Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00550/09.3BEPNF
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/27/2023
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Paula Moura Teixeira
Descritores:IRC,
ENCARGOS FINANCEIROS;
ART.º 31.º DO CIRC;
Sumário:O ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indireto, presuntivo, de afetação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87.º a 90.º da LGT sendo, por isso, ilegal.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
A Recorrente, "Y - Soc Gestora de Participações Sociais. S.A", NIPC ..., com demais sinais dos autos interpôs recurso da sentença prolatada, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgou improcedente a impugnação judicial que teve por objeto a liquidações adicionais de IRC e juros compensatórios, referentes aos exercícios de 2005, 2006 e 2007, no valor de € 238 550,51.
A Recorrente interpôs recurso de despacho interlocutório e da decisão final.

A) RECURSO DE DESPACHO INTERLOCUTÓRIO
A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:
1. A controvérsia central da lide processual sub judice é a de saber se é ou não devida a desconsideração fiscal dos encargos financeiros incorridos pela ora Recorrente, atenta a respectiva natureza jurídica e afectação real, nos termos e para os efeitos do disposto nos nºs 2 e 3 do artigo 31º do EBF: saber se os encargos financeiros em causa dizem exclusivamente respeito à aquisição de partes sociais; saber se os mesmos, apesar de incorridos a partir de 1 de Janeiro de 2003 (mais concretamente nos anos de 2005, 2006 e 2007), são decorrentes de vinculações contratuais preexistentes; saber se estão cm causa, cm concreto, encargos financeiros que respeitam à aquisição de participações sociais que a Recorrente perspectiva deter de modo permanente, a participações sociais relativamente às quais não se encontram ainda preenchidos os pressupostos de desconsideração da mais-valia para efeitos do apuramento do lucro tributável ou a participações sociais relativamente às quais não é sequer certo que da respectiva transmissão onerosa advenham mais-valias ou menos-valias.
2. A Recorrente considera que, da prova documental junta com a petição inicial, conjugada com o quadro legal que aí descreveu, resulta já não poder ser outra a conclusão que não a de que é abusiva e desvinculada da realidade fáctica e pretensão legal a correcção fiscal proposta pela Administração fiscal ao nível dos encargos financeiros incorridos, com base em um método de rateio por si sancionado no texto da Circular nº 7/2004.
3. Todavia, por muita confiança que a Recorrente tenha nos seus restantes argumentos jurídicos e probatório-factuais (que é, de facto, bastante elevada) - e por muito acessória para a convicção do Tribunal que, dada a concludência dos mesmos, possa ser a inquirição das testemunhas -, a dedutibilidade fiscal dos encargos financeiros incorridos depende da consideração de diversos factores não totalmente esclarecidos através da prova documental realizada, pelo que, em última análise, nunca será despiciendo averiguar se, de facto, a função financeira exercida pela Recorrente no seio do grupo que integra (saber se ela é de molde a não tornar possível concluir - com a simplicidade com que a Administração fiscal o fez - que todo o acervo financeiro externo da Recorrente é definitivamente canalizado à aquisição de partes sociais), se os encargos financeiros registados pela Recorrente nos exercícios de 2005, 2006 e 2007 são ou não decorrentes de vinculações contratuais preexistentes e, finalmente, se estão em causa, em concreto, encargos financeiros que respeitam à aquisição de participações sociais que a Recorrente perspectiva deter de modo permanente, a participações sociais relativamente às quais não se encontram ainda preenchidos os pressupostos de desconsideração da mais-valia para efeitos do apuramento do lucro tributável ou a participações sociais relativamente às quais não é sequer certo que da respectiva transmissão onerosa advenham mais-valias ou menos-valias.
4. Ora, para se perceber que natureza tinham os encargos financeiros em causa, a que se destinavam e a que investimentos foram afectos, melhor meio não existe do que questionar as pessoas que negoceiam os contratos que lhes estão subjacentes e que são responsáveis pela gestão quotidiana da carteira de investimentos da Recorrente.
5. Em rigor, pese embora a relevância indesmentível de uma prova por documentos - que é uma prova formal e a que, por excelência, mais fé faz -, ela não afasta a necessidade da prova testemunhal - a qual, permitindo compreender como é que, de facto, as realidades traduzidas documentalmente se verificaram em concreto, constitui um elemento de importância inapagável da diligência processual em sede probatória.
6. No fundo, mesmo que, como é natural, a Impugnante não coloque com causa a veracidade das informações contidas nos documentos que ela própria forneceu aos autos (longe disso), a verdade é que o quadro factual que se pretende ver apurado será sempre recortado com maior acuidade caso se questione as pessoas com responsabilidades directas no assunto relativamente, não só à efectiva realização, por parte da Recorrente, como a sua afectação.
7. Portanto, apesar de, no entender da Recorrente, da argumentação jurídica, ilustrada pela prova documental, resultar já demonstrada a posição por si defendida, a verdade é que a prova testemunhal pode ter a virtualidade de, de modo decisivo - ao revelar mais e de modo diferente -, reforçar essa mesma posição, termos em que só com ela se poderá considerar a verdade material cabalmente indagada.
8. É essencial que o Tribunal, com respeito pelas regras que limitam o número de pessoas indicadas para prova de cada facto alegado, inquira as testemunhas arroladas sobre toda a matéria factual cm questão nos autos (constante dos artigos 12° a 28º da petição inicial e também aflorada nos artigos 114º, 167° a 169" e 197° a 200º).
9. Assim, ao dispensar a sua produção, o Tribunal recorrido não actuou com o completo respeito pelos princípios processuais do inquisitório e da descoberta da verdade material, consagrados no artigo 99º da Lei Geral Tributária e concretizados, quanto ao meios de prova, nos artigos 114º e seguintes do CPPT, fazendo pois, no caso concreto, um uso abusivo da discricionariedade que lhe é concedida pelo n.° 1 do artigo 113º deste último diploma.
10. Um vez que o presente recurso não respeita ao objecto do processo e que, caso contrário (com a possibilidade de uma decisão tomada sem produção de prova testemunhal), o seu efeito útil fica comprometido, deve ao mesmo, nos termos do n.° 2 do artigo 285° do CPPT, ser atribuído o efeito da subida imediata.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com todas as devidas consequências legais.

