Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte | |
Processo: | 02860/17.7BEPRT |
Secção: | 1ª Secção - Contencioso Administrativo |
Data do Acordão: | 03/24/2023 |
Tribunal: | TAF do Porto |
Relator: | Ricardo de Oliveira e Sousa |
Descritores: | RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL; ACIDENTE DE VIAÇÃO; ATRAVESSAMENTO DE ANIMAL; |
Sumário: | I- A Lei n.º 24/2007, de 18 de julho, veio definir direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas, itinerários principais e itinerários complementares. II- A imposição de assegurar as condições de segurança em lanço rodoviário concessionado integra uma obrigação reforçada de meios. III- Só o “caso de força maior devidamente verificado” exonera a concessionária da sua obrigação de garantir a circulação nas autoestradas em condições de segurança, pelo que, para afastar a presunção de culpa estabelecida no mencionado art. 12º,nº. 1, al. c) da Lei nº 24/2007, terá a concessionária de provar a ocorrência de um acontecimento concreto que integre o conceito de força maior, ou seja, de um “acontecimento imprevisto e irresistível cujos efeitos se produzem independentemente da vontade ou das circunstâncias pessoais da concessionária”. IV- Não conseguindo a R. a forma como os ditos javalis entraram na autoestrada, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou a caracterizá-lo como um eventual caso fortuito, e que não podia ter adotado conduta diferente daquela que adotou, isto é, não logrando a R. provar factualidade de onde se possa concluir que cumpriu as exigências de diligência na sinalização e remoção dos obstáculos existentes na via e, por conseguinte, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância, não tendo resultado provados factos suficientes que permitam concluir que a mesma atuou com a diligência que lhe era exigida.* * Sumário elaborado pelo relator (art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil) |
Votação: | Unanimidade |
Meio Processual: | Acção Administrativa Comum |
Decisão: | Negar provimento ao recurso. |
Aditamento: |
Parecer Ministério Publico: | Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. |
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: * * I – RELATÓRIO A..., S.A., melhor identificada nos autos à margem referenciados de AÇÃO ADMINISTRATIVA nos quais é Autora Z... LIMITED – SUCURSAL EM PORTUGAL, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que, em 14.07.2022, julgou a presente ação procedente e, em consequência, condenou “(…) a A... Grande Porto a pagar à Autora a quantia de €11.623,02 (onze mil seiscentos e vinte e três euros e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data de citação nos presentes autos até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos resultantes do acidente de viação ocorrido na A...2 (…)”. Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…) I. A conclusão que se pode tirar do argumentário resultante da sentença do T. A. F. de Penafiel, e salvo, naturalmente, o devido respeito, é que, sem que se perceba porquê, esta R. foi condenada nestes autos com base em duas ideias principais (ainda que não expressamente assumidas, diga-se assim), ou seja, numa ideia de omnipresença/ubiquidade a que supostamente estaria “obrigada” e também numa lógica (ideia) de responsabilidade objetiva que sobre si alegadamente impenderia; II. Com efeito, isso resulta absolutamente inequívoco de afirmações/fundamentos como p. ex. a putativa obrigação de demonstração dos “(...) meios por si utilizados para assegurar o cumprimento de tais deveres (...) ” (e quais, já agora? E/ou então com que base legal se pode “exigir” isso?) e/ou então aqueloutra de que alegadamente “(...) a rede instalada seja idónea a bloquear animais dessa índole (…)”; III. No entanto, nenhuma dessas ideias/afirmações/fundamentos tem consagração legal, sendo que também não se conhece (e também não se vê como podia ser isso possível) qualquer “histórico” jurisprudencial que defenda, “preto no branco”, que as concessionárias devem ser omnipresentes, por um lado, e que a sua responsabilidade é objetiva, por outro; IV. E pior ainda, salvo, evidentemente, o devido respeito, é a circunstância de se persistir de forma completamente infundada numa linha que se pode resumir, em traços gerais, na ideia errada (legalmente insustentável) de que alegadamente a R. teria de provar que não teve culpa no sinistro (e nas suas várias “variantes” mais ou menos imaginativas, como p. ex. aquela de ter de provar por onde ingressou o animal na via); V. Ora, em relação à questão das vedações, e para lá dos documentos juntos pelo IMT, IP e pela IP e da prova testemunhal inequívoca nesse sentido (que conduziu, p. ex., a que não sobrasse outra solução que não fosse a de dar como provado o consta dos pontos n°s. 21 a 23 dos factos provados), este raciocínio é, ademais, frontal e visivelmente contrariado pelo disposto, entre outras, nas Bases XXX, n° 4, alínea a) e XXXVIII do DL n° 189/2002, de 28.08, na redação aplicável do DL n° 110/2015, de 18.06; VI. Depois, e agora quanto à crítica que a sentença claramente contém a propósito da extensão de verificação de vedações (e seria certamente curioso, não perdendo de vista o argumentário da sentença, refletir sobre qual seria o respectivo posicionamento se neste caso - embora isso não faça qualquer sentido, desde logo do ponto de vista prático - toda a vedação tivesse sido verificada na sequência do sinistro dos autos), apesar de ter sido esta mesma sentença que, como dito, deu como provado - e bem - os pontos n°s. 21 e 23 dos factos provados e de não se poder também esquecer o que consta da alínea b) do documento com origem no IMT, IP (pág. 215 do SITAF), a conclusão única a tirar é que a R. até fez neste caso e a esse respeito mais do que estava obrigada (legalmente) a fazer (cfr., além disso, o ac. deste TCAN, de 12.07.2018, igualmente no que respeita a essa questão); VII. Segue-se que, e agora no que concerne à alegada irrelevância dos patrulhamentos (ao arrepio, curiosamente, do ponto n° 17 dos factos provados decididos pela mesma sentença que assim o concluiu e também p. ex. do documento do IMT, IP a que já se aludiu), se impõe a constatação, aliás, demasiado óbvia, que a última patrulha a vigiar o local do sinistro, naturalmente, antes deste ter eclodido, fê-lo inequivocamente dentro do intervalo temporal a que a R. estava obrigada, pelo que aquela afirmação é nitidamente violadora, entre outros, do disposto na Base L, n° 4, al. c); VIII. Acresce ainda recordar o que é (ou devia ser) indiscutível, ou seja, que a circunstância de estar (legalmente) previsto um intervalo de patrulhamento (que, evidentemente, tem de ser visto e analisado “por comparação” com a hora do sinistro) não significa de maneira nenhuma que possa ocorrer violação (que para a sentença é certamente inevitável, atento o uso, sem qualquer razão, do adjetivo irrelevante) da Base XLV, n° 1 ou da Base LIII, n° 2, o mesmo é dizer p. ex. do advérbio de modo “permanentemente” ou do adjetivo “permanente”, porque não há dúvida - como, aliás, o ponto 17 dos factos provados o demonstra - isso não aconteceu. Pelo