Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00251/22.7BEPRT-S1
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:03/10/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:ILEGITIMIDADE PASSIVA SINGULAR -INSANABILIDADE;
LITISCONSÓRCIO PASSIVO – INTERVENÇÃO PROVOCADA;
SUBSTITUIÇÃO DO RÉU;
Sumário:I- A ilegitimidade processual passiva singular é insuscetível de sanação, conduzindo à absolvição da instância.

II- A circunstância da legitimidade passiva pertencer ao Ministério da Coesão Territorial e não ao Ministério do Ambiente e da acção Climática afasta, per se, a admissibilidade da intervenção principal deste Ministério nestes autos, posto que a legitimidade dessa intervenção pressuporia que entre os Ministérios em questão existisse uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário ativo, o que implicava que ambos os Ministérios fossem sujeitos ativos da mesma relação material controvertida ou que existisse uma dúvida fundada quanto à titularidade da relação material controvertida, o que não é o caso.
III- O incidente da intervenção principal provocada não se destina a acobertar as situações em que o Réu pretende fazer-se substituir por quem ele pensa que é o autor do facto danoso.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *
I – RELATÓRIO
O MINISTÉRIO PÚBLICO vem interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da decisão judicial do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [doravante T.A.F. do Porto], editada em 10.11.2022, que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Ministério do Ambiente e Ação Climática e, consequentemente, o absolveu da instância.
Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…)
A. Enquadrando, na ação destinada a impugnar atos administrativos, a reconhecer a inexistência de ato administrativo, e subsidiariamente, à condenar à prática do ato legalmente devido, a decisão recorrida, de 10.11.2022, em sede de despacho pré-saneador, julgou parte ilegítima o demandado Ministério do Ambiente e da Ação Climática (MAAC), com fundamento em verificação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular, e absolveu-o da instância.
B. Fê-lo por aplicação das regras do processo civil, que não admite a sanação da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular, fundamentando em síntese o Tribunal a quo que ocorre violação do princípio da estabilidade subjetiva da instância, que o CPTA não tem regra nem princípio distintos do CPC e que neste, pela conjugação do art.° 260°, 261° e 361° do CPC a ilegitimidade singular passiva é insuprível.
C. A decisão de absolvição da instância não foi precedida de despacho judicial tendente a suprir a identificada exceção dilatória, valendo o princípio da auto responsabilidade das partes.
D. Na ação está em causa, no tocante ao MAAC, um ato administrativo da CCDRN, de 2008, ato nulo, praticado no quadro das competências da CCDRN relativas ao regime jurídico da Reserva Ecológica Nacional (RJREN), ato administrativo esse praticado em sede de consulta obrigatória num Pedido de Informação Prévia (PIP) do Município e por via do qual a CCDRN autorizou o projeto de um hotel na margem do rio Douro, apesar do projeto se implantar em solo REN, invocando o seu ajustamento ao programa POLIS, PIP a que se seguiu um procedimento de licenciamento do dito hotel.
E. Na ação, o Autor ora Recorrente, demandou o Município ... e o MAAC, este em razão do ato da CCDRN obrigatório no PIP, sendo contra interessada a N... Lda., com pretensão à edificação do hotel.
F. O Tribunal entendeu que o MAAC não tem suscetibilidade de ser parte e que parte seria o Ministério da Coesão Territorial (MCT).
G. Ora, em primeiro lugar, a configurar-se na ação administrativa de impugnação, uma hipótese de ilegitimidade passiva singular do MAAC, a mesma é sanável, cabendo despacho de suprimento prévio ao de absolvição da instância, o que não sucedeu, enfermando a decisão, nessa medida, de erro na aplicação do Direito.
H. Teleologicamente, a especialidade do ritual do processo administrativo face ao processo civil justifica-se pela complexidade, polimorfismo e mutabilidade da organização administrativa; justifica-se pela complexidade do procedimento administrativo que rege a atividade da Administração, que admite subprocedimentos, pré-decisões e decisões; do princípio processual da resolução global da situação litigiosa, que obriga a fazer refletir na ação administrativa aquelas complexidades.
I. Historicamente, justifica-se pela necessidade de responder à mudança de paradigma - do recurso do ato administrativo de autor para um processo de partes -, passando a oferecer-se um largo e novo espetro de possibilidades processuais que favoreçam a decisão de mérito, quando ela era postergada por questões de forma.
J. Literalmente, justifica-se pela unificação, após a revisão de 2015 do CPTA, da expressão literal do regime da ilegitimidade passiva singular e plural, refletida na reunião, numa mesma alínea e) do n.° 4 do art.° 89° o que antes era descrito separadamente, a ilegitimidade passiva singular de autor ou demandado, por um lado (alínea d) original) e da preterição de litisconsórcio necessário passivo por falta de identificação de contrainteressados (alínea f) original). 
K. Justifica-se pela circunstância de a razão de ser apontada para a insanabilidade no processo civil - nada se poder aproveitar da ação intentada - não colher necessariamente nas ações impugnatórias, dada a sua estrutura e complexidade.
L. Justifica-se por um argumento de absurdo, posto que a lei que quer ver suprido o erro na identificação do demandado (pelo n.° 4° 10°) não pode ser a lei que quer proibir o juiz de suprir o erro; nem a lei que mitiga o dispositivo e a autorresponsabilização das partes (pelo efeito de devolução da identificação da parte ao Tribunal por via do mesmo n.° 4) não pode ser a lei que exige ao juiz o purismo na sua aplicação.
M. Em segundo lugar, ao arredar o MAAC da ação por entender que parte, em razão daquele ato da CCDRN, seria tão só o MCT, o Tribunal a quo não considerou a posição do MAAC na relação material controvertida, donde, a legitimidade do MAAC no quadro de um litisconsórcio necessário passivo com o MCT, e nessa medida, ocorre erro na aplicação do Direito.
N. Como se referiu está em causa um ato da CCDRN de (má) aplicação do regime jurídico da REN, que foi (mal) argumentado com o POLIS, permitindo a construção de um hotel sobre área REN. Enquanto restrição de utilidade pública, a REN é um instrumento de ordenamento do território, por impor restrições ao uso e ocupação do solo e por, em substância, de reconduzir a uma estrutura biofísica, votada à preservação de componentes ambientais como a água, o solo e sistemas ecológicos de fauna e flora, e ao contributo para a adaptação às alterações climáticas, inscrevendo-se na Rede Fundamental de Conservação da Natureza, art.° 5° do DL 142/2008, a REN é, dizia-se, matéria ambiental.
O. A Orgânica do XXII Governo, tal como a Orgânica do XXIII Governo, atribuem ao MAAC a missão de formular, conduzir, executar e avaliar as políticas em matéria ambiental, de conservação da natureza e de ordenamento do território, expressamente as matérias do regime jurídico da REN, e do programa POLIS, e competências sobre as CCDR, resultando não poder o mesmo MAAC ser considerado alheio à relação material controvertida.
P. O Tribunal ancorou-se, em exclusivo, no conceito de direção das CCDR que se encontra, para o MCT, no n.° 7 do art.° 28° da atual Orgânica do XXIII Governo, e se encontrava no n.° 3 do art.° 30° da Orgânica do XXII Governo, sem levar em conta o conceito de coordenação que se encontra nas mesmas normas, que implica que nas matérias que cabem ao MAAC o MCT está condicionado nos seus poderes, não tendo por isso a plenitude de direção.
Q. Ao aceitar, como aceita, a existência do MCT no ordenamento jurídico nacional, condição da sua legitimidade e personalidade judiciária, o Tribunal a quo não pode concluir ipso facto, para tal hipótese, que o MAAC não é parte legítima, também.
R. Tanto assim, e para além do que já se apontou, que foi o MAAC quem respondeu ao Parlamento quando interpelado em sede de «Perguntas ao Governo» sobre o hotel em causa, o que não sucederia se fosse alheio à questão substantiva; como foi o MAAC quem motivou a presente ação pela circunstância de a sua inspeção geral, a IGAMAOT, ao tempo sem qualquer relação com o MCT, ter solicitado ao MP a ação administrativa com vista a impugnação do ato da CCDRN, o que não sucederia se fosse alheio à relação material controvertida.
S. Por consequência, para efeito da definição da relação material controvertida no cotejo entre o MAAC e o MCT, considerando o concreto ato da CCDRN, e postulando-se a existência do MCT, da legitimidade deste MCT não decorre a ilegitimidade do MAAC, ocorrendo litisconsórcio passivo, que é suprível, ao que a decisão recorrida não atendeu, incorrendo em erro de julgamento.
T. Em terceiro lugar, o Tribunal a quo não ponderou a relação material controvertida agora na perspetiva da articulação da administração estadual e da administração local na produção do ato final vantajoso para o particular, consistente na informação favorável do PIP, e daí advindo erro na aplicação do Direito.
U. O ato da CCDRN e o ato do Município são indissociáveis - sem prejuízo de o ato final do PIP poder ter outros vícios que não derivem do ato da CCDRN - pelo que a administração estadual e a administração local têm de estar na ação, em razão de a decisão prévia da CCDRN, em si mesma vantajosa para o privado, só relevar no procedimento complexo do PIP e do que se lhe seguiu, de licenciamento.
