Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00120/20.5BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Rosário Pais
Descritores:OBSCURIDADE DA SENTENÇA; CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM; REVISÃO OFICIOSA; PRESSUPOSTOS;
INJUSTIÇA NOTÓRIA E GRAVE; COMPORTAMENTO NEGLIGENTE DO CONTRIBUINTE
Sumário:I – A nulidade da sentença, sustentada na ambiguidade ou obscuridade da decisão, prevista na alínea c) do artigo 615º, nº 1, do CPC, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respetivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto no aresto (obscuridade).

II - Salvo os casos dos nºs 2 e 3 do artigo 609º do CPC, por força do artigo 615º, nº 1, al. e), do CPC, não pode o juiz ultrapassar na decisão os limites quantitativos ou qualitativos do pedido ou pedidos deduzidos, sob pena de incorrer em flagrante violação dos princípios do dispositivo e do contraditório e da decisão judicial ser nula na parte em que ocorre essa condenação quantitativamente superior ao pedido ou na parte em que a condenação seja qualitativamente distinta desse pedido.

III - A condenação da AT a apreciar os pedidos de revisão oficiosa, não corresponde a qualquer dos pedidos formulados pelo impugnante, nem tão pouco é admissível no âmbito da impugnação judicial, pelo que, indubitavelmente, se verifica a nulidade apontada pela Recorrente de condenação ultra petitum, devendo declarar-se nulo este segmento decisório.

IV – A revisão do ato tributário, nos termos do artigo 78º nº 4 da LGT só pode ser autorizada pelo dirigente máximo dos serviços, verificados que sejam os seguintes requisitos:
1 - três anos posteriores ao ato tributário;
2 - Fundamento de injustiça grave e notória, conceito que é precisado no seguinte nº 5, em termos de “tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”;
3 - Erro não imputável a comportamento negligente do contribuinte.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:E., LDA
Recorrido 1:Fazenda Pública
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:
*

1. RELATÓRIO
1.1. O Exm.º Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro em 29.06.2021, pela qual foi julgada procedente a impugnação judicial do “indeferimento do recurso hierárquico do indeferimento do pedido de revisão da matéria tributável subjacente à liquidação de IMT n.º 8183383, no montante de €0,00 e n.º 8183358, no montante de €0,00, assim como a liquidação do Imposto de Selo n.º 3069755 no montante de €891,21 e n.º 3069736 no montante de €6.545,27” e determinada a baixa dos autos à AT para que proceda à análise e se pronuncie sobre os fundamentos apresentados nos pedidos de revisão aí formulados e Improcedente o pedido de anulação total dos atos de liquidação de IMT e Imposto de Selo impugnados, assim como a restituição dos montantes pagos e improcedente quanto ao pedido de anulação das liquidações.

