Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00017/01.8BTPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:06/18/2020
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Rosário Pais
Descritores:IMPUGNAÇÃO; SWAP; DEDUÇÃO DE CUSTOS; BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I – Segundo o Despacho do SEAF de 28/04/1998, a norma do artigo 68.º-B, n.º 1, alínea b), do CIRC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 257-B/96, de 31/12, deve ser interpretada no sentido de que os custos e proveitos, periodificados e ainda não realizados, são irreversíveis no fim de cada exercício, em virtude de as taxas de juro serem fixadas no início de cada período dos fluxos intermédios, pelo que os resultados periodificados de cada operação são de incluir na base tributável.

II – Provando-se que as taxas de juro em causa nos autos não estavam fixadas no início de cada período dos fluxos intermédios e que as mesmas não eram irreversíveis no fim de cada exercício, nem resultando da matéria de facto assente que estava fixada a forma de determinação de tais taxas, os juros não pagos no exercício não podiam ser incluídos na base tributável.

III – O artigo 31.º do EBF, na redação dada pela Lei n.º 39-B/94, de 27/12, não deve ser interpretado no sentido de que apenas abrange as ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacionais. *
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:F., S.A.
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de dever ser concedido parcial provimento ao recurso.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:


1. RELATÓRIO
1.1. O Representante da Fazenda Pública vem recorrer da sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 28.02.2019, pela qual foi julgada parcialmente procedente a impugnação judicial que F., S.A., atualmente designada M., S.A., apresentou contra as liquidações de IRC dos exercícios de 1997 e 1998.

1.2. O Recorrente terminou as respetivas alegações formulando as seguintes conclusões:
A. Na questão aqui a dirimir relativa aos Instrumentos financeiros derivados, está em causa a não aceitação da dedução ao LT (lucro tributável), do exercício de 1998, do montante de Esc. 75 391 021$00 de juros a receber do instrumento financeiro denominado de “Swaps de taxa de juro”, dedução esta efetuada pelo sujeito passivo no Quadro 06, à data, da declaração de rendimentos do Mod.22, do IRC.
B. Os produtos em causa (SWAPS) são transacionados em mercados não organizados (fora de bolsa) e aplica-se, para efeitos fiscais, a regra do “princípio da realização”. Tratando-se de Swaps de Taxa de Juro, os fluxos intermédios gerados são assimilados a juros que deverão ser reconhecidos como proveito/custo no exercício em que se vencem, quando a periodização numa base diária não possa ser aplicada.
C. No caso em questão, o proveito (custo) é o juro que resulta, não da indisponibilidade temporária de um determinado montante de capital, mas de um contrato celebrado entre duas partes, em que os juros são considerados proveitos realizados ou custos suportados quando o direito ao seu recebimento ou a obrigatoriedade de pagamento possa considerar-se certa relativamente ao período já decorrido e à taxa praticada.
D. No tocante aos três SWAPS em questão (FNB Wall Street, FNB Nikei 2001 e Certificados de Depósito), o pagamento de juros é semestral, à taxa Lisbor em vigor no início de cada semestre, sendo a periodificação em 31/12/1998 efetuada numa base diária certa quanto à obrigatoriedade de pagamento, considerando-se, assim, um custo suportado.
E. Já o recebimento de juros, embora ocorra no final do período de contratação, é periodificado numa base diária certa, quanto ao direito ao seu recebimento, pois, no final de cada período de tributação, a taxa utilizável resulta: (a) Do valor de um determinado índice (Dow Jones para o FNB Wall Street, Nikei para o FNB Nikei 2001 e PSI – 20 para os Certificados de Depósito) ocorrido no dia da contratação; e (b) Da média aritmética dos valores mensais dos mesmos índices, verificados em determinado dia do mês (25, nos FNB Wall Street e Nikei 2001, e 03, nos Certificados), também eles certos e irreversíveis.
F. Assim, atendendo às características dos contratos, no que respeita às taxas utilizadas para cálculo da periodificação dos juros a pagar e a receber, sendo efetuada numa base diária certa, o direito ao recebimento e a obrigação de pagamento consubstanciam factos certos, sendo que, quer os proveitos, quer os custos desta periodificação, devem considerar-se realizados e suportados e concorrer para o LT do exercício de 1998.
G. Não deixa de ser verdade o desconhecimento inicial do desenvolvimento das taxas, que vierem a verificar-se durante o período de contratação, mas o seu cálculo, em 31/12, é factual e concretamente possível, face às regras de cálculo que vigoram para estes instrumentos financeiros, que preveem, por exemplo, 36 observações, a 25 de cada mês, entre 25/03/1998 e 25/02/2001, no caso do FNB Wall Street.
H. Portanto, o relatório pericial, não errando quanto ao desconhecimento inicial do desenvolvimento das taxas, também não desmente nem compromete – em suma, não contraria - o facto de o seu cálculo ser possível, como efectivamente o foi, e vem plenamente demonstrado na informação de 26/07/2002 da DSPIT, junta aos autos. Tal como o não contraria a própria impugnante.
I. O relatório pericial não tem a virtualidade, em face do seu próprio teor, de contrariar a fundamentada demonstração (cálculo) efectuada pela AT justificadora da liquidação/correcção aqui controvertida, e que, como tal, deve manter-se estável na ordem jurídica. Demonstração/cálculo que, também, não vem em si mesmo contrariado pela própria impugnante.
