Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00354/10.0BEBRG
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:04/27/2023
Tribunal:TAF de Braga
Relator:Carlos de Castro Fernandes
Descritores:IRS; ATO DE LIQUIDAÇÃO;
RECLAMAÇÃO GRACIOSA;
ERRO NA DECLARAÇÃO;
Sumário:I - Como refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada ou a existência de um vício que não tenha sido tempestivamente suscitado (isto sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso por parte do Tribunal de recurso).

II - Vem sendo entendido de modo uniforme e constante pelo STA que embora a decisão de indeferimento constitua o objeto imediato da impugnação judicial e o ato tributário de liquidação o seu objeto mediato, tal distinção é irrelevante, porque ambos integram o âmbito de conhecimento do tribunal.

III - Os vícios do procedimento de reclamação graciosa apenas implicam a anulação da decisão de indeferimento e, nunca, a anulação do ato tributário de liquidação anteriormente praticado e que não configura o objeto imediato da impugnação judicial.

IV - Do n.º 4 do art.º 57.º do CIRS na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, resulta a existência de um pressuposto, que poderíamos designar por intrínseco, no sentido que é do teor das declarações fiscais apresentadas que deve resultar que estas não são claras ou que nelas se verificam faltas ou omissões. Assim, o ponto de partida de aplicação da referida norma é o conteúdo das próprias declarações apresentadas pelo contribuinte e não a ausência de uma qualquer declaração que nestas devia ter sido por aquele inserta.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência os Juízes Desembargadores que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I – «AA» (Recorrente), melhor identificado nos autos, veio interpor recurso contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga pela qual se negou provimento à impugnação que deduziu contra a decisão de indeferimento da reclamação graciosa intentada contra a liquidação adicional de IRS de 2005 e contra esta última.

No presente recurso, o Apelante apresenta as seguintes conclusões:
I – O recorrente não só impugnou a liquidação adicional, como também o acto que indeferiu a sua reclamação graciosa, pelo que, deveria o mmo. juiz a quo ter considerado (conforme aliás bem defendeu o Ilustre Procurador Ajunto no seu parecer de fls...) que, estando subjacente à liquidação e à não aceitação da declaração de substituição o entendimento da Administração Fiscal de que a não apresentação do anexo G equivale à não apresentação da declaração, impunha-se o cumprimento do nº 3 do artº 76º do CIRS e, nessa medida, não o tendo aquela feito, haveria que considerar-se a ilegalidade da liquidação por violação de formalidades essenciais, ou, concluindo o mmo. juiz a quo que “a falta de apresentação do anexo G ..., não pode ser considerada falta de apresentação da declaração a que alude o nº 3 do artº 76º do CIRS”, indo então de encontro à posição defendida pelo requerente em sede de audição prévia, deveria ter considerado não existir fundamento para o indeferimento da reclamação graciosa e nessa medida, deveria ter anulado tal acto, com as consequências daí decorrentes.
II – A Administração Fiscal sabia que o recorrente tinha declarado a intenção de reinvestir, sabia que o mesmo apresentou as declarações de rendimentos dos dois anos seguintes sem estarem acompanhadas dos anexos respectivos e mesmo admitindo que as mesmas poderiam padecer de quaisquer faltas ou omissões (falta do anexo), não notificou o recorrente para prestar os esclarecimentos devidos mas sim e apenas da liquidação adicional, pelo que, deveria o mmo. juiz a quo ter considerado aplicável, e nessa medida, violado o nº 4 do artº 57º do CIRS e, consequentemente, declarada ilegal a liquidação efectuada.
III – O despacho de indeferimento da reclamação graciosa impugnado foi proferido em 19.01.2010, tendo a declaração de substituição, sido apresentada, em simultâneo com o requerimento onde o recorrente exerceu o direito de audição na data de 15.01.2010, isto é, quatro dias antes da prolação do despacho de indeferimento, tendo o recorrente, no referido requerimento de exercício de direito de audição, expressamente referido no seu artº 5º que “lapso foi já corrigido nesta data, com a apresentação da declaração de substituição...”, pelo que, quando a administração fiscal proferiu o despacho de indeferimento, tinha já em seu poder elementos que lhe permitiam dar cumprimento ao artigo 65º do CIRS, procedendo nomeadamente ao apuramento exacto dos rendimentos, dessa forma incumprindo com o preceituado no artº 65º do CIRS.
Termina o Recorrente pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, modificando-se a decisão recorrida.
Apesar de regularmente notificada para o efeito, a Recorrida (RFP) não apresentou contra-alegações.
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A Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal apresentou parecer defendendo que se deveria considerar improcedente o presente recurso (cf. fls. 97 e segs.– paginação do processo em suporte físico).