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes:
« CONCLUSÕES
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença de 29.06.2021 que julgou no sentido da procedência da “presente impugnação e determinação da baixa dos autos à AT para que esta proceda à análise e se pronuncie sobre os fundamentos apresentados nos pedidos de revisão aí formulados.
B. Com a ressalva do sempre devido respeito, que é muito, não pode a Fazenda Pública conformar-se com o doutamente decidido, uma vez que, é sua convicção que a sentença sob recurso incorre numa oposição entre os fundamentos e a decisão, patenteando uma obscuridade tornando a decisão ininteligível e ainda na existência de objeto diverso do pedido.
C. Atendendo à factualidade assente no probatório é por demais evidente a comprovada análise dos fundamentos e respetivas decisões dos pedidos de revisão apresentados pela Impugnante em sede de IMT e de IS, no cumprimento do artigo 56º da Lei Geral Tributária (LGT) onde é enunciado o princípio da decisão, nos termos do qual a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) é obrigada a pronunciar-se sobre todos os assuntos da sua competência que lhe sejam apresentados por meio de reclamações, recursos, representações, exposições, queixas ou quaisquer outros meios previstos na lei pelos sujeitos passivos ou quem tiver interesse legítimo, tendo em conta o princípio do duplo grau de decisão preceituado no artigo 47º do CPPT, ficando assim, esgotadas as decisões administrativas por parte da AT, resultando em caso decidido.
D. E com base nessa realidade e na defesa dos seus direitos e interesses, a Impugnante interpôs a presente impugnação judicial em relação às decisões que lhe foram desfavoráveis (artigo 99º e seguintes do CPPT), cabendo ao Tribunal o cotejo e decisão da causa, com a produção da sentença (artigo 122º do CPPT).
E. Importando, salientar que a prevalência do caso julgado não pode significar a existência de sentenças impositivas, através das quais o Tribunal imponha condutas reconstitutivas à Administração. Uma vez que se trata aqui de um contencioso de mera anulação.
F. Assim, e salvo o devido respeito que é muito, o Tribunal a quo não realizou um contencioso de mera anulação, como se imponha, mas sim, produziu uma sentença impositiva, no sentido de determinar quais os procedimentos a seguir pela AT na reconstituição da legalidade, o que de todo se pode acolher.
G. Da sentença produzida retira-se com facilidade uma realidade de oposição entre os fundamentos e a respetiva decisão, patenteando uma obscuridade efetiva que torna a decisão ininteligível, cf. alínea e) do número 1 do artigo 615º do CPC.
H. Atente-se que não é suficiente que conste da sentença judicial os fundamentos de facto e de direito, exige-se que a consequência retirada com base naqueles fundamentos seja lógica e legal.
I. Padecendo a sentença de obscuridade, materializada na equivocidade, uma vez que o decisório é duvidoso para um qualquer destinatário normal, tornando-se ininteligível ou incompreensível.
J. Uma vez que, o decisório, mesmo concluindo pela ilegalidade das decisões, decidiu pela improcedência do pedido de anulação total dos atos de liquidação de IMT e de IS, assim como a restituição dos montantes pagos!
K. Reforçando o que anteriormente já foi escrito no presente recuso, que retrata o entendimento da Fazenda Pública, a AT já procedeu à análise e pronúncia efetiva e consequente decisão administrativa em relação ao benefício fiscal invocado pela Impugnante, como está devidamente assente no probatório, no cumprimento do princípio do duplo grau de decisão (artigo 47º do CPPT).
L. E ao Tribunal a quo competia decidir da legalidade ou não das liquidações impugnadas e dessa forma materializar o objeto da impugnação judicial.
M. Uma vez que, o processo de impugnação judicial segue um modelo de cariz objetivista, dirigido à apreciação da legalidade do ato tributário, pelo que na sua eventual procedência não se deverão extrair outras consequências que não sejam as de declarações de nulidade ou anulação do ato impugnado.
N. Mas, assim não aconteceu e por isso é incompreensível a decisão no sentido da procedência da presente impugnação com a determinação da baixa dos autos à AT para que esta proceda à análise e se pronuncie sobre os fundamentos apresentados nos pedidos de revisão e ao mesmo tempo se decida pela improcedência do pedido de anulação total dos atos de liquidação de IMT e Imposto do Selo impugnados, assim como a restituição dos montantes pagos.
O. Temos ainda que, o pedido da Impugnante é claro no sentido de pugnar pela anulação total das liquidações de IMT e de IS e não no sentido de que a AT deve proceder à análise e pronúncia dos fundamentos pela Impugnante apresentados nos pedidos de revisão formulados.
P. Não podendo o Juiz produzir uma sentença ultra petitum e dessa feita, não podendo ultrapassar na sentença os limites do pedido, em violação do princípio dispositivo por imposição do número 1 do artigo 609º do CPC, ex vi da alínea e) do número 1 do artigo 615º do CPC, por objeto diverso do pedido.

Termos em que,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta sentença, no que concerne à procedência da presente impugnação com a determinação da baixa dos autos à AT para que esta proceda à análise e se pronuncie sobre os fundamentos apresentados nos pedidos de revisão aí formulados, em virtude da existência de oposição entre os fundamentos e a decisão, patenteando uma obscuridade efetiva que torna a decisão ininteligível, violando o disposto no número 1 do artigo 125º do CPPT, no segmento, “a oposição dos fundamentos com a decisão”, conjugado com a alínea c) do número 1 do artigo 615º do CPC e ainda por “objeto diverso do pedido” com a violação do número 1 do artigo 609º do CPC, ex vi, alínea e) do número 1 do artigo 615º, também, do CPC, com as legais consequências.».

1.3. A Recorrida E., Lda, apresentou contra-alegações, concluindo que deve ser negado ao presente recurso, confirmando-se decisão recorrida.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer do qual se extrai o seguinte:
«(…)
Em nossa opinião, se as isenções de IMT e de IS, previstas respetivamente, nos artigos 270.º e 269.º do CIRE, são de aplicação automática, como todos nos autos parecem aceitar, dado não possuir a AT o poder discricionário de conceder ou não tal isenção, e resulta do disposto no artigo 10.º, n.º 8 al. d), do CIMT, que prevê o seguinte:
(…)
apesar de a Impugnante, previamente à celebração de escritura de compra e venda dos dois imóveis em questão nestes autos, ter procedido à liquidação de IMT e de IS, atentas as isenções previstas naqueles supra referidos normativos legais, de aplicação automática, deveria a AT, aquando da apresentação das reclamações graciosas, ter procedido à revisão desses atos tributários, com o fundamento legal de que tais atos se encontravam isentos, tendo por base e fundamento, a injustiça grave e notória, prevista no artigo 78.º, n.º 4 da LGT.
Na verdade, se se considera notória a injustiça ostensiva e inequívoca, quando resulta de tributação manifestamente exagerada e desproporcionada, por maioria de razão se deve concluir no mesmo sentido, quando o ato foi tributado e o mesmo se encontrava isento.
Assim, quanto a nós, o M.mo Juiz do TAF do Porto fez uma correta apreciação dos factos em discussão, mas não levou a sua decisão até às últimas consequências, ou seja, não anulou os atos de liquidação impugnados, tendo decidido ordenar a remessa dos autos à AT para emitir decisão sobre os pedidos de revisão ali formulados, incorrendo na nulidade apontada no recurso apresentado pela Fazenda Pública.
Perante o exposto, deve a sentença ser revogada e substituída por outra, que ordene a anulação dos atos tributários de liquidação impugnados.
(…).»
*
Dispensados os vistos prévios, nos termos do artigo 657.º, n.º 4, do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.
*