B) RECURSO DA DECISÃO FINAL


A Recorrente formulou nas respetivas alegações as seguintes conclusões que se reproduzem:“(…)
(a) O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela "Y" contra os actos tributários de liquidação com os números ...42 (relativo ao exercício de 2005 e consubstanciado na demonstração de acerto de contas no ...54), ...38 (relativo ao exercício de 2006 e consubstanciado na demonstração de acerto de contas n° ...16) e ...61 (relativo ao exercício de 2007 e consubstanciado na demonstra­ção de acerto de contas n° ...28), os quais decorrem de correcções à matéria colectável da Impugnante, por aplicação da norma contida no n° 2 do artigo 31° do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e da Circular n° 7/2004, de 30 de Mar­ço, da Direcção dos Serviços do IRC (DSIRC), no montante global de € 275.436,19 (dos quais € 86.130,09 respeitam ao exercício de 2005, € 55.972,54 respeitam ao exercício de 2006 e € 133.333,56 respeitam ao exercício de 2007).

(b) As correcções efectuadas pela AT padecem dos vícios de violação da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da lei, por desconsiderarem uma apreciação concreta dos níveis de endividamento e de investimento realizados pela Impugnante.

(c) A "Y" é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), que tem como objecto legal a gestão de participações noutras sociedades como forma indi­recta de exercício de actividade económica, constituída de acordo com o DL n° 495/88, de 30 de Dezembro.

(d) Com efeito, a "Y" exerce unicamente uma actividade económica indirecta, através da gestão das sociedades suas participadas: não prossegue, assim, nenhum in­teresse próprio que seja distinto dos interesses específicos dessas participadas.

(e) Não se limita, contudo, a "Y", a uma função de mero controlo ou de sim­ples detenção de participações sociais, exercendo antes, de forma proactiva, reiterada e remunerada, uma actividade de prestação de serviços às sociedades operacionais que detém, em domínios do respectivo interesse.

(f) Entre esses serviços contam-se o apoio directo às actividades operacionais - desig­nadamente, ao nível do seu financiamento -, mas também o apoio de natureza mais estratégica, como é o caso do planeamento e da gestão das condições de prossecu­ção de negócio no domínio do sector em que se inserem.

(g) Para tal, a "Y" necessita ela própria, frequentemente, de recorrer a linhas de crédito em conta corrente ou em regime de descoberto bancário.

(h) É por isso natural que, nas contas da Impugnante, entre os proveitos figurem recei­tas de financiamentos - de curto prazo, destinados a apoio de tesouraria das socie­dades por si participadas -, na modalidade de juros, enquanto que, no plano dos cus­tos, se encontrem fundamentalmente encargos financeiros cobrados por instituições financeiros.

(i) Tais encargos respeitam concretamente, aos seguintes contratos de financiamento, originariamente outorgados pela "Y" ou por si tomados por cessão a outras sociedades do mesmo grupo societário: contrato celebrado em 1 de Agosto de 1998, a "Y" assumiu a posição contratual assumida pela sociedade "Y - Tinturaria e Acabamento de Malhas, S.A."­ por contrato celebrado, em 15 de Dezembro de 2004, com o Banco 1..., S.A.. Por efeito da referida cessão de posição no contra­to de descoberto bancário celebrado entre esta sociedade e o Banco 1..., passa a "Y" a ter acesso a uma conta de crédito - vulgarmente designada por des­coberto bancário - no montante, a essa data, de cerca de € 2.494.000,00 (vide Do­cumento n° 3, junto com a petição inicial); contrato datado de 15 de Junho de 1999, a "Y" celebrou com o Banco 2..., S.A. um contrato de li­nha de conta corrente caucionada, até ao limite máximo de € 2.000.000,00 (vide Do­cumento n° 4, junto com a petição inicial); contrato datado de 30 de Novembro de 2000, a "Y" celebrou com o Banco 3... um contrato de abertu­ra de crédito na modalidade de conta corrente caucionada, com o limite máximo de utilização de € 2.494.000,00 (vide Documento n° 5, junto com a petição inicial); con­trato datado de 10 de Abril de 2002, a "Y" celebrou com o Banco 4...­, S.A. um contrato de abertura de crédito, sob a forma de linha de conta corrente caucionada, até ao limite máximo de € 4.489.181,07 (vide Documento n° ..., junto com a petição inicial); e finalmente, por contrato celebrado em 31 de Julho de 2005, a "Y" e a "Y - Revestimentos Têxteis, S:A." adquiriram o direito
de emitir, no âmbito do Decreto-Lei n° 69/2004, de 25 de Março, títulos de dívida no montante máximo de € 5.000.000,00, ao abrigo de um programa de emissão de papel comercial estabelecido na sequência e por desmobilização de linhas de crédito preexistentes (vide
Documento n° 7, junto com a petição inicial).