contrário, de resto (só assim não seria se se entendesse que a concessionária é/deve ser omnipresente, o que nem sequer se pode cogitar - cfr. também, a este propósito, o ac. do TCAN antes citado e também o ac. deste TCAN de 24.09.21, proferido no âmbito do proc. n° 3024/17.5BEPRT e também consultável em www.dgsi.pt); IX. Mais: no que diz respeito à questão da configuração dos nós, ligada ou não com outras, não pode senão concluir-se que, face aos pontos n°s. 16 e 18 designadamente, sendo um deles (o n° 16), de resto, um facto público notório, as observações/“objecções” da sentença também não fazem, salvo o respeito devido, nenhum sentido, até porque será de (re)lembrar que a esse nível (como a outros) a concessionária não “inventa” (nem pode) nada; X. E, no que se refere aos famosos “meios” (não “especificados” na sentença, porque, pura e simplesmente, não há maneira de o fazer), mais uma vez é o diploma legal relevante (e que - é bom recordar - constitui legislação especial que “suplanta”, sem dúvida ou hesitação, a lei geral) que, ressalvando o respeito devido, “desmente” de forma nítida a “quimera argumentativa” prosseguida pela sentença; XI. Discorda ainda e frontalmente a R. do argumento, por assim dizer, “económico-financeiro” utilizado pela sentença (ainda que o faça apenas ao de leve) e relacionado com o facto de os utilizadores da AE deverem pagar uma taxa de portagem, na medida em que esse argumento - que - concede-se - até pode “angariar adeptos” em termos de senso (sentimento) comum, diga-se assim - foi clara e inegavelmente ultrapassado (e há muito tempo, de resto) pela “realidade” (pense-se só quando as AE, como esta foi, até 2010, uma AE designada por SCUT, sem cobrança ao utilizador) e até pela simples questão de que, se assim fosse, não seria certamente nesta jurisdição administrativa que este processo correria os seus termos. Posto isto, XII. A sentença não valorizou devidamente (e como se impunha) a matéria de facto e particularmente aquela que a R., ora recorrente, logrou provar, ou seja, os pontos 16 a 23 dos factos provados, decisão essa que devia ter sido norteada designadamente pelo disposto na Base LXXIII do diploma legal relevante; XIII. Com efeito, em vez de o fazer optou por “embarcar” numa linha de argumentação “redonda” e inconsistente, argumentação essa não concreta, não concretizável e sobretudo irrazoável que, além do mais, não tem o mínimo apoio legal, mormente na legislação especial relevante (e, desde logo, a do Decreto-Lei n° 189/2002, de 28.08, na redação em vigor à data do sinistro); XIV. Na verdade, quando se chama à colação para servir de fundamentação, nomeadamente aquela mencionada nas antecedentes conclusões V a XI (e que se foi contrariando ao longo destas linhas, sempre com base na lei aplicável), isso é o mesmo que dizer nada, sobretudo se nos lembrarmos que, p. ex., tanto a questão da vedação da(s) auto-estrada(s) e a oportunidade da sua verificação (vide designadamente a alínea a) do n° 4 da Base XXX e os documentos juntos por IMT, IP e por IP), como aqueloutra igualmente relevante dos patrulhamentos (e a sua periodicidade - cfr. alínea e) do n° 4 da Base L), têm previsão legal no citado diploma legal; XV. De forma que não é certamente ao “sabor das conveniências argumentativas” ou da ideia (do “achismo”) que se possa ter sobre o que será eventualmente correto e/ou justo que nos temos de movimentar em matéria de fundamentação de direito, mas é antes atendo-nos ao direito (positivo) que, no caso, é constituído nomeadamente pelo disposto no Decreto-Lei n° 189/2002, de 28.08, na redação aplicável; XVI. Ora, e para o que aqui interessa, a sua Base LXXIII (bem como a Base LIV-A que diz praticamente a mesma “coisa”) prevê claramente uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu n° 2, ou seja, se a concessionária mostrar que cumpriu o contrato de concessão, bem como o disposto no plano de controlo de qualidade e no manual de operação de manutenção (e a verdade é que não há a mínima dúvida que o fez, de resto); XVII. De modo que, considerando que se trata de avaliar, neste como em qualquer outro acidente ocorrido numa auto-estrada concessionada, nomeadamente em que consistem (e qual será, por assim dizer, o respectivo conteúdo) as obrigações de segurança cuja demonstração de cumprimento cabe à concessionária/R., esta Base LXXIII, porque claramente define e “enforma” essas obrigações de segurança em sede de labor interpretativo e constitui, ademais, lei especial, é a única que pode contribuir para uma avaliação/interpretação necessariamente mais correta e mais conforme à lei, o mesmo é dizer ao “preenchimento do conteúdo e dos limites” do que são as obrigações de segurança previstas no artigo 12° n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18 de julho; XVIII. Sucede, porém, e como, aliás, é manifesto, que a sentença não o fez, “preferindo” um raciocínio e uma linha de argumentação/fundamentação que não tem o mínimo suporte legal e que não permite sequer (por nítida falta de informação/concretização) que se possa perceber em que circunstâncias concretas (e não, aqui sim, meramente “genéricas”, o que, salvo o devido, constitui apenas uma afirmação pura e simplesmente “gratuita”) poderia a R. legitimamente (sim, porque é natural que tenha essa expectativa) aspirar a ser absolvida do pedido formulado. Dito isto, XIX. É verdade que com o advento da Lei n° 24/2007, de 18 de julho se procedeu a uma inversão do ónus da prova (que não da ausência de culpa, mas apenas do cumprimento das obrigações de segurança) que agora impende sobre as concessionárias de AE, assim se criando um regime especial e inovador para este tipo de acidentes, embora - insista-se - sempre filiado na responsabilidade extracontratual; XX. Contudo, e como bem se percebe do espírito e do texto da lei (dos n°s. 1 e 2 do artigo daquela lei), mas também do elemento histórico de interpretação (vide, para efeitos de comparação com a Lei n° 24/2007, de 18.07, o projeto de lei n° 164/X do BE), já não corresponde à verdade que com essa lei se tenha estabelecido uma presunção de culpa (ou de incumprimento, ou de ilicitude, ou do que quer que seja) em desfavor das concessionárias, pois que se assim fosse a redação do citado artigo 12° n° 1 seria seguramente outra, bem diferente e seguramente bem mais próxima daquela constante do artigo 493° n° 1 do Cód. Civil que não tem aqui o seu terreno de eleição; XXI. Com efeito, e quanto à dita presunção de culpa nem tal decorre da referida lei, nem tal resulta da Base LXXIII do DL n° 189/2002, de 28.08 (com as alterações subsequentes), podendo tão-só concluir-se que com a entrada em vigor da lei citada passou a impender um ónus de prova (com aquelas características) sobre as concessionárias de autoestradas (e nada mais que isso, tal como se pode concluir do ac. RG de 23.09.2010, relatado por Amílcar Andrade). Isto para além de não se poder, de forma alguma, concluir que sempre há situações de inversão de ónus de prova se quer(quis) consagrar uma presunção legal de culpa (cfr. Cód. Civil, artigo 344° n° 1); XXII. De outra parte, sendo verdade que a R. se obrigou a vigiar e a patrulhar