2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de nulidade por obscuridade e por condenação ultra petitum.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
«Com relevância para a decisão a proferir nos presentes autos, consideram-se provados os seguintes factos:
1) Em 6.07.2017 foi apresentada pela E., Lda., declaração para liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas e Imóveis relativa ao prédio inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de (...), sob o artigo 7877 e ao prédio inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de (...), sob o artigo 8594 – cfr. fls. 112 e 113 do processo físico.
2) Em 06.07.2017, E., Lda., celebrou contrato de compra e venda com a sociedade I., S.A. outorgado por escritura celebrada no Cartório Notarial de (...), tendo por objecto o prédio inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de (...), sob o artigo 7877 e o prédio inscrito na matriz predial urbana da união das freguesias de (...), sob o artigo 8594 – cfr. fls. 10 a 12 do processo físico.
3) Na sequência das declarações descritas em 1), a Autoridade Tributaria e Aduaneira emitiu em 6.07.2017 a liquidação n.º 8183383, com colecta a €0,00 e n.º 8183358, com colecta a €0,00, relativas a Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas e Imóveis, decorrente do benefício fiscal associado aos prédios para revenda – cfr. fls. 67 e verso de fls. 69 e fls. 70 do processo físico.
4) Na sequência das declarações descritas em 1), a Autoridade Tributaria e Aduaneira emitiu em 06.07.2017 a liquidação de Imposto de selo n.º 3069755, no montante de €891,21 e a liquidação n.º 3069736 no montante de €7.436,48, pagas na mesma data – cfr. fls. 68 e 69 e verso de fls. 70 a verso de fls. 71 do processo físico.
5) No âmbito do processo que correu termos na 2ª secção de Comércio da Comarca de Aveiro, foi proferida em 8.07.2016, sentença de homologação do Plano Especial de Revitalização da I., S.A. – cfr. fls. 14 a 48 do processo físico.
6) Em 23.03.2018, E., Lda., apresentou junto do Serviço de Finanças pedido de revisão relativamente à liquidação de Selo n.º 3069755, no montante de €891,21.
7) Em 15.05.2018 a Direcção de Finanças do Porto proferiu informação no sentido do indeferimento do pedido de revisão a que se alude em 6) – cfr. verso de 95 a verso de fls. 96 do processo físico.
8) Sob a informação a que se alude em 6), recaiu em 17.05.2018 despacho de concordância – cfr. verso de fls. 95 do processo físico.
9) Em 23.03.2018, E., Lda., apresentou junto do Serviço de Finanças pedido de revisão relativamente à liquidação de Selo n.º 3069736, no montante de €6.545,27.
10) Em 15.05.2018 a Direcção de Finanças do Porto proferiu informação no sentido do indeferimento do pedido de revisão a que se alude em 9) – cfr. verso de 95 a verso de fls. 96 do processo físico.
11) Sob a informação a que se alude em 10), recaiu em 17.05.2018 despacho de concordância – cfr. verso de fls. 98 do processo físico.
12) Das decisões de indeferimento a que se alude em 8) e 11), foi apresentado recurso hierárquico – cfr. verso de fls. 93 e fls. 94 do processo físico.
13) Em 23.7.2019 foi proferida informação pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas sobre Imóveis, Imposto de Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais, sob que recaiu em 25.10.2019 despacho de indeferimento – cfr. verso de fls. 72 a fls. 76 do processo físico.
14) Em 23.03.2018, E., Lda., apresentou junto do Serviço de Finanças pedido de revisão relativamente à liquidação de IMT n.º 8183383 e n.º 8183358, ambas a zeros.
15) Em 7.05.2018 a Direcção de Finanças do Porto proferiu informação no sentido do indeferimento do pedido de revisão a que se alude em 14) – cfr. verso de 104 e fls. 105 do processo físico.
16) Em 6.06.2018 foi exarado despacho de indeferimento do pedido de revisão a que se alude em 14 – cfr. verso de fls. 102 do processo físico.
17) Da decisão de indeferimento a que se alude em 16), foi apresentado recurso hierárquico – cfr. fls. 92 do processo físico.
18) Em 23.7.2019 foram proferidas pela Direcção de Serviços do Imposto Municipal sobre Transmissões Onerosas sobre Imóveis, Imposto de Selo, Imposto Único de Circulação e Contribuições Especiais informações, sob que recaiu em 25.10.2019 despacho de indeferimento – cfr. verso de fls. 77 a fls. 81 e verso de fls. 82 a fls. 85 do processo físico.
**
Factos não provados
Não se mostram provados outros factos, além dos supra referidos.
**
Motivação da decisão de facto
O Tribunal considerou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados, assim como, na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados [cfr. artigo 74º da Lei Geral Tributária (LGT)], também são corroborados pelos documentos juntos, conforme predispõe o artigo 76º n.º 1 da LGT e artigo 362º e seguintes do Código Civil.».