J. O relatório pericial (p. 3) afirma que, “... embora o F., S.A. tenha fixado as taxas de juro no início de cada período de fluxos intermédio que iria pagar no final desses mesmos fluxos intermédios, não foram fixadas taxas de juro a receber pelo F., S.A. no início dos fluxos intermédios, pelo que os ganhos potenciais da evolução da cotação dos índices bolsistas subjacentes eram reversíveis no final de cada exercício.”
K. Mas, a verdade é que, o que assim fica dito, quanto às regras de pagamento e recebimento, é irrelevante, porque, por um lado, estamos a falar de instrumentos financeiros de risco, que, por natureza, não podem ter a taxa fixada no início, e, por outro, se o que fica dito quanto ao momento inicial (que “não foram fixadas taxas de juro a receber no início dos fluxos”) pode ser verdade, não é menos verdade que, a posteriori, o cálculo dessas taxas de juro a receber é perfeitamente possível e realizável.
L. Portanto, em face das necessárias regras de pagamento e recebimento, entende a Fazenda Pública, devem concorrer para o resultado fiscal os proveitos e custos periodificados decorrentes dos quatro Swaps, ainda que relativamente aos mesmos não tenham ocorrido os recebimentos e pagamentos, de acordo com as suas características. As características dos pagamentos e recebimentos dos Swaps em questão ficaram plenamente demonstradas no ponto 38 das alegações de recurso, supra.
M. Perante tal factualidade, verifica-se uma errada aplicação dos preceitos legais convocados na douta sentença para sustentar a anulação (parcial) da liquidação em crise no presente recurso.
N. Na questão a dirimir relativa aos Benefícios fiscais, o Tribunal a quo limita-se, aqui, a considerar que a interpretação que a Administração Tributária faz da norma viola as regras gerais de interpretação das normas jurídicas e, como tal, deve ser afastada, com o que se impõe a anulação da correcção em causa, considerando que a mesma teve origem nessa interpretação normativa que considera errada.
O. Considera a Fazenda Pública que o Tribunal a quo faz uma interpretação “absolutamente” literal da norma do art. 31.º do EBF, esquecendo o elemento integrador sistemático que constitui a própria unidade do sistema jurídico, e, em particular, do sistema fiscal.
P. A sentença não explica, de todo, porque devem ser afastados da interpretação da norma os princípios fundamentais enumerados no âmbito da autorização legislativa dos benefícios fiscais (Lei n.º 8/89, de 22 de Abril), no sentido de que o art. 31º do EBF apenas se aplica a títulos cotados em Bolsas nacionais, conforme alegado pela FP, nem explica porque deve ser afastado dessa interpretação o art. 2.º do EBF, norma integradora relevante, pois define os benefícios fiscais como “medidas de carácter excepcional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”.
Q. Erra o Tribunal a quo ao considerar que as razões invocadas pela AT para sustentar que a norma só é aplicada aos títulos cotados na bolsa nacional reconduzem-se a opções de política legislativa que extravasam o âmbito da interpretação da norma.
R. Isto porque, tratando-se, concretamente, de legislar em questões de política fiscal – há, inclusive, uma Constituição fiscal que a AT tem que saber interpretar de forma sistemática –, o âmbito de interpretação da norma fica também condicionado, naturalmente, à política fiscal do país, e, portanto, nessa equação, tem que se entrar em conta com variadíssimos elementos, como, por exemplo, a soberania fiscal do país, as regras relativas ao imposto, sujeito, território e momento da tributação, e respectiva motivação Orçamental.
S. Ora, erra o Tribunal ao considerar despiciendo o que assim considera de elemento político na interpretação de uma norma, feita por organismo da Administração directa do Estado, a quem compete interpretar a lei fiscal e aplicá-la num sentido unitário sistemático de evitamento de despesa fiscal contrária ao interesse que a Lei fiscal e Orçamental prescrevem.
T. O Tribunal a quo erra, portanto, porque não diz em que medida a interpretação feita pela inspeção tributária/AT está errada, de forma concreta, porque é que o art. 31º do EBF não pode ser interpretado em consonância com os princípios enumerados na Lei nº 8/89, de 22 de Abril, e com o art. 2º do EBF, no sentido em que apenas se aplica a títulos cotados em bolsas nacionais.
U. Há erro de julgamento de facto quando se conclua, da confrontação entre os meios de prova produzidos e os factos dados por provados ou não provados, que o juízo feito está em desconformidade com a prova produzida, independentemente da convicção pessoal do juiz acerca de cada facto;
V. Deste modo, entende a Fazenda Pública que o douto decisório fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório da Inspeção Tributária e demais informações e documentos constantes dos autos, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto no art.º 68º-B, nº 1, al. b) do CIRC, na redacção dada pelo D.L. 257-B/96 de 31/12, e art.º 31º do EBF.
W. Tudo, na medida em que considerou que “como [a impugnante] não sabia qual o proveito que iria receber (ganhos potenciais da evolução da cotação dos índices bolsistas subjacentes) das outras entidades que assumiram o pagamento de um rendimento variável no futuro (dado que não foram fixadas as taxas de juro a receber pela impugnante no início dos fluxos intermédios), não considerou esse rendimento como proveito fiscal”,
X. Quando, inversamente, ficou provado que à impugnante, face às regras de cálculo que vigoram para estes instrumentos financeiros, foi concretamente possível o cálculo da periodificação dos juros a pagar e a receber (o cálculo a 31/12), consubstanciando o direito ao recebimento e a obrigação de pagamento factos certos, pelo que, quer os proveitos, quer os custos desta periodificação devem considerar-se realizados e suportados e concorrer para o LT do exercício de 1998.