a auto-estrada, assim envidando os seus melhores esforços no sentido de assegurar a circulação na auto-estrada em boas condições de segurança e comodidade (nítida obrigação de meios, cujos contornos e limites estão inequivocamente definidos e preenchidos no diploma legal que rege a concessão da R.), daí não decorre que essa sua obrigação implica uma omnipresença em todos os locais da sua concessão como, na realidade (ainda que não o diga de forma expressa), considerou a sentença, mormente nos locais de eclosão de acidentes ou onde possam estar “circunstancialmente” a deambular animais; XXIII. O artigo 12° n° 1 da citada lei faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que a R. satisfez cabalmente o ónus que lhe competia, i. e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro nos moldes (leia-se: dentro do intervalo temporal que estava obrigar a respeitar antes da eclosão do sinistro) que lhe podiam ser exigíveis; XXIV. Efetivamente, a definição destas obrigações de segurança passa essencial e obrigatoriamente (como é até intuitivo), num acidente com animais, pela prova de que as vedações ali instaladas eram aquelas que ali deviam estar, que à data do acidente essas vedações já tinham sido objecto da inspeção anual a que a R. estava obrigada perante o concedente e perante os utilizadores da autoestradas, ademais de se ter concluído (como “plus”, por assim dizer), no seguimento de um procedimento interno instituído pela R./concessionária, que as ditas vedações se encontravam intactas e sem ruturas nas imediações do local do acidente - e a verdade é que essa prova foi claramente feita pela R./recorrente; XXV. A não ser assim - i. e., a situarmo-nos num plano em que acaba por se colocar (mesmo que de forma pouco ou nada esclarecida) a sentença em matéria de exigência probatória (p. ex. de ter de se provar por onde o animal entrou na AE) -, cairíamos necessariamente - lá está outra vez - no âmbito da responsabilidade objetiva, na prova impossível (e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica) para a concessionária que não se vê onde esteja prevista, nomeadamente na lei citada; XXVI. É, por isso, visível que o raciocínio seguido pela sentença é nitidamente especulativo, pois que parte claramente do princípio (e sem base factual para que o possa fazer) que o animal só poderia ter ingressado na AE devido a uma qualquer anomalia/falha (na vedação?), sem considerar qualquer outra possibilidade/explicação perfeitamente plausível para a presença de animais na via (como p. ex. mercê das suas “capacidades” e “características” - tais como saltar, trepar, voar, forçar, escavar, etc. - e independentemente, portanto, da vedação e do seu bom estado ou então da circunstância de os nós não serem - nem tal poder acontecer - fechados). E a verdade é que essas possibilidades/explicações existem, não se podendo concluir automaticamente que o animal acedeu à via porque p. ex. as vedações apresentavam deficiências ou então que ocorreu uma qualquer anomalia, seja ela qual for; XXVII. Por outro lado, a R. também demonstrou, sem qualquer espécie de dúvida ou reserva, que desconhecia a presença do animal na via apesar do cumprimento integral (e permanente, no sentido de estar sempre no terreno, embora não esteja, como é evidente, em todo o lado ao mesmo tempo) da sua missão de vigilância e patrulhamento; XXVIII. De modo que, e não podendo a recorrente (nem tal lhe sendo exigível) ser omnipresente, não se vislumbra como podia (ou pode) ser (legalmente) responsabilizada pela eclosão deste acidente, tanto mais que nos parece pacífico e totalmente indiscutível que as obrigações a seu cargo são claramente obrigações de meios (e perfeitamente definidas e preenchidas, face ao diploma legal relevante e aqueloutros que dele são parte integrante). E não, portanto, obrigações de resultado, como acaba por concluir - sem o dizer da forma clara que, no entanto e apesar de errado, se lhe impunha - a sentença do T. A. F. de Penafiel (e isto sim, ou seja, a natureza das obrigações da concessionária, merecia uma outra análise bem mais ponderada por parte do tribunal, o que, como se vê, não sucedeu); XXIX. De resto, não sendo possível à recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na AE (cfr. p. ex. Carneiro da Frada, “Sobre a Responsabilidade das Concessionárias por acidentes ocorridos em autoestradas”, in Revista da Ordem dos Advogados, ano 65, setembro de 2005, pgs. 407 - 433, mas também do mesmo autor, agora com a colaboração de Diogo A. Costa Gonçalves, o mais recente “Diligência e prova de cumprimento das obrigações da concessionária em acidentes de viação ocorridos em autoestradas”, págs. 155 - 202, integrado na publicação do Instituto Jurídico da F. D. U. C. intitulada “Responsabilidade Civil. Cinquenta Anos em Portugal, Quinze Anos no Brasil”) e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe devendo ser exigível em termos de conduta e de prova, parece claro que se impunha (e isso ainda sucede) a sua absolvição, já que esta demonstrou que cumpriu de forma positiva, em concreto, com todas as suas obrigações, designadamente aquelas de segurança; XXX. Por outro lado, e ademais de se recordar que a verificação dos pressupostos/requisitos da responsabilidade extracontratual prevista na Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro é (obrigatória e inegavelmente) cumulativa e bem assim da constatação (legal também) que inexiste culpa da R. neste caso e muito menos que esta R. não tem de fazer prova que não teve culpa no acidente e também não tem de provar p. ex. por onde ou de que modo acedeu o animal à via (cfr., outra vez, Manuel A. Carneiro da Frada, ob. cit.), impõe-se a conclusão e a decisão de que falha inegavelmente neste caso também o requisito da ilicitude (dado que não se apurou - bem pelo contrário, aliás - nenhuma acção ou omissão da R. que tivesse violado “(...) disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares (...)” ou que tivesse infringido “(...) regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado (...)”), razão pela qual falha inevitavelmente qualquer possibilidade de à R. poder ser assacada a responsabilidade pela eclosão do sinistro dos autos; XXXI. Tudo visto, a sentença violou, salvo o devido respeito, o artigo 12° n° 1 da Lei n° 24/2007, de 18 de julho, mas igualmente o que se dispõe nas Bases XXX, n° 4, al. A), XXXVIII, XLV, L, LIV-A e LXXIII, todas do Decreto-Lei n° 189/2002, de 28 de agosto, na redação aplicável, os artigos 483° e 487° n° 2 do C. C. e ainda os artigos 7°, 9° e 10° do RRCEEP (Decreto-Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro), razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra douta decisão que absolva a recorrente do pedido formulado pela A.. Ainda sem prescindir (e por mera cautela de patrocínio), XXXII. É indiscutível que sempre que o lesado contribui culposamente para a produção ou agravamento dos danos, o tribunal, com base na gravidade das culpas de ambas as partes, nomeadamente, deve decidir se a indemnização deve ser concedida na totalidade, reduzida ou até excluída (cfr. Cód. Civil, artigo 570 n° 1); XXXIII. Porém, já assim