V. Portanto, mesmo que apenas um ministério devesse estar na ação e que tal ministério devesse ser o MCT, nem por isso se configuraria uma hipótese de litisconsórcio passivo singular e, ao não ponderar este aspeto, a decisão tem um erro de julgamento.
W. Em quarto lugar, não pode ter legitimidade numa ação, o que não existe no ordenamento jurídico nacional, e uma vez que nenhum diploma legal criou o MCT, não pode este assumir a posição de parte numa ação, designadamente para efeitos do art.° 10° do CPTA que nas ações referidas a atos ou condutas de órgãos, define que parte é o ministério.
X. Desde o XXI Governo constitucional que a atividade governativa prescindiu do conceito de ministério, que não são criados pelos diplomas orgânicos do Governo e também não foram instituídos em legislação de desenvolvimento, como é o caso da coesão territorial.
Y. Pelo que ao reconhecer legitimidade processual ao que não existe, o Tribunal erra na aplicação do Direito.
Z. Assim, concluindo, e em termos subsidiários, (i) o MAAC deve ser julgado parte legítima, por existir organicamente e ser titular da relação matéria controvertida; (ii) postulando-se a existência orgânica, personalidade jurídica e legitimidade do MCT, deve julgar-se que o MAAC também é parte legítima, sendo de demandar os dois ministérios em litisconsórcio necessário passivo; (iii) entendendo-se não dever estar o MAAC na ação, por alheio à relação material controvertida, mas ser parte legítima somente o MCT, deve considerar-se ocorrer litisconsórcio necessário passivo entre o MCT e o Município, em razão do tipo de intervenção da CCDRN, sendo a exceção suprível e devendo ser dado despacho de aperfeiçoamento, prévio à absolvição da instância; (iv) entendendo-se que não existe litisconsórcio necessário passivo em caso algum, a ilegitimidade passiva singular do demandado MAAC constitui exceção suprível, devendo ser proferido despacho de aperfeiçoamento prévio ao juízo de absolvição da instância (…)”.
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Notificado que foi para o efeito, o recorrido Ministério do Ambiente e da Ação Climática contra-alegou, tendo defendido a manutenção do decidido quanto à procedência da matéria excetiva.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
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Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, a questão essencial a dirimir resume-se a saber se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito quanto à decidida falta de legitimidade passiva do Ministério do Ambiente e Ação Climática.
E na resolução de tal questão que consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar.
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III – FUNDAMENTAÇÃO
III.1 – DE FACTO
O Tribunal a quo não fixou factos, em face do que aqui se impõe estabelecer a matéria de facto, rectius, ocorrências processuais, mais relevante à decisão a proferir:
A. Em 26.01.2023, o Ministério Público intentou a presente ação no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto [cfr. fls. 1666 e seguintes dos autos -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
B. Nela demandou o Município ... e o Ministério do Ambiente e da Ação Climática [idem].
C. E formulou o seguinte petitório: “(…) Nestes termos, deve a presente ação ser considerada procedente, por provada, e em consequência:
A) Serem declarados nulos os atos administrativos impugnados praticados nos procedimentos de gestão urbanística relativos ao Hotel ..., e em procedimentos conexos, a saber,
- O ato administrativo da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), corporizado no despacho de 27 de maio de 2008, da Diretora de Serviços de Gestão do Território AA, lavrado sobre Informação DGPU de 19 de maio de 2008, e densificado pelos ofícios da CCDRN à N... de 29.05.2008, e ao Município, de 22.10.2008, e proferido em consulta obrigatória no âmbito do processo da CCDRN n.º IDDGT-415095;
- O ato administrativo do Município, corporizado na deliberação de 04 de junho de 2010 da Câmara Municipal ..., que aprovou a proposta da vereação no sentido de autorizar o Município a adquirir a área de 3185,44m2, que era parte do prédio sob a descrição n.º ...87, por permuta com o prédio n.º ...93, do Município;
- O ato administrativo do Município, corporizado na deliberação de 21 de outubro de 2010, que aprovou a proposta da vice-presidência no sentido de autorizar o Município a adquirir à N... o prédio descrito sob o n.º ...11;
- O ato administrativo do Município, corporizado na deliberação da Câmara Municipal ... de 29 de julho de 2010 que aprovou a informação favorável ao Pedido de Informação Favorável da N... tramitado no processo de obras particulares n.º 512/07 da Câmara Municipal ...;
- O ato administrativo do Município, corporizado no despacho de 09 de fevereiro de 2012, do vereador BB, de aprovação da arquitetura, proferido no processo de obras particulares n.º 4252/11 da Câmara Municipal ...;
- O ato administrativo do Município, corporizado no despacho de 09 de junho de 2016, do presidente da Câmara Municipal ..., que deferiu o pedido de licenciamento tramitado no mesmo processo de obras particulares n.º 4252/11 da Câmara Municipal ...;
B) Ser reconhecida a inexistência de qualquer ato administrativo permissivo da operação urbanística de demolição das preexistências corporizadas no edificado da antiga fábrica V... ou V..., situadas no prédio ...87, que originou o prédio ...90.
Subsidiariamente,
C) Ser o Município condenado à prática do ato legalmente devido, a saber, a declarar a caducidade do ato de aprovação de arquitetura corporizado no despacho de 09 de fevereiro de 2012, do vereador BB, proferido no processo de obras particulares n.º 4252/11 da Câmara Municipal .... (…)” [idem].
D. Em 10.11.2022, foi promanada decisão judicial que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Ministério do Ambiente e Ação Climática e, consequentemente, o absolveu da instância [cfr. fls. 56 e seguintes dos autos – suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
E. Sobre esta decisão judicial sobreveio o presente recurso jurisdicional [cfr. fls. 24 e seguintes dos autos principais -suporte digital -, cujo teor se dá por integralmente reproduzido].
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III.2 - DO DIREITO
1. A questão decidenda que ora importa dissolver, como sabemos, traduz-se em determinar se Tribunal a quo, ao julgar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva do Ministério do Ambiente e Ação Climática, incorreu em erro de julgamento de direito.
2. Retenhamos o sentido da decisão do T.A.F. do Porto expresso nos seguintes excertos:”(…)
Nos processos de impugnação de acto administrativo e de condenação à prática de acto devido, de acordo com o n.° 2 do artigo 10.° do CPTA, a parte processualmente legítima, no plano passivo, é, em regra, “a pessoa coletiva de direito público”, a não ser que a acção se reporte “à ação ou omissão de órgãos integrados nos respetivos ministérios”, caso em que a “parte demandada é o ministério ou ministérios (...), a cujos órgãos sejam imputáveis os atos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os atos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.”
No caso dos autos, o Ministério Público instaurou a presente acção visando, além do mais, a declaração de nulidade do despacho da Diretora de Serviços de Ordenamento do Território da CCDR-Norte de 27.05.2008, proferido em consulta obrigatória no processo n.° ...95, através da qual esta se terá pronunciado favoravelmente sobre o projeto de obras de construção do hotel em questão ao abrigo do artigo 19.° do DL n.° 55/2002, de 11/03.
Foi, assim, por reporte a este agir, que o Ministério Público demandou expressamente o Ministério do Ambiente e da Ação Climática.
No entanto, conforme decorre do disposto no n.° 3 do artigo 30.° do Decreto-Lei n.° 169-B/2019, de 3 de dezembro que aprovou o regime de organização e funcionamento do XXII do Governo Constitucional é a Ministra da Coesão Territorial quem exerce “a direcção sobre as comissões de coordenação e desenvolvimento regional”, ainda que o faça em “coordenação” com a Ministra da Modernização do Estado e da Administração Pública e com o Ministro do Ambiente e da Ação Climática, consoante estejam em causa matérias relativas com as autarquias locais ou então com o ambiente e ordenamento do território.
Ora, esta “coordenação” não se confunde com o exercício em conjunto da “direcção”, tal como, de resto, se extrai dos vários exemplos em que tal Decreto-Lei n.° 169-B/2019, de 3 de dezembro estipula os casos em que o poder de direcção é exercido “conjuntamente” com outros ministros, distinguindo-os das outras situações em que tal poder de direcção é exercido “em coordenação”,
Daqui resulta, assim, de modo evidente, sem necessidade de outras e maiores indagações, que a direcção sobre as comissões de coordenação e desenvolvimento regional, como é o caso da CCDR-N, é exercida em exclusivo pela Ministra da Coesão Territorial (assim sucedendo ao Ministro de Planeamento e Infraestruturas que no XXI Governo Constitucional que, de acordo com o n.° 6 do artigo 24.° da DL n.° 251 -A/2015, de 17/12, exercia a tutela sobre as comissões de coordenação e desenvolvimento regional).
Ministra da Coesão Territorial esta que efectivamente existe e integra o XXII Governo Constitucional, à luz da alínea q) do artigo 2.° do DL n.° 169- B/2019 de 3 de dezembro, tal como actualmente integra o XXIII Governo Constitucional, à luz na alínea p) do artigo 2.° do DL n.° 32/2022, de 09 de maio.
Não se divisa, de facto, em lado algum a existência de uma específica lei orgânica do Ministério da Coesão Territorial, conforme, à partida, se imporia, desde logo, pelo artigo 4.° da Lei n.° 04/2004, de 15 de janeiro que aprovou os princípios e as normas a que obedece a administração direta do Estado.