Y. E, também, na medida em que considerou a interpretação feita pela inspeção tributária/AT errada, pois o art. 31º do EBF deve ser interpretado em consonância com os princípios enumerados na Lei nº 8/89, de 22 de Abril, e com o art. 2º do EBF, no sentido em que apenas se aplica a títulos cotados em bolsas nacionais.
Termos em que,
deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a douta decisão recorrida na parte em que a Fazenda Pública foi vencida, com as devidas consequências legais.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o parecer, com o seguinte teor:
“Recorre a FP da sentença proferida pela Mma Juíza do TAF do Porto na parte que julgou procedente a impugnação dirigida por F., S.A. às liquidações de IRC relativas aos exercícios de 1997 e 1998.
Cinge-se, assim, a recorrente aos pontos D (Dos instrumentos financeiros derivados) e E (Dos benefícios fiscais) da sentença.
Concluiu a Mma Juíza relativamente às questões tratadas sob tais itens -correção de 75 391 021$00 referente ao resultado líquido, periodificado e não pago, dos swaps de cobertura de taxa de juro com início no exercício de 1998 e correções efetuadas no exercício de 1997 (1 165 708$00 e 1998 (961 219$00) correspondentes a 50% dos dividendos recebidos pela impugnante resultantes da sua participação em empresas com sede em Espanha que deduziu ao lucro tributável, ao abrigo do artº 31º do EBF que:
- não deveria ser acrescida ao lucro tributável a importância ainda não paga relativa a ganhos potenciais da evolução da cotação dos índices bolsistas subjacentes, pois que tal não encontra respaldo na norma do artº 68º-B, nº 1 do CIRC;
- que a interpretação da norma do artº 31º do EBF efetuada pela AF, no sentido de abranger apenas os dividendos distribuídos de ações admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacional viola as regras gerais de interpretação das normas jurídicas e, como tal, deve ser afastada.
A recorrente termina as suas alegações dizendo que a sentença "... fez uma errada valoração da fundamentação e da prova carreada pela AT e que se encontra vertida no relatório de inspeção tributária e demais informações e documentos constantes dos autos, bem como incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, por errada interpretação do disposto no artº 68"-B, nº 1 b) do CIRC, na redação do DL 257-B/96, de 31.12 e artº 31º do EBF".
Propendo a considerar que, em parte, lhe assiste razão
No que toca à correção dos juros de swaps afigura-se-me acertada a extensa argumentação contida nos pontos 7 a 13 das suas alegações quer por referência as instruções que menciona, citadas no relatório que a sentença transcreve, designadamente o pedido de informação vinculativa solicitado pelo próprio Banco, embora para uma outra situação específica, mas com as mesmas características quer pela demonstração do cálculo da periodificação dos juros a pagar e a receber reportado a 31.12.
Quanto à interpretação do artº 31º do EBF, na redação vigente à data dos factos, da Lei nº 39-B/94, de 27.12 já se me afigura correta a que a sentença consigna, ou seja, de que deve englobar-se os dividendos distribuídos de ações admitidas à negociação dos mercados, tanto na bolsa nacional, como na internacional.
Para além da fundamentação da sentença sobre a questão apelo ao ac. do Supremo Tribunal de Justiça do TJCE de 6.6.2000, proc. C-35/98, mencionado pela impugnante a fls. 9 das suas alegações produzidas ao abrigo do artº 120º do CPPT, e às conclusões que daí emanam, conforme ali expresso, sobre um caso em que havia sido recusado a um cidadão neerlandês a isenção de impostos sobre o rendimento quanto aos dividendos de ações recebidas de uma sociedade com sede em Estado Membro diferente dos Países Baixos.
Concluo, do exposto, que o recurso deverá proceder parcialmente.

Dispensados os vistos legais, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC, cumpre apreciar e decidir, pois que a tanto nada obsta.


2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR
Uma vez que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações da Recorrente, cumpre apreciar e decidir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento de direito quanto à interpretação que efetuou das normas dos artigos 68.º-B, n.º 1, al. b) do CIRC, na redação dada pelo DL n.º 257/96, de 31/12, e 38.º do EBF, bem como de erro de julgamento de facto, por errada valoração da fundamentação e prova constante do RIT.

3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. DE FACTO
A decisão recorrida contém a seguinte fundamentação de facto:
“É a seguinte a matéria de facto provada com relevância para a decisão da causa, por ordem lógica e cronológica:
A. Com data de 12.02.2001, foi elaborado “Relatório de inspecção tributária”, por referência à impugnante, com o seguinte teor – cfr. doc. 4 junto com a p.i.:
“(...)
(Imagens no original da sentença)

(...)”
B. Com data de 20.07.2001, foi proferido despacho de concordância com o relatório que antecede – cfr. doc. 4 junto com a p.i..
C. Em 25.07.2001, em nome da impugnante foram emitidas as liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios relativas aos exercícios de 1997 e 1998, no montante global de € 257.982,37 – cfr. docs. 1 e 2 juntos com a p.i..
D. A impugnante efectuou o pagamento daquela quantia em 26.09.2001 – cfr. doc. 11 junto com a p.i.
E. Os valores de 38.292.500$00 e 34.192.656$00, contabilizados na conta “740031 – combustíveis para viaturas ligeiras de passageiros”, são referentes a aquisições de cheques-auto – cfr. fls. 9 e ss. do relatório de inspecção.
F. A impugnante não apresentou à Administração Tributária os documentos externos das gasolineiras que comprovem a compra de combustível - cfr. fls. 9 e ss. do relatório de inspecção.