(j) Nos exercícios subsequentes à celebração dos referidos contratos, foi apenas utiliza­do crédito referente aos contratos de conta corrente caucionada celebrados em 30 de Novembro de 2000 e 15 de Junho de 1999, no montante global de € 2.752.000,00 e, bem assim, emitidas obrigações ao abrigo de um programa de emissão de papel co­mercial definido nos termos do contrato celebrado em 31 de Julho de 2005, no montante de € 5.000.000,00.

(k) A actividade financeira da "Y" não é verdadeiramente independente, algo que a Impugnante suporte por si só, com o propósito exclusivo da aquisição de par­ticipações financeiras.

(1) Pelo contrário, conforme acontece habitualmente na generalidade das estruturas plurissocietárias de natureza e/ou dimensão semelhantes, tal actividade enquadra-se na própria actividade/função financeira de todo o Grupo, encabeçado pela aqui Impugnante, que em última análise centraliza e coordena o sentido, o montante, a oportunidade e as condições dos fluxos financeiros.

(m) Daí muitas vezes acontecer que determinados fundos, por esta contratados e garan­tidos junto das instituições financeiras supra identificadas, sejam por esta orientados em sentido descendente, precisamente correspondendo este, pois, ao seu destino fi­nal, de tal forma que, em muitos casos, não é possível estabelecer uma utilidade espe­rada para cada linha de crédito criada e utilizada.

(n) Em 31 de Dezembro de 2005, o endividamento da "Y" ascendia a € 8.392.219,00.

(o) Deste valor, € 3.550.000,00 foram canalizados para empréstimos remunerados a empresas participadas.

(p) Na mesma data, o activo total da "Y" cifrava-se nos € 59.056.552,00.

(q) Deste valor, € 6.634.974,00 correspondiam ao valor total dos outros activos gerado­res de rendimentos (rendas, juros e outros rendimentos financeiros), que não partes de capital (€ 3.949.927,00 respeitavam a terrenos e edifícios e € 2.685.047,00 respeitavam a instrumentos financeiros, designadamente, a fundos, outras aplicações de cur­to prazo e depósitos bancários).

(r) Donde se conclui que, em 31 de Dezembro de 2005, o montante total do endivida­mento - €8.392.219,00 - é inferior ao valor total dos activos financeiros geradores de rendimentos (rendas, juros e outros rendimentos financeiros), que não partes de capital - € 3.550.000,00 + €6.634.974,00 -.

(s) Estes dados, a que pretendia a "Y" reportar-se na sessão de discussão e jul­gamento dispensada pelo Tribunal (embora expressamente decorrentes da estrutura e composição do balanço da aqui recorrente, a que têm e tiveram acesso a AT e o órgão decisor), são susceptíveis de demonstrar que, mesmo concedendo na aplicação da Circular n.° 7/2004, de 30 de Março, defendida e usada pela AT, não haveria lu­gar a qualquer imputação de encargos financeiros às partes de capital detidas pela "Y", já que, por determinação da referida Circular, se imporia que o total dos passivos remunerados fosse primeiramente afecto ao montante dos emprésti­mos remunerados concedidos às empresas participadas (€3.550.000,00) e a outros investimentos geradores de juros (€ 6.634.974,00).

(t) Esta mesma observação, transposta para a realidade da estrutura e composição dos balanços da recorrente a 31 de Dezembro de 2006 e a 31 de Dezembro de 2007, se­ria susceptível de conduzir à mesma conclusão: a de que, nos exercícios em referên­cia, a utilização de qualquer método de rateio baseado nas mesmas formulações e critérios propostos pela Circular n.° 7/2004, de 30 de Março, seria sempre ineficaz na desconsideração da dedutibilidade dos encargos financeiros incorridos naqueles períodos.

(u) Quer no ano de 2006, quer no ano de 2007, o total dos passivos remunerados (€ 8.392.808,00, em 2006, e €15.532.827,00, em 2007) é esgotado no processo da sua imputação ao montante dos empréstimos remunerados concedidos às empresas par­ticipadas (€ 3.950.000,00, em 2006, e €3.473.169,00, em 2007) e ao montante dos ou­tros investimentos geradores de juros (€7.451.672,00, em 2006, e €13.518.613,00, em 2007).

(v) No apuramento do lucro tributável, relativo aos exercícios de 2005 a 2007, a "Y" não acresceu os encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital, uma vez que a dedutibilidade dos referidos encargos apenas se encontra excluída quando esteja em causa a aplicação do regime de beneficio fiscal previsto no n.° 2 do artigo 32.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais, aqui também designado EBF (numeração à data dos factos).

(w) A "Y" absteve-se de aplicar a regra especial de benefício fiscal estabelecida no artigo 32.° do EBF, aplicando as regras gerais de dedutibilidade de encargos fi­nanceiros estabelecidas no Código do IRC.

(x) Fê-lo, em primeiro lugar, por considerar que, não tendo realizado qualquer transmis­são de partes de capital geradora de resultados (positivos ou negativos) excluídos de tributação nos termos do referido regime, não haveria lugar a qualquer ajustamento ao seu nível, por efeito do referido dispositivo legal.

(y) E fê-lo, em segundo lugar, por considerar que, mesmo considerando a legalidade de um método de rateio nos termos do que vem proposto na Circular n.° 7/2004, de 30 de Março, daí não resultaria qualquer consequência fiscal, conforme supra demons­trado.