De igual modo, se deteta que terá havido uma opção por parte dos XXI, XXII e XIII Governo Constitucional no sentido de estabelecer a sua orgânica não por reporte a “ministérios”, conforme vinha sendo feita nos seus antecessores, mas sim por reporte a “ministros” ou “ministras”.
Todavia, o que releva para efeitos da regra de legitimidade passiva estabelecida no n.° 2 do artigo 10.° do CPTA, é que as Leis Orgânicas dos XXII e XIII Governo Constitucional expressamente previram a Ministra da Coesão Territorial como sendo parte integrante do governo, respectivamente, na alínea q) do artigo 2.° do DL n.° 169-B/2019 de 3 de dezembro e na alínea p) do artigo 2.° do DL n.° 32/2022, de 09 de maio, estabelecendo, inclusive, no artigo 30.° do DL n.° 169-B/2019 e artigo 28.° do DL n.° 32/2022, a sua “missão” e o âmbito dos seus poderes, nomeadamente, de “direcção” sobre as CCDR.
Até porque, conforme salientava FREITAS DO AMARAL, são os Ministros, os membros do governo, que exercem funções não apenas políticas, mas também administrativas [cf. in Curso de Direito Administrativo, Vol. I, 2006, pp. 257].
Ou, como esclarecem GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “os ministros são simultaneamente órgãos administrativos, enquanto superiores hierárquicos dos respectivos ministérios, e órgãos de governo, enquanto individual e colegialmente contribuírem para a definição das linhas de direcção política e responsável pela condução política da respectiva pasta” [cf. in CRP Anotada, Vol. II, 2010, pp. 500].
Pelo que, face ao teor da Lei Orgânica do XXII Governo Constitucional, que era aquela que se encontrava em vigor na data em que foi instaurada a presente acção, outra conclusão não se pode extrair que não a de que a CCDR-Norte apenas integra o Ministério da Coesão Territorial (atento o seu poder de direcção, que é típico, como se sabe, do modelo de organização vertical de hierarquia administrativa) e já não também o Ministério do Ambiente e da Ação Climática.
Aliás, mesmo que o Autor houvesse demandado a Ministra da Coesão Territorial, sempre se imporia considerar, ex lege, a acção instaurada contra o respectivo Ministério, nos termos do n.° 4 do artigo 10.° do CPTA.
Não sendo esse o caso, verifica-se, pois, a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva (singular) do Réu, Ministério do Ambiente e da Ação Climática, nos termos da alínea e) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA.
A questão residia, isso sim, em saber se esta exceção dilatória é ou não suprível ou, por outras palavras, se, para o efeito, esta pode ser sanada, nomeadamente, na sequência de convite que seja formulado pelo Tribunal no sentido de o Autor aperfeiçoar o seu articulado inicial, substituindo a entidade que aí fora expressamente demandada por aquela entidade que o deveria ser.
Pois bem, de acordo com o princípio da estabilidade [objetiva e subjetiva] instância previsto da primeira parte do artigo 260.° do CPC, com a citação do Réu, a instância deve, em regra, manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir.
O problema é que, como se sabe, nas situações em que, como a dos presentes autos, apenas é um o ministério a que pertence o órgão (CCDR) do qual emanou o agir ora impugnado - o Ministério da Coesão territorial - inexistindo, por isso, qualquer relação de litisconsórcio voluntário [artigo 32.° do CPC] ou necessário [artigo 33.° do CPC] entre este Ministério e o MAAC e muito menos uma dúvida fundamentada quanto a quem é o titular da relação material, nos termos e para os efeitos do disposto nos n.°s 1 e 2 do artigo 316.° e do artigo 39.° do CPC e da primeira parte do n.° 10 do artigo 10.° do CPTA.
Daí, por isso, que inexista qualquer fundamento para “adicionar” à presente acção o Ministério da Coesão Territorial, atento que este se não encontra numa qualquer situação de litisconsórcio para com o MAAC.
Acresce que, o incidente de intervenção de terceiros serve, no seu essencial, para que o Autor possa fazer assegurar uma situação de litisconsórcio necessário passivo [artigo 316.°, n.° 1 do CPC] ou fazer intervir, em caso de litisconsórcio voluntário e de dúvida quanto à titularidade da relação material controvertida, um novo Réu [artigo 316.°, n.° 2 do CPC].
No entanto, conforme alerta, além do mais, SALVADOR DA COSTA, esse instrumento de natureza processual “não tem a virtualidade de funcionar para o réu se fazer substituir na acção pela pessoa que julga ser o sujeito passivo da relação jurídica invocada pelo autor”, pois que “o seu escopo é essencialmente o de associar novas partes às primitivas e não o de operar a exclusão destas últimas por via de substituição” [in Incidentes da Instância, 2016, pp. 75 e 86-87] [neste sentido, vejam-se, na doutrina, entre outros, LOPES DO REGO, in Comentários ao Código do Processo Civil, Almedina, 1999, pág. 242 e, na jurisprudência, entre vários outros, os Acórdãos do TCA-Norte, de 15 de março de 2019, processo n.° 01045/15.1BEPNF, de 16 de dezembro de 2016, processo n.° 0004/13.3BEPRT-A, do STJ, de 14 de maio de 2009, processo n.° 09B0563, Tribunal da Relação de Lisboa, de 27 de novembro de 2018, 23606/17.4T8LSB- A.L1-7, do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de fevereiro de 2018, proferido no processo n.° 23826/16.9T8PRT-A.P1 e do Tribunal da Relação de Guimarães, de 4 de outubro de 2018, processo n.° 7288/16.3T8GMR-D.G1, acessíveis em www.dgsi.pt].
É isso que, em bom rigor, o Autor visa, de igual modo, com os pedidos formulados na alínea b) da réplica de fls. 1943-1995 do SITAF e é precisamente essa finalidade de “substituição processual” do Ministério do Ambiente e da Ação Climática pelo Ministério da Coesão Territorial que, como se disse, por violar o princípio da estabilidade subjetiva da instância, jamais se poderia aqui admitir, dada a falta de arrimo normativo nas exceções que se mostram legalmente previstas, para o efeito, nos n.°s 1 e 2 dos artigos 316.° do CPC.
Não nos encontramos, pois, manifestamente perante uma qualquer situação de legitimidade plural, mas, antes sim, de uma ilegitimidade processual singular da entidade demandada [cf. neste sentido, entre outros, o Acórdão do TCA-Norte, de 16 de dezembro de 2016, processo n.° 01686/12.9BEBRG-A, acessível em www.dgsi.pt].
O que, sem mais, determina o indeferimento, por falta de fundamento normativo, do aludido pedido de suprimento oficioso da exceção dilatória.
Porém, questiona-se se, ainda assim, aquela ilegitimidade passiva singular não poderia ser suprida por outra via, nomeadamente, através do acatamento de um convite a formular pelo Tribunal no sentido de, atento o princípio pro actione, o Autor aperfeiçoar a sua petição inicial, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 87.° do CPTA.
O artigo 7.° do CPTA, de influência espanhola, consagra, entre nós, o princípio do pro actione, segundo o qual, em caso de dúvida, os Tribunais devem interpretar as normas processuais num sentido que favoreça a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas [cf. MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pp. 77-78]. Princípio este que, de resto, encontra já refrações específicas em matéria de legitimidade [artigo 10.°, n.°s 2 e 4 do CPTA] ou em certos casos de absolvição da instância [artigos 12.°, n.° 4, 14.°, n.° 3 e 87.°, n.° 8 do CPTA].
No entanto, a jurisprudência dos tribunais administrativos e fiscais, aqui e acolá, foi, desde logo, defendendo que esse princípio, não equivalendo a “dizer que o Tribunal possa criar regras processuais para uma forma de processo que as não contém” [cf. o acórdão do TCA-Norte, de 7 de março de 2013, processo n.° 00506/12.9BEPRT], “não se destina à subversão das regras processuais” [cf. o Acórdão do STA, de 7 de novembro de 2018, processo n.° 0821/17.5BELRS], pois que a sua aplicação supõe a “existência de duas ou mais interpretações possíveis, razoáveis, da mesma norma processual” [cf. os Acórdãos do TCA-Norte, de 23 de setembro de 2011, processo n.° 01176/10.4BEAVR e de 22 de setembro de 2017, processo n.° 01176/10.4BEAVR].
Por sua vez, o legislador do CPC, com a Lei n.° 41/2013, de 26 de junho, viria também a concretizar uma refração do princípio do pro actione no âmbito da legislação processual civil, aí consagrando no seu artigo 6.° o dever de gestão processual, agora também acolhido no artigo 7.°-A do CPTA na versão introduzida pelo DL n.° 214-G/2015, de 02 de outubro, segundo o qual o Tribunal tem o dever de providenciar pela sanação das exceções dilatórias e, bem assim, de formular convites ao aperfeiçoamento dos articulados.
Contudo, e com todo o respeito por entendimento contrário, não só não existe qualquer dúvida quanto à interpretação das normas de legitimidade que pudesse ancorar a ativação do princípio pro actione [artigo 7.° do CPTA], como o dever de gestão processual, em sede de pré-saneador [artigo 87.°, n.° 1, alíneas a) e b) do CPTA], não pode servir para subverter um resultado [a absolvição da instância] que as regras processuais ditam como inevitável.