G. A impugnante não identificou os beneficiários daqueles cheques-auto – cfr. fls. 9 e ss. do relatório de inspecção.
H. A impugnante não identificou as pessoas que efectuaram a viagem a que se reporta a factura n.º 2-02215 da empresa C. – viagens e turismo, Lda, registada na conta “6718 – perdas relativas a exercícios anteriores” – cfr. fls. 9 e ss. do relatório de inspecção.
I. As taxas de juro fixadas nos instrumentos financeiros derivados FNB Wall Street, FNB Nikkei 2001 e certificados de depósito não foram fixadas no início de cada período dos fluxos intermédios – cfr. relatório pericial.
J. As taxas de juro fixadas nos instrumentos financeiros derivados FNB Wall Street, FNB Nikkei 2001 e certificados de depósito não são irreversíveis no fim de cada exercício – cfr. relatório pericial.
K. Nos instrumentos financeiros derivados FNB Wall Street, FNB Nikkei 2001 e certificados de depósito, a impugnante pagou a componente fixa das taxas de juro e recorreu a entidades terceiras para pagarem a componente variável – cfr. relatório pericial.
Não se provaram quaisquer outros factos para além dos referidos com relevância para a decisão da causa, designadamente os seguintes:
1. A provisão de 510.993$00 foi reposta em 1998.
2. A provisão de 4.683.752$00 foi reposta em 1999.
3. A provisão de 522.739$00 foi reposta em 1998 e em 1999.
Motivação
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada uma das alíneas do probatório, e no acordo das partes. A este propósito, relevou ainda a factualidade constante do relatório de inspecção e que não foi posta em causa pela impugnante. Foi ainda considerado o teor do relatório pericial.
Quanto aos factos não provados 1., 2. e 3., cumpre referir que a impugnante não juntou qualquer documento comprovativo da alegada reposição das provisões, nem mesmo quando para tal solicitada no âmbito da realização da prova pericial, tendo o relatório pericial concluído pela não reposição das provisões. A este propósito, a impugnante alega que releva a circunstância de já ter decorrido o prazo de dez anos de obrigação de conservação de documentos contabilísticos. Todavia, datando a impugnação do ano de 2001, a impugnante tinha o ónus de conservar tal documentação com vista a fazer a prova daquela factualidade alegada, o que não fez.

3.2. DE DIREITO
3.2.1. Custos relativos a juros de swaps
Está em causa a interpretação da norma do artigo 68.º-B do CIRC, na redação que lhe foi dada pelo DL n.º 257-B/96, de 31/12, cujo teor é o seguinte:
«Artigo 68.º-B
Instrumentos financeiros derivados - regras gerais
1 - Na consideração dos proveitos ou ganhos e custos ou perdas relativos a instrumentos financeiros derivados, salvo os previstos no artigo seguinte, observar-se-á o seguinte:
a) Tratando-se de operações efectuadas em bolsas de valores, em curso no fecho de um exercício, aqueles proveitos ou ganhos e custos ou perdas serão imputáveis àquele exercício e determinados de acordo com o valor de mercado verificado no último dia, do mesmo exercício, no mercado em que a operação foi efectuada;
b) Tratando-se de operações não efectuadas em bolsa de valores, aqueles proveitos ou ganhos e custos ou perdas serão imputáveis ao exercício da liquidação da correspondente operação, excepto quanto a proveitos ou ganhos já realizados ou custos ou perdas já suportados em exercícios anteriores.
2 - Relativamente às operações a que se refere a alínea a) do número anterior cujo objectivo exclusivo seja o de cobertura de operações a efectuar no exercício seguinte, num mercado de natureza diferente e subordinadas a critérios valorimétricos diversos, permitir-se-á o diferimento dos ganhos não realizados, apurados num exercício, para, no máximo, os dois exercícios seguintes, na medida das perdas ainda não realizadas no instrumento coberto.
3 - Sem prejuízo do disposto no n.º 5 deste artigo, são consideradas operações de cobertura as operações que justificadamente contribuam para a eliminação ou redução de um risco real decorrente de um compromisso firme, incluindo os compromissos futuros de operações efectuadas no exercício ou em exercícios anteriores, mas ainda em curso, ou de uma operação futura a realizar, com elevada probabilidade, no exercício seguinte, respeitantes a um mercado de natureza diferente e subordinadas a critérios valorimétricos diversos, de tal modo que se verifique uma relação económica incontestável entre o elemento coberto e o de cobertura e seja quantificável uma correlação elevada entre eles, por forma que de tal operação se deva esperar a neutralização, total ou parcial, mas substancial, das perdas eventuais sobre o elemento coberto com os ganhos na operação de cobertura.
4 - Para efeitos do disposto no número anterior só será considerada de cobertura a operação cujo valor não exceda o valor de cobertura considerado necessário face à correlação existente entre a operação de cobertura e a operação coberta.
5 - Não são aceites, fiscalmente, como operações de cobertura:
a) As operações efectuadas a tal título com vista a cobrir riscos a incorrer por outras pessoas ou entidades ou por estabelecimentos da que realiza as operações cujos rendimentos não sejam tributados pelo regime normal de tributação;
b) As operações efectuadas por fundos de investimento, incluindo fundos de fundos, fundos de capital de risco, fundos de pensões, empresas de seguros, instituições de crédito e outras instituições financeiras, às quais também não é aplicável o disposto nos n.os 8 e 9;
c) As operações que não forem devidamente identificadas em modelo apropriado.
6 - A não verificação dos requisitos referidos no n.º 3 deste artigo determina, a partir da data dessa não verificação, a desqualificação da operação como de cobertura.