(z) Contudo, a AT procedeu à correcção de €275.436,19, por ter entendido que a "Y" deveria ter acrescido ao resultado líquido do exercício, para efeitos de apu­ramento do lucro tributável, a parte relativa a encargos financeiros suportados com a aquisição de partes de capital que considerou não serem dedutíveis, nos termos do artigo 32.° do EBF.

(aa) Para além dos argumentos supra expostos, baseados na realidade fáctica que o Tri­bunal a quo se recusou a infirmar dos documentos juntos com o processo adminis­trativo e com a petição inicial e a ver corroborados (e explicados) através da inquiri­ção das testemunhas arroladas pela recorrente, a "Y" não concorda com a aplicação pela AT dos critérios da Circular n.° 7/2004, de 30 de Março, em virtude de esta ter considerado que o novo regime relativo aos encargos financeiros é aplicá­vel nos períodos de tributação iniciados após 1 de Janeiro de 2003, ainda que relati­vos a financiamentos contraídos antes daquela data.

(bb) No que à aplicação no tempo respeita, a Requerente entende que o novo regime não se aplica aos encargos vencidos após 1 de Janeiro de 2003 mas que respeitem a contratos de mútuo celebrados em data anterior e às aquisições de participações ad­quiridas anteriormente àquela data.

(cc) Sendo forçoso considerar que o legislador, ao eleger como princípio fundamental da tributação, a tributação de acordo com a capacidade contributiva e de acordo com o rendimento real e ao conceder sistematicamente benefícios fiscais às SGPS, tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados «expectativas» de conti­nuidade - pois que não existem razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expec­tativa, concluindo no sentido de que a desconsideração fiscal dos encargos financei­ros apenas poderá operar para o futuro.

(dd) No que respeita ao momento em que deve realizar-se o acréscimo dos encargos fi­nanceiros, a "Y" defende que os encargos financeiros só não serão custo fiscal em caso de realização de mais-valias ou menos-valias com a transmissão one­rosa da participação social adquirida com o recurso a capitais alheios e que originou os referidos encargos.

(ee) Já quanto ao método de cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, não deve ser considerado procedente na medida em que o apuramento do montante de encar­gos financeiros considerados não dedutíveis foi efectuado por mera remissão para a fórmula de cálculo estabelecida por Circular, a qual vem desenvolver o conteúdo de norma de incidência tributária, criando métodos de determinação indirecta da maté­ria colectável que consubstanciam o estabelecimento de presunções inilidíveis, em manifesta violação do princípio da legalidade tributária e da tributação segundo o lu­cro real.

(ff) A "Y" não aceita a fórmula de cálculo utilizada pela AT, de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (conforme a Circular n.° 7/2004), de­fendendo que esse deve ser um método de afectação directa ou específica.

(gg) A "Y" defende que essa imputação deverá ser efectuada com base numa fórmula que consiste em: (a) imputar os passivos remunerados das SGPS aos em­préstimos remunerados concedidos às empresas participadas e a outros investimen­tos geradores de juros; (b) afectar o remanescente aos restantes activos, nomeada­mente participações sociais, proporcionalmente ao custo de aquisição.

(hh) Não pode ignorar-se que, ainda que a utilização do método de rateio em causa de­corresse de norma legal expressa, a verdade é que à mesma sempre se imporia o mí­nimo de rigor casuístico e justiça material. E a utilização do método proposto pela Circular é apto a provocar resultados inconsistentes e absurdos.

(ii) A Circular defende a aplicação do método de rateio em referência a uma realidade que crê cristalizada num determinado momento - em 31 de Dezembro de um de­terminado exercício -, supondo ser essa realidade capaz de traduzir, para os efeitos de correcção e liquidação propostos, toda a realidade verificada ao longo dos 365 di­as do mesmo período.

(jj) Por outro lado, a "Y" defende que, a ser admissível a utilização do método de rateio proposto pela Administração fiscal na Circular em referência, seria desta e não dos contribuintes o ónus de demonstrar a dificuldade extrema de afectação real no caso concreto, sob pena de violação do princípio da fundamentação coerente e suficiente dos actos administrativos.

(kk) Além disso, a Impugnante entende que, a ser admissível a utilização de um método de rateio, o mesmo sempre teria que atender, não só aos capitais alheios, mas tam­bém ao capital próprio da sociedade, como recursos susceptíveis de financiar o acti­vo da empresa, de acordo com o princípio do equilíbrio financeiro, o qual aconselha a que os activos de maior permanência na empresa (designadamente, os investimentos financeiros) sejam prioritariamente financiados com recursos de maior estabili­dade, ou seja, o capital próprio.

(ll) Em rigor, e em acréscimo ao que foi dito, mesmo concedendo na legalidade da in­tervenção da Circular em análise para os efeitos da necessária densificação do con­ceito de "encargos financeiros" utilizado na norma do artigo 32° do EBF, sempre te­ria que ser admitido, quanto ao método nela proposto para efeitos da afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, que os passivos remunerados da "Y" imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos re­munerados concedidos às empresas participados e aos outros investimentos gerado­res de juros (aqui se entendendo, por um critério de ordem racional, a totalidade dos activos sob gestão geradores de rendimentos financeiros que não sejam passíveis de beneficiar do regime estabelecido no artigo 32° do EBF), não sobrariam para afectar/ser alocados aos investimentos financeiros representados por partes de capital.