A jurisprudência e a doutrina da jurisdição comum sempre entendeu, de forma que se crê unânime, que, não podendo o dever de gestão processual previsto nos artigos 6.°, n.° 2 e 590.°, n.° 2, alíneas a) e b) do CPC paralelos aos artigos 7.°, n.° 2 e 87.°, n.° 1, alíneas a) e b) do CPTA de 2015, servir de instrumento para operar uma inadmissível substituição processual de demandados [fora do circunstancialismo expressamente previsto no artigo 262.°, alínea a) do CPC], em especial quando se demandou certa pessoa ou entidade e, na realidade, se deveria ter demandado outra, a exceção dilatória da ilegitimidade processual singular é insanável [cf. na doutrina, entre outros, ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 3.a ed., 2000, p. 64, LEBRE DE FREITAS, A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.a ed., pp. 158, ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório, Vol. II, 1982, pp. 196, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in Sanação da ilegitimidade singular por acordo das partes, Blog do IPPC, 18 de fevereiro de 2015, acessível em https://blogippc.blogspot.com/ e, na jurisprudência, entre vários outros, os Acórdãos do TRL, de 19 de junho de 2014, processo n.° 802/12.5TBBLNH.L1-206, de dezembro de 2017, processo n.° 2635/13.2TBVFX.L1-2, do TRC, de 16 de maio de 2019, processo n.° 819/15.8T8BGC, todos acessíveis em www.dgsi.pt].
É que, se, por um lado, é certo que a Lei nos diz se, quais e em que termos é que a falta de determinados pressupostos processuais poderá ser sanada, como acontece com a falta de personalidade judiciária em certos casos [artigo 14.° do CPC], com a incapacidade judiciária e a irregularidade de representação [artigo 27.° do CPC], com a falta de autorização ou deliberação [artigo 29.° do CPC], com a falta do consentimento conjugal [artigo 34.°, n.° 2 do CPC], com a ilegalidade da coligação [artigo 38.° do CPC], com a falta de constituição de advogado [artigo 41.° do CPC], com a falta, insuficiência e irregularidade do mandato [artigo 48.° do CPC] e com a falta de litisconsórcio necessário [artigo 261.° do CPC], por outro lado, não menos o é que a mobilização do dever de gestão processual previsto no n.° 2 do artigo 6.° do CPC para a sanação de outros pressupostos cuja falta possa, por sua natureza, ser suprível, encontra-se condicionada a que esta não implique “a inutilidade de tudo o que se tiver processado, pois a ideia que a ela preside é que devem ser removidos todos os impedimentos da decisão de mérito que possam sê-lo.” [cf. LEBRE DE FREITAS, ob. cit., p. 158], sob pena de, caso assim se não entendesse, o processo “recuar praticamente ao seu início” [cf. ABRANTES GERALDES, op. cit., nota 104, pp. 64].
Assim sendo, o entendimento da doutrina e jurisprudência dos tribunais comuns funda-se “na circunstância de que, verificando-se a exceção de ilegitimidade passiva singular, nada se poderia aproveitar da instância constituída, pois além de a citação dever ser repetida, com o consequente prazo para contestar e a apresentação de uma nova contestação por um novo sujeito processual, também a petição inicial carece de ser aperfeiçoada ou corrigida, não apenas quanto à indicação da entidade demandada, mas, igualmente, quanto à alegação dos factos relevantes essenciais, que consubstanciam a relação jurídica substantiva com outra parte que não foi a inicialmente demandada em juízo, tudo confluindo na verificação do caos processual que se instalaria em tal situação” [cf. por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 6 de fevereiro de 2020, proferido no processo n.° 1 3034/1 8.0T8LRS.L1 -2, no qual se compila toda a jurisprudência sobre a temática, acessível em www.dgsi.pt].
Entendimento sufragado no âmbito da jurisdição comum que se mantém inclusive, em toda a sua plenitude, ao abrigo do CPC aprovado pela Lei n.° 41/2013, de 26 de junho [cf. os acórdãos do TRL, de 06 de dezembro de 2017, processo n.° 2635/13.2TBVFX.L1-2, do TRC de 18 de fevereiro de 2014, processo n.° 1487/08.9TBMGR- A.C1, de 29 de abril de 2014, processo n.° 772/11.7TBVNO-A.C1, do TRP de 05 de março de 2018, processo n.° 2333/14.0TBMAI.P1, de 03 de outubro de 2018, processo n.° 4169/15.1T9AVR-A.P1, do TRG, de 24 de novembro de 2016, processo n.° 130/15.4T8MTR.G1, de 20 de janeiro de 2016, processo n.° 98/14.4TBMTR.G1, de 16 de fevereiro de 2017, processo n.° 243/11.1TCGMR.G1, de 14 de junho de 2018, processo n.° 1365/17.0T8PVZ.G1, de 16 de maio de 2019, processo n.° 819/15.8T8BGC.G2 e do TRE de 07 de dezembro de 2017, processo n.° 4035/15.0T8LLE-A.E2, de 04 de junho de 2018, processo n.° 1553/16.7T8PTM.E1, acessíveis em www.dgsi.pt].
E, salvo o devido respeito pela tese contrária, este Tribunal não pode deixar de concordar com a posição que supra se acabou de descrever, por se entender ser aquela que melhor espelha o cumprimento de, pelo menos, dois princípios estruturantes de ambas as legislações processuais civil e administrativa: por um lado, a estabilidade subjetiva da instância [artigo 260.° do CPC] e, por outro, o princípio da auto-responsabilidade das partes que, embora atenuado pelos ditames da prevalência da emissão de decisões sobre o mérito da causa [artigo 7.° do CPTA], não pode, na nossa perspectiva, ser descurado [cf. o Acórdão do STA, de 3 de março de 2010, processo n.° 0278/09, em www.dgsi.pt].
Importa, em todo o caso, apurar se, em face da especificidade da legislação processual administrativa, [in] existem quaisquer razões que imponham um entendimento distinto daquele que vem sendo sufragado no âmbito dos tribunais comuns.
Tal como sucede no âmbito na legislação processual civil, na alínea e) do artigo 577.° do CPC, o legislador do CPTA previu na alínea e) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA que a “ilegitimidade de algumas das partes” consubstancia uma exceção dilatória, dando o exemplo da “falta de identificação dos contra-interessados”.
A este título, não há dúvidas de que, em face do entendimento que a doutrina e a jurisprudência administrativa foram formando ao longo dos últimos anos no sentido de que a “falta de identificação dos contra-interessados”, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 57.° e 68.°, n.° 2 e na alínea b) do n.° 1 do artigo 78.°, 78.°-A, 81.° do CPTA, por consubstanciar uma preterição de uma relação de litisconsórcio necessário passivo [artigo 33.° do CPC], esta constitui uma exceção dilatória que, por imposição legal, é suprível, através de convite ao aperfeiçoamento da petição inicial, nos termos das alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 87.° do CPTA [cf. entre outros, o Acórdão do STA, de 19 de outubro de 2017, proferido no processo n.° 0267/14, acessível em www.dgsi.pt; e, na doutrina, VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 15.a ed., 2016, p. 265; ELIZABETH FERNANDEZ, A propósito e a pretexto da reconvenção nas ações administrativas, in C. A. Gomes/A. F. Neves/T. Serrão (coord.), Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA, Lisboa, AAFDL, 2016, p. 397; MIGUEL GALVÃO TELLES, Âmbito subjetivo atribuído ao objecto do processo, nomeação das partes e legitimidade processual, in Escritos Jurídicos, vol. I, 2013, p. 678, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA, Manual de Processo Administrativo, 2010, pp. 261 e ss e MÁRIO ESTEVES DE OLIVEIRA e RODRIGO ESTEVES DE OLIVEIRA, Código de Processo nos Tribunais Administrativos e Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais Anotados, 2004, p. 376].
Mas, note-se, esta exceção dilatória é suprível, porque, por um lado, a sua sanação se inscreve numa das exceções legalmente admissíveis à regra do princípio da estabilidade subjetiva da instância [artigos 260.°, parte final do CPC e 316.°, n.° 1 do CPC] e, por outro, na medida em que, tratando-se apenas de adicionar (e não de substituir) um ou vários sujeitos processuais à entidade demandada, o aperfeiçoamento do articulado inicial não comporta o recuo do processo ao seu início com a inerente anulação de quase todo o processado [cf. LEBRE DE FREITAS, ob. cit., p. 158 e ABRANTES GERALDES, op. cit., nota 104, pp. 64].
Pretende-se com isto dizer que, contrariamente ao que sucede com a ilegitimidade processual singular, aquela, tratando-se de uma forma de sanar uma situação de ilegitimidade processual plural, dada a existência de uma relação de litisconsórcio necessário passivo entre a entidade demandada e os contra-interessados, encontra pleno arrimo no bloco normativo que lhe é aplicável, nomeadamente, no dever de gestão processual que se encontra previsto no n.° 2 do artigo 7.°-A do CPTA.