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Das nulidades da sentença
A Recorrente e o Exm.º Procurador Geral Adjunto pugnam pela nulidade da sentença por obscuridade, na parte em que ordena a baixa dos autos à AT para apreciação do pedido de revisão, uma vez que o mesmo já foi objeto de pronúncia por aquela entidade, e por condenação ultra petitum, por ter condenado em objeto diferente do formulado pela ora Recorrida na p.i.
Vejamos, então.
As decisões judiciais proferidas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional podem ser viciadas por duas causas distintas, obstando qualquer delas à sua eficácia ou validade, a saber: a) por se ter errado no julgamento dos factos e/ou do direito, sendo então a respetiva consequência a sua revogação; e b) como atos jurisdicionais que são, por se ter violado as regras próprias da sua elaboração e/ou estruturação, ou as que balizam o conteúdo e/ou os limites do poder à sombra do qual são decretadas, sendo então passíveis de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.
As causas determinativas de nulidade das decisões judiciais encontram-se taxativamente elencadas no artigo 615º do CPC e reportam-se a vícios formais da sentença em si mesma considerada, decorrente de na respetiva elaboração e/ou estruturação não terem sido respeitadas as normas processuais que regulam essa sua elaboração e/ou estruturação e/ou as que balizam os limites da decisão nela proferida (o campo de cognição do tribunal fixado pelas partes e de que era lícito ao último conhecer oficiosamente não foi respeitado, ficando a decisão aquém ou indo além desse campo de cognição), tratando-se, por isso, de defeitos de atividade ou de construção da própria decisão judicial (seja, sentença, acórdão ou despacho) em si mesma considerada ou, reafirma-se, vícios formais que afetam essa decisão de per se ou os limites à sombra dos quais esta é proferida.
Diferentemente desses vícios são os erros de julgamento (error in judicando), os quais contendem com vícios quanto ao julgamento da matéria de facto nela realizado ou à decisão de mérito nela proferida, decorrentes de se ter incorrido numa distorção da realidade factual julgada provada e/ou não provada, em virtude da prova produzida impor julgamento de facto diverso do realizado pelo tribunal a quo (error facti) e/ou por este ter incorrido em erro na aplicação do direito (error juris).
Nos erros de julgamento assiste-se, assim, ou a uma deficiente análise crítica da prova produzida ou a uma deficiente enunciação e/ou interpretação dos institutos jurídicos aplicáveis aos factos provados e não provados, sendo que esses erros, por não respeitarem já a defeitos que afetam a própria estrutura da sentença em si mesma considerada ou aos limites à sombra dos quais aquela é proferida, não a inquinam de invalidade, mas sim de error in judicando, atacáveis em via de recurso - Ac. STJ. 08/03/2001, Proc. 00A3277, in base de dados da DGSI.
3.2.1.1. A invocada nulidade da sentença, sustentada na ambiguidade ou obscuridade da decisão, prevista na alínea c) do aludido normativo, remete-nos para a questão dos casos de ininteligibilidade do discurso decisório, concretamente, quando a decisão, em qualquer dos respetivos segmentos, permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou quando não é possível saber com certeza, qual o pensamento exposto no aresto (obscuridade).
Destacamos que a nulidade da sentença, suportada na ambiguidade ou obscuridade da mesma, pressupõe duas ou mais interpretações de qualquer ponto da decisão, ou, da leitura da sentença escrutinada, não é possível conhecer, com exatidão, qual o pensamento exposto, determinando que os respetivos destinatários fiquem sem saber, inequivocamente, qual o resultado consignado no acórdão.
Revertendo ao caso dos autos, divisamos que, não só a decisão proferida, em qualquer dos respetivos segmentos, não permite duas ou mais interpretações (ambiguidade), ou, tão pouco, coloca incerteza quanto ao pensamento exposto na sentença (obscuridade).
Atentemos, pois, na fundamentação de direito constante na sentença recorrida:
« (…)
i. Liquidações de IMT
Quanto às liquidações de IMT, considerou a Autoridade Tributaria e Aduaneira (AT) que o meio de reacção previsto no artigo 78.º da LGT é inaplicável à revisão dos actos administrativos em matéria fiscal, como é o caso dos benefícios fiscais, uma vez que somente é de aplicar à revisão dos atos tributários strictu sensu, ou seja, actos de liquidação de obrigações tributárias.

