente mais prementes, como já não existe disposição legal que preveja a isenção do IABA para os efeitos previstos nos Artºs 67° e 68° do CIEC.
K. Acresce que a introdução no consumo do álcool desnaturado estará sempre dependente de autorização e sob controlo aduaneiro a sua saída de entreposto fiscal.
L. Atento o exposto, parece correto o entendimento da Alfandega de Braga, no sentido que não se verifica que os bens oferecidos para efeitos de constituição de garantia nos termos conjugados dos Artºs 42º nº 1 da LGT, e Artºs 169° e 199º do CPPT, sejam idóneos a garantir de forma efetiva o crédito exequendo e acrescido, aliás seguindo e acompanhando a jurisprudência do SJT.
M. Por outro lado, para ser idónea para assegurar os créditos do exequente, a garantia não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afetar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia.
N. Em razão das normas contidas nos Art°s 169º e 199º do CPPT e 52º da LGT, a que idoneidade de uma garantia, depende da capacidade de, no caso do órgão de execução fiscal ter de acionar a mesma, esta se mostre apta a assegurar o pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos.
O. De facto, e atentos à indisponibilidade do crédito tributário, principio vertido no Artº 30º da LGT, não podia o órgão de execução fiscal aceitar para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal uma garantia que não cumprisse a sua função principal, designadamente, que garanta a fungibilidade dos bens oferecidos de molde a permitir indubitavelmente a sua venda em caso de improcedência do litígio ou incumprimento por parte do executado.
P. Face ao exposto, salvo melhor entendimento, a garantia apresentada pela reclamante não preenche os requisitos no Artº 199º do CPPT, não podendo a mesma ser considerada idónea, razão pela qual, a sentença recorrida não parece ter feito uma correta interpretação dos factos e aplicação do direito, pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença ora recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e em consequência ser proferido acórdão revogando a sentença ora recorrida, assim se fazendo a costumada
JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido de o recurso ser julgado improcedente.

Foram dispensados os vistos legais, nos termos do n.º 4 do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a concordância das Exmas. Desembargadoras Adjuntas, atenta a disponibilidade do processo na plataforma SITAF (Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais), bem como por se tratar de um processo urgente.
**
Delimitação do Objeto do Recurso – Questões a Decidir.

As questões suscitadas pela Recorrente, delimitada pelas alegações de recurso e respetivas conclusões [vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º CPC, ex vi alínea e) do artigo 2.º, e artigo 281.º do CPPT] são as de saber se a garantia que a Reclamante se propunha prestar possui ou não idoneidade para garantir o pagamento da dívida exequenda.
**

Relativamente à matéria de facto, o tribunal, deu por assente o seguinte:
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
§ FACTOS PROVADOS
Com relevância para a decisão a proferir, considera-se provada a seguinte factualidade, que se passa a enunciar:
1. Corre termos no Serviço de Finanças de Braga ..., o processo de execução fiscal (“PEF”) n.º 0361 2020 0121…., instaurado contra a sociedade comercial D., S.A..
2. O processo de execução fiscal n.º 0361 2020 0121… referenciado em 1 foi instaurado para cobrança coerciva de dívidas ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (“IFAP, I.P.”), no valor global de Euro 9.248,30 (nove mil, duzentos e quarenta e oito euros e trinta cêntimos), referente a subsídios prestados no âmbito do programa de Destilação de Subprodutos da Vinificação, de 2008/2009.
3. A aqui Reclamante apresentou Oposição à Execução Fiscal referenciada nos pontos 1 e 2 que antecedem, que corre termos neste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob o n.º .../21.1BEBRG.
4. Em 4/12/2020, por correio electrónico encaminhado ao Serviço de Finanças de Braga 1, foi apresentado, em nome da sociedade aqui Reclamante, um Requerimento, subscrito pela sua Mandatária, a solicitar a prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal n.º 0361 2020 0121…, e, subsidiariamente, a dispensa de prestação de garantia, do qual se extracta o seguinte:
“(...)

A executada apresentou nesta data e nesse Serviço de Finanças oposição à execução, o que, nos termos dos nºs 1 e 10 do art. 169º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, constitui causa de suspensão da execução desde que seja constituída garantia ou a penhora garanta a totalidade da dívida exequenda e acrescido.

Para esse efeito, isto é, para garantia da dívida exequenda e do acrescido com vista à suspensão do processo executivo até decisão final da oposição, conforme prevê o nº 1 do art. 169º do Código do Procedimento e de Processo Tributário, a executada indica à penhora produtos acabados no valor de € 14.290,35 (valor indicado para efeitos de garantia na nota de citação) de entre o total de € 97.181,79 existentes em armazém, conforme comprova através de Balancete Geral reportado a 31.08.2020 (conta 34) que adiante junta.