Ora, com relevância para o tratamento da questão da ilegitimidade processual singular no CPTA, convém assinalar que o Supremo Tribunal Administrativo, nos seus acórdãos de 3 de março de 2010, de 1 de outubro de 2015 e de 4 de fevereiro de 2016, respectivamente, proferidos nos processos n.°s 0278/09, 0556/15 e 01300/14, em www.dgsi.pt, sedimentou o entendimento segundo o qual nas ações administrativas de efetivação de responsabilidade civil contratual e extracontratual do Estado [artigo 37.°, n.° 1, alíneas k) e l) do CPTA], os seus Ministérios demandados careciam de personalidade judiciária [artigo 11.°, n.° 1 do CPTA e 10.°, n.° 2 do CPTA (este a contrario)], isto é, o legislador do CPTA não lhes conferira a suscetibilidade de estarem, por si só, em juízo.
Para o efeito, o Supremo Tribunal Administrativo, nos três arestos supra referidos, concluiu que a esta exceção dilatória - a falta de personalidade judiciária - não só não era aplicável a regra de sanação prevista no artigo 14.° do CPC [defendendo, porém, a sua aplicabilidade no âmbito do CPTA de 2002, veja-se, MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, in Personalidade judiciária: breve plaidoyer a favor da autonomia do processo civil, CJA n.° 120, Nov/Dez 2016, pp. 35-45], como também o não era o princípio do pro actione que se encontra previsto no artigo 7.° do CPTA, na medida em que este possui “limites na sua aplicação e, portanto, estes limites não podem ser excedidos, sob pena de violação expressa das normas imperativas e positivadas no Código do Processo Civil” [cf. transcrição do Acórdão de 1 de outubro de 2015, processo n.° 0556/15].
E é precisamente este o entendimento que ora aqui se acolhe no que concerne às consequências inevitáveis da verificação de uma situação de ilegitimidade singular.
Com efeito, tal como sucede na legislação processual civil, o legislador do CPTA não consagrou qualquer norma que (i) determinasse a sanação da ilegitimidade singular ou (ii) que, atenta a sua natureza, possibilitasse que essa pecha fosse suprida através da correção da entidade demandada na sequência de convite dirigido ao autor pelo Tribunal.
Não se olvida a posição aparentemente assumida por MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS CADILHA [in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 2017, pp. 661], no sentido de que “a ilegitimidade do demandado” seria um exemplo de “situação passível de suprimento ou correção”.
Todavia, como já se defendeu supra, pese embora o pressuposto processual positivo da legitimidade assuma natureza específica no domínio das ações administrativas a que se referem os n.°s 2 e 4 do artigo 10.° do CPTA, entende-se que o legislador não estabeleceu v. g. no artigo 89.°, n.° 4, alínea e) do CPTA que a ilegitimidade singular deveria ser alvo de suprimento oficioso, nos termos da alínea a) do n.° 1 do artigo 87.° do CPTA.
E não o fez, crê-se, porque, sem prejuízo das soluções específicas que se mostram consagradas no n.° 4 do artigo 10.° do CPTA e do n.° 7 do artigo 87.° do CPTA, as consequências das exceções dilatórias se encontram, todas elas, previstas no domínio da legislação processual civil.
Ora, o legislador de 2015, com o Decreto-Lei n.° 214-G/2015, de 02 de outubro, salvaguardando, claro, as especificidades próprias do CPTA, veio reforçar ainda mais essa estreita ligação e harmonização com o regime previsto na legislação processual civil [vide o preâmbulo], no qual, na ausência de qualquer previsão em sentido contrário, se deve ter por incluído o regime de sanação da falta de pressupostos processuais por via da aplicação subsidiária decorrente dos artigos 1.°, 26.°, n.° 3, 79.°, n.° 7, 87.°, n.° 9, 88.°, n.° 5 do CPTA.
Aliás, naturalmente consciente das divergências que existiam já há muito na jurisprudência administrativa relativamente à [in] sanabilidade das exceções dilatórias de falta de personalidade judiciária e, bem assim, de [i] ilegitimidade passiva singular [cf. no sentido da natureza insanável, vide os Acórdãos do TCA-Norte, de 21 de outubro de 2004, processo n.° 0029/04.3BEPRT, de 07 de março de 2013, processo n.° 00506/12.9BEPRT, de 21 de dezembro de 2018, processo n.° 00786/17.3BEPNF, de 16 de dezembro de 2016, processo n.° 01686/12.9BEBRG e de 21 de dezembro de 2018, processo n.° 00786/17.3BEPNF (com voto de vencido lavrado pela Sra. Juíza Desembargadora, Dr.a Alexandra Alendouro), de 19 de junho de 2020, processo n.° 00573/15.3BECBR e de 08 de abril de 2022, processo n.° 01995/20.3BEPRT-S1, do TCA-Sul, de 19 de janeiro de 2012, processo n.° 07015/10 e de 28 de maio de 2015, processo n.° 012072/15 e a decisão do Centro de Arbitragem Administrativa, de 21 de setembro de 2015, processo n.° 11/2015-A in https://caad.org.pt; porém, defendendo a sua sanabilidade, vide, entre outros, os Acórdãos do STA, de 19 de maio de 2016, processo n.° 01080/15, do TCA-Sul, de 06 de dezembro de 2017, processo n.° 247/163.8BECTB, de 15 de maio de 2018, processo n.° 1491/16.3BESNT (ambos com voto de vencido lavrado pela Sra. Juíza Desembargadora, Dr.a Ana Celeste Carvalho), e de 12 de setembro de 2019, processo n.° 2000/18.5BELSB, do TCA-Norte, de 14 de fevereiro de 2020, processo n.° 00409/19.6BEPRT, de 20 de dezembro de 2019, processo n.° 02213/16.4BEPRT, de 17 de novembro de 2017, processo n.° 00261/16.3BEPNF, todos acessíveis em www.dgsi.pt], o legislador veio apenas esclarecer a primeira daquelas situações, aditando o artigo 8.°-A do CPTA, no qual se estabelece a possibilidade de sanação da falta de personalidade judiciária da entidade demandada nos processos abrangidos pelo n.° 2 do artigo 10.° do CPTA.
Porém, o legislador não introduziu qualquer base normativa para a segunda das situações, a questão da [in] sanabilidade da ilegitimidade processual singular. Silêncio este do legislador que, devendo presumir-se como intencional [artigo 9.°, n.° 3, do Código Civil], só poderá, por isso, significar que o regime processual a aplicar às consequências da ilegitimidade singular não encontra no CPTA qualquer especificidade que o demarque da lógica que há muito se explica estar inerente às regras consagradas no âmbito do CPC [cf. defendido em situação semelhante ao ora defendido, veja-se o Acórdão do TCA-Norte, de 21 de dezembro de 2018, proferido no processo n.° 00786/17.3BEPNF, acessível em www.dgsi.pt].
Aqui chegados, na esteira do entendimento sufragado pela jurisprudência, que se crê unânime, dos tribunais comuns e, bem assim, na posição que já fora [e ainda é] defendida na jurisprudência administrativa supra citada, temos, pois, de concluir que (i) não existe qualquer disposição legal expressa no CPC e, sobretudo no CPTA, que possibilite o suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular, (ii) não só o princípio da estabilidade subjetiva da instância não permite tal sanabilidade (iii) como a natureza da exceção em questão, ao importar o retrocesso do processo ao seu início [nada será, em princípio, aproveitável], a isso obsta, tal como (iv) o princípio pro actione e o correspondente dever de gestão processual têm limites e não podem servir para subverter as supra referidas regras processuais que há muito se encontram pensadas na nossa legislação processual.
Vale isto por dizer que, sem olvidar a relevância dos já citados princípios da auto-responsabilidade das partes inerente ao princípio do dispositivo que também vigora no domínio do contencioso de actos, a aludida exceção dilatória da ilegitimidade singular da ilegitimidade passiva singular do MAAC não é suprível, importando, por isso, inevitavelmente, a sua absolvição da instância, nos termos da alínea d) do n.° 1 do artigo 278.° do CPC. (…)”.
3. As premissas que estribaram a decisão judicial posta em crise nos presentes autos foram, portanto, as circunstâncias “(…) da CCDR-Norte apenas integrar o Ministério da Coesão Territorial (e já não também o Ministério do Ambiente e da Ação Climática (…)”, verificando-se, por isso “(…) a exceção dilatória da ilegitimidade processual passiva (singular) do Réu, Ministério do Ambiente e da Ação Climática, nos termos da alínea e) do n.° 4 do artigo 89.° do CPTA (…)”, não sendo esta matéria excetiva susceptível de suprida ou sanada.
4. O objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
5. Nas conclusões G) a L), o Recorrente defende que a ilegitimidade passiva singular do MAAC é sanável, cabendo despacho de suprimento prévio ao de absolvição da instância, o que não sucedeu, enfermando a decisão, nessa medida, de erro na aplicação do Direito.
6. Não acompanhamos, porém, esta posição.
7. De facto, sobre o assunto agora trazido a litígio, pronunciou-se recentemente a Secção do Contencioso Administrativo deste T.C.A.N. no processo nº. 01995/20.3BEPRT-S1, por aresto datado de 04.08.2022.
8. Uma das questões tratadas neste processo nº. 01995/20.3BEPRT-S1 foi a de saber se a exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular era ou não susceptível de suprimento ou sanação, tendo-se este T.C.A. Norte decidido em sentido negativo.