7 - Não sendo efectuada a operação coberta ao valor do imposto relativo ao exercício em que se efectuaria, adicionar-se-á o imposto que deixou de ser liquidado por virtude do disposto no n.º 2, acrescido dos juros compensatórios correspondentes, ou, não havendo lugar ao apuramento do IRC, corrigir-se-á em conformidade o prejuízo fiscal declarado.
8 - Sem prejuízo do disposto no n.º 9 deste artigo, a dedução de perdas apuradas no fecho de um exercício, relativamente a contratos em curso no fecho desse exercício, é limitada ao montante em que excedam os ganhos ainda não tributados em posições simétricas.
9 - Só são dedutíveis os custos ou perdas relativos a posições simétricas que forem devidamente identificadas em modelo apropriado, a entregar conjuntamente com a declaração a que alude a alínea b) do n.º 1 do artigo 94.º do Código do IRC.
10 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, considera-se que:
a) São posições simétricas as posições em que os valores, do capital ou do rendimento, sofram variações correlacionadas de tal forma que o risco de variação do valor de uma delas seja compensado pela variação de valor, do capital ou do rendimento numa outra posição, independentemente da natureza, do local ou da duração das mesmas;
b) Por posição entende-se a detenção, directa ou indirecta, de contratos relativos a instrumentos financeiros derivados, de valores mobiliários, de moedas, de títulos de crédito negociáveis, de empréstimos contraídos ou concedidos ou de compromissos assumidos sobre esses elementos.
11 - Se a substância de uma operação ou conjunto de operações difere da sua forma, o momento, a fonte e o carácter dos pagamentos e recebimentos, proveitos e custos, ganhos e perdas, decorrentes dessa operação, podem ser recaracterizados pela administração fiscal de modo a ter em conta essa substância.».
No caso dos autos, como se extrai das conclusões do relatório, no que respeita aos instrumentos financeiros derivados, a ATA corrigiu, no exercício de 1998, o montante global de Esc. 148.827.869. Deste, Esc. 75.391.021 refere-se «ao resultado líquido, periodificado e não pago, dos swaps de taxa de juro com início em 1998, os quais, face ao novo entendimento quanto ao alcance do art.º 68.º-B do CIRC, o Banco indevidamente deduziu ao resultado líquido contabilístico do exercício», entendimento de que a Impugnante discordou.
O dito valor de Esc. 75.391.021 foi deduzido na linha 48 do Q06 da declaração modelo 22, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 68.º-B do CIRC, referente a juros de swaps de cobertura de taxas de juro, negociados fora de bolsa e vivos em 31/12/1998, adotando «um regime de caixa, pois [a Recorrente] considerou para efeitos de apuramento da matéria coletável somente os juros recebidos/pagos no decurso do exercício, sustentado numa informação prestada» pela ATA (proc. 918/97) em 15/07/1997. No entanto, esta viria a mudar o sentido interpretativo da norma do artigo 68.º-B do CIRC, por Despacho de 28/04/1998 do SEAF, onde se salientou que «se durante a vigência do contrato houver lugar a pagamentos/recebimentos intermédios, estes deverão ser objecto de tributação no respectivo exercício, seguindo-se o princípio da realização, quando a periodização numa base diária não possa aplicar-se devido a incertezas quando ao recebimento dos juros e ao respetivo montante.// No que respeita aos custos e proveitos, periodificados e ainda não realizados, são irreversíveis no fim de cada exercício, em virtude de as taxas de juro serem fixadas no início de cada período dos fluxos intermédios, pelo que os resultados periodificados de cada operação são de incluir na base tributável. // (…) o novo entendimento da Administração Tributária [foi] comunicada à Associação Portuguesa de Bancos através do Ofício n.º 260, de 30/07/98, do CEF, terá obrigatoriamente de ser aplicado a todos os produtos derivados que tiveram início no exercício de 1998.». Assim, a AT acresceu ao lucro tributável declarado a importância de Esc. 75.391.091 referente ao resultado líquido, periodificado e não pago, dos swaps de taxa de juro com início no exercício de 1998.
Foi, portanto, com base em diferente interpretação do artigo 68.º-B do CIRC, adotada por Despacho do SEAF de 28/04/1998 e comunicada à Associação Portuguesa de Bancos por ofício de 30/07/98, que a AT procedeu às correções em causa.
Quanto a esta correção no valor de Esc. 75.391.021, refere a Impugnante (cfr. artigo 71.º e ss. da p.i.) que «aceita os argumentos apresentados pela administração tributária, considerando, no entanto, conforme resulta do entendimento transmitido à APB, que apenas serão de incluir na base tributável os resultados periodizados e ainda não realizados que sejam irreversíveis no fim de cada exercício em virtude de as taxas de juro serem fixadas no início de cada período dos fluxos intermédios», daí que (cfr. artigo 72.º da p.i.) «apenas seriam de incluir na base tributável o montante de Esc.272.000 (duzentos e setenta e dois mil Escudos), que corresponde ao valor dos ajustamentos ao lucro tributável relativos ao instrumento VARIFIX», pois, «em relação aos restantes instrumentos financeiros derivados que deram origem à correcção em análise (designadamente FNB Wall Street, FNB Nikei 2001 e certificados de depósito), verifica-se existirem incertezas quanto aos resultados contabilizados, em virtude de as taxas associadas aos mesmos não serem conhecidas à data do fecho de balanço, pelo que, relativamente aos mesmos deve ser aplicado o “princípio da realização”(…)».
Temos, então, que na perspetiva da Impugnante, ora Recorrida, a correção operada pela AT enferma de erro nos seus pressupostos de facto quanto aos swaps FNB Wall Street, FNB Nikei 2001 e certificados de depósito porque as taxas associadas não são conhecidas à data do fecho do balanço, havendo incerteza quanto aos resultados contabilizados.