não sucede quando a responsabilidade se basear (como é o caso - e a sentença do tribunal a quo di-lo de forma absolutamente indiscutível) numa presunção de culpa, pois então a culpa do lesado exclui muito claramente o dever de indemnizar (vide Cód. Civil, artigo 570° n° 2 e igualmente o disposto no artigo 4° do RRCEEP); XXXIV. Ora, neste caso, e lembrando o sempre actual Antunes Varela - (in Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4a edição, Almedina, Coimbra, 1990, pág. 92: “Agir com culpa significa atuar, por forma a que, a conduta do agente, seja pessoalmente censurável ou responsável e o juízo de censura ou de reprovação dessa conduta só se pode apoiar no reconhecimento, perante as circunstâncias concretas do caso, de que o obrigado não só devia, como podia ter agido de outro modo.” (itálico nosso) -, é absolutamente indiscutível que existe culpa daquela motorista na produção do sinistro dos autos, porque circulava sem qualquer justificação válida na via central, quando, como é sabido, deveria em tal caso circular na via mais à direita (e nada o impedia); XXXV. De sorte que, verificando-se, por um lado, a culpa efectiva da motorista do veículo na produção do sinistro (com base na regra geral presente no artigo 487° do mesmo Cód. Civil) como acontece neste caso, e, por outro, ocorrendo a responsabilização da R. apoiada numa presunção de culpa (o que a douta sentença defende inequivocamente), dúvidas não restam que a única solução possível é exatamente a exclusão de qualquer dever de indemnizar por parte da R./recorrente; XXXVI. Pelo que, e salvo o devido respeito, ocorre violação da lei, porquanto a sentença não respeitou e nem observou o disposto nos artigos 13°, n° 3 do Cód. da Estrada, 487° n° 2 (particularmente o critério do bonuspaterfamiliae') e 570, n° 2, ambos do Cód. Civil, mas também o artigo 4° da Lei n° 67/2007, de 31 de dezembro; XXXVII. Para além de que é de assinalar com preocupação que uma semelhante decisão é perigosa, uma vez que dá um claro sinal de “facilitismo”, dando pelo menos a entender que afinal não sobrevém nenhuma consequência pelo facto de se incumprir a lei (civil e estradal, nomeadamente), pela circunstância de haver “dedo” (e culpa) do eventual lesado na produção de sinistros (…)”. * Notificada que foi para o efeito, a Recorrida Z... Limited – Sucursal em Portugal produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…) 1. A Apelada intentou a presente ação Administrativa, contra A..., S.A., ora Apelante, tendo em vista o ressarcimento dos montantes que despendeu para regularização do sinistro descrito nos autos; 2. A Ação foi considerada procedente e condenou a Apelante no pagamento à Apelada do montante peticionado. 3. É indiscutível que compete à concessionária da via provar que o acidente não terá resultado de culpa sua, atenta a circunstância de ter todas as condições de segurança que estavam a seu cargo, mormente elidindo a presunção da falta de cumprimento das obrigações de segurança (presunção de ilicitude e de culpa) no que respeita ao acidente; 4. Fazendo o artigo 12.° da Lei n.° 24/07 recair sobre a concessionária a presunção de incumprimento de obrigações de segurança quando os acidentes resultem, designadamente, de introdução de animais na via, competia a esta, mais do que a mera prova genérica de que procede a patrulhamentos da via concessionada e que as redes estavam em condições numa extensão de 500 metros para a direita e para a esquerda do local do sinistro; 5. Caso fosse possível afastar a presunção, pela mera alegação de que funcionários da concessionária passavam nos diversos locais da autoestrada, de duas em duas horas, estar-se-ia a subverter a própria presunção de culpa legalmente estabelecida, que passaria a constituir a um mero requisito formal, facilmente contornável; 6. Não pode, assim, ficar a cargo do utilizador da autoestrada sinistrado a prova da origem do obstáculo, pois que se assim fosse, mais uma vez se estaria a subverter a presunção legal de culpa da concessionária; 7. O artigo 12.°, n.° 1 da Lei n.° 24/2007 estabelece uma presunção de incumprimento das obrigações por parte das concessionárias de autoestradas, designadamente em caso de atravessamento de animais na via de circulação; 8. Por força desta norma, verifica-se a inversão do ónus probandi, deixando de funcionar a regra que decorre do princípio geral ínsito no n.° 1 do artigo 487.° do Código Civil, mas antes a regra oposta, pela qual é ao lesante que incumbe provar que agiu sem culpa (artigo 344.°, n.° 1 do mesmo Código); 9. Tratando-se, como se trata, de uma presunção de culpa iuris tantum, nada obsta a que a Administração possa ilidir a presunção, efetuando a demonstração de que agiu sem culpa (artigo 350.°, n.° 2, do Código Civil); 10. Face à factualidade apurada, resulta que a Apelante provou genericamente ter cumprido as suas obrigações de vigilância; 11. Não obstante o cumprimento dessas obrigações, o certo é que os animais (3 javalis) lograram atravessar a faixa de rodagem, não tendo sido apurado nos autos o concreto evento que originou a presença dos mesmos na via; 12. Não resultando da factualidade apurada, nas palavras da jurisprudência que aqui se segue, qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não deixou à Ré realizar o cumprimento das suas obrigações, de onde decorre a não ilusão da presunção de ilicitude e de culpa que sobre si impendia, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao proferir a decisão ora posta em crise pela Ré; 13. Por outro lado, não se vislumbra, ao contrário do invocado pela Apelante, que a ocorrência do embate se tenha ficado a dever a culpa da condutora da viatura, não se podendo extrair tal conclusão da factualidade apurada nos autos; 14. Não pode, assim, o Tribunal concluir, portanto, que ocorreu qualquer concorrência de culpa da condutora para a produção do acidente, mesmo conduzindo esta na faixa do meio; 15. Pelo exposto, impõe-se concluir que a Apelante incumpriu as obrigações de segurança que lhe cabem, mais não tendo atuado com a diligência e aptidão que é razoável exigir, em função das circunstâncias do caso, de um concessionário zeloso e cumpridor (cf. artigos 9.° e 10.° do regime de responsabilidade aprovado pela citada Lei n.