9. Por concordarmos com a solução encontrada no tal aresto, não poderemos deixar de integrar tal labor jurisprudencial, tanto mais que o presente Tribunal Coletivo recolhe a intervenção de um dos Juízes Desembargadores que julgou em tal sentido.
10. Acompanhemos, por isso, as partes mais significativas da argumentação expendida no mencionado processo nº. º 01995/20.3BEPRT-S1: “(…)
Assim sendo, bem andou o Senhor Juiz a quo ao não proferir despacho de convite ao Autor para que procedesse à substituição do Réu na ação, de forma a que nela passasse a figurar como entidade demandada quem lá devia estar ab initio- a ARSN, IP, conquanto, estando-se perante uma situação de ilegitimidade singular, a mesma é insuprível [destaque nosso].
Não desconhecemos que existe jurisprudência, apoiada essencialmente nos ensinamentos do professor Mário Aroso de Almeida, que vem sustentando que a exceção dilatória da ilegitimidade singular ativa e passiva, depois das alterações introduzidas ao CPTA pelo DL n.º 214-G/2015, passou a ser suscetível de sanação.
Mas cremos convictamente que assim não é e que, como melhor nos passaremos a explicar, a impossibilidade da sua sanação saiu ainda mais evidenciada com a revisão do CPTA operada pelo DL 214-G/2015.
Conforme se estabelece no art.10.º, n.º 1 do C.P.T.A., “cada ação deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida e, quando for caso disso, contra as pessoas ou entidades de interesses contrapostos aos autores”, pelo que, tem legitimidade passiva quem for a outra parte na relação material controvertida.
Este preceito legal retoma a regra geral enunciada no art.º30.º do CPC/2013 (anterior art. 26.º do CPC), aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, segundo o qual é parte legítima quem tiver interesse direto em contradizer ( n.º1), sendo que de acordo com o n.º 2 desse preceito essa qualidade pertence aos sujeitos da relação controvertida, tal como esta estiver configurada pelo Autor.
A legitimidade passiva corresponde à contraparte na relação material controvertida tal como é configurada pelo autor, devendo este demandar em juízo quem alegadamente estiver colocado, no âmbito dessa relação, em posição contraposta à sua. Por isso, a legitimidade processual deva ser aferida pelas afirmações do autor na petição inicial, pelo modo como este unilateral e discricionariamente entende configurar o objeto do processo, sem que na determinação das partes legítimas se deva ter de aferir em função da efetiva titularidade da relação material controvertida existente, tomada de forma provisória como objetivamente existente com a configuração que vier a resultar das afirmações do A. e do R., confirmadas pela instrução e discussão da causa.
Daí que a legitimidade processual mais não é do que a “suscetibilidade de ser parte numa ação aferida em função da relação dessa parte com o objeto daquela ação” – (cfr. Miguel Teixeira de Sousa, in Estudos sobre o novo processo civil, 2.ª ed., Lisboa, Lex, 1997, pág. 136 e ss).
(…)
Assinale-se que, conforme antedito, no CPTA não se encontra expressamente prevista a possibilidade de sanação da exceção de ilegitimidade passiva singular, como sucede in casu, em que é indicada como entidade demandada uma pessoa coletiva pública diferente daquela que praticou o ato impugnado. Os vários números do artigo 10.º não contemplam esta situação, mesmo contando com as alterações que se introduziram ao CPTA. E não somos os únicos a ter esta compreensão.
Nesse sentido, veja-se o voto de vencido exarado no acórdão do TCAS, de 10.05.2018, proferido no processo n.º 1491/16.3BESNT no qual se vincou que «tendo o legislador do CPTA introduzido situações de sanação ope legis, à semelhança do que se verifica no CPC, em relação a várias exceções dilatórias, não é possível extrair de qualquer disposição legal, de qualquer dos Códigos, a possibilidade de suprimento da exceção de ilegitimidade passiva singular, como a do caso vertente, em que foi demandado um instituto público, que é uma pessoa coletiva de direito público, dotada de personalidade jurídica e judiciária, quando devia ter sido demandado um Ministério, no âmbito do qual se integra o órgão autor do ato impugnado».
(…)
E tendo em consideração que se está perante uma situação de ilegitimidade ativa singular, essa exceção é insuprível, não se detetando no CPTA nenhuma alteração decorrente do DL 214-G/2015, que aponte em sentido antagónico a este entendimento, sequer pode ver-se no Art.º 8.º-A, algum subsídio a essa tese.
Dispõe esse preceito, sob a epígrafe “Personalidade e capacidade judiciárias”, que:
«1- A personalidade e a capacidade judiciárias consistem, respetivamente, na suscetibilidade de ser parte e na de estar por si em juízo.
2- Tem personalidade judiciária quem tenha personalidade jurídica, e capacidade judiciária quem tenha capacidade de exercício de direitos, sendo aplicável ao processo administrativo o regime de suprimento da incapacidade previsto na lei processual civil.
3 - Para além dos demais casos de extensão da personalidade judiciária estabelecidos na lei processual civil, os ministérios e os órgãos da Administração Pública têm personalidade judiciária correspondente à legitimidade ativa e passiva que lhes é conferida pelo presente Código.
4- Nas ações indevidamente propostas contra ministérios, a respetiva falta de personalidade judiciária pode ser sanada pela intervenção do Estado e a ratificação ou repetição do processado.
5- A propositura indevida de ação contra um órgão administrativo não tem consequências processuais, nos termos do n.º 4 do artigo 10.º».
Com esta norma o legislador da revisão do CPTA, operada pelo DL n.º 214-G/2015, pretendeu e resolveu positivamente a questão de saber se quando uma ação que devia ser intentada contra a pessoa coletiva Estado mas que fora indevidamente intentada contra um ministério, a respetiva falta de personalidade judiciária e de legitimidade ativa podia ou não ser sanada pela intervenção do Estado e a ratificação ou repetição do processado, solução que, aliás, já era sufragada por parte significativa da jurisprudência mesmo antes da consagração expressa dessa possibilidade. Porém, o legislador nada disse quanto às situações de ilegitimidade singular ativa como aquela que ocorre nos presentes autos, quando a ação é intentada contra um ministério ou contra o Estado e devia ter sido intentada contra um instituto público, mantendo um “silêncio eloquente” como bem se refere no Acórdão deste TCAN, de 21.12.2018, proferido no processo 00786/17.3 BEPNF.
No identificado aresto, a propósito das alterações introduzidas ao CPTA no artigo 8.ºA, lê-se que:
«Nas ações indevidamente propostas contra ministérios, a respetiva falta de personalidade judiciária pode ser sanada pela intervenção do Estado e a ratificação ou repetição do processado.”
Esta disposição, apesar de inserida no art. 8º-A, sob a epígrafe de “Personalidade e capacidade judiciárias”, e mesmo que com referência à “falta de personalidade judiciária”, atua também como regra para a falta de legitimidade, na contemplada hipótese.
Pela equivalência estabelecida no antecedente n.º 3.
Nesta equivalência e particular hipótese (Ministério/Estado) há uma continuidade de solução oportuna às “especificidades próprias do processo administrativo”.
Retomando que «A questão de saber se deve ser demandado o Ministério ou o Estado Português que seria uma questão de existência (ou extensão) de personalidade judiciária passiva, de acordo com os conceitos do Código de Processo Civil (art. ºs 5º e 6º), é tratada pelo Código de Processo nos Tribunais Administrativos como uma questão de legitimidade, não se autonomizando aqui o conceito de personalidade judiciária» (cfr. Ac. deste TCAN, de 04-03-2016, proc. n.º 00991/14.4BEAVR).
E, sabendo que de pretérito não era consensual o tema, do mesmo passo que se aprofundou a aproximação ao processo comum civil, foi esta a única ressalva que mereceu positivada diferenciação por banda do legislador de revisão do CPTA.
No mais - pese o exagero de afirmação, mas o ganho da ideia -, um “silêncio eloquente” da lei [Cfr., a propósito KARL LARENZ (Cfr. “Metodologia da Ciência do Direito”, tradução da 5ª edição, revista, Fundação Calouste Gulbenkian, pág. 448 e segs.).].».
Também no voto de vencido lavrado no Acórdão do TCAS, de 10.05.2018, processo n.º 1491/16.BESNT, a propósito da possibilidade de suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular no direito processual administrativo na versão aprovada pelo DL n.º 214-G/2015, expenderam-se as seguintes considerações, em que nos revemos:
«No direito processual administrativo sob a vigência do regime processual do CPTA na sua redação inicial, a maioria da jurisprudência vinha decidindo no sentido na impossibilidade de sanação do pressuposto processual da ilegitimidade passiva singular, nos termos em que o decidiu a decisão recorrida, acompanhando a jurisprudência dos Tribunais Judiciais.
(…) No âmbito do direito processual civil, sob um quadro normativo idêntico ao previsto no CPTA quanto ao conceito de legitimidade passiva e quanto ao dever genérico de o juiz providenciar pela sanação de pressupostos processuais e pela regularidade da instância, nos termos previstos nos artigos 6.º, n.ºs 1 e 2 e 590.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) do CPC, por confronto aos artigos 7.º-A e 87.º do CPTA, não se admite a possibilidade de correção oficiosa ou a possibilidade de suprimento do pressuposto processual de ilegitimidade passiva singular, conduzindo a sua procedência à absolvição da entidade demandada da instância, como decidido na decisão recorrida.