Conforme se apurou no relatório pericial e ficou vertido nos pontos I., J. e K. dos factos provados, «As taxas de juro fixadas nos instrumentos financeiros derivados FNB Wall Street, FNB Nikkei 2001 e certificados de depósito não foram fixadas no início de cada período dos fluxos intermédios», «As taxas de juro fixadas nos instrumentos financeiros derivados FNB Wall Street, FNB Nikkei 2001 e certificados de depósito não são irreversíveis no fim de cada exercício» e «Nos instrumentos financeiros derivados FNB Wall Street, FNB Nikkei 2001 e certificados de depósito, a impugnante pagou a componente fixa das taxas de juro e recorreu a entidades terceiras para pagarem a componente variável».
Partindo deste julgamento de facto, que não vem posto em crise, a Meritíssima Juíza a quo considerou que era de reconhecer razão à Impugnante/Recorrida, assente na seguinte argumentação jurídica:
«(…)
Nos termos do artigo 68.º-B, n.º 1, alínea b), do Código do IRC, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 257-B/96, de 31 de Dezembro, tratando-se de operações não efectuadas em bolsa de valores, os proveitos ou ganhos e custos ou perdas relativos a instrumentos financeiros derivados serão imputáveis ao exercício da liquidação da correspondente operação, excepto quanto a proveitos ou ganhos já realizados ou custos ou perdas já suportados em exercícios anteriores.
Resulta do probatório que as taxas de juro fixadas nos instrumentos financeiros derivados FNB Wall Street, FNB Nikkei 2001 e certificados de depósito não foram fixadas no início de cada período dos fluxos intermédios nem são irreversíveis no fim de cada exercício e, quanto a tais instrumentos financeiros, a impugnante pagou a componente fixa das taxas de juro e recorreu a entidades terceiras para pagarem a componente variável.
Assim, e como se refere no relatório pericial, a impugnante assumiu taxas de juro fixas no início de cada período de fluxos intermédios, que iria pagar no final desses mesmos fluxos intermédios, e deduziu fiscalmente tal custo; mas como não sabia qual o proveito que iria receber (ganhos potenciais da evolução da cotação dos índices bolsistas subjacentes) das outras entidades que assumiram o pagamento de um rendimento variável no futuro (dado que não foram fixadas as taxas de juro a receber pela impugnante no início dos fluxos intermédios), não considerou esse rendimento como proveito fiscal, o qual era reversível no final de cada exercício. Ora, mal andou a Administração Tributária ao considerar que devia ser acrescida ao lucro tributável a importância ainda não paga, não tendo tal entendimento qualquer respaldo na norma legal aplicável ao caso acima referida.».
Embora a Recorrente alegue (conclusões D. e E. das alegações de recurso) que «o pagamento dos juros é semestral, à taxa Lisbor em vigor no início de cada semestre, sendo a periodificação em 31/12/1998 efetuada numa base diária certa quanto à obrigatoriedade de pagamento, considerando-se, assim, um custo suportado» e que «o recebimento de juros, embora ocorra no final do período de contratação, é periodificado numa base diária certa, quanto ao direito ao seu recebimento, pois, no final de cada período de tributação, a taxa utilizável resulta: (a) Do valor de um determinado índice (Dow Jones para o FNB Wall Street, Nikei para o FNB Nikei 2001 e PSI – 20 para os Certificados de Depósito) ocorrido no dia da contratação; e (b) Da média aritmética dos valores mensais dos mesmos índices, verificados em determinado dia do mês (25, nos FNB Wall Street e Nikei 2001, e 03, nos Certificados), também eles certos e irreversíveis», não esclarece em que meio probatório sustenta estas suas conclusões que diferem da factualidade apurada em 1.ª instância e até estão em contradição com ela. Na verdade, as taxas de juro não podiam, simultaneamente, estar fixadas e não o estar, ser reversíveis e não o ser.
Acresce que em lado algum da factualidade assente consta que estava fixada a forma de apuramento das taxas e que, contrariamente ao alegado pela Impugnante, era possível a sua determinação à data do fecho do balanço ou, mesmo, à data da apresentação da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 1998.
Em suma, face à factualidade assente que, repetimos, não vem colocada em crise nem se vislumbra que enferme de qualquer erro, mais não resta do que confirmar a sentença recorrida, nesta parte.

3.2.2. Benefícios fiscais
A Recorrente também não se conforma com o julgamento do Tribunal a quo quanto ao âmbito de aplicação do benefício fiscal previsto no artigo 31.º do EBF, no que considera existir erro «porque não diz em que medida a interpretação feita pela inspeção Tributária/AT está errada, de forma concreta, porque é que o artigo 31.º do EBF não pode ser interpretado em consonância com os princípios enumerados na Lei n.º 8/89, de 22 de Abril, e com o art. 2.º do EBF, no sentido de que apenas se aplica a títulos cotados em bolsas nacionais».
Sobre esta questão, considerou a 1.ª instância que:
«Estão em causa as correcções efectuadas nos exercícios de 1997 (1.165.708$00) e 1998 (961.219$00), correspondentes a 50% dos dividendos recebidos pela impugnante resultantes da sua participação em empresas com sede em Espanha e que a mesma deduziu ao lucro tributável, ao abrigo do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Entendeu a Administração Tributária que aquele normativo legal apenas se aplica a títulos cotados em bolsas nacionais, de acordo com os princípios fundamentais enumerados no âmbito da autorização legislativa dos benefícios fiscais (Lei n.º 8/89, de 22 de Abril) e nos termos do artigo 2.º do EBF, além de que não faria sentido que no orçamento de Estado se contemplasse sistematicamente uma despesa fiscal correspondente ao benefício em questão para incentivar um mercado de capitais que não fosse o nacional.