Na impossibilidade de prestar garantia através de outros activos além dos referidos produtos acabados, como decorre do Balancete Geral supra referido e caso a AT assim o entenda, deve ser concedida à executada a dispensa de prestação de garantia ao abrigo do nº 4 do artigo 52º da Lei Geral Tributária.
(...)”
5. O Requerimento referenciado em 4 supra, foi acompanhado de procuração forense, emitida em nome da Mandatária subscritora e, bem assim, de um documento respeitante ao Balancete Geral Financeiro da Reclamante, reportado ao saldo acumulado a 31.08.2020, do qual se extrai, na correspectiva conta 34 relativa a “Produtos acabados e intermédios”, que o saldo contabilístico de produtos em armazém apresentava um saldo a débito de € 97.181,79 (sub-conta 341), decorrente do registo a crédito de perdas por imparidade no valor de € 462.320,05 (sub-conta 349), num total de existências em armazém registadas pelo valor contabilístico de € 559.501,83.
6. Em 9/12/2020, através de comunicação electrónica dirigida à Mandatária da sociedade Reclamante, o Serviço de Finanças de Braga … solicitou o envio de elementos adicionais para instrução do pedido de prestação de garantia, em concreto a “relação dos produtos acabados, contendo a descrição/quantidade e valor unitário, por forma a se entender o tipo de bens/produtos e respetivo valor e bem assim para efeitos de verificação física desses mesmos bens”.
7. Em 11/12/2020, através de comunicação electrónica subscrita pela Mandatária da sociedade Reclamante, o pedido de informação referenciado em 6 supra foi objecto de resposta, acompanhado de dois documentos anexos, quais sejam, uma factura emitida pela Reclamante à ordem da sociedade comercial “I., Lda.”, NIPC (…), datada de 5/06/2020, da qual se extrai o fornecimento de 29.000 Lt do produto descrito como “Bidons de 1.000Lts de Álcool Etílico totalmente desnaturado com Bitrex teor 94,1%” e 1.000 Lt de “Bidons de 1.000Lts de Álcool Etílico totalmente desnaturado com Bitrex teor 95,0%””, pelo preço global líquido (IVA excluído) de € 30.000,00 (trinta mil euros) e, bem assim, um documento designado por “Declaração de existência à data de 11 de Dezembro de 2020”, emitido em nome da sociedade Reclamante, nessa mesma data, com o seguinte teor:
“(...)
Declaração de existência à data de 11 de Dezembro de 2020
Contribuinte (…)
ProdutoQuantidade (LT)Preço de VendaValor
Venda
Álcool totalmente desnaturado com Grau
95º
86 4051,00 €86 405,00 €
(...)”.
8. Em 22/12/2021, através de comunicação electrónica dirigida à Alfândega de Braga, o Chefe do Serviço de Finanças de Braga ... solicitou a prestação de informações sobre os produtos oferecidos em garantia, pela aqui Reclamante, com vista a aferir “o tipo/natureza de bem; se apresenta os requisitos/pressupostos/caraterísticas legais para a sua comercialização; [d]a existência (caso exista) do seu valor de mercado; [d]e qualquer outra informação que se mostre útil para a apreciação.
9. Em 20/01/2021, a comunicação referenciada no ponto 8 antecedente foi objecto de resposta, através de informação subscrita pelo Director da Alfândega de Braga, acompanhada de dois documentos anexos, da qual se extracta, com relevância para o caso vertente, o seguinte:
“(...)
1. O produto acabado que se encontra no depósito 38 resulta de uma operação de desnaturação, efetuada sob controlo aduaneiro, em 31-08-2008, no entreposto fiscal de produção de álcool etílico (PT5063007….);
2. A desnaturação do álcool consiste na adição de desnaturantes (marca fiscal) ao álcool etílico, de forma a assegurar a aplicação correta das isenções de IABA ao álcool utilizado em fins industriais ou para venda ao público para fins terapêuticos e sanitários, com vista qualquer tipo de fraude ou utilização indevida do álcool em questão;
3. A desnaturação total do álcool etílico é efetuada com os desnaturantes e proporções fixadas no Regulamento de Execução (UE), da Comissão de 30 de Novembro, sendo de referir que à data da operação de desnaturação do álcool etílico da D., aplicava-se os desnaturantes e as proporções fixadas no Regulamento (CE) n.º 2546/95, que alterou o Regulamento (CE) n.º 3199/93;
4. Nos termos do Boletim de Análise das amostras recolhidas em 29-03-2019, o qual se que se anexa, o produto existente no depósito 38 trata-se de álcool etílico totalmente desnaturado com um teor alcoólico de 95,0% Vol, mas cuja a desnaturação não foi efetuada de acordo com o estipulado no n.º 1 do anexo do Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1112 da Comissão, que substituiu o anexo do Regulamento (CE) n.º 3199/93;
5. Por vicissitudes várias, o Depositário autorizado PT5063007…. desde há alguns anos que não tem qualquer actividade produtiva, fazendo, até ao início da pandemia COVID, apenas expedições de álcool parcialmente desnaturado com destino à exportação para a Guiné Bissau, pelo que em Março de 2020, ainda tinha em entreposto fiscal quantidades significativas de álcool parcialmente desnaturado e álcool totalmente desnaturado.
6. Como é do conhecimento geral, a pandemia Covid 19 teve como consequência uma inicial forte procura de álcool etílico (não desnaturado ou parcialmente desnaturado), matéria-prima essencial para o fabrico de álcool gel e produtos de desinfeção de superfícies, os designados produtos biocidas, os quais carecem de prévia notificação à DGS;
7. [imperceptível] (...) algumas regras de desnaturação, veja-se o caso da publicação da Portaria n.º 89/2020, de 7 de abril, que adota medidas excecionais, decorrentes da epidemia COVID-19, relativas às formalidades aplicáveis à produção, armazenagem e comercialização, com isenção do imposto, de álcool destinado aos fins previstos no no.º 3 do artigo 67.º do Código dos Impostos Especiais de Consumo (CIEC), e cujo prazo de vigência foi prorrogado até 31-12-2020, através da Portaria n.º 105/2020;
8. Nestes termos, e dado que que a desnaturação do álcool da D. foi feita com base em regulamento diferente do atualmente em vigor, e dada a forte/urgente procura inicial de álcool etílico, foi autorizada, a título excecional e sob controlo aduaneiro, a saída de entreposto fiscal de álcool totalmente desnaturado para o operado I., Lda., NIF (…), nos termos do n/ email em anexo enviado quer à I., quer à D.;
9. Relativamente ao valor de mercado do álcool desnaturado, não dispõe esta Alfândega de tal informação, sendo certo que normalmente existe uma maior procura de álcool etílico não desnaturado e de álcool parcialmente desnaturado dado que têm um maior potencial de aplicação/usos do que o álcool totalmente desnaturado. Por outro lado, e de acordo com a informação disponível presentemente, mesmo para o álcool etílico não desnaturado ou parcialmente desnaturado assiste-se a uma estabilização da procura, não sendo previsível nova prorrogação do prazo de vigência da Portaria n.º Portaria n.º 89/2020.
(...)”
10. Em 4/02/2021, pelo Serviço de Finanças de Braga 1, foi elaborada a informação técnica, na qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(...)
I- Apreciação da idoneidade de garantia prestada e dispensa de prestação de garantia:
No âmbito do processo de execução fiscal à margem melhor identificado, para efeitos da sua suspensão nos termos conjugados dos artigos 52.º n.º 1 da LGT, 169.º e 199.º do CPPT, vem apresentar como garantia a penhora das existências em armazém dos produtos constantes do Balancete geral (acumulado) reportado a 31.08.2020.
Da mencionada conta (34), nos inventários da empresa verifica-se no saldo contabilístico no ativo não corrente, saldo a débito de 97.181,79€ em produtos acabados e intermédios em armazém (sub-conta 341).
Da análise daquela demonstração contabilística, verifica-se depreciações acumuladas de 462.320,05€, num total em armazém de 559.501,83€, daí que contabilisticamente o saldo seja de 97.181,79€.
Por e-mail de 22-12-2020, foi solicitada à Alfandega de Braga melhor informação sobre os bens oferecidos como garantia, foi-nos enviado o esclarecimento da qual respigamos e acolhemos as seguintes conclusões:
Com efeito, resulta daquele esclarecimento que os produtos acabados e intermédios oferecidos como garantia para suspensão do processo de execução fiscal, correspondem a um depósito com o número 38, de álcool desnaturado utilizado para fins industriais ou para venda ao publico para fins terapêuticos e sanitários.
Por conseguinte, o álcool etílico aí existente totalmente desnaturado com um teor alcoólico de 95,00% Volume, foi desnaturado em desconformidade com o n.º 1 do anexo ao regulamento de execução (EU) n.º 2017/1112 da Comissão, que substituiu o anexo ao regulamento (CE) n.º 3199/93.
Mais foi clarificado que o depositário autorizado PT15063007…. desde há alguns anos não tem qualquer atividade produtiva, tendo até março de 2020 quantidades significativas daquele produto em entreposto fiscal (álcool parcialmente e totalmente desnaturado).
Acresce que em virtude do surto pandémico da COVID-19, e face à escassez daqueles produtos no mercado e à sua eminencia necessidade para lhe dar resposta, foram flexibilizadas alguma regras de desnaturação, através de portaria (portaria n.º 89/2020, de 7 de abril, que introduziu medidas excecionais quanto às formalidades aplicáveis em matéria de produção, armazenagem e comercialização, bem como isenção de imposto de álcool destinado aos fins previstos no artigo 67.º n.º dos do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), e cujo prazo de vigência terminou em 31-12-2020 nos termos da Portaria 105/2020, de 30 de abril.
Considerando, portanto, que a desnaturação efetuada pela D. foi feita com base em regulamento diferente do que vigora, sendo autorizada excecionalmente e sob controlo aduaneiro a saída de entreposto fiscal de álcool totalmente desnaturado para o operador I. , Lda., NIF (…), já não será doravante admitida em semelhantes termos.
Ademais, verifica-se que os produtos inventariados e oferecidos através da modalidade de “penhora”, estiveram mais de 10 anos em entreposto fiscal, e que a sua introdução no consumo pressupõe primeiro que a sua desnaturação obedeça aos ínsitos no artigo 68.º do CIEC, e o pagamento dos respetivos impostos conforme regula o mesmo diploma (art.º 66.º n.º 2 alínea j).
Sucede, porém, que os bens oferecidos, tratando-se de álcool desnaturado em armazém há longos anos, só teve escoamento mercê do surgimento da pandemia em 2019, em virtude de ser um produto que num ápice e de modo imprevisível teve uma grande procura no mercado. E também porque aquele produto beneficiou para os anos 2019 e 2020, de isenção de IABA, decorrente das portarias já mencionadas retro.
O que acontece atualmente, é que não só o mercado já se adaptou às necessidades de produção do dito produto para a satisfação das necessidades atualmente mais prementes, como já não existe disposição legal que preveja a isenção do IABA para os efeitos previstos nos artigos 67.º e 68.º do CIEC.
Acresce que a introdução no consumo do álcool desnaturado estará sempre dependente de autorização e sob controlo aduaneiro a sua saída de entreposto fiscal.
Nos termos supra expostos, não se verifica que os bens oferecidos para efeitos de constituição de garantia nos termos conjugados dos artigos 42.º nº. 1 da LGT, 169.º e 199, sejam idóneos a garantir de forma efetiva o crédito exequendo e acrescido, aliás seguindo e acompanhando a jurisprudência do SJT (1) “7. A garantia tem de ser idónea para assegurar os créditos do exequente. Para ser idónea para este efeito, a garantia não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afectar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia. E, não obstante a falta de definição legal do que seja uma "garantia idónea", não pode deixar de se concluir que, em razão das normas contidas nos artºs.169 e 199, do C.P.P.T., e 52, da L.G.T., essa idoneidade depende da capacidade de, no caso do órgão de execução fiscal ter de accionar a garantia prestada, esta se mostre apta a assegurar o pagamento da dívida exequenda e demais acréscimos.”
De facto, e atentos à indisponibilidade do crédito tributário, princípio vertido no artigo 30.º n.º 2 da LGT, não pode órgão de execução fiscal aceitar para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal que não garanta a fungibilidade dos bens oferecidos de molde a permitir indubitavelmente a sua venda em caso de improcedência do litígio ou incumprimento por parte do executado.
Nesta senda e quanto à matéria controvertida no requerimento apresentado, no que diz respeito aos bens oferecidos à penhora, deve ser o mesmo indeferido por a garantia apresentada para os efeitos pretendidos não ser traduzir em garantia idónea para os efeitos previstos no artigo 199.º do CPPT.
II – Apreciação da dispensa da prestação de garantia formulada no mesmo requerimento:
Apreciada a garantia apresentada e feito o pedido subsidiário para a dispensa de prestação de garantia, no caso de não ser aceite o primeiro pedido, cumpre apreciar:
Assim, nos termos do artigo 52.º n.º 1 da L.G.T., a cobrança da prestação suspende-se no processo de execução fiscal em virtude de (...) oposição à execução (...), prosseguindo o n.º 4 da mesma disposição normativa:
“4 - A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.
5 - A isenção prevista no número anterior é válida por um ano, salvo se a dívida se encontrar a ser paga em prestações, caso em que é válida durante o período em que esteja a ser cumprido o regime prestacional autorizado, devendo a administração tributária notificar o executado da data da sua caducidade, até 30 dias antes.”
Prescreve ainda o CPPT (Decreto-Lei n.º 433/99, de 26 de outubro), no seu artigo 170.º que a dispensa de prestação de garantia deve ser requerida ao órgão de execução fiscal no prazo de 15 dias a contar do meio de reação apresentado nos termos do artigo 169.º do CPPT.