Vejamos.

A liquidação é uma operação aritmética em que, tendo por base a já apurada matéria coletável, se aplica a taxa correspondente, com vista à determinação do valor do imposto a pagar, designado por coleta.
Parafraseando José Casalta Nabais, (in “Direito Fiscal”, 5ª edição, Almedina, pag. 321), “A liquidação lato sensu, ou seja, enquanto conjunto de todas as operações destinadas a apurar o montante de imposto, compreende: 1) o lançamento subjectivo destinado a determinar ou identificar o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal, 2) o lançamento objectivo através do qual se determina a matéria colectável ou tributável de imposto e, bem assim, se determina a taxa a aplicar, no caso de pluralidade de taxas, 3) a liquidação stricto sensu traduzida na determinação da colecta através da aplicação da taxa à matéria colectável ou tributável, e 4) as eventuais deduções à colecta.”
A par, e em comentário ao artigo 78.º da LGT, José Maria Fernandes Pires e outros (in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, pag. 842, referencia que por “acto tributário” entende-se o acto de liquidação. Este preceito legal utiliza a expressão “acto tributário” no seu sentido estrito, ou seja, respeitante ao acto de liquidação, ao acto em que se quantifica a obrigação tributária.”
Retornando ao caso dos autos e como decorre da factualidade assente, ponto 3), na sequência das declarações apresentadas pela Impugnante para liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas e Imóveis, vulgo Modelo 1, a AT emitiu a liquidação n.º 8183383, com colecta a €0,00 e n.º 8183358, com colecta a €0,00, decorrente do benefício fiscal associado aos prédios para revenda.
Ora, contrariamente ao pugnado pela AT, as liquidações aqui em questão, coligidas no acervo probatório, ponto 3), configuram uma liquidação stricto sensu, na medida em que, como delas decorre, para além de ser identificado o contribuinte ou sujeito passivo da relação jurídica fiscal “Identificação Fiscal: ……. (…)”, a determinação da matéria colectável: “Valor Patrimonial IMT: €111.401,38” / Valor Patrimonial IMT: €818.159,00”, com respectiva identificação da taxa “Taxa: 6,50%”, determinaram a colecta, apesar de resultarem em liquidações nulas, “Colecta: €0,00”.
Nesta senda, o meio previsto no artigo 78.º da LGT é, pois, aplicável às liquidações de IMT aqui controvertidas.
Resta aferir da tempestividade do pedido apresentado.
Ora, atendendo a que como resulta do acervo probatório, pontos 3) e 14), as liquidações foram emitidas em 6.07.2017 e o pedido de revisão foi entregue em 23.03.2018, é notório a tempestividade do pedido de revisão apresentado pela Impugnante.