Insurge-se a impugnante contra tal entendimento defendendo que o mesmo viola o princípio geral de não discriminação e a liberdade de circulação de capitais, previstos no Tratado da União Europeia, na medida em que favorece os investimentos em acções cotadas em bolsas nacionais sem que haja fundada razão para a disparidade de tratamento.
Vejamos.
Nos termos do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais – na redacção aplicável ao caso, dada pela Lei n.º 39-B/94, de 27 de Dezembro -, “Os dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa contam apenas, por 50% do seu quantitativo para fins de IRS ou IRC.”
A este propósito, impõe-se atentar nas regras de interpretação que o artigo 9.º do Código Civil estabelece. E embora, no seu n.º 1, disponha que a interpretação da lei não deve cingir-se à letra da lei - mas reconstituir o pensamento legislativo a partir da letra da lei e tendo em conta sobretudo a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada -, deixa claro, no n.º 2, que não pode ser considerado o pensamento legislativo “que não tenha na letra um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.” Deste modo, a busca do sentido da lei está limitada por esse “mínimo de correspondência verbal” - “ainda que sejam persuasivas as razões avançadas em contrário, tendentes a provar ilogismo, desacerto ou mesmo lapso do legislador” -, o que se justifica por razões de certeza jurídica.5 Ou seja, é inultrapassável o texto da lei, devendo a interpretação da lei ter um mínimo de correspondência com o respectivo texto.
5 OLIVEIRA ASCENSÃO, Interpretação das leis. Integração das lacunas. Aplicação do princípio da analogia, in Revista da Ordem dos Advogados, III, 1997.
Volvendo ao caso em apreço, a letra da lei não deixa dúvidas quanto ao objecto da norma citada: dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa. E não pode o intérprete distinguir onde a lei não distingue, sendo certo que a lei não se reporta à bolsa nacional; simplesmente refere “bolsa”, desse modo necessariamente abrangendo tanto a bolsa nacional como a bolsa internacional. Acresce que as razões invocadas pela Administração Tributária para sustentar que a norma só é aplicada aos títulos cotados na bolsa nacional reconduzem-se a opções de política legislativa que, como tal, extravasam o âmbito da interpretação da norma.
Por conseguinte, a interpretação que a Administração Tributária faz da norma - no sentido de a mesma apenas abranger os dividendos distribuídos de acções admitidas à negociação dos mercados de bolsa nacional - viola as regras gerais de interpretação das normas jurídicas e, como tal, deve ser afastada, com o que se impõe a anulação da correcção em causa, considerando que a mesma teve origem nessa interpretação normativa que se considera errada.
Tendo a correcção em causa apenas como fundamento a circunstância de os títulos em causa não serem cotadas na bolsa nacional, e não sendo correcta a interpretação que a Administração Tributária faz da norma subjacente à correcção (artigo 31.º do EBF), a mesma enferma de erro nos pressupostos.
Concluindo-se pela errada interpretação da norma do artigo 31.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, não tem cabimento analisar se a mesma é violadora do princípio geral de não discriminação e/ou da liberdade de circulação de capitais, questão que apenas se colocaria caso se concluísse pelo acerto da interpretação efectuada pela Administração Tributária.
Pelo exposto, procede nesta parte a pretensão da impugnante.
(…)».
Ora, o assim decidido não nos merece qualquer censura. Desde logo porque a interpretação sufragada pela AT não tem acolhimento na legislação que invoca, pois, nem a Lei n.º 8/89, de 22.04, nem o artigo 2.º do EBF, expressam o que quer que seja no sentido de que o artigo 31.º do mesmo diploma apenas se aplica aos mercados de bolsa nacionais.
E nem poderiam fazê-lo, já que, como bem referem a Impugnante e a DMMP, tal previsão normativa ou interpretação da norma sempre afrontaria a legislação comunitária sobre a matéria. Neste sentido, veja-se o acórdão do TJCE de 6/06/2000, proc. C35/98 que, confrontado com a questão de saber se «Deve o artigo 1.°, n.º 1, da Directiva 88/361/CEE, conjugado com o título I, ponto 2, do Anexo I desta directiva, ser interpretado no sentido de que, em conformidade com o seu artigo 6.°, n.º 1, se encontra proibida, desde 1 de Julho de 1990, uma restrição resultante de uma disposição da legislação de um Estado-Membro em matéria de imposto sobre o rendimento, que isenta os dividendos, em certa medida, do imposto sobre o rendimento dos accionistas, mas que limita esta isenção aos dividendos de acções de sociedades com sede nesse Estado-Membro?», respondeu do seguinte modo:
«25 Na primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se o n.º 1 do artigo 1.° da Directiva 88/361 se opõe a uma disposição legal de um Estado- -Membro que, como a em causa no processo principal, sujeita a isenção do imposto sobre o rendimento que incide sobre os dividendos pagos a pessoas singulares accionistas à condição de serem distribuídos por sociedades com sede no referido Estado-Membro.
26 Há que ver, em primeiro lugar, se o facto de um nacional de um Estado-Membro que resida no seu território receber dividendos de acções de sociedade com sede noutro Estado-Membro está sujeito à Directiva 88/361, que dá execução ao artigo 67. ° do Tratado.
27 A este respeito, embora o Tratado não defina a noção de movimentos de capitais, o Anexo I da Directiva 88/361 contém uma lista não exaustiva das operações que constituem movimentos de capitais no sentido do seu artigo 1. ° .