(mm) No sentido do que vem defendido pela recorrente, pronunciou-se já o CAAD -Centro de Arbitragem Administrativo, no Acórdão n.° 24/2012-T, de 21 de Dezem­bro de 2012.

(nn) O Tribunal a quo incorre num erro de julgamento da matéria de facto e de direito: a prova documental não foi suficientemente considerada e ponderada, a prova teste­munhal foi indevidamente recusada e a matéria de direito foi erroneamente interpre­tada.

(oo) Assim tratada a matéria de direito mobilizável, o Tribunal a quo incorre num vício de violação de lei por aplicação retroactiva de uma norma de incidência fiscal, em opo­sição explicita da proibição constitucional plasmada no n° 3 do artigo 103° da CRP, e por interpretação da norma do artigo 32° do EBF desconforme com o princípio da determinabilidade da base tributável, da tributação do lucro real e da tutela da confi­ança plasmados nos artigos 103.° e 104.° da CRP.

TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE, POR PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCLAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A ANULAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA..(…)”

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

O Exmº. Procurador-Geral Adjunto junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Atendendo a que o processo se encontra disponível em suporte informático, no SITAF, dispensa-se os vistos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, com seu consentimento, submetendo-se à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente/Impugnante as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações de recurso nos termos dos artigos 635º, nº4 e 639º CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, sendo as de saber:
No Despacho interlocutório, se o tribunal não atuou com respeito pelos princípios processuais do inquisitório e da descoberta da verdade material, consagrados no artigo 99º da Lei Geral Tributária e concretizados, quanto aos meios de prova, nos artigos 114º e seguintes do CPPT, fazendo uso abusivo da discricionariedade que lhe é concedida pelo n.º 1 do artigo 113º deste último diploma.
No Recurso da sentença se incorreu em vício de violação de lei por aplicação retroativa de uma norma de incidência fiscal, em opo­sição explicita da proibição constitucional plasmada no n° 3 do artigo 103° da CRP, e por interpretação da norma do artigo 32° do EBF desconforme com o princípio da determinabilidade da base tributável, da tributação do lucro real e da tutela da confi­ança plasmados nos artigos 103.° e 104.° da CRP.

3. JULGAMENTO DE FACTO
No Tribunal a quo, o julgamento da matéria de facto foi efectuado nos seguintes termos:“ (…).
Com relevância para a decisão da causa, o tribunal julga provado:
A) A impugnante é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), que tem como objecto legal a gestão de participações noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividade económica, constituída de acordo com o DL n.° 495188, de 30 de Dezembro (relatório de Inspecção tributária (RIT) de fls. 107 a 121 dos autos).
B) Nos anos de 2005, 2006 e 2007, a impugnante detinha participações sociais nas sociedades comerciais identificadas a fls. 111, dos autos, no ponto C-3, do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
C) A impugnante foi sujeita a uma acção inspectiva aos exercícios de 2005, 2006 e 2007 que foi concluída com o relatório de inspecção tributária (R1T) junto aos autos de fls. 107 a 121, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
D) Nessa acção inspectiva a administração tributária apurou que a impugnante em cada um dos referidos exercícios suportou os seguintes encargos financeiros relacionados com empréstimos obtidos remunerados (RIT):
Exercício de 2005:
ContaDescriçãoValor
681010Juros de empréstimos bancários€215.919,28
681030Outros empréstimos obtidos€75.650,74
Total€291.570,02

Exercício de 2006:
ContaDescriçãoValor
681010Juros de empréstimos bancários€108.187,93
681030Outros empréstimos obtidos€161.037,29
Total€269.225,22

Exercício de 2007:
ContaDescriçãoValor
681010Juros de empréstimos bancários€330.924,25
681030Outros empréstimos obtidos£254.837,03
Total€585.761,28

E) A administração tributária apurou igualmente que não foi acrescido qualquer valor ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 dos exercícios de 2005, 2006 e 2007, em resultado da imputação dos encargos financeiros às partes de capital (RIT),
F) De acordo com o valor dos activos e passivos constantes do Balanço da impugnante em 31/12/2005 a administração tributária concluiu que o valor dos encargos financeiros a imputar às partes de capital no exercício de 2005 é de €86.130,09, apurado de acordo com os cálculos constantes de fls. 113 e 114, que fazem parte do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido (RIT).
G) Como não foi acrescido qualquer valor ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 do exercido de 2005, impõe-se a realização da correcção de €86.130,09, que dá origem ao seguinte apuramento do lucro tributável corrigido (RIT):
Quadro 07
Campos
Apuramento do lucro tributável
DescriçãoValores declaradosCorrecçõesValores corrigidos
201Resultado líquido do exercício€5.959.312,51 €5.959.312,51
203Variações patrimoniais negativas€4.023,36 €4.023,36
205 a 225A acrescer€615.396,34 €86.130,09€701.526,43
227 a 237A deduzir€7.750.781,54 €7.750.781,54
239Prejuízo fiscal€1.180.096,05 €86.130,09€1.093.965,96

H) De acordo com o valor dos activos e passivos constantes do Balanço da impugnante em 31/12/2006 a administração tributária concluiu que o valor dos encargos financeiros a imputar às partes de capital no exercício de 2006 é de €55.972,54, apurado de acordo com os cálculos constantes de fls. 115 a 117, que fazem parte do R1T, cujo teor aqui se dá por reproduzido (RIT).
I) Como não foi acrescido qualquer valor ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2006, impõe-se a realização da correcção de €55.972,54, que dá origem ao seguinte apuramento do lucro tributável corrigido (RIT):
Quadro 07
Campos
Apuramento do lucro tributável
DescriçãoValores declaradosCorrecçõesValores corrigidos
201Resultado líquido do exercício€7.797.307,99 €7.797.307,99
203Variações patrimoniais negativas€5.211,18 €5.211,18
205 a 225A acrescer€820.743,14 €55.972,54€876.715,68
227 a 237A deduzir€7.625.424,80 €7.625.424,80
240Lucro tributável€987.415,15 €55.972,54€1.043.387,69