ii. Liquidações de Imposto de Selo

No que contende com as liquidações de Imposto de Selo, considerou a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) na sua decisão de recurso hierárquico que não existia qualquer erro imputável aos serviços, na medida em que a invocação da isenção pretendida deveria ter sido aposta nos campos 4 e 49 da (…) da declaração Modelo 1, sendo a ausência do seu preenchimento exclusivamente imputável à Impugnante, não podendo também ser enquadrada no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, por este ser efectuado a título excepcional – cfr. ponto 13) da factualidade assente.
Ora, no caso presente, apesar da Impugnante ter declarado que os imóveis se destinavam a revenda, estes estavam integrados no activo da sociedade vendedora, encontrando-se esta integrada num plano de revitalização.
Com efeito, e como decorre do ponto 5) da factualidade assente, no âmbito do processo que correu termos na 2ª secção de Comércio da Comarca de Aveiro, foi proferida em 8.07.2016, sentença de homologação do Plano Especial de Revitalização da empresa vendedora dos sobreditos imóveis.
Como decorre da alínea e) do n.º 1 do artigo 269.º do CIRE “Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: (…) e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;”
Nesta senda, do acto da venda não decorria para a Impugnante qualquer Imposto de Selo a pagar.
Ora, coartar o direito da Impugnante ao pedido de revisão acarretaria uma injustiça grave e notória, na medida em que verificar-se-ia uma tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade, uma vez que, a diferença seria de €7.436,48, em vez de não ser, de todo, tributada.
Tendo as liquidações sido emitidas em 06.07.2017 e sido apresentados os pedidos de revisão em 23.03.2018, são os mesmos tempestivos – cfr. pontos 4) e 9) da factualidade assente.
Nesta senda, tendo-se concluído pelo preenchimento dos pressupostos necessários à apreciação dos pedidos de revisão, impõe-se concluir pela ilegalidade das decisões impugnadas.
Não obstante o que ficou dito, vem a Impugnante pedir a final a anulação total dos actos de liquidação de IMT e Imposto de Selo impugnadas, assim como a restituição dos montantes pagos.
No entanto, atendendo às decisões impugnadas, assim como à pretensão formulada, há que atender aos limites do Tribunal, na medida em que este deve-se cingir à decisão da AT na apreciação dos recursos hierárquicos deduzidos.
Isto porque, os Tribunais não se podem substituir às entidades públicas na formulação de valorações que, por já não terem carácter jurídico, traduzem a realização de juízos sobre a conveniência e oportunidade da sua actuação.
Assim, e na senda do aqui decidido, incumbindo à AT, num 1º momento (e não ao Tribunal), a apreciação dos fundamentos invocados, não o tendo feito, impõe-se que a AT aprecie o requerido pela impugnante, emitindo pronúncia efectiva sobre o benefício fiscal que vem invocado.
(…)».
O que temos no caso em apreço é que a Meritíssima Juiz a quo, entendendo que a AT ainda não havia tomado posição sobre os fundamentos invocados pela Recorrida no pedido de revisão, concluiu que os autos deviam baixar à AT para tal efeito. Ora, tal entendimento, podendo embora configurar um erro de julgamento – o que analisaremos adiante – não constitui uma nulidade e serve de pressuposto lógico, ainda que ilegal (como veremos já de seguida) para o decisório.
Assim, não se verifica uma nulidade por obscuridade, uma vez que o raciocínio seguido pela Meritíssima Juiz a quo, certo ou errado, não importa agora, é perfeitamente apreensível por qualquer destinatário normal.
3.2.1.2. Entre os vícios determinativos da nulidade da decisão judicial, por nesta terem sido desrespeitados os limites que balizam essa decisão, conta-se o previsto na al. e), do nº 1 do artigo 615º, onde se estabelece que é nula a sentença em que o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Deste modo, salvo os casos dos nºs 2 e 3 do artigo 609º do CPC, não pode o juiz ultrapassar na decisão os limites quantitativos ou qualitativos do pedido ou dos pedidos deduzidos, sob pena de incorrer em flagrante violação dos princípios do dispositivo e do contraditório e da decisão judicial ser nula na parte em que ocorre essa condenação quantitativamente superior ao pedido ou na parte em que a condenação seja qualitativamente distinta desse pedido. Logo, o juiz não pode “condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir” (artigo 609º, nº 1, ainda do CPC). É a consagração da velha máxima “ne eat judex ultra vel extra petita partium; sententia debet esse conformis libelo”.