28 Embora o recebimento de dividendos não seja mencionado explicitamente na nomenclatura anexa à Directiva 88/361 como «movimentos de capitais», pressupõe necessariamente a participação em empresas novas ou existentes, referida no título I, ponto 2, da referida nomenclatura.
29 Além disso, na medida em que, no processo principal, a sociedade que distribui dividendos tem sede noutro Estado-Membro e não nos Países Baixos e está cotada na Bolsa, o recebimento de dividendos de acções desta sociedade por um nacional neerlandês pode igualmente ser associado à «Aquisição por residentes de títulos estrangeiros negociados na Bolsa», constante do ponto 2, letra A, do título III da nomenclatura anexa à Directiva 88/361, como sustentam B. Verkooijen, o Governo do Reino Unido e a Comissão. Uma operação deste tipo está por isso indissoluvelmente ligada a um movimento de capitais.
30 Por conseguinte, o facto de um nacional de um Estado-Membro residente no seu território receber dividendos de acções de uma sociedade com sede noutro Estado-Membro é abrangido pela Directiva 88/361.
31 Em segundo lugar, há que ver se a recusa por um Estado-Membro de isenção dos dividendos dos contribuintes recebidos de acções de sociedade com sede noutro Estado-Membro constitui uma restrição aos movimentos de capitais no sentido do artigo 1.° da Directiva 88/361.
32 A título liminar, deve lembrar-se, por um lado, que, se a fiscalidade directa é da competência dos Estados-Membros, estes devem, todavia, exercer essa competência no respeito do direito comunitário (acórdãos de 11 de Agosto de 1995, Wielockx, C-80/94, Colect., p. I-2493, n.° 16; de 16 de Julho de 1998, ICI, C-264/96, Colect., p. I-4695, n.° 19, e de 29 de Abril de 1999, Royal Bank of Scotland, C-311/97, Colect., p. I-2651, n.° 19).
33 Por outro lado, a Directiva 88/361, aplicável à época dos factos no processo principal, procedeu à liberalização completa dos movimentos de capitais e, com este objectivo, impôs aos Estados-Membros, no seu artigo 1.°, n.º 1, a obrigação de suprimirem todas as restrições aos movimentos de capitais. O efeito directo desta disposição foi reconhecido pelo Tribunal de Justiça no acórdão de 23 de Fevereiro de 1995, Bordessa e o. (C-358/93 e C-416/93, Colect., p. I-361, n.° 33). I - 4126 VERKOOIJEN
34 Ora, uma disposição geral como a que está em causa no processo principal tem como efeito dissuadir os nacionais de um Estado-Membro que residam nos Países Baixos de investirem os respectivos capitais em sociedades com sede noutro Estado-Membro. Resulta aliás claramente da génese legislativa desta disposição que a isenção dos dividendos e a sua restrição aos dividendos de acções de sociedades com sede nos Países Baixos visava precisamente promover o investimento dos particulares em sociedades com sede neste país para reforçar os seus fundos próprios.
35 Uma tal disposição tem também efeito restritivo quanto às sociedades com sede noutros Estados-Membros na medida em que lhes levanta um obstáculo à recolha de capitais nos Países Baixos visto que os dividendos que paguem aos residentes neerlandeses serão tratados, em termos de fiscalidade, de forma menos favorável que os dividendos distribuídos por uma sociedade com sede nos Países Baixos, pelo que as respectivas acções ou partes sociais serão menos atractivas para os investidores que residam nos Países Baixos que as de sociedades com sede neste Estado-Membro.
36 Nestas condições, há que concluir que o facto de subordinar a concessão de uma vantagem fiscal em matéria de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares accionistas, como a isenção dos dividendos, à condição de estes provirem de sociedades com sede no território nacional constitui uma restrição aos movimentos de capitais proibida pelo artigo 1.° da Directiva 88/361.
37 No entender dos governos que apresentaram observações no Tribunal de Justiça, admitindo mesmo que uma disposição legal nacional como a de isenção dos dividendos constitui uma restrição no sentido da Directiva 88/361, há que ter em conta, para a interpretação do direito comunitário aplicável à data dos factos no processo principal, a regulamentação comunitária que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1994, nomeadamente o artigo 73.°-D, n.º 1, alínea a), do Tratado CE [actual artigo 58.°, n.º 1, alínea a), CE].».
Mais se considerou neste acórdão que «48 (…), conforme jurisprudência constante, um objectivo de natureza puramente económica não pode constituir uma razão imperiosa de interesse geral que justifique uma restrição a uma liberdade fundamental garantida pelo Tratado (acórdãos de 28 de Abril de 1998, Decker, C-120/95, Colect., p. I-1831, n.° 39, e Kohll, C-158/96, Colect., p. I-1931, n.°41).».
Ora, inexistindo norma comunitária que, para os efeitos considerados no acórdão parcialmente transcrito, distinga os contribuintes particulares das sociedades, a citada jurisprudência deve aplicar-se, igualmente, a estas.
Nesta perspetiva das coisas, a norma do artigo 31.º do EBF, na redação aqui relevante, mostra-se corretamente interpretada pelo Tribunal a quo, quer face às normas nacionais que regulam a interpretação e pertinentemente citadas na sentença sob escrutínio, quer à luz do direito comunitário inelutavelmente aplicável, devendo manter-se a sentença recorrida também nesta parte.

4. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida.

Sem custas, por delas estar isenta a Fazenda Pública.


Porto, 18 de junho de 2020

Maria do Rosário Pais
António Patkoczy
Ana Patrocínio