° 67/2007), encontrando-se assim preenchidos os pressupostos do facto ilícito e da culpa, pelo que deverá ser mantida a decisão prolatada nos autos, improcedendo o recurso ora interposto (…)”. * O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos e o modo de subida. * A Digna Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Superior emitiu parecer fundamentado no sentido da total improcedência do recurso. * A Recorrente respondeu ao parecer do M.P. nos termos e com os fundamentos que fazem fls. 487 e seguintes dos autos [suporte digital]. * Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta. * * II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA. Neste pressuposto, as questões essenciais a dirimir consistem em saber se a sentença recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu em erro de julgamento de direito, (i) por violação do “(…) artigo 12º nº 1 da Lei nº 24/2007, de 18 de julho, mas igualmente o que se dispõe nas Bases XXX, nº 4, al. A), XXXVIII, XLV, L, LIV-A e LXXIII, todas do Decreto-Lei nº 189/2002, de 28 de agosto, na redação aplicável, os artigos 483º e 487º nº 2 do C. C. e ainda os artigos 7º, 9º e 10º do RRCEEP (Decreto-Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro) (…)”, ou, quando assim não se entenda, por (ii) inobservância do disposto “(…) nos artigos 13º, nº 3 do Cód. da Estrada, 487º nº 2 (particularmente o critério do bonus pater familiae) e 570, nº 2, ambos do Cód. Civil, mas também o artigo 4º da Lei nº 67/2007, de 31 de dezembro (…)”. É na resolução de tais questões que se consubstancia a matéria que a este Tribunal Superior cumpre solucionar. * * III- FUNDAMENTAÇÃO IV.1 – DE FACTO O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…) 1. A Autora dedica-se à atividade de seguradora. (facto admitidos por acordo; consulta de certidão permanente) 2. Em 22.01.2015, a Autora celebrou com AA, um contrato de seguro, titulado pela apólice n° ...30, do ramo automóvel, através do qual foi para si transferida a responsabilidade civil inerente à circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula ..-PP-.., com cobertura de danos próprios. (cf. docs. n°s ... junto com a petição inicial - PI) 3. No dia 15 de março de 2017, pelas 23h50m, AA, conduzia o veículo ligeiro de passageiros, marca Mercedes-Benz A 160, do ano de 2015, com a matrícula ..-PP-.., na Autoestrada ..., no sentido P.../L.... (cf. docs. n°s ... e ... juntos com a PI; depoimento da testemunha AA) 4. Ao chegar próximo do PK19.300, ao sair de uma curva, a condutora do veículo ... foi surpreendida por uma “coisa preta”, que mais tarde veio a saber serem três javalis. (cf. depoimento da testemunha AA) 5. A condutora não conseguiu desviar-se acabando por embater com a frente do veículo nos javalis. (cf. depoimento da testemunha AA) 6. Em virtude do embate os três javalis morreram no local. (cf. doc. n° ... junto com a PI; depoimento da testemunha BB; AA) 7. O embate ocorreu na hemifaixa do meio. (cf. doc. n ° ... junto com a PI) 8. O veículo ... ficou imobilizado junto ao separador central, virado no sentido contrário ao que seguia. (cf. depoimento da testemunha AA) 9. Os animais foram retirados no dia seguinte, com recurso a uma grua. (cf. depoimento da testemunha CC) 10. O local do embate fica a cerca de 200 metros do nó de L.../.... (cf. depoimento das testemunhas DD; EE; FF) 11. Deslocou-se ao local o destacamento da GNR do Porto, um funcionário da Entidade Ré e os Bombeiros Voluntários .... (cf. doc. n° ... junto com a PI; depoimento da testemunha AA) 12. O veículo ... sofreu danos na parte frontal. (cf. docs. n°s ... e ... juntos com a PI) 13. A Autora pagou a despesas com a reparação do veículo .... (cf. docs. n°s ... e ... juntos com a PI; depoimento das testemunhas AA; GG) 14. Que ascenderam à quantia de €11.623,02. (cf. docs. n°s ... e ... juntos com a PI; depoimento da testemunha GG) 15. A Autora liquidou a referida quantia à empresa AU..., em 24.04.2017, por transferência bancária. (cf. docs. n°s ... e ... juntos com a PI; depoimento da testemunha GG) 16. Os nós de entrada e saída da A...2 não têm portagens físicas. (cf. depoimento das testemunhas BB; DD; EE) 17. Nos termos do contrato de concessão a Entidade Ré apenas está obrigada, em condições normais, a efetuar passagens de vigilância no mesmo local com intervalo máximo de 4 horas entre as 7horas e as 23 horas (turnos diurnos), salvo se as condições de tráfego ou a eclosão de acidentes ou outro tipo de ocorrências não o permitirem. (cf. doc. n° ... junto com a contestação da Ré; depoimento da testemunha FF) 18. O patrulhamento é feito na plena via e nos nós. (cf. depoimento da testemunha EE) 19. A Entidade Ré faz um turno de patrulhamento noturno, entre as 23h e as 7h, que não está previsto pelo concedente. (cf. depoimento das testemunhas DD; FF) 20. No dia do sinistro, o patrulhamento passou pela última vez no local onde ocorreu o embate, por volta das 20h12/13m sem que tenham sido avistados javalis. (cf. doc. n° ... junto com a contestação da Ré; depoimento das testemunhas DD; EE) 21. No dia seguinte ao sinistro, a vedação foi verificada a pé, num raio de 500m para cada lado do local do sinistro, em ambos os sentidos, por uma equipa composta por 2 pessoas, não tendo sido detetada qualquer anomalia. (cf. depoimento das testemunhas FF, CC) 22. No local do sinistro a vedação é contínua, tem 1.60m de altura e arame farpado no topo, e foi aprovada pelo concedente. (cf. depoimento das testemunhas FF) 23. As vedações da A...2 são verificadas na sua totalidade anualmente, geralmente no inicio de cada ano, conforme imposição do concedente. (cf. depoimento das testemunhas FF) 24. À data do sinistro, a Ré havia transferido a responsabilidade civil pelos eventuais danos causados a terceiros em virtude da sua atividade para a AG... Limited, através do contrato de seguro titulado pela apólice n° .... (cf. doc. n° ... junto com a contestação da Ré) 25. Nos termos do contrato de seguro referido no ponto anterior, foi estabelecida a franquia de €2.500,00 por sinistro para danos materiais. (cf. cláusula 8 das condições particulares do doc. n° ... junto com a contestação da Ré) 26. A presente Ação Administrativa deu entrada neste Tribunal Administrativo em 11.12.2017. (cf. consulta SITAF) * IV -DO MÉRITO DA INSTÂNCIA DE RECURSO * 1. A Autora intentou a presente ação contra a Ré, peticionando o provimento do presente meio processual por forma a ser esta condenada no pagamento da quantia de € 11.623,02, acrescida de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento. 2. Fundamentou a sua pretensão, brevitatis causae no direito de indemnização emergente da sub-rogação decorrente do pagamento, ao abrigo da cobertura de danos do contrato de seguro do ramo automóvel, da quantia de € 11.623,02, respeitante à reparação dos danos emergente do acidente de viação ocorrido com o automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula ..-PP-.. pela Autoestrada ..., no sentido P..., no dia 15.03.2017, cuja ocorrência imputa à Ré por violação das obrigações de manutenção, conservação e fiscalização da via. 3. O T.A.F. de Penafiel como sabemos, julgou esta ação totalmente procedente. 4. Escrutinada a constelação argumentativa espraiada na fundamentação de direito da sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que, no mais essencial, o juízo de improcedência da pretensão deduzida junto do T.A.F. de Penafiel escorou-se no entendimento de que, estando em causa um acidente de viação decorrente de atravessamento de javalis na A...2, recaía sobre a Ré a presunção de incumprimento da obrigação de assegurar das condições de circulação em segurança. 5. Estribou-se ainda na convicção que a Ré não logrou elidir tal presunção, brevitatis causae, por considerar que a factualidade apurada nos autos não se tem bastante e idónea para o afastamento da culpa que impedia sobre si, mais realçando a falta de legitimação da matéria de facto dada como provada de qualquer referência no sentido de que a culpa na verificação do acidente se tivesse ficado a dever ao comportamento da condutora do veículo automóvel sinistrado. 