Nos termos da conjugação dos preceitos retro (artigo 52.º da LGT e 170.º do CPPT), são condições para a conceção da dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal:
i) Que a prestação de garantia lhe cause prejuízo irreparável
ii) A manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da divida exequenda e acrescido
iii) A não existência de fortes indícios de que tal insuficiência se deveu a atuação dolosa do interessado
iv) Ser requerida a dispensa de prestação de garantia naqueles termos ao órgão onde pende a execução no prazo de 15 dias após a apresentação do meio de reação previsto no artigo 169.º CPPT
v) O pedido deverá ser fundamentado de facto e de direito e instruído com prova documental necessária. Analisadas as demonstrações financeiras apresentadas, verifica-se que a empresa tem no seu ativo bens suscetíveis de penhora, designadamente as constantes da conta (43).
Não obstante se constatar a existência de depreciações acumuladas relativamente aos ativos fixos tangíveis, sempre deveriam/teriam de ser indicados os bens constantes do imobilizado da empresa para que a A.T. (exequente) verificasse através dos bens existentes:
1.º a existência de meios económicos suscetíveis de penhora para o pagamento da divida exequenda e acrescido
2.º a sua idoneidade para a suspensão do PEF.
Destarte, verifica-se para o caso em analise que não estão reunidos os requisitos para a dispensa de prestação de garantia para o PEF nos termos conjugados dos artigos 52.º da LGT, 169.º e 170.º do CPPT, não logrou a requerente fazer prova através de fundamentação a que estava obrigada, da verificação de tais pressupostos.
Do indeferimento de dispensa de prestação de garantia não há lugar a audiência prévia previsto nos termos do artigo 60.º da LGT cfr. Acórdão STA, de 19-12-2016, P. º 1070/15­30.
O TATA
………
(1) AC STJ de 18-12-2018, P.º 236/17.5BEFUN”
11. A informação referida no ponto 10, que antecede, foi sancionada por Despacho do Chefe de Finanças Adjunto, do Serviço de Finanças de Braga, com o teor “a(o)s requerente(s) ou o(a) mandatário(a) caso este(a) tenha sido constituído(a) no(s) referido(s) processo(s), para os efeitos previstos no artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) conjugado com o disposto no n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), com a cominação da faculdade prevista no artigo 276.º do CPPT”, e foi objecto de Despacho de concordância, na mesma data, proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Braga … .
12. Por Ofício com o registo n.º 1141/2021, datado de 8/04/2021, sob o assunto “Garantia – Apreciação”, a informação técnica e respectivo Despacho de concordância, referenciados nos pontos 10 e 11 supra, foram encaminhados para o domicílio profissional da Ilustre Mandatária da sociedade aqui Reclamante e recepcionados em 12/04/2021.
13. A aqui Reclamante não foi interpelada pelo Serviço de Finanças de Braga … a fim de se pronunciar em momento prévio à prolação da informação técnica, e respectivo Despacho de concordância, que a sancionou, referenciados nos pontos 10 e 11 supra.
14. O Ofício de Citação da aqui Reclamante para a execução fiscal n.º 0361 2020 0121…., de que emergem os presentes autos, foi emitido em 01/11/2020 e fixou o valor de Euro 14.290,35 (catorze mil, duzentos e noventa euros e trinta e cinco cêntimos) para efeitos de garantia.
§ FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que, entre o pedido de prestação de garantia apresentado em 4/12/2020 (referenciado nos pontos 4 e 5 do probatório) e a prolação da decisão de indeferimento, de 4/02/2021 (enunciada nos pontos 10 e 11 da matéria de facto assente), a Reclamante tenha tido qualquer intervenção no respectivo procedimento, para além do Requerimento apresentado em 11/12/2020, identificado no ponto 7 do probatório.
Motivação da matéria de facto
A decisão da matéria de facto efectuou-se mediante o recorte dos factos pertinentes para a decisão da matéria suscitada [cf. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 4, do CPC ex vi alínea e) do artigo 2.º do CPPT], atendendo à análise crítica da prova documental junta aos autos, designadamente o documento junto pela Reclamante com a sua petição inicial bem como o teor da informação técnica elaborada, nos termos e para os efeitos do artigo 277.º, n.º 2 do CPPT, pelo Serviço de Finanças de Braga …, de 29/04/2021 [e constante a fls. 36 do SITAF], juntamente com os documentos instrutórios que a acompanharam, cuja autoria e genuinidade não foi posta em causa [de fls. 3 do SITAF] – em conformidade com o disposto nos artigos 373.º, 374.º ex vi 376.º do Código Civil; e, bem assim, no artigo 115.º, n.º 2 do CPPT –, na posição assumida pelas partes relativamente aos factos constantes nos seus articulados [no segmento em que foi possível obter a sua expressa admissão, nos termos do n.º 7 do artigo 110.º do CPPT] e ainda da matéria de facto de conhecimento oficioso do Tribunal, que dispensa a respectiva alegação, nos termos do artigo 412.º do Código de Processo Civil [ex vi alínea e), do artigo 2.º do CPPT], tendo sempre presente as regras do ónus da prova patenteadas no artigo 74.º da LGT em conjugação com o disposto nos artigos 362.º e seguintes do Código Civil.
Em particular.
O facto vertido em 1 resulta do teor da informação técnica elaborada pelo Serviço de Finanças de Braga 1, de 29/04/2021, constante a fls. 36 do SITAF, concatenada com os respectivos elementos instrutórios incorporados a fls. 3 do SITAF [em concreto, o teor dos documentos juntos a pp. 16 e 24/30 do identificado documento electrónico de fls. 3 do SITAF].
Os factos vertidos em 2 e 3 emergem das alegações da Reclamante e da Autoridade Tributária e Aduaneira, nos seus articulados de fls. 44 (petição inicial) e fls. 73 (Resposta) do SITAF, respectivamente, conjugadas com o teor da comunicação electrónica da Mandatária da Reclamante, dirigida ao Serviço de Finanças de Braga 1, datada de 4/12/2020, e constante a pp. 1 de fls. 3 do SITAF, – na qual é feita expressa menção à instauração de Oposição Judicial no âmbito do PEF n.º 0361 2020 0121.–, do teor da Informação técnica de fls. 36 do SITAF (respectivo ponto 5 do Capítulo “Matéria de facto relevante para a análise da lide”), e, bem assim, da consulta oficiosa promovida pelo Tribunal, através do Sistema de Informação dos Tribunais Administrativos e Fiscais (“SITAF”), ao processo de Oposição à Execução Fiscal n.º ../21.1BEBRG, que corre termos neste Tribunal, instaurado pela aqui Reclamante (em particular, ao teor da Certidão de dívida e do Ofício de citação datado de 01/11/2020, respeitantes ao processo de execução fiscal de que emergem os presentes autos, incorporados a fls. 4 e 8 do SITAF, correspectivamente, do aludido processo judicial). Sublinhe-se que, no que directamente concerne à consulta oficiosa do identificado processo judicial, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 2, do artigo 412.º do CPC ex vi alínea e), do artigo 2.º do CPPT [conforme expressamente exarado no Despacho que antecede a presente decisão judicial].
Os factos vertidos em 4 e 5 resultaram provados da análise do Requerimento da aqui Reclamante constante a pp. 2/3, da leitura do respectivo documento anexo de pp. 4/9 consubstanciado no Balancete Geral Financeiro da Reclamante, reportado ao saldo acumulado a 31.08.2020, e ainda do comprovativo de envio por correio electrónico, datado de 4/12/2020, de pp. 1, todos incorporados a fls. 3 do SITAF, remetidos pela Ilustre Mandatária da sociedade aqui Reclamante, com poderes para o efeito (conforme se extrai do teor da procuração igualmente junta aos autos e constante a respectiva pp. 10 de fls. 3 do SITAF).
O facto 6 resultou provado com base no teor da comunicação electrónica do Serviço de Finanças de Braga .., datada de 9/12/2020 e constante a pp. 12 de fls. 3 do SITAF.
A factualidade aposta em 7 extraiu-se do teor da comunicação electrónica subscrita pela Mandatária do Reclamante, datada de 11/12/2020, constante a pp. 11 de fls. 11 do SITAF, e da análise dos respectivos documentos anexos cujo teor se levou ao probatório, constantes a, respectivamente, pp. 15 (factura emitida pela Reclamante à ordem da sociedade comercial “I., Lda.”, NIPC …., datada de 5/06/2020) e 14 (designado por “Declaração de existência à data de 11 de Dezembro de 2020”).
Os factos vertidos em 8 e 9, foram dados por assentes com fundamento no teor da comunicação electrónica, subscrita pelo Chefe do Serviço de Finanças de Braga .., datada de 22/12/2020, constante a pp. 16 de fls. 3 do SITAF e da comunicação electrónica, subscrita pelo Director da Alfândega de Braga, de 20/01/2021, que lhe sucedeu (a pp. 17/18 de fls. 3 do SITAF), bem como dos dois documentos anexos que acompanharam este último elemento, em concreto, a comunicação electrónica da Alfândega de Braga remetida à sociedade comercial I., Lda., datada de 28/04/2020, em resposta ao pedido de isenção para utilização de álcool existente no entreposto fiscal da aqui Reclamante, apresentado pela identificada sociedade comercial, em 23/04/2020 (ambos incorporados a pp. 20/21) e o Boletim de análise laboratorial de amostra de “Álcool”, do depósito n.º 37 e 38, em nome da aqui Reclamante, datado 29/04/2019, e emitido pela Direcção de Serviços Técnicos, Análise e Laboratório (a pp. 22/23), todos incorporados a fls. 3 do SITAF.
Os factos vertidos em 10 e 11 foram dados por provados com base na Informação técnica do Serviço de Finanças de Braga .. e, bem assim, no teor dos respectivos Despachos exarados a, respectivamente, pp. 25 e pp. 24, que se extractaram, e cujo teor integral consta a pp. 24/30 de fls. 3 do SITAF.
O facto dado por provado em 12 resulta do teor do Ofício com o registo n.º 1141/2021, datado de 8/04/2021, de pp. 31, bem como da consulta ao registo CTT e aviso de recepção constantes a pp. 32 e 33, todos incorporados a fls. 3 do SITAF, que permitem atestar que o mesmo foi recepcionado em 12/04/2021, conforme data e assinatura nele apostas, questão que, por não impugnada pela Reclamante, não se traduz em matéria controvertida nos presentes autos.
A consignação da factualidade vertida em 13 do probatório, emergiu da alegação da Reclamante veiculada no artigo 8.º da sua petição inicial (reiterada no ponto 2) das suas conclusões), enquanto constitutiva da sua causa de pedir, conjugada com a posição assumida na Informação técnica do Serviço de Finanças de Braga, de 29/04/2021 [constante a fls. 36 do SITAF], mormente no segmento em que vem especificada a “Matéria de facto” que subjaz à presente lide e ainda no respectivo ponto i), sob a epígrafe “ANÁLISE PARA EFEITOS DO DISPOSTO NO ARTIGO 277.º N.º 2 in fine do CPPT – i)Da falta de audiência prévia”, que ainda que não comporte confissão dos factos alegados pela Reclamante, desfavoráveis à Exequente (cf. artigo 110.º, n.º 6, ex vi n.º 2, do artigo 278.º do CPPT), encontra-se sujeita à livre apreciação do Tribunal. A acrescer, a convicção do Tribunal, e a consignação do presente facto, de cariz eminentemente negativo, na matéria dada por assente resultou do confronto com o teor da Informação técnica do Serviço de Finanças de Braga .. e do Despacho nela exarado, do Chefe Adjunto do Serviço de Finanças de Braga .. – de pp. 24/30 de fls. 3 do SITAF – e, bem assim, do Ofício que assegurou a sua comunicação à sociedade aqui Reclamante [pp. 31 de fls. 3 do SITAF]. Da articulação dos referidos elementos e tendo presente o disposto em matéria probatória nos artigos 413.º do CPC ex vi alínea e), do artigo 2.º do CPPT e 115.º, n.º 1, n.º 2 e n.º 3 do CPPT, foi possível ao Tribunal inferir que em momento prévio à prolação da decisão definitiva de indeferimento do pedido de prestação de garantia, reproduzido em 4 do probatório, não houve efectivamente lugar ao chamamento prévio da Reclamante a fim de se pronunciar quanto ao sentido provável da decisão, mas à sua interpelação directa para, querendo, reclamar do respectivo teor, “nos termos do artigo 276.º e ss do CPPT”, conforme expressamente se extrai do conteúdo do referido acervo documental.
Os factos vertidos em 14 do probatório, foram extraídos do teor do Ofício de citação, datado de 01/11/2020, de chamamento da aqui Reclamante para o processo de execução fiscal sob apreço, em resultado da consulta oficiosa SITAF ao já identificado processo de Oposição à Execução Fiscal n.º ../21.1BEBRG, que corre os seus termos neste Tribunal [respectivas fls. 8 do SITAF], tendo sido dado cumprimento ao preceituado no n.º 2, do artigo 412.º do CPC ex vi alínea e), do artigo 2.º do CPPT.
A matéria de facto dada por não provada consolidou-se em face a sua pertinência para a composição do thema decidendum, mormente quanto à apreciação do invocado vício de preterição de audição prévia e a aferição da possibilidade de aproveitamento do acto impugnado. Neste conspecto, e no exercício pleno do dever de inquisitório [cf. artigo 13.º, n.º 1 do CPPT], assegurou-se a consulta de todos os elementos documentais carreados para os autos, concedendo especial relevância à informação técnica instruenda elaborada, nos termos do artigo 277.º, n.º 2 do CPPT, pelo Serviço de Finanças de Braga .., de 29/04/2021 [e constante a fls. 36 do SITAF], da qual não se extraiu qualquer alusão à participação da Reclamante no procedimento, para além da que se deixou expressamente consignada no ponto 7 do probatório. Esta circunstância, aliada à factualidade dada por provada no ponto 13 e concatenada com a ausência de qualquer alegação e prova produzida sobre a matéria por parte da Entidade Reclamada, foram determinantes para a sua consignação como matéria não provada, tendo presente as regras de ónus de alegação e prova patenteadas nos artigos 74.º da LGT e 414.º do CPC [ex vi artigo 2.º, alínea e) do CPPT].
**
Apreciação jurídica do recurso.