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II – Em primeira instância, no que à factualidade diz respeito, decidiu-se que se encontrava provado que:
1. Relativamente ao ano de 2005, o impugnante, no anexo G do modelo 3 – mais-valias – no quadro 5, campo 504, declarou o valor de realização que pretende reinvestir (sem recurso ao crédito) – o valor de 100 000 € (fls.14 e 15 dos autos;
2. Em 24.06.2008 e em 20.05.2008, o impugnante, apresentou as declarações de rendimentos dos anos de 2006 e 2007, sem o anexo G, não declarando qualquer reinvestimento do prédio alienado em 2005 (facto provado por acordo);
3. Em 22.06.2009, a Administração Fiscal procedeu à demonstração da liquidação de IRS, relativa ao ano de 2005, nº ...28, no montante de 6 037,11 €, tendo sido apurada na demonstração do acerto de contas o valor de 4 877,75 €, cuja data de pagamento voluntário terminava em 29.07.2009 (fls.11 e 12 dos autos);
4. Em 15.07.2009, o Impugnante, deduziu reclamação graciosa, vindo alegar o reinvestimento numa habitação que construiu (fls.12 dos autos)
5. Em 22.12.2009, através do ofício n.º ...76, foi o impugnante notificado, para exercer o direito de audição prévia, relativo ao projecto de indeferimento (fls. 13 dos autos)
6. Em 15.01.2010, o impugnante, exerceu o direito de audição prévia (fls.16 e 17 dos autos);
7. Por despacho do Chefe de Finanças de 19.01.2010, foi indeferido a reclamação graciosa, (fls. 18 e 19 dos autos);
8. Em 15.01.2010, o impugnante apresentou declaração de substituição do modelo 3, do IRS, relativo ao ano de 2007, tendo no campo 5 de reinvestimentos, no quadro 508 declarou o valor de 61 329,89 € (fls. 24 e 25 do autos);
9. Em 10.02.2010 foi deduzida a presente impugnação.
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No que diz respeito aos factos não provados, na sentença recorrida considerou-se que:
«Nada mais resulta provado com interesse para a presente decisão.»
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Relativamente à apreciação e motivação da matéria factual, exarou-se na sentença apelada que:
«Formou-se a convicção do Tribunal na consideração dos factos provados no teor dos documentos constantes dos autos e do processo administrativo, apensos por linha.
O facto constante do ponto [2], foi provado por acordo, por não ser controverso conforme é admitido no art.º 9 da petição inicial.»

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Ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 662.º do CPC ex vi art.º 281.º do CPPT, adita-se à matéria de facto o seguinte:
7A – O despacho referido no n.º 7, assentou na informação dos serviços da AT, datada de 19.01.2010, da qual se retira que:
“[…]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[…]”
- cf. doc. a fls. 18 a 19 dos autos – paginação do processo em suporte físico.
8A – Na declaração referida no n.º 8 constam como sujeitos passivos «A» e «B», respetivamente «AA» e «BB», com dois dependentes e, no anexo «G» no campo «5B», relativo à «identificação matricial do imóvel objecto de reinvestimento», consta sob os campos «505 ou 506 a 508», o prédio da freguesia ..., do tipo «U», sob o artigo .....4, apresentando-se como titular inscrito o sujeito designado por «C» - cf. doc. a fls. 24 a 25 dos autos – paginação do processo em suporte físico.

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III – Questões a decidir.
No presente recurso, cabe aferir das questões suscitadas pelo Recorrente, no que diz respeito aos erros de julgamento apontados à sentença recorrida, designadamente no que concerne à interpretação do disposto no n.º 4 do art.º 57.º e n.º 3 do art.º 76.º, ambos do CIRS.