6. A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, pugnado pela sua revogação. 7. O objeto do presente recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações. 8. Nas conclusões XII) a XXXI), a Recorrente defende que a sentença recorrida não valorizou devidamente a matéria de facto dos pontos 16 a 23 dos factos provados, e considera que essa decisão devia antes ter sido norteada designadamente pelo disposto na Base LXXIII do Decreto-Lei nº 248-A/99, de 6 de julho, na redação em vigor à data do sinistro, que prevê uma exclusão de responsabilidade da concessionária caso sejam observados os critérios definidos no seu nº 2, ou seja, se a concessionária mostrar que cumpriu o contrato de concessão, bem como o disposto no plano de controlo de qualidade e no manual de operação de manutenção, o que claramente sucedeu no caso em análise. 9. Mais sustenta que o artigo 12º da Lei nº 24/2007, de 18 de julho, faz recair sobre as concessionárias, entre as quais, a Recorrente, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança, sendo que no caso dos autos é nítido e indiscutível que satisfez o ónus que lhe competia, i.e., demonstrou que cumpriu com aquelas suas obrigações de segurança, particularmente no que se refere à integridade da vedação e à conformidade desta com as normas em vigor e à vigilância da via no local de eclosão do sinistro nos moldes que lhe podiam ser exigíveis 10. Defenda ainda que, a não ser assim e a ter-se de provar que por onde o animal entrou na AE ou então provar a ação de terceiro, cairíamos necessariamente no âmbito da responsabilidade objetiva, na prova impossível [e não apenas extremamente difícil ou na chamada probatio diabolica] para a concessionária que não vê onde esteja prevista, nomeadamente na Lei nº 24/2007. 11. Derradeiramente, sustenta que, não sendo possível à Recorrente evitar em absoluto que os animais ingressem na AE e, face ao que ficou provado e também ao que decorre do diploma legal que versa sobre a sua concessão, nada mais lhe deve ser exigível em termos de conduta e de prova, impondo-se a sua absolvição. 12. Já nas conclusões XXXII) a XXXVII), o Recorrente põe em causa o juízo decisório firmado ma sentença recorrida no sentido da inexistência de concorrência de culpa por parte da condutora do veiculo na produção do sinistro descritos nos autos, o que em sede de nexo de causalidade excluiria o dever de indemnizar nos termos do nº. 2 do artigo 570º do C.C. 13. Vejamos, sublinhando, desde já, que os dois esteios argumentativos invocados conexionam-se, pelo que serão objeto de análise conjunta. 14. Assim, e entrando no conhecimento da primeira questão decidenda, importa que se comece por salientar que, à data do acidente em causa nos autos [15.03.2017], vigorava já o regime jurídico dos direitos dos utentes nas vias rodoviárias classificadas como autoestradas concessionadas e outros tipos de rodovias ali determinadas, aprovado pela Lei nº 24/2007, de 18 de julho [cf. respectivo art.º 14º]. 15. Tal diploma, independentemente da existência de portagens e do pagamento de taxa pela utilização da autoestrada concessionada, e considerando também os itinerários principais e os itinerários complementares, estabeleceu as condições de segurança, informação e comodidade exigíveis para os utentes, sem prejuízo de regimes mais favoráveis estabelecidos ou a estabelecer [respectivo art.º 1º]. 16. Nos termos do art.º 12º da citada Lei nº 24/2007, “1- Nas autoestradas, com ou sem obras em curso, e em caso de acidente rodoviário, com consequências danosas para pessoas ou bens, o ónus da prova do cumprimento das obrigações de segurança cabe à concessionária, desde que a respetiva causa diga respeito a: a) Objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem; b) Atravessamento de animais; c) Líquidos na via, quando não resultantes de condições climatéricas anormais. 2 - Para efeitos do disposto no número anterior, a confirmação das causas do acidente é obrigatoriamente verificada no local por autoridade policial competente, sem prejuízo do rápido restabelecimento das condições de circulação em segurança. 3 - São excluídos do número anterior os casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”. 17. Desta previsão legal resulta que a concessionária de autoestrada em que se verifique um sinistro rodoviário causado por objetos arremessados para a via ou existentes nas faixas de rodagem, atravessamento de animais e líquidos na via, neste último caso quando não resultantes de condições climatéricas anormais, está onerada com uma presunção de incumprimento das obrigações de segurança que lhe cabe observar. 18. Esta presunção, porque presume o incumprimento de um certo dever, constitui, simultaneamente, uma presunção da ilicitude de certo facto e uma presunção de culpa, na medida em que revela a inobservância do especial dever de diligência que onera a concessionária [artigo 487º, nº 2, do Código Civil]. 19. Volvendo ao caso recursivo em análise, cabe notar que se mostra provado, de entre outro tecido fáctico, que, no dia 17.04.2021, ocorreu um acidente de viação na A...2 decorrente do atravessamento de três javalis em que foi interveniente o veículo automóvel de matrícula ..-PP-... 20. Ora, é ponto assente [até porque as partes não discutem tal questão] que a manutenção e fiscalização da segurança rodoviária competem aos concessionários, nas vias concessionadas, o que serve para dizer que era sobre a Ré que impendia a obrigação de manutenção da via pública em condições de segurança de circulação. 21. Na verdade, enquanto concessionária, são impostas à Recorrente múltiplas obrigações no sentido de manter padrões de qualidade rodoviária elevados, bem como o dever de assegurar boas condições de segurança. 22. E se assim é, em face da factualidade apurada nos autos, resulta claro que o Réu incumpriu a sua função de regulação e controlo, incorrendo, por omissão, na prática de um ato ilícito por omissão, de modo que, verificado está o pressuposto relacionado com a ilicitude. 23. Esta ilicitude, porém, só é relevante se estiver associada a uma conduta censurável, isto é, estiver associada à culpa, o que significa que a violação das referidas normas, dos princípios gerais ou do dever geral de cuidado não é, por si só, suficiente para fazer nascer a obrigação de indemnizar já que esta só nascerá quando essa violação for culposa, isto é, quando decorrer de um comportamento que podia e devia ter sido evitado e que só não o foi por razões merecedoras de censura. 24. E isto porque “agir com culpa significa atuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.” [A. Varela, “Das Obrigações em Geral, 3.ª ed., vol. I, pg. 571] 25. A qual “é apreciada nos termos do art.º 487.º do Código Civil” [art.º 4.º do DL 48.051], isto é, na falta de outro critério legal, “pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias de cada caso.” [art.º 487.º/2 do CC]. 26. Não se podendo, pois, falar de autonomização da ilicitude relativamente à culpa em sede de responsabilidade civil extracontratual, importa analisar se o comportamento da Ré infringiu as normas legais ou regulamentares e as regras de cuidado a que devia obediência e, ocorrendo essa infração, se ela se deveu a razões juridicamente reprováveis. 