Movendo-se o juiz num terreno em que domina o princípio dispositivo, são as partes que, através do pedido (artigo 3º, nº 1, do CPC), circunscrevem o “thema decidendum”, indicando a providência requerida, “não tendo o juiz que cuidar de saber se à situação real conviria ou não providência diversa” (António Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luis Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 728). Infringindo esse comando, o Tribunal ultrapassa o limite imposto por lei ao seu poder de jurisdição. Por força dessa regra, a sentença deve manter-se, quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor e pela reconvenção eventualmente deduzida pelo réu, não podendo o juiz proferir decisão que extravase essas pretensões, quer no que respeita à quantidade, quer relativamente ao seu próprio objeto, sob pena de cometer a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, e), do CPC.
Reportando-se à nulidade prevista na al. e) do nº 1 do artigo 615º do CPC, o Supremo Tribunal Administrativo em Acórdão de 12.05.2016, rec. 01441/15, afirmou que:
«XVII. Passando, agora, à caracterização da nulidade de decisão por alegada infração ao disposto na al. e) do n.º 1 do art. 615.º do CPC temos que com a mesma se visa sancionar a infração ao dever que impende sobre o tribunal de, na sua pronúncia, se conter nos limites do pedido [cfr. art. 609.º do CPC].
XVIII. De tal dever, constituindo uma decorrência dos princípios da necessidade do pedido [cfr. art. 03.º, n.º 1, do CPC] e da vinculação do juiz ao pedido [congruência ou correspondência entre decisão e pedido – arts. 608.º, n.º 2 in fine e 609.º do CPC], deriva a imposição ao julgador duma obrigação de na decisão a proferir o mesmo observar aquilo que é o petitório da ação.
XIX. Assim, neste quadro haverá excesso de pronúncia sempre que o tribunal condene ou absolva num pedido não formulado, bem como quando conhece de pedido em excesso parcial ou qualitativo, mormente, quando, utilizando fundamentos admissíveis, aprecie dum pedido que é quantitativa ou qualitativamente distinto daquele que foi formulado pela parte, condenando em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.».
No caso, o Representante da Fazenda Pública, ora Recorrente, sustenta que o Tribunal a quo condenou além do pedido formulado na p.i., que se limitou à anulação das liquidações de IMT e IS objeto dos autos.
E assiste-lhe inteira razão.
Olhando para a p.i., constata-se que, a final, a ora Recorrida formulou os seguintes pedidos:
«Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente impugnação ser julgada procedente, por provada e, em consequência ser ordenada a anulação total das liquidações de IMT e imposto do selo, devendo ser ordenada a emissão do correspondente título de anulação e, ainda, deve ser emitido o reembolso dos montantes liquidados e pagos pela Impugnante até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida nos presentes autos, com todas as consequências legais.».
Estes pedidos, sendo os típicos do processo de impugnação, em nada correspondem à condenação constante do segmento decisório constante em i.-2.ª parte da sentença recorrida que, aliás, não é sequer admissível neste tipo de processo. De facto, o STA vem aceitando que o processo de impugnação tem a «natureza de plena jurisdição (…), invocando razões ligadas aos princípios processuais da economia processual (para que da sentença ou acórdão do tribunal saia logo uma definição da situação que não careça de qualquer nova pronúncia da administração tributária) e ligadas ao próprio âmbito do contencioso de mera anulação (no qual os limites à plena jurisdição só serão de aceitar em relação àqueles aspectos da acção administrativa em que a plena jurisdição implique para o juiz tributário, enquanto juiz administrativo, a prática de actos que afrontem o núcleo essencial da função administrativa) (Cfr. o Prof. Saldanha Sanches, in Fiscalidade, 7/8, Julho-Outubro de 2001, págs. 63 e segs., e o Prof. Casalta Nabais, in Direito Fiscal, 2ª ed., pág. 397.).» - cfr., entre outros, acórdão de 02-12-2015, rec. 0754/15, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/aa3641f4431eec8a80257f160051e228?OpenDocument&ExpandSection=1. Este é, de resto, o fundamento teórico-jurídico da anulação parcial dos atos tributários que permite ao juiz anulá-los apenas na parte afetada pela ilegalidade, mantendo-os na parte restante (evitando a prática de novos atos tributários, eventualmente feridos de novas ilegalidades), assim ficando logo definida a situação jurídico-tributária do contribuinte.
Sucede que a prática do ato devido, que foi o determinado no referido ponto i.-2.ª parte do segmento decisório da sentença recorrida, não cabe nos poderes do juiz no âmbito do processo de impugnação, mas somente no domínio da ação administrativa.
Assim, a condenação em causa não corresponde a qualquer dos pedidos formulados pelo impugnante, nem tão pouco é admissível no âmbito da impugnação judicial, pelo que, indubitavelmente, se verifica a nulidade apontada pela Recorrente de condenação ultra petitum, devendo declarar-se nulo o segmento decisório constante em i.-2.ª parte.