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IV – Da apreciação do presente recurso.
Constitui objeto do presente recurso a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que negou provimento à impugnação intentada pelo Recorrente, direcionada contra o indeferimento da reclamação graciosa intentada contra a liquidação adicional de IRS do ano de 2005.
A liquidação supra referida surgiu na sequência dos serviços da AT terem considerado que tendo o Recorrente declarado no citado ano civil a intenção de reinvestir as mais valias resultantes da venda de um imóvel destinado a habitação, não veio a declarar no dois anos imediatamente seguintes a operação de efetivo reinvestimento, não tendo, para o efeito, apresentado o necessário anexo «G»
Cumpre, deste modo, apreciar e decidir as questões suscitadas na presente apelação de acordo com a ordem de conhecimento lógico das mesmas.
Inicialmente convém referir que na petição inicial o então Impugnante esgrimiu várias invalidades que afetavam, quer a declaração adicional de IRS propriamente dita, quer a decisão que se debruçou sobre a reclamação graciosa que aquele apresentou e que veio a ser indeferida.
Ora, na sentença recorrida, não se fez a destrinça entre as duas situações, tendo o tribunal de primeira instância as considerado como se de uma só se tratasse. Porém, em rigor, são questões distintas as potenciais invalidades do ato de liquidação e as eventuais invalidades de que possa padecer a decisão final proferida no âmbito de uma reclamação graciosa. Ora, tem neste ponto o Recorrente razão quando alega no n.º 11 da motivação e na conclusão I que tal destrinça não foi feita pelo Tribunal recorrido.
Assim, como se referiu no acórdão desta instância, datado de 16.09.2019, proferido no processo n.º00643/10.4BEPNF (in www.dgsi.pt):
“[…]
Conforme vem sendo entendido de modo uniforme e constante pelo STA, embora a decisão de indeferimento constitua o objeto imediato da impugnação judicial e o ato tributário de liquidação o seu objeto mediato, tal distinção é irrelevante, porque ambos integram o âmbito de conhecimento do tribunal (acórdãos STA SCT 6.01.96 processos n°s 20519 e 24803; 7.06.2000 processo n° 21556; 16.06.2004 processo n° 1877/03).
Os vícios do procedimento de reclamação graciosa apenas implicam a anulação da decisão de indeferimento e, nunca, a anulação do ato tributário de liquidação anteriormente praticado e que não configura o objeto imediato da impugnação judicial (cf. acórdão STA SCT 16.06.2004 processo n° 1877/03). Na verdade, trata-se de um vício ocorrido em momento posterior à efetivação da liquidação, que nunca poderia projetar efeitos invalidantes sobre um ato tributário que o antecede.
[…]”
Na presente situação, convém referir que da leitura da conclusão III do presente recurso, ainda que complementada pelo alegado pelo Recorrente nos números 19.º e seguintes da respetiva motivação, constatamos que não é devidamente densificado qualquer erro de julgamento na sentença apelada, no que concerne à questão que coenvolve a alegada circunstância de ter sido apresentado o anexo «G» em falta ainda no decurso do procedimento de reclamação. Assim, o que está sim devidamente densificado na aludida conclusão e na motivação que a suporta é, antes, a eventual invalidade da atuação da AT.
Porém, o atual art.º 627.º nº 1 do CPC define que o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando-se assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode, em sede de recurso, apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada ou a existência de um vício que não tenha sido tempestivamente suscitado (isto, claro está, sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso ou da possibilidade de eventual conhecimento em substituição por parte do Tribunal de recurso). Assim, no presente recurso, não se pode apreciar a questão colocada no ponto III das respetivas conclusões, pelo que, quanto ao apontado ponto, terá que improceder o presente recurso.
Assim, cabe apreciar as demais questões suscitadas na presente apelação, ou mais concretamente as desenhadas nas conclusões I e II.
Deste modo, o Recorrente invoca que na sentença recorrida se deveria ter considerado que tendo a AT afirmado que a não apresentação do anexo «G» equivaleria à não apresentação da declaração então, logicamente, deveriam os serviços da AT ter dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do art.º 76.º do CIRS. Tal circunstância, na ótica do Apelante, deveria conduzir à anulação da liquidação em causa, assim como à anulação da decisão de indeferimento da reclamação que apresentou.