Este é o entendimento que tem sido generalizadamente e ao longo dos anos, sob várias redações da lei processual civil, adotado pela jurisprudência emanada dos tribunais judiciais, limitando-se a possibilidade de suprimento à exceção de ilegitimidade passiva plural.
Neste sentido, entre outros, cfr. Acórdão da Relação de Coimbra, de 06/12/2011, Processo n.º 1223/10, segundo o qual: “1 – O mecanismo de sanação previsto no n.º 2 in fine do artigo 265.º do CPC, aplicado à ausência do pressuposto processual da legitimidade, só é viável nas situações de preterição de litisconsórcio necessário, sendo inviável nas situações de ilegitimidade singular.”.
Neste sentido também a doutrina processual civil assume que “São insanáveis a ilegitimidade singular, a falta de personalidade judiciária (fora do caso referido no art. 8º), a incompetência absoluta, o caso julgado e a litispendência.”, cfr. António Abrantes Geraldes, in Temas da Reforma do Processo Civil, II Volume, 3.ª ed., 2000, Almedina, pp. 64.
No mesmo sentido, “a lei é expressa quanto à sanabilidade da falta de determinados pressupostos e ao modo de a sanar. É o que acontece com a falta de personalidade judiciária em certos casos (art. 14), com a incapacidade judiciária e a irregularidade de representação (art. 27), com a falta de autorização ou deliberação (art. 29), com a falta do consentimento conjugal (art. 34-2), com a ilegalidade da coligação (art. 38), com a falta de constituição de advogado (art. 41), com a falta, insuficiência e irregularidade do mandato (art. 48) e com a falta de litisconsórcio necessário (art. 261). Mas a norma geral do art. 6-2 não se limita a remeter para estas e outras disposições específicas: abrange todos os pressupostos cuja falta possa, por sua natureza, ser sanada, sem que tal necessariamente implique a inutilidade de tudo o que se tiver processado...” – José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 158.
No caso da ilegitimidade passiva singular “parece natural que não possa remediar-se a falta do pressuposto processual de legitimidade singular, até porque, de qualquer modo, o processo deveria recuar praticamente ao seu início.” – vide António Abrantes Geraldes, obra cit., nota 104, pp. 64.
Isto é, a possibilidade de sanação das exceções dilatórias está limitada ou condicionada a que não “implique a inutilidade de tudo o que se tiver processado, pois a ideia que a ela preside é que devem ser removidos todos os impedimentos da decisão de mérito que possam sê-lo.” – José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 158. Este entendimento alicerça-se na circunstância de que, verificando-se a exceção de ilegitimidade passiva singular, nada se pode aproveitar da instância constituída, pois além de a citação dever ser repetida, com o consequente prazo para contestar e a apresentação de uma nova contestação por um novo sujeito processual, também a petição inicial carece de ser aperfeiçoada ou corrigida, não apenas quanto à indicação da entidade demandada, mas quanto à alegação dos factos relevantes essenciais, que consubstanciam a relação jurídica substantiva com outra parte que não foi a inicialmente demandada em juízo.
Daí que, segundo o regime processual civil nunca se tenha admitido a sanação da ilegitimidade singular, porque nada há a aproveitar da instância anteriormente constituída.
Sob o atual e vigente CPC de 2013, a doutrina mantém o anterior entendimento, não concedendo a possibilidade de sanação do pressuposto processual de legitimidade passiva singular, segundo a locução de que “a ilegitimidade singular da parte, a ineptidão da petição inicial, sem prejuízo do art. 186-3, a falta de personalidade judiciária, fora dos casos do art. 14, ou a incompetência absoluta do tribunal devem ser consideradas insanáveis” – cfr. José Lebre de Freitas, in A Ação Declarativa Comum À luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.ª ed., Coimbra Editora, pp. 158 (nota 7).
No entanto há a assinalar que tem existido uma evolução no regime da possibilidade de suprimento dos pressupostos processuais na lei processual civil.
Já nas disposições do CPC na redação emergente da reforma de 1961 se previa a “intervenção corretora do juiz no sentido de procurar, “ex officio”, a superação da falta de tais pressupostos processuais.”, cfr. António Abrantes Geraldes, obra cit., pp. 63.
A inovação prevista na reforma do CPC aprovada em 1995/96 consistiu em “se ter expressamente localizado após os articulados essa intervenção judicial e de se ter alargado o leque de circunstâncias capazes de a fundamentar à generalidade das exceções dilatórias típicas e atípicas que sejam supríveis”, Idem, pp. 63.
Esta evolução continuou no CPC de 2013, pois sendo o poder de o juiz convidar ao aperfeiçoamento ao tempo do CPC revogado um poder discricionário, não podendo o seu não uso fundar a arguição de nulidade (artigo 195.º do CPC), assim como o despacho proferido não era recorrível (artigo 630.º, n.º 1 do CPC), na atualidade o CPC em vigor atribuiu ao juiz um poder vinculado, que o juiz tem o poder-dever de exercer – neste sentido José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 156-157.
A finalidade subjacente ao regime legal prende-se com a realização do sistema de justiça e com a função processual em permitir o mais latamente possível a emissão de uma decisão de mérito.
Estabelece-se o “dever do juiz de providenciar pela sanação da falta de pressupostos processuais que seja sanável: o juiz deve determinar a realização dos atos necessários à regularização da instância e, quando não o possa fazer oficiosamente, por se estar no campo da exclusiva disponibilidade das partes, convidar estas a praticá-los (art. 6-2).” – José Lebre de Freitas, obra cit., pp. 158.
8. Quer na lei processual administrativa, quer na lei processual civil, prevê-se a possibilidade de suprimento de certos pressupostos processuais, mas, simultaneamente, admite-se que haja pressupostos processuais que não são sanáveis.
No tocante à lei processual administrativa encontram-se referências expressas à sanação da falta de personalidade e capacidade judiciárias no caso de a ação ter sido proposta contra o ministério, quando o devia ser contra o Estado português (artigo 8.º-A, n.º 4), no caso da ilegitimidade passiva, a ação ter sido instaurada contra o órgão pertencente à pessoa coletiva de direito público, ao ministério ou à secretaria regional a que o órgão pertence (artigo 10.º, n.º 4), a ilegalidade da coligação (artigo 12.º, n.ºs 3 e 4) e a incompetência do tribunal (artigo 14.º, n.º 3).
No CPTA não se encontra expressamente prevista a possibilidade de sanação da exceção de ilegitimidade passiva, por indicação como entidade demandada de pessoa coletiva pública diferente daquela que praticou o ato impugnado, configurada como ilegitimidade passiva singular, pois os vários números do artigo 10.º não contemplam esta situação.
(…) ».
Ainda recentemente o Supremo Tribunal de Justiça, em Acórdão de 27/02/2019, proferido no processo n.º 0280/17.2BALSB, numa ação administrativa intentada por um oficial de justiça contra o Estado Português, em que o mesmo alega como causa de pedir a ilegalidade de três despachos do Ex.mº Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, pedindo a declaração de nulidade de tais despachos, considerou que carecendo o Estado de legitimidade passiva para ser demandado porquanto quem devia ter sido demandado era o Senhor Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, ocorria uma situação de ilegitimidade singular passiva que nos termos dos artigos 89º n.º 1 al. d), n.º 2 e n.º 4, al. e) do CPTA e artigos 278º n.º 1 al. d) 576º n.ºs 1 e 2 e 577º al. e) todos do CPC, ex vi art. 1º do CPTA, impunha a absolvição da instância do Estado sem possibilidade de sanação, lendo-se nesse acórdão, sobre a questão da insanabilidade dessa exceção que:
«Nem se argumente que a ilegitimidade passiva é, em regra, passível de ser suprida (artigos 7.º, 7.º-A, n.º 2 e 87.º, n.º 1, al. a), todos do CPTA).
É que, no caso, a sanação da falta do pressuposto processual a que vimos aludindo implicaria a substituição do Estado por Exmo. Sr. Presidente da Relação de Lisboa (i.e. a parte legítima), o que é, a todos os títulos, inaceitável, já que não é consentido por qualquer norma legal (observa-se que só a ilegitimidade plural é suprível - cfr. n.º 1 do art.º 261.º do CPC) e, sobretudo, porque este último não é um órgão da pessoa coletiva demandada.
Assim, em suma e em conclusão, entendemos que o Réu Estado é parte ilegítima nos presentes autos, situação que não é passível de ser suprida ou sanada, pelo que se impõe a sua absolvição da instância.» (…)”.
11. O Supremo Tribunal Administrativo, na sequência da revista que foi admitida desse acórdão deste T.C.A.N., não inverteu tal linha jurisprudencial.
12. Assim, inexistindo quaisquer razões ou circunstâncias específicas que justifiquem diverso procedimento, não vemos razões sustentáveis para divergir da jurisprudência produzida pelo dito Acórdão deste T.C.A.N., antes a ela aderimos.
13. Tem-se, portanto, por assente, que a ilegitimidade passiva singular é insuscetível de sanação, conduzindo à absolvição da instância.