A Recorrente invoca dois fundamentos no sentido de que a garantia a prestar não possui idoneidade para fazer face ao pagamento da dívida exequenda.
Um fundamento baseia-se no facto de o álcool ter sido desnaturado em desconformidade com o n.º 1 do anexo ao Regulamento de Execução (EU) n.º 2017/1112 da Comissão, tendo sido a desnaturação efetuada com base em regulamento diferente do que atualmente vigora e, por efeito da pandemia COVID19, foram introduzidas regras que permitiram autorizar excecionalmente a venda, sob controlo aduaneiro e a saída de entreposto fiscal de álcool totalmente desnaturado para um operador, mas doravante já não será admitida em semelhantes termos.
O segundo fundamento, sustenta-se no facto de que a introdução no consumo pressupor, primeiro que a sua desnaturação obedeça aos ínsitos no artigo 68.º do CIEC, e ao pagamento dos respetivos impostos conforme regula o mesmo diploma [(artigo 66.º n.º 2 alínea j)]. Mais refere que a introdução no consumo do álcool desnaturado estará sempre dependente de autorização e sob controlo aduaneiro a sua saída de entreposto fiscal. Diz, ainda, que para a garantia ser idónea não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afetar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia.

Começando pela análise do primeiro fundamento de recurso, verificamos que se torna necessário transcrever a informação prestada pela Alfândega, bem assim como as normas Comunitárias (agora União Europeia) ao caso aplicáveis, para melhor compreensão do assunto.