J) De acordo com o valor dos activos e passivos constantes do Balanço da impugnante em 31/12/2007 a administração tributária concluiu que o valor dos encargos financeiros a imputar às partes de capital no exercício de 2007 é de €133.333,56, apurado de acordo com os cálculos constantes de fls. 117 a 119, que fazem parte do RIT, cujo teor aqui se dá por reproduzido (RIT).
K) Como não foi acrescido qualquer valor ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22 do exercício de 2007, impõe-se a realização da correcção de €133.333,56, que dá origem ao seguinte apuramento do lucro tributável corrigido (RIT):
Quadro 07
Campos
Apuramento do lucro tributável
DescriçãoValores declaradosCorrecçõesValores corrigidos
201Resultado líquido do exercício€9.877.940,86 €9.877.940,86
205 a 225A acrescer€3.908.641,16 €133,333,56 €4.0410974,72
227 a 237A deduzir€12.022.565,31 €12.022.565,31
240Lucro tributável€1.764.016,71 €133.333,56€1.897.350,27

L) Estas correcções meramente aritméticas à matéria tributável (fls. 104 a106) deram origem às liquidações impugnadas que constam de fls. 95, 97 e 99 dos autos, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
Com relevância para a decisão da causa, não existe matéria de facto julgada não provada.
3.1.1 - Motivação.
O tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa, com base na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e no processo administrativo que não foram impugnados e bem assim na parte dos factos alegados pelas partes que não tendo sido impugnados (art. 74.° da Lei Geral Tributária (LGT)), também são corroborados pelos documentos juntos aos autos (arts. 76.°, n.° 1, da LGT e 352.° e seguintes do Código Civil (CC)) identificados em cada um dos factos.
A restante matéria alegada pelas partes não foi julgada provada ou não provada por constituir conceito de direito, matéria conclusiva ou não relevar para a decisão da causa, designadamente quanto à origem e data dos alegados contratos de financiamento que originaram encargos financeiros e à sua aplicação. Quanto à origem e à data dos alegados contratos de financiamento porque o que está em causa são os encargos financeiros efectivamente suportados pela impugnante em cada exercício. Rela­tivamente à sua aplicação porque não basta a mera alegação genérica que a actividade financeira da impugnante não se limitava exclusivamente à aquisição de participações financeiras e à prova testemu­nhal. A impugnante teria de ter alegado concretamente quais eram os valores aplicados ou, pelo menos, alegar que os invocados pela administração tributária não tinham sido encargos financeiros suportados com a aquisição de participações alegando e provando documentalmente a aplicação efectiva de todos os encargos financeiros ou, pelo menos, alegar e demonstrar que os encargos financeiros desconsidera­dos pela administração tributária não são encargos financeiros efectivamente suportados na aquisição de participações financeiras, como melhor resultará da fundamentação de direito..(…)”