14. Deste modo, tendo sido esta a posição trilhada na decisão judicial recorrida, é mandatório concluir que a mesma fez correta subsunção do bloco legal aplicável, não sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige.
15. Já nas conclusões M) a S), o Recorrente põe em causa o juízo decisório firmado pelo Tribunal a quo no sentido da inexistência de relação de litisconsórcio entre o MAAC e o Ministério da Coesão Territorial.
16. Mas aqui também sem qualquer amparo de razão.
17. Na verdade, o litisconsórcio pressupõe a unicidade da relação material controvertida, sendo que a diferença entre litisconsórcio necessário e voluntário se traduz essencialmente na circunstância de que, enquanto no primeiro as partes se apresentam externamente como uma única parte, no segundo as partes mantêm uma posição de autonomia, isto é, as partes de um litisconsórcio necessário comungam de um destino comum e as de um litisconsórcio voluntário mantêm uma posição de autonomia.
18. Através da presente ação peticiona, em substância, o Autor peticiona, de entre outras pretensões jurisdicionais, a anulação do “(…) ato administrativo da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDRN), corporizado no despacho de 27 de maio de 2008, da Diretora de Serviços de Gestão do Território AA, lavrado sobre Informação DGPU de 19 de maio de 2008 (,.)”, com base no caráter ilegal do mesmo.
19. Ora, como bem aprecia a sentença recorrida, “(…) a CCDR-Norte apenas integra o Ministério da Coesão Territorial (atento o seu poder de direcção, que é típico, como se sabe, do modelo de organização vertical de hierarquia administrativa) e já não também o Ministério do Ambiente e da Ação Climática (…)”.
20. Assim, tendo em consideração a relação material controvertida e atento o disposto no artigo 10º, nº. 2 do C.P.T.A, a legitimidade passiva pertence ao Ministério da Coesão Territorial e não ao Ministério do Ambiente e da acção Climática.
21. Tal circunstância afasta, per se, a admissibilidade da intervenção principal do Ministério do Ambiente e da acção Climática nestes autos, posto que a legitimidade dessa intervenção pressuporia que entre os Ministérios em questão existisse uma situação de litisconsórcio necessário ou voluntário ativo, o que implicava que ambos os Ministérios fossem sujeitos ativos da mesma relação material controvertida ou que existisse uma dúvida fundada quanto à titularidade da relação material controvertida, o que não é o caso.
22. Assim deriva, naturalmente, que, por umas ou outras razões, se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da decisão versada.
23. Por sua vez, nas conclusões T) a V), o Recorrente sustenta que “(…) O ato da CCDRN e o ato do Município são indissociáveis - sem prejuízo de o ato final do PIP poder ter outros vícios que não derivem do ato da CCDRN - pelo que a administração estadual e a administração local têm de estar na ação, em razão de a decisão prévia da CCDRN, em si mesma vantajosa para o privado, só relevar no procedimento complexo do PIP e do que se lhe seguiu, de licenciamento. Portanto, mesmo que apenas um ministério devesse estar na ação e que tal ministério devesse ser o MCT, nem por isso se configuraria uma hipótese de litisconsórcio passivo singular e, ao não ponderar este aspeto, a decisão tem um erro de julgamento (…)”.
24. Julgamos, porém, que os termos em que o Recorrente desenvolve a sua argumentação são incapazes de fulminar a decisão recorrida com o imputado erro de julgamento de direito.
25. Efetivamente, não é aceitável, nem admissível, que a eventual (i) afinidade temática dos atos impugnados ou mesmo a patenteada (ii) maior vantagem para o privado na presença em juízo da Administração Local e Central crie ou mantenha uma situação contrária à lei somente para tutelar a expectativa que o Recorrente invoca, no sentido de fazer intervir em juízo uma entidade não dotada de legitimidade processual bastante para o efeito.
26. Nem o instituto da intervenção principal provocada pode servir o propósito de substituir o Réu demandado, mas, tão-só, o de chamar à demanda terceiro conjuntamente interessado em contradizer a pretensão do Autor.
27. Neste sentido, tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça, inter aliás, Acórdão de 15.02.2007, rec. 3495/2007.6: “O incidente da intervenção principal provocada não se destina a acobertar as situações em que o Réu pretende fazer-se substituir por quem ele pensa que é o autor do facto danoso”.
28. Por conseguinte, não vinga a argumentação avançada pela Recorrente em análise.
29. Finalmente, nas conclusões W) a Z), o Recorrente põe em crise a possibilidade do Ministério da Coesão Territorial ser parte legítima, já que “(…) inexiste qualquer diploma a instituir tal ministério, pelo que ao atribuir legitimidade ao que não existe, a decisão recorrida enferma de erro na aplicação do Direito (…)”.
30. Esta alegação, porém, é absolutamente imprestável para demonstrar a existência de qualquer erro de julgamento da decisão recorrida,
31. De facto, à data de propositura da presente ação [03.02.2022] já era plenamente identificável na orgânica do XXII Governo aprovada pelo DL n.° 169-B/2019, de 03 de dezembro, a existência de um Ministério da Coesão Territorial, previsão que se manteve também quanto à organização e funcionamento do XXIII Governo Constitucional [cfr. Decreto-Lei n.º 32/2022 de 9 de maio].
32. O que faz atravessar a tese do Recorrente de qualquer sustentáculo factual.
33. Por tudo isto, nega-se provimento ao recurso jurisdicional em análise e confirma-se a decisão judicial recorrida.
34. Assim se decidirá.
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V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao recurso jurisdicional “ sub judice”, confirmando-se decisão judicial recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Registe e Notifique-se.
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Porto, 10 de março de 2023,


Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia
Rogério Martins – com voto de vencido anexo


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VOTO VENCIDO o presente acórdão pelas seguintes razões:
As regras do processo civil em matéria de ilegitimidade (passiva) não podem ser transpostas, sem mais, para o processo administrativo.
A relação entre a parte e o objeto do processo (em que se traduz a legitimidade) assume, no caso das entidades públicas demandadas (legitimidade passiva), contornos diversos dos que estão subjacentes ao regime da ilegitimidade no processo civil: enquanto que no mundo das pessoas jurídicas privadas (singulares ou coletivas) a regra é a total separação das esferas jurídicas, correspondentes a distintos (e inconfundíveis) centros de imputação de direitos e deveres, já no universo das pessoas coletivas públicas predomina a complexidade da organização administrativa.
No caso dos Ministérios é mais evidente a confusão ou possibilidade de confusão, tendo em conta a frequente alteração da designação e das respetivas esferas de competências.
É preciso, neste contexto, não perder de vista o disposto no artigo 7.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos sob a epígrafe “Promoção do acesso à justiça”:
“Para efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas”.
Tendo em conta este princípio basilar do processo nos tribunais administrativos a questão que se coloca não é a de o legislador não ter prevista a sanação desta excepção dilatória, da ilegitimidade passiva singular.
A questão que se coloca é precisamente a inversa: o legislador não previu a insusceptibilidade de sanação desta excepção.
Não tendo o legislador previsto a impossibilidade de sanação desta excepção dilatória e tendo em conta a preferência do legislador pelas decisões de mérito sobre as decisões de forma, forçoso é concluir que pode ser sanada a excepção de ilegitimidade passiva singular.
Como defendo desde, pelo menos, a prolação do acórdão T.C.A.S. de 08.05.2008, no processo 01509/06, que relatei, tendo mantido esta posição também no Acórdão do TCAN de 20.05.2016 no processo 00426/12.7 VIS.
Posição também defendida por Esperança Mealha no seu artigo “Personalidade Judiciária e Legitimidade Passiva das Entidades Púbicas”; revista CEDIPRE “on line”, 2, de Novembro 2010. https://www.fd.uc.pt/cedipre/wp-content/uploads/pdfs/co/public_2.pdf.
Sendo certo que as alterações legislativas entretanto operadas não têm, em meu entender, qualquer relevo para a questão que aqui se discute.
Em todo o caso, não se trata aqui de uma situação de ilegitimidade passiva singular, mas plural: estão em causa vários actos - sendo uns consequentes de outro - e dois sujeitos passivos, um ministério e um município.
Apenas em relação a um dos sujeitos passivos se coloca a questão da ilegitimidade.
Mais: estamos numa situação de litisconsórcio necessário passivo.
Este litisconsórcio necessário passivo não é - como me parece evidente - entre o Ministério que foi demandado e o que deveria ter sido demandado, mas entre o Município que foi demandado e o Ministério que deveria ter sido demandado.
Isto porque estão em causa actos indissociáveis entre si, o acto de um órgão integrado no Ministério da Coesão Territorial que emitiu parecer favorável à construção do Hotel ... e os actos do Município ..., um que deferiu o pedido de informação prévia e outro que licenciou as obras (para além de outros).
Só é possível emitir pronúncia útil sobre a relação jurídica controvertida (no essencial, a legalidade da construção do Hotel ... com a configuração e localização licenciadas) se estiverem no processo o Município e o Ministério.
Revogaria por isso a decisão recorrida e ordenaria a baixa dos autos para prosseguir os seus termos, desde logo com o convite dirigido ao MP para corrigir a petição indicando o legítimo sujeito passivo.