Conforme dado por assente no ponto 9. da matéria de facto, a Alfândega de Braga comunicou ao Órgão de Execução Fiscal o seguinte:
1. O produto acabado que se encontra no depósito 38 resulta de uma operação de desnaturação, efetuada sob controlo aduaneiro, em 31-08-2008, no entreposto fiscal de produção de álcool etílico (PT5063007….);
2. A desnaturação do álcool consiste na adição de desnaturantes (marca fiscal) ao álcool etílico, de forma a assegurar a aplicação correta das isenções de IABA ao álcool utilizado em fins industriais ou para venda ao público para fins terapêuticos e sanitários, com vista qualquer tipo de fraude ou utilização indevida do álcool em questão;
3. A desnaturação total do álcool etílico é efetuada com os desnaturantes e proporções fixadas no Regulamento de Execução (UE), da Comissão de 30 de Novembro, sendo de referir que à data da operação de desnaturação do álcool etílico da D., aplicava-se os desnaturantes e as proporções fixadas no Regulamento (CE) n.º 2546/95, que alterou o Regulamento (CE) n.º 3199/93;
4. Nos termos do Boletim de Análise das amostras recolhidas em 29-03-2019, o qual se que se anexa, o produto existente no depósito 38 trata-se de álcool etílico totalmente desnaturado com um teor alcoólico de 95,0% Vol, mas cuja a desnaturação não foi efetuada de acordo com o estipulado no n.º 1 do anexo do Regulamento de Execução (UE) n.º 2017/1112 da Comissão, que substituiu o anexo do Regulamento (CE) n.º 3199/93;
(…)
8. Nestes termos, e dado que que a desnaturação do álcool da D. foi feita com base em regulamento diferente do atualmente em vigor, e dada a forte/urgente procura inicial de álcool etílico, foi autorizada, a título excecional e sob controlo aduaneiro, a saída de entreposto fiscal de álcool totalmente desnaturado para o operado I., Lda., NIF (…), nos termos do n/ email em anexo enviado quer à I., quer à D.;
9. Relativamente ao valor de mercado do álcool desnaturado, não dispõe esta Alfândega de tal informação, sendo certo que normalmente existe uma maior procura de álcool etílico não desnaturado e de álcool parcialmente desnaturado dado que têm um maior potencial de aplicação/usos do que o álcool totalmente desnaturado. Por outro lado, e de acordo com a informação disponível presentemente, mesmo para o álcool etílico não desnaturado ou parcialmente desnaturado assiste-se a uma estabilização da procura, não sendo previsível nova prorrogação do prazo de vigência da Portaria n.º Portaria n.º 89/2020.