4. JULGAMENTO DE DIREITO
4.1. A Recorrente interpôs recurso de despacho interlocutório, que considerou que a questão objeto de impugnação era somente de direito e que o processo fornecia os elementos necessárias à sua decisão, mostrando-se desnecessária a inquirição de testemunhas.
Face às questões equacionadas, não se aprecia de imediato este recurso, uma vez, que poderá mostrar-se desnecessário face ao desfecho da decisão.
Entrando, no recurso da sentença recorrida, a questão fundamental que aqui importa decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento por violação de lei por errada interpretação da norma do artigo 32.° do EBF desconforme com o princípio da determinabilidade da base tributável, da tributação do lucro real e da tutela da confi­ança plasmados nos artigos 103.° e 104.° da CRP.
Na verdade, a questão que se colocava nos autos era a de saber se era legítima a correção oficiosa efetuada pela Administração Tributária ao apuramento do lucro tributável, por desconsideração dos custos suportados com encargos financeiros relacionados com empréstimos declarados pela ora Recorrente, e de proceder à liquidação de acordo com a metodologia de cálculo sancionada na Circular n.º 7/2004, de 30 de março, com afastamento da afetação/imputação direta, relativa aos anos de 2005 a 2007.
Em causa está a aplicação do art.º 31.º do EBF (seguindo a numeração vigente em 2006, a qual viria a ser renumerado para o art.º 32.º e posteriormente revogado).
Dispunha o n.º 2 dessa norma que: “As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS, pelas SCR mediante a transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição, não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades”.
Sendo ainda de considerar a emissão, pela Direção de Serviços do IRC, da Circular n.º 7/2004, de 30 de março, em que, além do mais, se refere o seguinte:
“(…) 7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.(…)”
Face a esse quadro legal a sentença recorrida considerou que as liquidações impugnadas não padecem de qualquer ilegalidade, designadamente por aplicação do art.º 31.º n.ºs 1 e 2 do EBF, não resultar a inconstitucionalidade dessa norma por violação do art.º 103.º, e 104.º da CRP e dos princípios da determinabilidade da base tributável, da tributação do lucro real, da tutela e das legitimas expetativas dos contribuintes, julgamento com o qual não se pode concordar.
Com efeito, a Circular n° 7/2004 explicita, no tocante à aplicação temporal do regime e, concretamente, no que respeita aos encargos financeiros, que o mesmo é aplicável aos suportados nos períodos de tributação iniciados após 01.01.2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data (Ponto 5); refere que os encargos financeiros deverão ser desconsiderados como custos, para efeitos fiscais, no exercício a que respeitam, isto é, dever-se-á proceder à correção fiscal dos que tiverem sido suportados com a aquisição de participações que sejam suscetíveis de vir a beneficiar do regime especial de tributação das mais-valias, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a sua aplicação. Caso se conclua, no momento da alienação das participações, que não se verificam todos os requisitos para aplicação daquele regime, proceder-se-á, nesse exercício, à consideração como custo fiscal dos encargos financeiros que não foram considerados como custos em exercícios anteriores; e especifica um método a utilizar para efeitos de imputação dos encargos financeiros às participações sociais. (ponto 7).
A desconsideração como custos fiscalmente relevantes dos encargos financeiros incorridos para obtenção da determinação do lucro tributável consagrada no n.º 2 do art.º 31.º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis.
Compete à Administração Tributária, que no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da atuação dos contribuintes com a lei, o uso de poderes vinculados e, por isso, submetida ao princípio da legalidade, o que significa que lhe cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efetuar quaisquer correções técnicas.
Assim sendo, se a Administração Tributária pretende corrigir encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, deve demonstrar, como é óbvio, que os encargos que corrige estão relacionados com a efetiva aquisição de participações sociais, não competindo essa obrigação ao sujeito passivo.
Nesta medida, importa sublinhar que é a AT que acresce o valor aos encargos financeiros que considera suportados com a aquisição de partes de capital, sem identificar os respetivos financiamentos nem, tampouco, as partes de capital supostamente adquiridas por recurso aos mesmos, sem, não ter colocado em crise a falta de verificação dos pressupostos de que, nos termos do artigo 23.º do CIRC, depende a dedutibilidade dos custos, limitando-se a encontrar apoio nos ativos e passivos resultantes do Balanço a 31.12.2005, 31.12.2006 e 31.12.2007 [Cfr. alíneas F), H) e J) da matéria de facto provada] relativamente aos anos de 2005, 2006 e 2007, respetivamente.
Extrai-se do Relatório de Inspeção, nomeadamente da descrição dos factos e fundamentos (ponto III. A- ano de 2005, B- ano de 2006 e C- ano de 2007 do RIT) a este respeito o seguinte:Não foi acrescido qualquer valor, ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, em resultado da imputação dos encargos financeiros às partes de capital, no entanto da aplicação do normativo atrás referido, constatamos que o valor dos encargos financeiros a imputa às partes é de € 86.130,30, conforme passamos a demonstrar.
De acordo com o Balanço em 2005-12-31, o valor dos activos e passivos a utilizar para aplicação da fórmula de cálculo dos encargos financeiros a imputar, são os seguintes (…)”
No ano de 2006 conta que:Não foi acrescido qualquer valor, ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, em resultado da imputação dos encargos financeiros às partes de capital, no entanto da aplicação do normativo atrás referido, constatamos que o valor dos encargos financeiros a imputa às partes é de € 55.972,44, conforme passamos a demonstrar.
De acordo com o Balanço em 2006-12-31, o valor dos activos e passivos a utilizar para aplicação da fórmula de cálculo dos encargos financeiros a imputar, são os seguintes.”
No ano de 2007 conta que: “Não foi acrescido qualquer valor, ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, em resultado da imputação dos encargos financeiros às partes de capital, no entanto da aplicação do normativo atrás referido, constatamos que o valor dos encargos financeiros a imputa às partes é de € 133.333.56, conforme passamos a demonstrar.
“De acordo com o Balanço em 2007-12-31, o valor dos activos e passivos a utilizar para aplicação da fórmula de cálculo dos encargos financeiros a imputar, são os seguintes:”
Decorre da matéria de facto provada, melhor explanado no RIT, que a AT restringiu a sua atividade à análise do Dossier fiscal e balanços a 31 de Dezembro de cada um dos anos, e aplicou a fórmula aritmética fornecida pela Circular n.º 7/2004, determinando o valor dos encargos financeiros acrescer aos inicialmente apresentados pelo sujeito passivo na sua declaração de rendimentos modelo 22, que alegadamente foram suportados com a aquisição de partes de capital.