27. Examinado o probatório coligido, verifica-se que dimana claramente do mesmo, de entre outro tecido fáctico, que a condutora do veículo de matrícula ..-PP-.., quando circulava na Autoestrada ..., ao Km 19.300, foi surpreendida pelo aparecimento de três javalis que surgiram na via de tráfego, tendo embatido nos mesmos. 28. Dos factos considerados provados temos, pois, que, em substância, ocorreu a colisão do veículo automóvel visado nos autos contra três animais de grande porte que se atravessaram na via onde circulava. 29. No quadro em apreço, é evidente que, no plano naturalístico, a causa direta do acidente descrito nos autos foi o aparecimento súbito, na faixa de rodagem, destes animais de grande porte. 30. De facto, não é o facto da condutora do veículo sinistrado circular pela hemifaixa do meio que nos impele a concluir, por si só, que esta é [em parte ou em todo] responsável pela produção do sinistro descrito nos autos. 31. Não se ignora que a conduta assim apurada é sintomática da prática de uma contraordenação rodoviária prevista no artigo 13º do Código da Estrada. 32. Contudo, o fito desta previsão legal não é o de evitar a produção de acidentes rodoviários decorrentes do atravessamento de animais na faixa de rodagem, mas antes de garantir a fluidez do trânsito rodoviário. 33. Pelo que, não relevando no âmbito da prevenção deste tipo de acidentes, é de manifesta evidência que a simples verificação da referida contraordenação não constitui justificação racional para conferir eventual coautoria da contravenção causal do sinistro nos autos à condutora do veículo segurado, exigindo-se ainda a demonstração do respetivo nexo ligante. 34. Sucede, porém, que a matéria de facto dada como provada não legitima a referência a qualquer elemento nesse sentido. 35. Destarte, o acidente dos autos é de imputar unicamente à Ré A... como autora exclusiva da contravenção causal do sinistro, permanecendo, por isso, intocável, a presunção de culpa da Ré estabelecida por força do estatuído no nº. 3 do art. 10º da Lei 67/2007. 36. Cumpre, todavia, apurar se terá a Ré logrado ilidir tal presunção de culpa. 37. Para o cabal esclarecimento desta matéria, cumpre convocar a norma vertida na Base XLV do Decreto-Lei 189/2002, de 28 de agosto, epigrafada “Manutenção da Autoestrada”, que estabelece o seguinte: “(…) 1 - A Concessionária deverá manter a Autoestrada em bom estado de conservação e perfeitas condições de utilização, realizando os trabalhos necessários para que a mesma satisfaça cabal e permanentemente o fim a que se destina. 2 - A Concessionária é responsável pela manutenção, em bom estado de conservação e funcionamento, do equipamento de monitorização ambiental, dos dispositivos de conservação da natureza e dos sistemas de protecção contra o ruído. 3 - Constitui ainda responsabilidade da Concessionária a conservação e manutenção dos sistemas de contagem e classificação de tráfego, incluindo o respectivo centro de controlo, e ainda os sistemas de iluminação, de sinalização e de segurança nos troços das vias nacionais ou urbanas que contactam com os nós de ligação até os limites estabelecidos na base V. 4 - A Concessionária deverá respeitar os padrões de qualidade, designadamente para a regularidade e aderência do pavimento, conservação da sinalização e do equipamento de segurança e apoio aos utentes, fixados no Manual de Operação e Manutenção e no plano de controlo de qualidade. 5 - O estado de conservação e as condições de exploração da Autoestrada serão verificados pelo IEP de acordo com um plano de ações de fiscalização a definir pelo Concedente, competindo à Concessionária proceder, nos prazos que razoavelmente lhe forem fixados, às reparações e beneficiações necessárias à manutenção dos padrões de qualidade previstos no número anterior. 38. Atenta a normação ora transcrita, importa referir, primeiramente, que as obrigações impostas à Ré pela norma referida, não se referem a meras obrigações de meios, mas antes de uma obrigação reforçada de meios. 39. Em sustento da nossa posição, invoca-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de março de 2013, no processo 201/06.8TBFAL.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, que refere que “(…) Sem embargo aquele dever de cuidado que incide sobre condutores de veículos, importa não olvidar também que à permissão genérica de, em tais rodovias, se poder conduzir, em regra, até à velocidade máxima de 120 km/h subjaz o cumprimento da obrigação de assegurar a manutenção das condições de segurança estruturais e operacionais que permitam a condução segura à velocidade consentida, integrando o sinalagma do pagamento de uma taxa de portagem. (…) São os concessionários que dispõem de maior facilidade de identificação dos perigos ou de apuramento das circunstâncias que rodeiam acidentes devido a obstáculos existentes na via, tarefa que naturalmente é dificultada ou praticamente impossibilitada aos utentes e terceiros. (…)”. 40. Baseia-se assim o S.T.J. no nível de exigência no cumprimento das obrigações de segurança para apontar a existência de uma obrigação reforçada de meios, não considerando legítima a argumentação pela concessionária da impossibilidade de prever todos e quaisquer acidentes. 41. Deverá aqui operar uma avaliação razoável das circunstâncias concretas apuradas. 42. Procurando fixar o padrão de diligência exigível a uma concessionária pela especificidade das situações elencadas no nº 1 do artigo 12º da Lei nº 24/2007, observaremos que o funcionamento da presunção aí estabelecida apenas é afastado nas circunstâncias especificadas nos n.º 2 e 3 do mesmo, ou seja, em “casos de força maior, que diretamente afetem as atividades da concessão e não sejam imputáveis ao concessionário, resultantes de: a) Condições climatéricas manifestamente excecionais, designadamente graves inundações, ciclones ou sismos; b) Cataclismo, epidemia, radiações atómicas, fogo ou raio; c) Tumulto, subversão, atos de terrorismo, rebelião ou guerra”. 43. Com o propósito de esclarecer o teor da expressão “caso de força maior” em matéria de acidentes de viação decorrentes do atravessamento de animais na faixa de rodagem, convoca-se para a questão decidenda o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.06.2004, tirado no processo nº. 04A1299: “(…) O aparecimento de um cão de elevado porte na faixa de rodagem da autoestrada constitui reconhecido perigo para quem ali circula. Cabe à Brisa evitar essa (e outras) fonte de perigos, essa anormalidade. Não pode pôr-se a cargo do automobilista a prova da negligência da Brisa ou da origem do cão porque não foi a prestação dele que falhou nem ele tem a direção efetiva, o poder de facto sobre a autoestrada (como um todo, incluindo vedações, ramais de acesso e áreas de repouso e serviço. Como acima ficou dito, só o «caso de força maior devidamente verificado» exonera o devedor (a concessionária) da sua obrigação de garantir a circulação em condições de segurança e, na hipótese de inexecução, do dever de reparar os prejuízos causados. Isto significa, no essencial, que «não será suficiente (ao devedor, a Brisa) mostrar que foi diligente ou que não foi negligente: terá de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral, que não lhe deixou realizar o cumprimento». Essa prova só terá sido produzida quando se conhecer, em concreto, o modo de intromissão do animal. A causa ignorada não exonera o devedor, nem a genérica demonstração de ter agido diligentemente (…)”. 