Assim, à data dos factos, mais concretamente relativamente ao ano em que deveria ter sido apresentado o anexo «G», dispunha o n.º 3 do art.º 76.º do CIRS que: “Quando não seja apresentada declaração, o titular dos rendimentos é notificado por carta registada para cumprir a obrigação em falta no prazo de 30 dias, findo o qual a liquidação é efectuada, não se atendendo ao disposto no artigo 70.º e sendo apenas efectuadas as deduções previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo 79.º e no n.º 3 do artigo 97.º” (norma aditada pelo artigo 46º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12). Ora, se atentarmos na informação que sustenta o despacho de indeferimento da reclamação graciosa aqui em causa, podemos constatar que a referência feita à apontada norma não vai acompanhada de qualquer juízo identitário entre a falta da entrega do anexo «G» e a falta de entrega tout court da declaração de rendimentos. O que antes se diz é que a norma em causa, tem circularmente definidas um conjunto de situações que lhe serão aplicáveis e nada mais. Mas, mesmo que assim não se considerasse, a verdade é que da interpretação daquela norma o que se colhe é que a mesma se destina aos casos de não apresentação de declaração de rendimentos, não abrangendo a sua estatuição a eventual falta da entrega dos anexos que daquela deverão constar.
Por outro lado, o n.º 4 do art.º 76.º do CIRS, na redação já em vigor à data dos factos, dispunha que: “Em todos os casos previstos no n.º 1, a liquidação pode ser corrigida, se for caso disso, dentro dos prazos e nos termos previstos nos artigos 45.º e 46.º da lei geral tributária.” (norma aditada pelo artigo 46º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12). Ora, in casu, tal significa que o Recorrente não se podia prevalecer do estatuído nesta norma, atenta a data em que apresentou a declaração de substituição com o anexo alegadamente em falta, uma vez que já havia decorrido o prazo de caducidade quando tal ocorreu.
Por isso, também neste ponto, terá que naufragar o presente recurso, concluindo-se que a sentença recorrida não enferma de erro de julgamento quando implicitamente considerou que a decisão da reclamação graciosa não enfermava do apontado vício.
Finalmente o Apelante afirma que a própria liquidação aqui em causa afrontou o disposto no n.º 4 do art.º 57.º do CIRS, sendo que o Tribunal recorrido ao assim não considerar violou a apontada norma. Assim, dispunha então o n.º 4 do art.º 57.º do CIRS Redação dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho.
que: “4 - Sempre que as declarações não forem consideradas claras ou nelas se verifiquem faltas ou omissões, a Direcção-Geral dos Impostos notifica os sujeitos passivos ou os seus representantes para, por escrito, e no prazo que lhes for fixado, não inferior a 5 nem a superior a 15 dias, prestarem os esclarecimentos indispensáveis.”
A questão que agora se coloca é a de saber se na sentença recorrida se errou quando se considerou, em síntese, que a previsão do n.º 4 do art.º 57.º do CIRS não era aplicável ao caso concreto, uma vez que “[…] não tendo o impugnante apresentado o anexo G, a Administração Fiscal, não se deparou com qualquer falta de clareza, ou omissão ou irregularidade, pelo que não se aplica ao caso concreto, o referido preceito […]” (cf. pag. 4 da sentença recorrida).
Assim, a questão que ora se levanta é a de saber como interpretar a referida norma.
Por isso, de acordo com o n.º 1 do art.º 11.º da LGT, impõe-se aqui ao intérprete o recurso às regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis, designadamente aqueles que vão vertidos no art.º 9.º do CC.
Ora, como escreve P. Soares Martinez in «Direito Fiscal»: “Também o interprete das normas fiscais, como o de quaisquer outras normas jurídicas, tem de fixar o respectivo sentido, conjugando o «elemento gramatical» com o «elemento lógico», ou «teleológico», incluindo os aspectos racional, sistemático e histórico, e acabando por concluir umas vezes pela coincidência entre a letra e o espírito da norma (interpretação declarativa), outras vezes pela preferência em relação a um sentido restritivo, outras ainda pelo predomínio de um sentido extensivo”.