Na sequência desta informação, o Órgão de Execução Fiscal considerou o seguinte:
Com efeito, resulta daquele esclarecimento que os produtos acabados e intermédios oferecidos como garantia para suspensão do processo de execução fiscal, correspondem a um depósito com o número 38, de álcool desnaturado utilizado para fins industriais ou para venda ao publico para fins terapêuticos e sanitários.
Por conseguinte, o álcool etílico aí existente totalmente desnaturado com um teor alcoólico de 95,00% Volume, foi desnaturado em desconformidade com o n.º 1 do anexo ao regulamento de execução (EU) n.º 2017/1112 da Comissão, que substituiu o anexo ao regulamento (CE) n.º 3199/93.
Mais foi clarificado que o depositário autorizado PT15063007… desde há alguns anos não tem qualquer atividade produtiva, tendo até março de 2020 quantidades significativas daquele produto em entreposto fiscal (álcool parcialmente e totalmente desnaturado).
Acresce que em virtude do surto pandémico da COVID-19, e face à escassez daqueles produtos no mercado e à sua eminencia necessidade para lhe dar resposta, foram flexibilizadas alguma regras de desnaturação, através de portaria (portaria n.º 89/2020, de 7 de abril, que introduziu medidas excecionais quanto às formalidades aplicáveis em matéria de produção, armazenagem e comercialização, bem como isenção de imposto de álcool destinado aos fins previstos no artigo 67.º n.º dos do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo (CIEC), e cujo prazo de vigência terminou em 31-12-2020 nos termos da Portaria 105/2020, de 30 de abril.
Considerando, portanto, que a desnaturação efetuada pela D. foi feita com base em regulamento diferente do que vigora, sendo autorizada excecionalmente e sob controlo aduaneiro a saída de entreposto fiscal de álcool totalmente desnaturado para o operador I. , Lda., NIF …, já não será doravante admitida em semelhantes termos.

Analisemos agora as normas da União Europeia acima mencionadas.

REGULAMENTO (CE) N.º 3199/93 DA COMISSÃO de 22 de Novembro de 1993 relativo ao reconhecimento mútuo dos processos de desnaturação total do álcool para efeitos de isenção do imposto especial de consumo
Artigo 1.º
Os desnaturantes utilizados em cada Estado-membro tendo em vista a desnaturação completa de álcool, em conformidade com o disposto no n.º 1, alínea a), do artigo 27.º da Directiva 92/83/CEE, são os descritos no anexo do presente regulamento.

REGULAMENTO (CE) N.º 2546/95 DA COMISSÃO de 30 de Outubro de 1995 que altera o Regulamento (CE) n.º 3199/93, relativo ao reconhecimento mútuo dos processos de desnaturação total do álcool para efeitos de isenção do imposto especial de consumo
(…)
Considerando que, nos termos do n.º 1, alínea a), do artigo 27.º da Directiva 92/83/CEE, os Estados-membros devem isentar do imposto especial de consumo o álcool totalmente desnaturado de acordo com as normas de qualquer dos Estados-membros, desde que essas normas tenham sido devidamente notificadas e aceites nos termos do disposto nos n.os 3 e 4 do referido artigo;
Considerando que Portugal, a Finlândia, a Áustria e a Suécia comunicaram os desnaturantes que tencionam utilizar;
Considerando que a Itália comunicou uma modificação do texto da fórmula do desnaturante autorizado pelo Regulamento (CE) n.º 3199/93,
ADOPTOU O PRESENTE REGULAMENTO:
Artigo 1.º
O Regulamento (CE) n.º 3199/93 é alterado do seguinte modo:
a) No anexo, são aditados os seguintes países:
Portugal
Álcool etílico de qualidade inferior, contendo por hectolitro, no mínimo 5 litros de metanol e de álcoois superiores, com um teor alcoólico superior ou igual a 90 % vol e inferior a 96 % vol, a que se adicionou por hectolitro:
— 2 litros de essência de terebentina ou petróleo, e
— 2 gramas de verde malaquite ou azul de metileno.
(…)

REGULAMENTO DE EXECUÇÃO (UE) 2017/1112 DA COMISSÃO de 22 de junho de 2017 que altera o Regulamento (CE) n.º 3199/93 relativo ao reconhecimento mútuo dos processos de desnaturação total do álcool para efeitos de isenção do imposto especial de consumo
A COMISSÃO EUROPEIA,
Tendo em conta o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, Tendo em conta a Diretiva 92/83/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas ( 1 ), nomeadamente o artigo 27.º, n.º 4,
Considerando o seguinte:
(1) Em conformidade com o artigo 27.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 92/83/CEE, os Estados-Membros devem isentar do imposto especial de consumo o álcool totalmente desnaturado de acordo com as normas de qualquer dos Estados-Membros, desde que essas normas tenham sido devidamente notificadas e aceites, em conformidade com o disposto nos n.os 3 e 4 do referido artigo.
(2) Os desnaturantes utilizados em cada Estado-Membro tendo em vista a desnaturação total do álcool referida no artigo 27.º, n.º 1, alínea a), da Diretiva 92/83/CEE são descritos no anexo do Regulamento (CE) n.º 3199/93 da Comissão (2).
(3) O Regulamento de Execução (UE) 2016/1867 da Comissão (3) alterou o Regulamento (CE) n.º 3199/93 introduzindo um único processo comum para a desnaturação total do álcool. Este processo comum implicava a utilização, por hectolitro de etanol absoluto, de um litro de álcool isopropílico (IPA), de um litro de metiletilcetona (MEK) e de um grama de benzoato de denatónio. Destinava-se também a substituir todos os vários processos de desnaturação nacionais, a fim de prevenir a fraude, a evasão e a utilização indevida.
(4) O procedimento seguido para a adoção do Regulamento de Execução (UE) 2016/1867 não estava em conformidade com o artigo 27.º, n.os 3 e 4, da Diretiva 92/83/CEE. É, pois, necessário revogar o referido regulamento de execução.
(5) Até 15 de março de 2017, alguns Estados-Membros comunicaram à Comissão os desnaturantes destinados à desnaturação total do álcool que tencionam empregar para efeitos do disposto no artigo 27.º, n.º 1, alínea a), a partir de 1 de agosto de 2017.
(6) A Comissão transmitiu as comunicações recebidas aos restantes Estados-Membros até 15 de março de 2017.
(7) Um Estado-Membro levantou uma objeção em conformidade com o artigo 27.º, n.º 4, da Diretiva 92/83/CEE, com o fundamento de que o processo para a desnaturação total do álcool contendo um litro de álcool isopropílico (IPA), um litro de metiletilcetona (MEK) e um grama de benzoato de denatónio por hectolitro de etanol absoluto é suscetível de utilização abusiva, pelo que não preenche os requisitos do artigo 27.º, n.º 1, da Diretiva 92/83/CEE no que respeita à prevenção de qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida.
(8) No que respeita aos Estados-Membros que não comunicaram a sua intenção de utilizar novos desnaturantes, devem continuar a ser aplicados os processos já incluídos no anexo do Regulamento (CE) n.º 3199/93 antes da sua alteração pelo Regulamento de Execução (UE) 2016/1867.
(9) Os processos que tenham deixado de estar incluídos no anexo do Regulamento (CE) n.º 3199/93 podem ser utilizados num Estado-Membro onde sejam autorizados, para a produção de álcool a utilizar no fabrico de produtos não destinados ao consumo humano, nos termos do artigo 27.º, n.º 1, alínea b), da Diretiva 92/83/CEE.
(10) O Regulamento (CE) n.º 3199/93 deve, pois, ser alterado em conformidade.
(11) A fim de evitar quaisquer dúvidas quanto às disposições aplicáveis nestas circunstâncias especificas, o Regulamento de Execução (UE) 2016/1867 deve ser expressamente revogado.
(12) Por razões de segurança jurídica, o presente regulamento deve ser aplicável a partir da mesma data que o Regulamento de Execução (UE) 2016/1867, devendo, portanto, entrar em vigor com caráter de urgência.
(13) As medidas previstas no presente regulamento estão em conformidade com o parecer do Comité dos Impostos Especiais de Consumo,
(…)
ANEXO
Lista dos produtos com o respetivo número de registo CAS (Chemical Abstracts Service) autorizados para a desnaturação completa do álcool. (…)