A questão subjacente já foi amplamente tratada na jurisprudência quer do Supremo Tribunal Administrativo quer dos Tribunais Centrais, nomeadamente, nos acórdãos do STA n.º 02271/16 de 31.05.2017, 157/08.3BELRS de 17.12.2019, 227/16 de 08.03.2017, 406/18.9BALR de 26.09.2018, 1229/15 de 31.05.2017 e 011/21.2BASLB de 26.01.2022; e nos acórdãos do TCAN n.ºs 00946/09.0BEPRT de 15.01.2015, n.º 3464/10.0BEPRT de 18.09.2017, n.º 990/10.5 BEPRT de 07.12.2017, n.º 1120/10.9BEBRG de 25.05.2011, 2153/15.4BEPRT de 28.09.2017, e 2918/12.9 de 12.04.2018, 2478/09.8 BEPRT de 07.06.2018, 3623/10.6BEPRT de 07.06.2018 e 1206/10.0 BEPRT de 17.09.2019, entre outros.
Uma vez, que a questão está já sobejamente tratada, sem esquecer o disposto no n.º 3 do art.º 8.º do Código Civil, limitamos a transcrever a jurisprudência do acórdão n.º 0271/16 de 08.03.2017, com o qual concordamos, pese embora o acórdão tenha por base a impugnação judicial, da liquidação efetuada em autoliquidação, enquadra-se cabalmente na situação pelo que importa realçar o que nele diz quanto a essa questão:
“(…) Da leitura atenta que se faz daquele ponto 7, cuja legalidade vem questionada nos presentes autos, pode-se surpreender com facilidade que o método escolhido pela AT se assume como um método indirecto de afectação dos encargos, em contraposição a um método directo, motivado pela dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e pela possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria.
Ou seja, a AT, face às dificuldades sentidas de integração do disposto naquele artigo 32º do EBF, desinteressou-se pela obtenção da verdade dos factos, pilar da tributação sobre o rendimento real, cfr. artigo 104º, n,º 2 da CRP, e assumiu como único método aceitável o que parte de uma presunção de que os passivos remunerados das SGPS e SCR devem ser afectos liminarmente e de forma prioritária a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente, aos demais activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
Portanto, a recorrente ao seguir as orientações genéricas da AT, a que não estava obrigada, lançou mão de um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros, mas como bem refere a própria AT na decisão do recurso hierárquico, de nada lhe valeria (à recorrente) fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes, cfr. pág. 39 dos autos, parágrafo 2º.
Aliás, seguindo os contribuintes as orientações da AT, desde que conformes à lei, nas suas autoliquidações, evitam posteriormente dissabores e incómodos no tocante à regularização da sua situação tributária.
Na situação dos autos não vem concretamente explicada a razão pela qual (não) se poderia efectuar a afectação dos encargos financeiros por outro modo (directo), diferente daquele que foi efectivamente utilizado (indirecto), não o explica a recorrente, nem o explica a AT, ambas se limitam a referir que o método utilizado é o determinado pela Circular em questão. E a sentença bastou-se com o facto de a recorrente na autoliquidação ter seguido o método que para si não era obrigatório.
Tratando-se a avaliação indirecta de uma operação sem correspondência com a verdade dos factos, precisamente porque estes não são possíveis de determinar com segurança e certeza, ou porque há indícios muito fortes (a quase certeza) de que os factos evidenciados pelo contribuinte, e que devem servir de fundamento à determinação da matéria tributável, não são verdadeiros, previu o legislador, de forma taxativa, as concretas situações em que é possível o recurso a tais métodos indirectos nos artigos 87º a 90º da LGT.
Portanto, a “norma” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com uma concreta situação de determinado contribuinte, como se tratando de método de afectação ilegal e proibido; se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a respectiva afectação, mas se não se verificarem tais razões, trata-se de método inadequado de proceder a essa mesma afectação.
Já vimos que no caso dos autos nada se diz a esse respeito, isto é, nada se diz da possibilidade ou impossibilidade de aplicação de um método de afectação directo, tem-se por bom o método de afectação indirecto, de forma acrítica e sem conexão intima com a situação concreta da contribuinte.
Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT -em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.
É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.
Temos, assim, que concluir pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele n.º 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.
De resto, o facto de a própria recorrente ter procedido à autoliquidação do imposto, segundo as regras estabelecidas pela AT, não implica que tal seja admissível ou lhe seja oponível, desde logo porque aos contribuintes não assiste o direito de apresentar as suas declarações de rendimentos lançando mão de métodos indirectos que não tenham uma correspondência directa e imediata com a sua realidade contabilística, o que se impõe por força dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, todos, e cada um, contribuirão coactivamente para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, cfr. artigo 103º, n.º 1 da CRP.
E já vimos que, o uso de tais métodos indirectos, apenas é consentido à AT nas situações enumeradas na lei e segundo os parâmetros legalmente estabelecidos, neste caso, para salvaguarda da receita do Estado, assim se conseguindo a distribuição do sacrifício, na medida do possível, por todos os contribuintes.”
Resulta assim desta jurisprudência que o ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indireto, presuntivo, de afetação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87.º a 90.º da LGT sendo, por isso, ilegal.
Face à jurisprudência que reproduzimos, nenhumas outras considerações se nos afigura acrescentar à fundamentação transcrita, a qual se enquadra cabalmente na situação ora em análise, ficando, consequentemente, prejudicada a apreciação das demais considerações e questões colocadas no recurso a este propósito.
Por fim e no que concerne ao despacho interlocutório, face ao supra decidido fica prejudicado ao seu conhecimento.

4.2. E assim, apropriando-nos com a devida vénia do sumário do acórdão do STA supra citado, formulamos a seguinte conclusão /sumário:

O ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30.03, da DSIRC, estabelece um método indireto, presuntivo, de afetação de encargos financeiros em desrespeito dos artigos 87.º a 90.º da LGT sendo, por isso, ilegal.

5. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e julgar procedente a impugnação judicial deduzida, bem como anular as liquidações sindicadas com as consequências legais.

Nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, dispensa-se o remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, embora a decisão do recurso não se apresente de complexidade inferior à comum, tratando-se de questões já objeto de apreciação de acórdãos deste tribunal e do STA, para os quais nos limitamos a remeter.

Custas a cargo da Recorrida, as quais não incluem taxa de justiça, nesta instância, por não ter contra alegado
Porto, 27 de abril de 2023

Paula Maria Dias de Moura Teixeira
Maria da Conceição Soares
Carlos Alexandre Morais de Castro Fernandes