44. 77. Em reforço deste entendimento, ressalte-se o expendido no teor do aresto do S.T.J., de 09.09.2008, tirado no processo 08P1856, em que se afirma:“(…) Para afastar a presunção de incumprimento que sobre si impende, deveria, pois, a R. provar, em concreto, que o canídeo surgiu de forma incontrolável para si ou foi colocado na autoestrada, negligente ou intencionalmente, por outrem. Isto é, sempre que há um acidente devido a um cão (ou outro animal) que se introduziu numa autoestrada, presume-se o incumprimento da concessionária. Esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via, não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem (…)”. 45. Bem como o teor da jurisprudência firmada no Acórdão da Relação do Porto, 11.01.2011, proc. Nº 4196/08.5TBSTS.P1, em que se refere:“(…) Em causa estão, (…), certas vias especiais, destinadas ao trânsito rápido, proporcionando a quem as utiliza uma expectativa de circulação em segurança a velocidades até 120 km/hora, sem que lhe seja exigível um estado de alerta permanente perante a possibilidade de repentino surgimento de obstáculos na via, provocando perigo de despiste, tais como animais a atravessá-la. Quando, apesar da existência de vedações, um cão se introduz na autoestrada, existe, em princípio, um incumprimento concreto por parte da concessionária, porquanto, nos termos do contrato que celebrou com o Estado, ela se comprometeu, além do mais, a assegurar permanentemente, em boas condições de segurança e comodidade, a circulação nas autoestradas. E tal presunção de incumprimento subsistirá sempre que, como no caso vertente, seja ignorada a razão da introdução do animal na via. É manifesto que a entrada de um cão na autoestrada pode acontecer por qualquer meio, incluindo ser aí largado por um utente. Mas, enquanto não for conhecida a efetiva razão do sucedido, é a favor do lesado/utente, e não da concessionária que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 12º da Lei n° 24/2007, conjugado com o n.º 1 do art.º 350.º do C.Civil”. 46. Posição que se acolheu no aresto deste Tribunal Central Administrativo Norte de 17.04.2020, no Procº. n.º 01952/15.1BEPRT: “(…) A presença de um qualquer animal, nomeadamente de um cão, numa autoestrada é sempre um fator de grande risco, já que aos veículos é permitido, em regra, atingir a velocidade de 120 Km/h, ainda que no local em questão o limite fosse de 100km/h, quando é certo que a Recorrente também não demonstrou que a autoestrada estava efetivamente vedada em condições de segurança, ou seja, que tivesse procedido à instalação de mecanismos que permitissem evitar situações como a dos autos. Não sendo conhecida a efetiva razão determinante do inusitado atravessamento do animal na faixa de rodagem, é a favor do lesado, e não da concessionária, que a respetiva dúvida terá de resolver-se, de acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 12.º da Lei n.º 24/2007, conjugado com o n.º 1 do artigo 350.º do Código Civil (cfr. neste sentido o Acórdão do TRP, de 04.07.2013, P. 3238/11.1TBGMR.P1). (…) Como se sumariou no Acórdão deste TCAN, de 03.05.2007, no Processo n.º 00814/04.2BEBRG, “(…) a ilisão de uma presunção "juris tantum" só é feita mediante a prova do contrário, não sendo bastante a mera contraprova, pelo que o "non liquet" prejudica a pessoa/parte contra quem funciona a presunção. Sobre o R. impende o ónus de provar a adoção de todas as providências que, segundo a experiência comum e as regras técnicas aplicáveis, fossem suscetíveis de evitar o perigo, prevenindo o dano, o qual não se teria ficado a dever a culpa da sua parte, ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua. Para se ter como ilidida a presunção de culpa do R. não basta a simples prova, em abstrato, de que o mesmo desenvolve ou dispõe de funcionários ou dum corpo técnico que têm por função proceder à fiscalização e reparação das vias sob sua jurisdição, pois tem de ser demonstrado quais são as providências desencadeadas em relação à via pública em questão, a fim de que o Tribunal possa aferir se aquele «organizou os seus serviços de modo a assegurar um eficiente sistema de prevenção e vigilância de anomalias previsíveis», exercendo uma «adequada e contínua fiscalização». Aliás, se dúvidas houvesse, já o Tribunal Constitucional se pronunciou relativamente à interpretação do artigo 12.º/1 da Lei n.º 24/2007, no sentido da sua não inconstitucionalidade, afirmando que “na aceção segundo a qual em caso de acidente rodoviário em autoestradas, em razão do atravessamento de animais, o ónus de prova do cumprimento das obrigações de segurança pertence à concessionária e esta só afastará essa presunção se demonstrar que a intromissão do animal na via não lhe é, de todo, imputável, sendo atribuível a outrem, tendo de estabelecer positivamente qual o evento concreto, alheio ao mundo da sua imputabilidade moral que não lhe deixou realizar o cumprimento” (Cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 596/2009 e n.º 629/2009) (…)”. 47. Reiterando toda esta linha jurisprudencial, que se entende ser inteiramente aplicável às situações de animais de grande porte, como é o caso dos javalis, e cotejando o tecido fáctico coligido nos autos, entendemos ser forçosa a conclusão de que não foi ilidida a presunção de culpa que impendia sobre a Ré no que concerne à produção do sinistro dos autos. 48. Na verdade, não conseguiu a R. provar a forma como os ditos javalis entraram na autoestrada, por forma a imputar a sua proveniência a terceiros ou a caracterizá-lo como sendo ou resultante de um caso fortuito, e que não podia ter adotado conduta diferente daquela que adotou, isto é, não logrou a R. provar factualidade de onde se possa concluir que cumpriu as exigências de diligência na sinalização e remoção dos obstáculos existentes na via, e, por conseguinte, não foi ilidida a presunção de incumprimento que sobre si impendia relativamente ao aludido dever de vigilância, não tendo resultado provados factos suficientes que permitam concluir que a mesma atuou com a diligência que lhe era exigida. 49. Assim deriva, naturalmente, que se não antolha a existência de qualquer fio condutor lógico jurídico que justifique a reversão da decisão versada. 50. Concludentemente, improcedem todas as conclusões do recurso jurisdicional em análise, sendo de lhe negar provimento, mantendo-se a sentença recorrida na ordem jurídica. 51. Ao que se provirá em sede de dispositivo. * * IV – DISPOSITIVO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso, confirmando-se a sentença recorrida. Custas a cargo da Recorrente. * * Porto, 24 de março de 2023, Ricardo de Oliveira e Sousa Rogério Martins Luís Migueis Garcia |