DIRECTIVA 92/83/CEE DO CONSELHO de 19 de Outubro de 1992 relativa à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas
SECÇÃO VII
ISENÇÕES
Artigo 27.º
1. Os Estados-membros isentarão do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos pela presente directiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correcta e directa das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos:
a) Sejam distribuídos sob a forma de álcool totalmente desnaturado de acordo com as normas de qualquer dos Estados-membros, tendo essas normas sido devidamente notificadas e aceites de acordo com o disposto nos nºs 3 e 4 do presente artigo. Esta isenção fica sujeita à aplicação das disposições da Directiva 92/12/CEE aos movimentos comerciais de álcool totalmente desnaturado;
b) Tenham sido desnaturados de acordo com as normas de qualquer dos Estados-membros e sejam utilizados para o fabrico de produtos não destinados ao consumo humano;
c) Sejam utilizados para o fabrico de vinagre abrangido pelo código NC 2209;
d) Sejam utilizados para o fabrico de medicamentos, conforme definidos na Directiva 65/65/CEE;
e) Sejam utilizados para o fabrico de aromas destinados à preparação de géneros alimentícios e bebidas não alcoólicas de teor alcoólico adquirido não superior a 1,2 %;
f) Sejam utilizados directamente ou como componentes de produtos semiacabados destinados à produção de géneros alimentícios, com ou sem recheio, desde que o teor de álcool não exceda 8,5 litros de álcool puro por cada 100 quilogramas do produto, no caso dos chocolates, e 5 litros de álcool puro por cada 100 quilogramas do produto, nos outros casos.
2. Os Estados-membros podem isentar do imposto especial de consumo harmonizado os produtos abrangidos pela presente directiva, nas condições por eles estabelecidas para assegurar a aplicação correcta e directa das isenções e evitar qualquer tipo de fraude, evasão ou utilização indevida, sempre que esses produtos sejam utilizados:
a) Como amostra para análise, para a realização dos ensaios de produção necessários ou para fins científicos;
b) Na investigação científica;
c) Para fins medicinais em hospitais e farmácias;
d) Em processos de fabrico, desde que o produto final não contenha álcool;
e) No fabrico de produtos constituintes não sujeitos ao imposto especial de consumo ao abrigo da presente directiva.
(…)
5. Se um Estado-membro considerar que um produto isento ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 pode suscitar uma eventual fraude, evasão ou utilização indevida, poderá recusar a isenção ou retirar a redução já concedida e, do facto, advertirá imediatamente a Comissão, que enviará a comunicação aos outros Estados-membros no prazo de um mês, sendo então tomada uma decisão final de acordo com o procedimento previsto no artigo 24.º da Directiva 92/12/CEE. Os Estados-membros não são obrigados a aplicar essa decisão com efeitos retroactivos.
6. Os Estados-membros poderão aplicar as isenções referidas no n.º 5 por reembolso do imposto especial já pago.

No seguimento da informação prestada pela Alfândega, o álcool que a Reclamante pretende dar como garantia, foi desnaturado em desconformidade com o Regulamento de Execução da União Europeia n.º 2017/1112, por isso concluiu o Órgão de Execução Fiscal que o mesmo não pode ser colocado no mercado.
Analisadas as normas da União Europeia, verifica-se que o Regulamento de Execução n.º 2017/1112, vem executar o Regulamento (CE) n.º 3199/93 da Comissão, alterado pelo Regulamento (CE) n.º 2546/95 da Comissão de 30 de outubro de 1995, relativo ao reconhecimento mútuo dos processos de desnaturação total do álcool para efeitos de isenção do imposto especial de consumo e que estabelecia:
Artigo 1.º
Os desnaturantes utilizados em cada Estado-membro tendo em vista a desnaturação completa de álcool, em conformidade com o disposto no n.º 1, alínea a), do artigo 27.º da Directiva 92/83/CEE, são os descritos no anexo do presente regulamento.

Por sua vez, a Diretiva 92/83/CEE (citada nos Regulamentos), referia-se à harmonização da estrutura dos impostos especiais sobre o consumo de álcool e bebidas alcoólicas, admitindo no seu artigo 27.º, que determinados produtos alcoólicos pudessem beneficiar de isenção de impostos especiais.
Portanto, o que está em causa é apenas a desnaturação do álcool, para efeitos o disposto no n.º 1, alínea a), do artigo 27.º da Directiva 92/83/CEE, ou seja, produto alcoólico que beneficia de isenção de imposto especial sobre o consumo, no caso português de IABA (imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas).
Por isso, o produto não podia ser vendido, com isenção de IABA e, somente com o levantamento das restrições decorrentes da pandemia COVID19, é que o produto foi vendido sem ter de pagar qualquer imposto especial sobre o álcool. Isenção essa que, entretanto, já não se verifica.
Em função do que acima se descreve, pode concluir-se que o álcool em apreço foi desnaturado para poder ser vendido isento de imposto, sendo que atualmente já não poderá beneficiar dessa isenção, uma vez que os produtos utilizados na desnaturação já não são admitidos para esse efeito, ou seja, para o efeito de serem vendidos isentos de imposto.

Importa então saber, se o álcool desnaturado pode ser introduzido no mercado pagando o imposto especial sobre o álcool.
O que nos coloca também na análise do segundo fundamento do recurso.
Relativamente a este fundamento, alega o Recorrente que a desnaturação deve obedecer aos ínsitos no artigo 68.º do CIEC, e ao pagamento dos respetivos impostos conforme regula o mesmo diploma [(artigo 66.º n.º 2 alínea j)].
Analisemos, então, o artigo 68.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo.
Artigo 68.º (Álcool desnaturado)
1 — Para efeitos de isenção do imposto, o álcool utilizado em fins industriais deve ser objeto de desnaturação, através de desnaturante a identificar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da economia, ou através dos desnaturantes nas proporções descritas no ponto I do anexo ao Regulamento de Execução (UE) n.º 162/2013, da Comissão, de 21 de fevereiro, sendo que, para efeitos de comercialização exclusivamente em território nacional, é permitida a adição de corante — azul de metileno — à fórmula prevista naquele regulamento, na proporção de 2 g/hl de álcool a desnaturar.
2 — Em derrogação do disposto no número anterior, o álcool para utilização em fins industriais pode excepcionalmente não ser desnaturado desde que, comprovadamente, a desnaturação se revele prejudicial à saúde pública.
3 — Para efeitos do número anterior, a autorização é dada pelo director da alfândega e fica subordinada à condição da utilização industrial se realizar no local especificado naquela autorização, ou noutro local sob controlo aduaneiro.
4 — O álcool destinado a consumo próprio dos hospitais e demais estabelecimentos de saúde, públicos ou privados, pode igualmente ser objecto de desnaturação através de desnaturante a identificar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
5 — Para efeitos da isenção do imposto prevista na alínea e) do n.º 3 do artigo anterior, o álcool para fins terapêutico se sanitários, destinado à venda ao público em farmácias, drogarias e outros estabelecimentos comerciais, para o efeito devidamente licenciados, deve ser objecto de desnaturação, através de desnaturante a identificar por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da saúde.
6 — Os operadores referidos no n.º 1 do artigo 4.º, que pretendam receber álcool parcialmente desnaturado de outro Estado membro ou de países terceiros, devem comunicar à estância aduaneira competente, no termo da operação de circulação ou no acto da importação, consoante o caso, o desnaturante utilizado e as respectivas quantidades.
7 — Para efeitos do número anterior, só se considera álcool desnaturado se a desnaturação tiver sido realizada nos termos da legislação nacional aplicável.