3.2.2. Do erro de julgamento
Como referimos no ponto 3.2.2.1. a Meritíssima Juiz a quo partiu do pressuposto de que a AT não apreciou os fundamentos dos pedidos de revisão oficiosa apresentados pela Recorrida.
Porém, labora em erro no que respeita ao Imposto de Selo porquanto, na informação que antecedeu a decisão de indeferimento do recurso hierárquico relativo à correspondente liquidação, ponderou-se que a liquidação em causa resultou do não preenchimento dos campos 4 e 49 da declaração modelo 1, omissão que é exclusivamente imputável à ora Recorrida, inexistindo por isso erro imputável aos serviços. E, com base nesta argumentação, a proposta de indeferimento do pedido de revisão concluiu que não se verificou qualquer ilegalidade nem a existência de qualquer erro imputável aos Serviços.
Portanto, no caso vertente estava em causa a legalidade do ato tributário de liquidação, sendo que a decisão da Diretora do Serviço Central do IMT ao indeferir o pedido de revisão com base na falta de pressupostos legais, nomeadamente por não se verificar erro imputável aos serviços, partiu da apreciação da legalidade do ato de liquidação.
Ora, neste caso, constatou-se, e bem, na sentença recorrida, que «(…) apesar da Impugnante ter declarado que os imóveis se destinavam a revenda, estes estavam integrados no activo da sociedade vendedora, encontrando-se esta integrada num plano de revitalização.
Com efeito, e como decorre do ponto 5) da factualidade assente, no âmbito do processo que correu termos na 2ª secção de Comércio da Comarca de Aveiro, foi proferida em 8.07.2016, sentença de homologação do Plano Especial de Revitalização da empresa vendedora dos sobreditos imóveis.
Como decorre da alínea e) do n.º 1 do artigo 269.º do CIRE “Estão isentos de imposto do selo, quando a ele se encontrem sujeitos, os seguintes atos, desde que previstos em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente: (…) e) A realização de operações de financiamento, o trespasse ou a cessão da exploração de estabelecimentos da empresa, a constituição de sociedades e a transferência de estabelecimentos comerciais, a venda, permuta ou cessão de elementos do activo da empresa, bem como a locação de bens;”
Nesta senda, do acto da venda não decorria para a Impugnante qualquer Imposto de Selo a pagar.
(…)».
Não acompanhamos, porém, o restante raciocínio vertido na sentença porquanto, no artigo 78º, nº 4, da LGT prevê-se que “O dirigente máximo do serviço pode autorizar, excepcionalmente, nos três anos posteriores ao acto tributário a revisão da matéria colectável com fundamento em injustiça grave ou notória, desde que o erro não seja imputável a comportamento negligente do contribuinte”.
Ou seja, a mesma só pode ser autorizada pelo dirigente máximo dos serviços, verificados que sejam ainda os seguintes requisitos:
1- três anos posteriores ao ato tributário;
2- Fundamento de injustiça grave e notória, conceito que é precisado no seguinte n.º 5, em termos de “tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade ou de que tenha resultado elevado prejuízo para a Fazenda Nacional”;
3- Erro não imputável a comportamento negligente do contribuinte.
A previsão constante do dito artigo 78º, nº 4, como excecional, é de entender como correspondendo a um poder-dever que implica a sua aplicação a todos os casos, verificados que sejam os referidos requisitos – cfr, entre outros, acórdão do S.T.A. de 2-11-2011, proc. 0329/11, acessível em www.dgsi.pt e Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª ed., Encontro de escrita, 2012, pág. 710. Quanto a se verificar tributação manifestamente exagerada e desproporcionada com a realidade, implica que seja considerado não só o princípio da proporcionalidade, como ainda os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade, e em termos de corrigir todos os erros nas liquidações de que resulte ter sido cobrado imposto superior ao previsto na lei, conforme defendem ainda os autores acima citados a pág. 711.
Ora, se o primeiro requisito se verifica quanto à liquidação efetuada em setembro de 6/7/2017 – o pedido foi formulado em 23/03/2018-, e também o segundo – porque se constata o pagamento de um imposto que não era devido – o certo é que não se verifica o terceiro requisito pois, como foi assinalado pela AT, tal pagamento se deve a comportamento negligente do contribuinte que, além de não ter procedido ao correto preenchimento dos campos 1 e 49 da declaração modelo 1, também não apresentou reclamação graciosa em tempo devido.
Assim, por não estarem reunidos os pressupostos legalmente exigidos para o efeito, não pode ser admitida a revisão oficiosa da liquidação de Imposto de Selo, devendo a impugnação ser julgada improcedente nesta parte.
Isto posto, importa concluir pela improcedência da impugnação, nesta parte e consequente manutenção da liquidação de Imposto de Selo.
No que concerne à liquidação de IMT, não houve apreciação dos fundamentos do indeferimento do pedido de revisão apresentados pela Recorrida, considerando-se que «o pedido de revisão apresentado pela recorrente se mostra excluído do âmbito de aplicação da revisão oficiosa previsto no artigo 78.º n.º 1, que tem por finalidade tal como se referiu, a revisão dos atos tributários de liquidação de obrigações tributárias, sendo inaplicável à revisão dos atos administrativos em matéria fiscal e que, portanto, se mostra destituído do seu objeto.».
A Meritíssima Juiz a quo entendeu que assim não era e, nesta parte, assiste-lhe razão pois está, de facto, em causa um ato de liquidação de IMT, ainda que a mesma se encontre temporariamente suspensa.
Isto posto, temos de reconhecer inteira razão à Recorrente quando afirma que a AT emitiu pronúncia sobre o pedido formulado em sede de revisão oficiosa, pois ali se decidiu indeferir o mesmo, por falta de pressupostos legais, dado inexistir erro dos serviços, desta feita por o contribuinte não poder fruir, simultaneamente, de dois benefícios fiscais para o mesmo facto tributário: a prevista no artigo 7.º do CIMT e a do 270.º do CIRE (cfr. decisão a pp. 218-241 do sitaf).
E o erro imputável ao contribuinte, concretiza-o a AT com a seguinte descrição: «Na declaração de IMT não há qualquer alusão a que a aquisição tenha sido no âmbito de qualquer processo de insolvência. O presente facto tributário corresponde a uma aquisição normal, destinado a revenda conforme confirma a escritura a escritura (…). Consultada a aplicação de Controle dos Benefícios Fiscais, consta como deferido o pedido de concessão o benefícios de prédios para revenda.».
Ora, aplicando os pressupostos acima referidos, concluímos, como ali, que os mesmos não se mostram verificados, impondo-se concluir que, também nesta parte, deve proceder o recurso.
*
Nos termos do artigo 100º, da LGT, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a AT está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato objeto do litígio, compreendendo tal dever o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão (cfr. artigo 43º, da mesma Lei).
Verificando-se que a impugnação não procede, total ou parcialmente, também não é possível reconhecer à Recorrida o direito a ser restituída dos valores de imposto por si pagos.

4. DECISÃO

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em dar provimento ao recurso, declarar a sentença parcialmente nula conforme já exposto e, no demais, revogá-la, negando provimento à impugnação judicial.

Custas pela impugnante, em ambas as instâncias, por nelas sair vencida, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC.


Porto, 13.01.2022

Maria do Rosário Pais
Tiago Afonso Lopes de Miranda
Cristina da Nova