Também a este propósito se cita Leite de Campos, Benjamim S. Rodrigues e Jorge L. de Sousa, in «Lei Geral Tributária Anotada e Comentada», 4.ª Ed., 2012, pag. 120: “[…] Hoje parece assente, na generalidade dos Direitos europeus, que as normas tributárias se interpretam de acordo com os princípios gerais de hermenêutica jurídica . Isto significa que: perante os brocados "in dubio pro fisco" ou "in dubio contra fisco"; contra correntes que afirmam uma interpretação restritiva ou exclusivamente literal das normas tributárias; contra aqueles que entendem que as isenções devem ser aplicadas de modo literal sem "interpretação”, ou serem extensiva ou restritiva - prevalece a aplicação dos critérios reconhecidos pelo artigo 9.° do Código Civil, no âmbito tributário .
Daqui resulta que, sem afastar a letra da lei, que tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, se exclui a sua aplicação automática, supondo que nas leis há uma racionalidade operante que o intérprete se deve esforçar por reconstruir.
Embora seja certo que, em termos gerais, a única realidade objectiva é constituída pelas normas legais representadas no tecido lógico - textual, exteriorizadas na formulação feita.
Assim, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintáctico-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso.
Verifica-se, pois, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objecto que se pretenda atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apareça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objecto deve considerar-se não significado.
Mas, para além destas afirmações, que estão presentes em qualquer hermenêutica jurídica, vigoram "também" todas as outras regras da hermenêutica jurídica […]”.
Dito isto, podemos desde logo constatar que o n.º 4 do art.º 57.º do CIRS na redação supra indicada apresenta um pressuposto que poderíamos designar por implícito e que traduz na circunstância de que é do teor das declarações apresentadas em si mesmas consideradas que resulta que estas não são claras ou nelas se verificam faltas ou omissões. Assim, o ponto de partida de aplicação da referida norma é o conteúdo das próprias declarações apresentadas pelo contribuinte e não a ausência de uma qualquer declaração que nestas devia ter sido por aquele inserta. Assim, a referida norma não pode ser aplicada ao caso concreto, tal como se decidiu na sentença recorrida, na medida em que a ausência de apresentação do anexo «G» em devido tempo por parte da Recorrente, não é algo que a AT pudesse inferir das declarações de rendimentos apresentadas e relativas aos dois anos imediatamente seguintes a 2005.
Por isso, neste ponto terá também que improceder o presente recurso.
Deste modo, ter-se-á que confirmar o sentido decisório da sentença recorrida, ainda que com os presentes fundamentos.
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Nos termos do n.º 7 do art.º 663.º do CPC, formula-se o seguinte sumário:
I - Como refere o atual art.º 627.º nº 1 do CPC o âmbito do recurso é delimitado pela própria decisão recorrida, limitando assim, objeto do mesmo. Deste modo, em princípio, não se pode em sede de recurso apreciar a validade dos atos impugnados em si mesma considerada ou a existência de um vício que não tenha sido tempestivamente suscitado (isto sem prejuízo das questões que possam ser do conhecimento oficioso por parte do Tribunal de recurso).
II - Vem sendo entendido de modo uniforme e constante pelo STA que embora a decisão de indeferimento constitua o objeto imediato da impugnação judicial e o ato tributário de liquidação o seu objeto mediato, tal distinção é irrelevante, porque ambos integram o âmbito de conhecimento do tribunal.
III - Os vícios do procedimento de reclamação graciosa apenas implicam a anulação da decisão de indeferimento e, nunca, a anulação do ato tributário de liquidação anteriormente praticado e que não configura o objeto imediato da impugnação judicial.
IV - Do n.º 4 do art.º 57.º do CIRS na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 198/2001, de 3 de julho, resulta a existência de um pressuposto, que poderíamos designar por intrínseco, no sentido que é do teor das declarações fiscais apresentadas que deve resultar que estas não são claras ou que nelas se verificam faltas ou omissões. Assim, o ponto de partida de aplicação da referida norma é o conteúdo das próprias declarações apresentadas pelo contribuinte e não a ausência de uma qualquer declaração que nestas devia ter sido por aquele inserta.

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V – Com os fundamentos supra expostos, nega-se provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida com os presentes fundamentos.

Custas pelo Recorrente (por vencido).

Registe e Notifique.

Porto, 27 de abril de 2023

Carlos A. M. de Castro Fernandes
Tiago A. Lopes de Miranda
Cristina da Nova