Mostra-se pertinente, que seja ainda analisado o art. 67.º do mesmo Código.
Artigo 67.º Isenções
1 — Estão isentos do imposto as bebidas alcoólicas e o álcool quando utilizados:
(…)
3 — Está ainda isento do imposto o álcool:
a) Utilizado em fins industriais, nos termos do artigo 68.º;
b) Distribuído sob a forma de álcool totalmente desnaturado nos termos fixados pelo Regulamento de Execução (UE) n.º 162/2013, da Comissão, de 21 de fevereiro;

Conforme decorre do n.º 1 do artigo 68.º, e da alínea b) do n.º 3 do artigo 67.º, o álcool deve ser desnaturado conforme as Portarias aplicáveis ou Regulamento de Execução (UE) n.º 162/2013, para poder beneficiar de isenção de imposto especial sobre o consumo.
Conforme já acima mencionado, o álcool em apreço não cumpre os requisitos de desnaturação para poder beneficiar da isenção de imposto.

Significa isto que o álcool desnaturado e parcialmente desnaturado em desconformidade com as normas aplicáveis ao respetivo processo de desnaturação está sujeito ao processo de tributação de imposto especial sobre o álcool e bebidas alcoólicas, conforme decorre das alíneas j) e l) do n.º 2 do artigo 66.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que estabelecem da seguinte forma:
PARTE II
Parte especial
CAPÍTULO I
Imposto sobre o álcool, as bebidas alcoólicas e as bebidas adicionadas de açúcar ou outros edulcorantes
Secção I
Álcool e bebidas alcoólicas
Artigo 66.º (Incidência objectiva)
1 — O imposto incide sobre a cerveja, os vinhos, outras bebidas fermentadas, os produtos intermédios e as bebidas espirituosas, genericamente designadas por bebidas alcoólicas, e sobre o álcool etílico, genericamente designado por álcool.
2 — Para efeitos de aplicação do número anterior, entende-se por:
(…)
j) «Álcool etílico parcialmente desnaturado» o álcool a que se adicionaram, como desnaturante, substâncias químicas que o tornam impróprio para o consumo humano por ingestão;
l) «Álcool etílico totalmente desnaturado» o álcool a que foram adicionados os desnaturantes nas proporções descritas no ponto I do anexo ao Regulamento de Execução (UE) n.º 162/2013, da Comissão, de 21 de fevereiro;

Daqui resulta, que o álcool desnaturado e parcialmente desnaturado em desconformidade com as normas aplicáveis ao respetivo processo de desnaturação, não pode ser objeto de isenção de IABA.
Mas esse álcool desnaturado e parcialmente desnaturado em desconformidade com as normas aplicáveis, pode ser introduzido no mercado, desde que pago o imposto (IABA) legalmente devido.
Aliás, este entendimento também é adotado pela Administração Tributária, conforme se pode ver no seu Manual dos Impostos Especiais de Consumo, pág. 20, em: https://info-aduaneiro.portaldasfinancas.gov.pt/pt/legislacao_aduaneira/manuais_doclib/Documents/Manual_IEC.pdf
Conforme referido na Sentença o arrematante, em caso de venda judicial, torna-se o sujeito passivo do imposto, conforme decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo, que se transcreve:
Artigo 4.º (Incidência subjectiva)
São sujeitos de impostos especiais de consumo:
(…)
2 — São também sujeitos passivos, sem prejuízo de outros especialmente determinados no presente Código:
(…)
b) O arrematante, em caso de venda judicial ou em processo administrativo;

Em face do exposto, verifica-se que não ocorre uma impossibilidade absoluta, de o bem que se pretende dar em garantia, não poder ser colocado à venda e poder ter compradores.
Nem o facto de o comprador ter de pagar IABA, altera os dados da questão, uma vez que a obrigação de pagamento de um imposto, não se pode considerar uma limitação ao acionamento da garantia, uma vez que se trata do cumprimento de uma obrigação legal, situação que não se pode entender como limitadora dos direitos do credor. Aliás, o mesmo sucede com as garantias dadas em bens imóveis, os quais em caso de venda terão de pagar o IMT, não sendo por esse motivo de deixam de ser idóneas ou admissíveis como garantes da dívida.
Não obstante se poder colocar a questão de o comprador ter de pagar o imposto, sempre terá também de se equacionar o valor que venha a ser colocado à venda, pois que se for por um montante acessível para os operadores económicos, mesmo que tenham de pagar o IABA, tem de se admitir que sempre possam surgir interessados.
Aliás, tendo em conta que a execução ronda os nove mil euros, e os bens dados em garantia os noventa mil euros, não se antolha que a garantia não possa cobrir o valor exequendo.
Alega, ainda, o Recorrente que a introdução no consumo do álcool desnaturado estará sempre dependente de autorização e sob controlo aduaneiro a sua saída de entreposto fiscal.
Diz, ainda, que para a garantia ser idónea não pode estar subordinada a condições ou limitações que possam afetar a possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da garantia.
Se bem interpretados estes fundamentos, para que a garantia a prestar possa ser entregue para pagamento da dívida em execução fiscal, é necessária autorização de entidade terceira; no caso da Alfândega.
Ora, conforme já acima referido, o produto em apreço, desde que pago o respetivo IABA, pode ser colocado no mercado, pelo que já não é necessária autorização especial para a sua introdução no consumo, assim como não se vislumbra qual seja o óbice burocrata que impeça a sua entrega ao adquirente. É que pago o IABA, a mercadoria pode ser introduzida no consumo, pelo que a Alfândega apenas se limitará a verificar que o produto vendido é o que vai ser entregue ao comprador.
Desta forma, conclui-se que não existe qualquer condição ou limitação para o acionamento da garantia, caso seja necessário, para fazer face ao pagamento da dívida exequenda, assim como o valor da garantia satisfará os créditos exequendos.
Em face do exposto, conclui-se que a garantia que a Reclamante pretende prestar possui idoneidade, pelo que o recurso não merece provimento.
**
Nos termos do n.º 7 do artigo 663.º do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário:

I – O álcool desnaturado em desconformidade com as normas da União Europeia não pode beneficiar de isenção de imposto especial sobre o álcool, pelo que para ser introduzido no consumo, está sujeito ao pagamento de IABA.
II – O álcool desnaturado em desconformidade com as normas da União Europeia, pode ser dado em garantia na execução fiscal, uma vez que o arrematante fica a ser o sujeito passivo do pagamento do imposto especial sobre o álcool.
III – A idoneidade da garantia, afere-se pela possibilidade de satisfazer os créditos exequendos e não apresentar quaisquer condições ou limitações.
*
*
Decisão

Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
*
*
Custas a cargo da Recorrente.
*
*
Porto, 13 de janeiro de 2022.

Paulo Moura
Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos