Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00233/21.6BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/24/2023
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Helena Ribeiro
Descritores:FIXAÇÃO DE PENSÃO;
DÍVIDA DE CONTRIBUIÇÕES;
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:1.A fundamentação do ato administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo ato, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado.
Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente, de forma a permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do ato, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório.

2.Estando em causa a prolação de uma decisão por parte da CGA que não se limitou a fixar o montante da pensão devida ao beneficiário por morte da sua mulher, como fixou ainda um valor em dívida, mas remetendo para um conjunto de documentos informatizados, de que constam quadros, datas, períodos de tempo, valores, letras individuais e siglas, desacompanhadas de qualquer legenda que permita minimamente compreender a integralidade da decisão, dos quais não se retira a informação necessária para que seja possível compreender a forma como foi calculado o valor em dívida, nem os normativos aplicados na fixação da mesma, é evidente a falta de fundamentação de que padece o ato impugnado neste segmento.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo:

I. RELATÓRIO
1.1.AA, viúvo, contribuinte fiscal n.º ..., residente na Avenida ..., ..., ... ..., moveu a presente ação administrativa (de impugnação de ato administrativo), contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P. – CGA, I.P. com sede na Av. João XXI, n.º 63, 1000-300 Lisboa, pedindo a anulação da decisão da Direção Geral da Caixa Geral de Aposentações, I.P. de 16/12/2020, no segmento em que procedeu à fixação de um valor em dívida à CGA, correspondente a prestações não efetuadas pela sua esposa, entretanto falecida, no montante de € 19.351,78, para que possa receber o valor total da pensão de sobrevivência no montante de € 1.109,66.
Para tanto, alegou, em síntese, que foi notificado da decisão de fixação do valor em dívida, por ofício da CGA, I.P., de 16/12/2020, desacompanhado do despacho de 16/12/2020 a que faz referência, e sem qualquer informação que o sustente;
O autor, atualmente com 82 anos de idade, casou em .../.../1965, em primeiras núpcias, com BB;
A esposa do autor faleceu em .../.../2020, com 85 anos de idade e durante a sua vida foi funcionária pública- professora-, tendo-lhe sido fixada, em data que o autor não consegue concretizar, pensão de aposentação, em virtude de ter prestado 36 anos de serviço com descontos para a Caixa Geral de Aposentações, I.P. e cujo valor à data do seu óbito se fixava em € 2.219,31;
Por requerimento de 03/12/2020, remetido à CGA, I.P., a 10/12/2020, o autor requereu a pensão de sobrevivência, na sequência do falecimento da sua esposa;
A 26/12/2020 o autor tomou conhecimento do teor do ofício da CGA, I.P., com a referência ....213721/01, datado de 16/12/2020, do qual consta a informação que lhe foi fixada uma pensão de sobrevivência no valor de € 1.109,66, com efeitos reportados à data de 01/12/2020, e a imposição de uma dívida no valor de € 19.351,78, a pagar em 60 prestações (5 anos), sendo uma no valor de € 323,10 e 59 no valor de € 322,52;
Tal notificação não vinha acompanhada de qualquer informação ou sequer da decisão da Direção da CGA, I.P. de 16/12/2020;
Através de contacto telefónico com a CGA,I.P., o autor apurou que o ofício em questão se reporta a uma suposta dívida por falta de descontos para a sobrevivência, tendo o autor pedido à ré mais esclarecimentos;
Não tendo obtido resposta, o autor remeteu à ré nova carta, em 05/04/2021, manifestando a sua indignação com a existência dessa alegada dívida da sua esposa, que ambos desconheciam que existia, renovando o pedido de esclarecimentos quanto aos meses e anos a que a dívida se reporta, o procedimento administrativo a que respeita, as diligências administrativas e legais que foram concretizadas com conhecimento do responsável do pagamento com vista à cobrança da referida dívida, mas sem ter obtido resposta;
Em fevereiro de 2021, e nos meses seguintes de março, abril e maio, a CGA, I.P. descontou da pensão de sobrevivência fixada ao autor, o montante de € 322,52, correspondente à terceira, quarta e quinta prestações da alegada dívida existente;
Mais alega ser manifesto não estar esclarecido quanto aos fundamentos de facto e de direito subjacentes à alegada dívida, de modo a poder formar uma convicção sobre a respetiva (i)legalidade;
O ato em questão é lesivo dos direitos e interesses legalmente protegidos do autor, impondo-lhe encargos, por lhe reduzir o valor da pensão de sobrevivência que lhe foi fixada por morte da sua esposa;
O referido ato administrativo vertido na notificação da CGA, I.P remetida ao autor, datada de 16/12/2020, padece de falta de fundamentação, e ainda de vício decorrente da violação do direito de audiência prévia, previsto no artigo 121.º e seguintes do CPA;
Invoca em seu beneficio a fundamentação do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 27/11/2020, no processo n.º 01043/..., que se debruça sobre a conduta da CGA, I.P em processo semelhante ao dos presentes autos;
Acrescenta que o ato de fixação de uma pensão e a enunciação de eventuais dívidas de quotizações carece de especial fundamentação, nos termos do artigo 268.º, n.º 3 da CRP, 152.º n.º 1 a) e 153.º do CPA, de forma a permitir à autora compreender quais as operações e cálculos subjacentes à dedução de um valor mensal, durante cinco anos, da sua pensão de sobrevivência. E que o ofício da ré não esclarece qual a origem da dívida, que valores foram considerados para o seu cálculo e desde quando foram considerados, não se compreendendo os pressupostos em que assentam as referências contidas no ofício;
Em consequência não está em condições de analisar e avaliar a (i)legalidade do ato e de deduzir a adequada defesa;
Adianta que em 21/06/2021, após a entrada da p.i. em juízo, o autor tomou conhecimento de ofício da CGA, com a referência ....312721.01, datado de 14/06/2021, em resposta à carta datada de 31/03/2021 que remeteu à CGA, continuando por esclarecer o itinerário de facto e de direito percorrido pela entidade demandada na fixação da referida dívida.
Conclui pedindo que a ação seja julgada procedente e, em consequência, seja anulado o ato administrativo ora impugnado.
1.2. Citada, a entidade demandada, CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, I.P., contestou a ação, alegando, em suma, que o autor pretende que a ré lhe assegure o pagamento a 100% da sobrevivência requerida, sem que, para tal, tenha que pagar à CGA as quotas respeitantes ao tempo de serviço que relevam para o cálculo da pensão de sobrevivência que lhe foi atribuída, mas sem razão.
Sustenta, para o efeito, que o regime de pensão de sobrevivência do funcionalismo público, instituído pelo Decreto-lei n.º 24 046, de 21.06.1934, deixava à iniciativa dos interessados a adesão à mesma o que originava insuficiente cobertura dos familiares, em caso de morte do contribuinte.
Com o Decreto-lei n.º 142/73, de 31.03, que estabeleceu o Estatuto das Pensões de Sobrevivência (EPS), foi instituída a obrigatoriedade da contribuição dos servidores do Estado, em função de percentagem da remuneração auferida, passando, a pensão de sobrevivência a corresponder a metade da pensão de aposentação auferida pelo funcionário à data da sua morte ou a que teria direito se fosse aposentado nessa data.
O referido decreto-lei manteve em vigor o regime instituído pelo decreto-lei n.º 24046 de 21 de junho, permitindo aos seus contribuintes a adesão facultativa ao novo Estatuto das Pensões de Sobrevivência.
O decreto-lei n.º 343/91, de 17 de setembro, veio harmonizar os dois regimes de sobrevivência dando nova redação ao capítulo VII do decreto-lei nº 142/73 quanto à aplicação do EPS aos contribuintes do regime do decreto-lei n.º 24 046, de 21.06.
No caso, BB nunca requereu à CGA a retroação da inscrição e de contagem de tempo nos termos do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31.03, razão pela qual nunca lhe foi solicitado a regularização das quotizações em falta.
Assim, de acordo com o estabelecido nos artigos 61.º e seguintes do Decreto-lei n.º 142/73, de 31.03, ao requerer a pensão de sobrevivência, o autor acionou a retroação da contagem do tempo que a sua esposa beneficiou do regime do Decreto-lei n.º 24 046, de 21 de junho de 1934.
Por essa razão, para o autor beneficiar da pensão de sobrevivência é necessária a liquidação das quotas em dívida que ascendem ao valor global de € 19.351,78.
Não sendo crível que o autor pretenda ter uma pensão de 1.800$00 correspondente às quotas mensais de 15$00, pagas por BB, nos termos do disposto no artigo 2.º do Decreto-lei n.º 24 046, de 21 de junho de 1934, sendo certo que a lei impõe que apenas releve no cálculo da pensão de sobrevivência o tempo de serviço em relação ao qual tenham sido ou venham a ser pagas quotas nos termos do artigo 11.º do EPS.
Podendo a retroação da contagem de tempo de serviço ser requerida a todo o tempo, gerando assim a obrigação de liquidação de valores em dívida, nos termos do artigo 6.º e do n.º 2 do artigo 61.º do Decreto-Lei n.º 142/73, de 31 de março.
A dívida de quotas está corretamente calculada não padecendo o despacho impugnado de qualquer vício.
Pede a improcedência da ação e a absolvição da ré do pedido.
1.3. Em 15/05/2022, a 1.ª Instância proferiu decisão em que fixou o valor da ação em € 19.351,78 (dezanove mil, trezentos e cinquenta e um mil euros e setenta e oito cêntimos), nos termos do artigo 32.º n.º 2 do CPTA, e julgou a ação procedente, cujo dispositivo é o seguinte:
«Tudo visto e ponderado, e com base nos fundamentos expostos, julga-se procedente a presente ação, anulando-se a decisão da Caixa Geral de Aposentações, I.P., de 16.12.2020, no segmento em que procedeu à fixação de um valor em dívida à CGA, correspondente a prestações não efetuadas pela esposa do autor, entretanto falecida, no montante de € 19.351,78 e respetivo plano de pagamento, com as legais consequências.
Custas a cargo da entidade demandada.
Notifique e registe»
1.5. Inconformada com a decisão assim proferida, a Ré CGA interpôs o presente recurso de apelação em que formula as seguintes Conclusões:
«1.ª A CGA considera que a decisão proferida nestes atos em 2022-05-15 deve ser substituída, por duas ordens de razões: (1) - porque ao decidir anular o ato administrativo apenas na parte em que procedeu à fixação de uma dívida correspondente a descontos não efetuados pela falecida esposa do Recorrido, o Tribunal não ponderou devidamente que essa anulação parcial afeta necessariamente o ato administrativo no seu todo; e (2) - porque, na perspetiva da CGA, uma análise mais detalhada dos Factos Assentes – mais concretamente quanto ao conteúdo dos pontos 12, 13 e 14 da Matéria Assente – teria permitido ao Tribunal a quo concluir que a CGA transmitiu ao Recorrido a informação sobre a forma como foi calculado o valor em dívida bem como quais os normativos aplicados na fixação da mesma.
2.ª A CGA reconhece que estamos perante uma matéria jurídica complexa, que requer um esforço acrescido para a correta apreensão e aplicação do quadro normativo que lhe está subjacente. Foi, aliás, consciente dessa realidade que a CGA dirigiu ao Recorrido o ofício ...22, de 2022-08-08, que – adicionalmente à informação anteriormente transmitida – teve por objetivo explicitar, da forma mais detalhada possível, os fundamentos subjacentes à dívida apurada, as operações e fórmula de cálculo da mesma e o modo como foi obtido o seu valor final (ofício cujo conteúdo se considera ser de levar ao conhecimento deste Tribunal, através da sua junção à presente peça processual, para os efeitos previstos na parte final do n.º 3 e n.º 4 do art.º 8.º do CPTA e por se afigurar relevante a informação nele contida).
3.ª Ao decidir anular o ato administrativo apenas na parte em que se procedeu à fixação de uma dívida de retroação correspondente a descontos não efetuados pela falecida esposa do Recorrido, para o regime do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (EPS), o Tribunal não ponderou que essa anulação parcial afeta o ato administrativo no seu todo.
4.ª Como a CGA sempre salientou nestes autos (o que consta retratado na página 15 e 16 da Sentença recorrida) o direito ao recebimento de 100% da pensão de sobrevivência requerida depende do pagamento à CGA das quotas que relevam para o cálculo daquela pensão. Ou seja, o pagamento da dívida fixada constitui uma condição necessária à atribuição da pensão de sobrevivência prevista no EPS, o que decorre do n.º 2 do art.º 28.º daquele Estatuto.
5.ª A pensão de sobrevivência fixada no ato parcialmente anulado considera todo o tempo de carreira necessário à sua concessão nos termos do EPS, como se a dívida de quotas já estivesse integralmente liquidada. Caso não tivesse sido efetuada a retroação, aquela pensão teria de ser calculada à luz do disposto no n.º 2 do art.º 28.º do EPS, onde se prevê expressamente que Se os tempos referidos no número anterior não forem coincidentes ou se o contribuinte não for subscritor da Caixa Geral de Aposentações, a pensão de sobrevivência será igual a metade da pensão de aposentação ou de reforma que corresponderia ao tempo de inscrição no Montepio.”.
6.ª Ou seja, sem a consideração dos períodos sobre os quais recaiu o apuramento da dívida de quotas para o regime do EPS, haveria lugar a uma pensão correspondente a apenas 5 anos, 8 meses e 28 dias de descontos considerados para o regime do EPS (como decorre do segundo documento reproduzido no ponto 14 da Matéria de Facto Assente).
7.ª Por outro lado, ao considerar admissível o direito ao recebimento de 100% da pensão de sobrevivência, requerida e fixada nos termos do EPS, mas sem que se mostrem regularizadas as quotas nos termos dos art.ºs 24.º e 61.º do EPS, a decisão recorrida consubstancia, ainda uma violação clara do princípio da contributividade, previsto nos artigos 54.º, 61,º, 62.º e 63.º da Lei de Bases de Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e uma violação ao princípio da igualdade, afirmado pelo art.º 13.º da CRP, na medida em que é suscetível de colocar um cidadão numa situação de privilégio (permitindo-lhe beneficiar da totalidade de uma pensão sem o pagamento das quotas de que depende a sua atribuição) relativamente a outros pensionistas cujas pensões de sobrevivência implicaram o prévio apuramento de dívidas de quotas como condição de atribuição.
8.ª Estamos perante uma questão jurídica que carece de ser analisada com grande prudência e ponderação, não sendo despiciendo referir que a decisão recorrida não refletiu sobre a existência de muitos outros utentes da CGA que, no passado, ainda em vida e muitos deles ainda durante o exercício da sua atividade laboral, requereram a retroação prevista no art.º 24.º e 61.º do EPS, no sentido de habilitarem os seus herdeiros a uma pensão de sobrevivência fixada nos termos do EPS. O que não ocorreu no caso vertente.
9.ª Sobre o vício de falta de fundamentação, a aqui Recorrente considera que uma análise mais detalhada do conteúdo dos pontos 12, 13 e 14 da Matéria Assente teria permitido ao Tribunal a quo concluir que a CGA transmitiu ao Recorrido a informação sobre a forma como foi calculado o valor em dívida bem como quais os normativos aplicados na fixação da mesma.
10.ª De facto, como resulta do ponto 12 dos Factos Assentes, a CGA informou o Recorrido, em 2021-06-14, que “A regularização dessa situação é feita de acordo com o disposto no art.º 61º do referido Estatuto tendo relevado para o cálculo da dívida a pensão da falecida e a taxa vigente na data do óbito”.
11.ª E como resulta do ponto 13 dos Factos Assentes, a CGA informou, também, que “...no cálculo da dívida por retroação foi considerado o valor da pensão de aposentação (€ 2.219,31) e a taxa de 3% vigente à data do falecimento de BB, nos termos do disposto nos artigos 14.º, 24.º, 61.º e 62.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, conjugado com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro...”.
12.ª Quanto aos períodos sobre os quais recaiu o apuramento da dívida de quotas, o próprio Tribunal não teve dúvidas que da análise ao ofício reproduzido em 7 dos Factos Assentes “...resulta efetivamente claro o montante da dívida apurada, o tempo considerado para o efeito e o plano de pagamentos estabelecido pela entidade demandada.” (cfr. página 19 da Sentença)
13.ª Assim, os pontos 7, 12 e 13 da Matéria Assente provam que a CGA transmitiu ao Recorrido que no cálculo da dívida por retroação foi considerado: (1) - o valor da pensão de aposentação auferida pela Sra. BB à data do óbito (€ 2.219,31); (2) - a taxa de 3%, corresponde à percentagem de quota vigente à data do falecimento; e (3) - os períodos temporais sobre os quais recaiu o apuramento da dívida apurada.
14.ª E os pontos 12 e 13 da Matéria Assente demostram, ainda, que a CGA transmitiu ao Recorrido, de forma expressa, quais as normas legais subjacentes à dívida apurada.
15.ª Pelo que, uma vez que os Factos Assentes demonstram que os fundamentos da dívida apurada como condição de atribuição da pensão de sobrevivência nos termos do EPS foram concretamente transmitidos e que foram igualmente identificados os normativos relevantes na fixação da mesma, considera a CGA que o ato não padece de falta de fundamentação.
Nestes termos e com o douto suprimento de V. Ex.ªs deve a Sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue a ação improcedente.»
1.6. O autor contra-alegou, formulando as seguintes Conclusões:
«1.ª A Recorrente ignora que a correcta apreensão e aplicação do quadro normativo vigente e subjacente à matéria jurídica do acto impugnado, respeitante ao enquadramento e atribuição das pensões de sobrevivência, ainda que exija um esforço acrescido, depende necessariamente de uma fundamentação clara e objectiva, que não está de modo algum reflectida no acto impugnado, comunicado ao Autor através do ofício da CGA de 16.12.2022 (cf. ponto 7 dos factos provados), cujo teor é claramente insuficiente para que o interessado, enquanto destinatário normal do acto, possa perceber o iter cognoscitivo e valorativo da entidade demandada na tomada de decisão e, em consequência, possa sindicar, contraditar ou, até, conformar-se com o acto em questão.
2.ª Os documentos referidos nos pontos 12, 13 e 14 da matéria de facto assente tratam-se de documentos informatizados, de que constam quadros, datas, períodos de tempo, valores, letras individuais e siglas, desacompanhadas de qualquer legenda que permita minimamente compreender a integralidade da decisão, pelo que deles não se retira a informação necessária para que seja possível compreender a forma como foi calculado o valor em dívida, nem os normativos aplicados na fixação da mesma, ou seja, o itinerário percorrido pela CGA, IP para o apuramento da existência da alegada dívida.
3.ª A CGA, IP não explicou as operações que fez para chegar à alegada dívida e ao concreto montante apurado, em concreto os cálculos que estão subjacentes à fixação do montante da dita dívida, pelo que é evidente a manifesta falta de fundamentação de que padece o acto impugnado, como se crê também será o entendimento deste Venerando Tribunal.
4.ª O reconhecimento da Recorrente quanto à inequívoca falta de fundamentação da decisão que foi comunicada ao Autor através do ofício de 16.12.2020 – cf. ponto 7. dos factos provados – está bem patente no facto de ter dirigido e enviado ao Recorrido o Documento n.º ... que junta às suas alegações de recurso – ofício ...22, de 08.08.2022 – elaborado após a prolação da sentença, e que alegadamente contém os fundamentos de facto e de direito subjacentes à decisão de fixação da dívida ao Autor, mas que inexistiam no momento da decisão, e que consubstanciam uma pretensa fundamentação a posteriori do acto administrativo aqui em causa.
5.ª No entanto, não estando o acto aqui impugnado devidamente fundamentado, como bem concluiu a sentença a quo, e não sendo legalmente admissível uma fundamentação do acto a posteriori, não só não poderá ser admitida a junção do Documento n.º ... junto às alegações, como terá que ser julgado improcedente o recurso quanto ao invocado erro de julgamento da sentença a quo por ter julgado procedente o vício de falta de fundamentação, nos termos já supra referidos.
6.ª Por outro lado, o Tribunal a quo limitou o seu julgamento aos vícios que o Autor imputou ao acto impugnado, designadamente aos vícios de falta de fundamentação e de preterição do direito de audiência prévia, pois é inequívoco que o Autor tem direito à pensão de sobrevivência, estando aqui em causa nos presentes autos, e para já, alcançar os fundamentos que sustentam a existência de uma alegada dívida à CGA da esposa do Autor entretanto falecida, no montante de €19.351,78, que impossibilita que este aufira a dita pensão a 100%.
7.ª Não estando em causa a legalidade da decisão no segmento em que decidiu pela fixação ao Autor da pensão mensal de sobrevivência no valor de €1.109,66, o Tribunal a quo não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar, sobre a admissibilidade do recebimento de 100% da pensão de sobrevivência por parte do Autor, pelo que terá forçosamente que improceder a alegada violação dos princípios da contributividade e da igualdade imputados à sentença a quo.
8.ª Uma vez que no caso concreto a decisão de fixar um valor em dívida à CGA, correspondente a prestações não efectuadas pela esposa do Autor, entretanto falecida, não está devida e suficientemente fundamentada, como não foi sequer dada a possibilidade ao Autor de se pronunciar sobre a alegada dívida em momento prévio à tomada dessa mesma decisão, do julgamento de procedência dos invocados vícios de falta de fundamentação e de preterição do direito de audiência prévia não poderia resultar outra consequência senão a anulação do acto nesse mesmo segmento, e da qual a CGA terá que retirar as legais consequências.
9.ª Considerando que não se verificam os erros de julgamento assacados à sentença recorrida, nos termos e pelos fundamentos supra expostos, deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, por manifesta falta de fundamentação de facto e de direito atendível, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida, assim se fazendo,
inteira Justiça!»
1.7. O Ministério Público junto deste TCA Norte, notificado nos termos e para efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º1 do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito do recurso.
1.8. Prescindindo-se dos vistos legais, mas com prévio envio do projeto de acórdão aos juízes desembargadores adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
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II- DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO.
2.1.Conforme jurisprudência firmada, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. artigos 144.º, n.º 2 e 146.º, n.º4 do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), 608.º, n.º2, 635.º, nºs 4 e 5 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC ex vi artigos 1.º e 140.º do CPT.
Acresce que por força do artigo 149.º do CPTA, o tribunal ad quem, no âmbito do recurso de apelação, não se queda por cassar a sentença recorrida, conquanto ainda que a declare nula, decide “sempre o objeto da causa, conhecendo de facto e de direito”.
2.2. Assentes nas mencionadas premissas, as questões que se encontram submetidas à apreciação deste TCAN resumem-se a saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em matéria de direito por ter considerado que o ato impugnado enfermava de vício de falta de fundamentação e bem assim, por violação aos princípios da contributividade e da igualdade.
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II. FUNDAMENTAÇÃO.
A.DE FACTO
A 1.ª Instância julgou provados os seguintes factos:
«1. Em 31.05.1961, para efeitos de habilitar os seus herdeiros com pensão de sobrevivência, BB requereu a sua inscrição no Montepio dos Servidores do Estado, tendo iniciado os descontos para a referida entidade em 31.05.1961, descontando a quota mensal de 15$00, referente à 1.ª classe de pensões, até agosto de 1991, passando a descontar 1,5% a partir de setembro de 1991
(cfr. Facto provado por documento - Boletim de inscrição no Montepio dos Servidores do Estado e declaração de fls. 19 e 20 e ofício do Ministério da Educação de fls. 5 todos do processo administrativo a fls. 62-125 do processo eletrónico);
2. Em 02.01.1965, o autor casou, catolicamente, com BB;
(cfr. Facto provado por documento - Assento de Nascimento junto com a p.i. como documento n.º ... a fls. 22-23 do processo eletrónico);
3. Em 24.09.1992, BB, apresentou, na Direção Regional de Educação do Centro, requerimento de aposentação com o seguinte teor:
“...BB, Professora, da Direcção Escolar de Coimbra, com 57 anos de idade e 35 anos de serviço solicita a V. Ex.ª a sua aposentação nos termos do artigo 120.º do ECD aprovado pelo Dec.Lei 139-A/90...”;
(cfr. Facto provado por documento - requerimento de fls. 10 do PA, a fls. 62-125 do processo eletrónico);
4. Aquando da fixação da pensão de aposentação, BB regularizou a dívida referente ao período de 1956-10-01 a 1961-04-01 tendo pago a mesma na totalidade;
(cfr. Facto provado por documento - ofícios de fls. 2 e 5 do PA a fls. 62-125 do processo eletrónico);
5. Em .../.../2020, com 85 anos de idade, faleceu BB;
(cfr. Facto provado por documento - Assento de Óbito junto com a p.i. como documento n.º ... a fls. 24-25 do processo eletrónico);
6. Em 10.12.2020 o autor enviou à entidade demandada, por correio postal registado, requerimento elaborado em 03.12.2020, acompanhado de formulário da entidade demandada, devidamente preenchido, referente ao requerimento de pensão de sobrevivência e ao reembolso das despesas de funeral, com o seguinte teor:
“ASS.: Req. de Pensão de Sobrevivência e Subsídio por Morte da pensionista com número de contribuinte nº ... BB.
Exmos. Senhores:
Com os m/s respeitosos cumprimentos e afim de me habilitar à Pensão de Sobrevivência e ao Subsídio de Morte pelo falecimento da m/ esposa pensionista indicado em assunto, ocorrido no dia .../.../2020, junto envio:
- Requerimento MOD. CGA 02 versão 1.2, preenchido e assinado;
- NIB da conta Bancária;
- Fotocópia do cartão de cidadão da falecida;
- Fotocópia do bilhete de identidade e contribuinte do requerente;
Original da fatura e do recibo referente às despesas c/ o funeral;
- Certidão de nascimento do pensionista c/ óbito averbado...”;
(cfr. Facto provado por documento - requerimento junto como documento n.º ... da p.i., de fls. 26-31 do processo eletrónico);
7. Em 16.12.2020, pela Caixa Geral de Aposentações, I.P., foi elaborado ofício com a referência ....213721/01, endereçado ao aqui autor, com o seguinte teor:
“Assunto: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
Utente n.º: 213721/00 Nome: BB
Informo V.Exa. de que, por despacho de 2020-12-16, da Direcção da CGA (proferido por delegação de poderes publicada no Diário da República II Série, n.º 244 de 2019-12-19) foi-lhe fixada a pensão mensal de € 1109,66, valor correspondente a 100% da pensão de sobrevivência, sendo esta igual a metade da pensão de aposentação/reforma que competia ao utente em destaque em 2020-11-18.
Tempo CGA: 36a 00m
Tempo CNP: 00a 00m
Tempo Considerado: 36ª 00m
Pensão de Aposentação: € 2219,31
Pensão de Sobrevivência em 2020-11-18: €1109,66
A pensão reporta-se a 2020-11-18, sendo V.Exa., oportunamente, informado da data do respetivo pagamento.
O montante global dos descontos que não se encontram pagos, necessários para que a pensão de sobrevivência seja igual a metade da pensão de aposentação/reforma a que o falecido tinha/teria direito, é o seguinte:
Valor global da dívida: € 19351,78
Tempo 24a 3m 02d
Períodos:
De 1961-05-01 a 1984-12-31
De 1985-01-01 a 1989-12-28
De 1989-12-29 a 1991-08-31
Plano de pagamento da dívida que lhe compete em função da pensão a que tem direito: 1 de € 323,10 e 59 de € 322,52
Data efeito 2020-12-01
Valor € 1109,66 (...)”
(cfr. Facto provado por documento - Documento n.º ... junto com a pá a fls. 20-21 do processo eletrónico);
8. O ofício aludido no ponto anterior foi enviado ao autor, desacompanhado do despacho a que faz referência e de qualquer outra informação ou documento;
(facto provado por acordo);
9. Em 06.01.2021, a entidade demandada emitiu, em nome do autor, documento de processamento de pensão de sobrevivência, a creditar no valor líquido de € 1.926,02, onde consta o desconto, entre outros, do montante € 645,62, a título de “QUOTAS CT SOB”, referentes às prestações dos meses de dezembro de 2020 e janeiro de 2021 nos montantes, respetivamente, de € 323,10 e de € 322,52;
(cfr. Facto provado por documento - documento n.º ... junto com a pá. a fls. 36 do processo eletrónico);
10. Em 31.03.2021 o autor elaborou carta endereçada à entidade demandada, que enviou por correio registado com aviso de receção, e foi por esta rececionada em 05.04.2021, com o seguinte teor:
“...V/ Referência n.º ....213721/01
Exmo. Senhor Presidente:
Na qualidade de beneficiário, enquanto cônjuge, da pensão de sobrevivência de BB, falecida em .../.../2020 utente n.º 213721/00, foi-me atribuída a pensão mensal no montante de 1.109,66€ (mil cento e nove euros e sessenta e seis cêntimos), valor correspondente a 100% da pensão de sobrevivência, sendo esta igual a metade da pensão de reforma da pensionista, anteriormente identificada.
Acontece que no passado dia 26/12/2020 recebi uma comunicação de V. Exas., tomando único conhecimento nessa expressa data, da alegada existência de uma dívida relativa a descontos que não foram pagos entre 01/05/1961 até 31/08/1991, no valor de 19 351,78€ (dezanove mil euros e trezentos e cinquenta e um euros e setenta e oito cêntimos), a qual nunca antes fomos notificados.
Em consequência, alegam V. Exas. ter sido ativado, em 01/12/2020, um plano de pagamento daquela dívida em 60 prestações mensais, a primeira no valor de 323,10€ (trezentos e vinte e três euros e dez cêntimos) e as restantes no valor de 322,52€ (trezentos e vinte e dois euros e cinquenta e dois cêntimos), valores descontados mensalmente da pensão de sobrevivência que me foi atribuída, mais uma vez sem qualquer anuência da minha parte.
Ora, devido ao facto de nunca termos tido conhecimento da existência da referida dívida, considero no mínimo estranho que só após a morte da minha mulher e passados 60 (sessenta) anos, venham agora tal dívida, pelo que, na falta de elementos e factos apresentados por V. Exas. na comunicação datada de 16/12/2020, e antes de ter de agir, inclusive judicialmente, para defesa dos meus direitos, venho respeitosamente requerer a V. Exa. cabal e inequívoca informação, nomeadamente sobre a que meses e anos correspondem a dívida em causa, a que processo administrativo respeita e quais as diligências administrativas e legais concretizadas com o conhecimento do responsável pelo pagamento, com vista à cobrança da aludida dívida. Na expectativa da V. urgente resposta e máxima colaboração, apresento os meus melhores cumprimentos (...)”
(cfr. Facto provado por documento - carta, talão de aceitação de registo CTT e aviso de receção, juntos como documento n.º ... da p.i. de fls. 32-35 do processo eletrónico);
11. Em 28.05.2021 deu entrada, através do SITAF, a p.i. que deu origem aos presentes autos;
(cfr. Facto provado por documento - comprovativo de entrega processual a fls. 1-4 do processo
eletrónico);
12. Em 14.06.2021 a entidade demandada emitiu ofício, endereçado ao autor, com a referência ....213721.01, tendo por assunto: “ESCLARECIMENTO DÍVIDA SOBREVIVÊNCIA”, com o seguinte teor:
“... Em resposta à sua carta de .../.../2021, informo que a falecida inscreveu-se voluntariamente no ex-Montepio dos Servidores do Estado, para efeitos de sobrevivência, mas nunca requereu a adesão ao regime de pensões instituído pelo Estatuto das Pensões de Sobrevivência, com a consequente regularização de quotas.
Nesta situação, para poder beneficiar da pensão de sobrevivência que lhe foi fixada, na qualidade de herdeiro hábil de pensionista, foi necessário calcular uma dívida por retroacção, de modo a fazer coincidir os tempos com descontos para aposentação e sobrevivência.
A regularização dessa situação é feita de acordo com o disposto no art.º 61º do referido Estatuto tendo relevado para o cálculo da dívida a pensão da falecida e a taxa vigente na data do óbito, cujo plano de pagamento teve em atenção o número máximo de prestações permitido por lei. Neste cálculo foram também consideradas as quotas pagas ao ex-Montepio dos Servidores do Estado cujo valor total foi deduzido à divida, depois de actualizado de acordo com a legislação (...)”
(cfr. Facto provado por documento - ofício junto com o requerimento do autor de fls. 51 do processo eletrónico)
13. Em documento elaborado pela ré, consta, entre o mais, o seguinte:
“(...) no cálculo da dívida por retroação foi considerado o valor da pensão de aposentação (€ 2.219,31) e a taxa de 3% vigente à data do falecimento de BB, nos termos do disposto nos artigos 14.º, 24.º, 61.º e 62.º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, conjugado com o disposto no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 137/2010, de 28 de dezembro, segundo o qual “Os descontos para efeitos de aposentação e para efeitos de pensão de sobrevivência dos trabalhadores da Administração Pública abrangidos pelo regime de proteção social convergente passam a ser, respetivamente, de 8% e 3%.”
As operações materiais de cálculo da dívida por retroação são efetuadas informaticamente encontrando-se documentadas no mapa de contagem de tempo e cálculo de pensão de sobrevivência que serve de suporte à informação - Doc. ... (que se encontra também no PA enviado ao Tribunal;
(cfr. Facto provado por documento - requerimento de fls.48-50 e ofício de fls.51 todas do processo eletrónico);
14. Consta de documento timbrado de “Caixa Geral de Aposentações – ...” com “Assunto: pensão de sobrevivência”, o seguinte:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
(Cfr. requerimento e respetivos documentos de fls.149-158 do processo eletrónico)
2.2. MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Inexistem factos não provados com relevância para a decisão.»
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III.B.DE DIREITO
b.1.da admissibilidade da junção aos autos, com as alegações de recurso, de um documento.
Com as conclusões de recurso, a Apelante juntou aos autos um documento, que constitui o ofício ...22, de 08/08/2022.
Alega tratar-se de uma informação, adicional à informação anteriormente transmitida, que teve por objetivo explicitar, da forma mais detalhada possível, os fundamentos subjacentes à dívida apurada, as operações e fórmula de cálculo da mesma e o modo como foi obtido o seu valor final. Justifica a sua apresentação por se tratar de um ofício cujo conteúdo considera ser de levar ao conhecimento deste Tribunal, através da sua junção à presente peça processual, para os efeitos previstos na parte final do n.º 3 e n.º 4 do art.º 8.º do CPTA e por se afigurar relevante a informação nele contida.
Ou seja, trata-se de um documento produzido pela Apelante, posteriormente ao encerramento da discussão em 1.ª Instância, concretamente, já depois de ter sido notificada da sentença recorrida, que julgou a ação procedente e anulou o ato impugnado com fundamento em falta de fundamentação e preterição da audiência prévia.
A junção de documentos em sede de recurso é muito condicionada, estando sujeita a fortes limitações. O n.º1 do artigo 651.º do Código de Processo Civil (CPC) estabelece a esse respeito que as partes « apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornando necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância». Por sua vez, o artigo 425.º do CPC estabelece que «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos suja apresentação não tenha sido possível até àquele momento».
Com as alegações do recurso de apelação, as partes só podem juntar documentos, objetiva ou subjetivamente supervenientes. No entanto, importa sublinhar que esta faculdade não compreende, em hipótese alguma, o caso de a parte pretender oferecer um documento que poderia, e deveria, ter oferecido naquela instância.
A impossibilidade é objetiva quando se está perante um documento que foi produzido posteriormente ao encerramento da discussão, isto é, quando se está perante uma situação de impossibilidade prática, concreta ou real, porque ontológica, do apresentante juntar aos autos o documento em causa até à data limite do vigésimo dia que antecede o início da realização efetiva da audiência final. Isso sucederá, quando o documento respeitar a factos ocorridos historicamente após essa data limite ou, respeitando a factos anteriores, o documento apenas tiver sido produzido, e podendo sê-lo, após o decurso dessa data limite.
Está-se perante uma impossibilidade subjetiva quando a parte só tiver conhecimento da existência do documento após aquele momento, isto é, quando o documento respeite a factos ocorridos historicamente antes do decurso da data limite do vigésimo dia que antecede o início da efetiva realização da audiência final, mas o apresentante, por razões que não lhe são imputáveis desconheça a existência do documento em causa ou o respetivo teor, acabando apenas por tomar conhecimento do documento e/ou do respetivo teor após o decurso dessa data limite.
No caso em análise é patente que o documento junto pela Apelante, não é, nem subjetiva, nem objetivamente, superveniente.
Ademais, também não estamos perante uma situação em que a junção do documento se tornou necessária em virtude de ocorrência posterior, ou seja, quando se verifique que o documento se destina à prova ou contraprova de factos ocorridos após o termo do prazo limite para junção de documentos.
Em conclusão, após o encerramento da discussão em 1ª Instância, não é admitida a junção aos autos de documentos, exceto em caso de recurso e nos termos limitados previstos nos arts. 425º e 651º, n.º 1 do CPC, os quais admitem a junção aos autos, com as alegações de recurso, de documentos em duas situações excecionais, a saber: a) a junção do documento não ter “sido possível até àquele momento”, isto é, até ao encerramento da discussão em 1ª Instância, por impossibilidade objetiva ou subjetiva do apresentante, com o sentido e o alcance já supra enunciados; ou b) a junção do documento se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido pela 1ª Instância.
Na situação em análise, não estamos perante nenhuma das apontadas situações.
Assim sendo, determina-se que, após trânsito do presente acórdão, se proceda ao respetivo desentranhamento dos autos e à sua devolução ao apresentante, condenando-se o apresentante nas custas do incidente que assim gerou, fixando-se a taxa de justiça 0,5 UC (art.ºs 443, n.º 1, do CPC, e 27.º, n.º 1, do Regulamento das Custas Processuais).
b.2. do erro de julgamento da sentença recorrida decorrente de ter julgado verificado o vício de forma decorrente da falta de fundamentação do ato administrativo impugnado.
O presente recurso vem interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que julgou procedente a ação movida pelo Autor contra a Ré, aqui Apelante e, em consequência, anulou a decisão da Direção Geral da Caixa Geral de Aposentações, I.P. de 16/12/2020, no segmento em que procedeu à fixação de uma dívida, correspondente a descontos não efetuados pela falecida esposa do autor, no montante de € 19.351,78, para a pensão de sobrevivência, por vício de falta de fundamentação e vício de preterição de audiência prévia.
A Apelante não se conforma com a decisão recorrida, pretendendo que a mesma seja substituída por outra que considere o ato impugnado devidamente fundamentado e isso, por duas ordens de razões: «(1) - porque ao decidir anular o ato administrativo apenas na parte em que procedeu à fixação de uma dívida correspondente a descontos não efetuados pela falecida esposa do Recorrido, o Tribunal não ponderou devidamente que essa anulação parcial afeta necessariamente o ato administrativo no seu todo; e (2) - porque, na perspetiva da CGA, uma análise mais detalhada dos Factos Assentes – mais concretamente quanto ao conteúdo dos pontos 12, 13 e 14 da Matéria Assente – teria permitido ao Tribunal a quo concluir que a CGA transmitiu ao Recorrido a informação sobre a forma como foi calculado o valor em dívida bem como quais os normativos aplicados na fixação da mesma.»
Considera que ao decidir anular o ato administrativo apenas na parte em que se procedeu à fixação de uma dívida de retroação correspondente a descontos não efetuados pela falecida esposa do Recorrido, para o regime do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (EPS), o Tribunal a quo não ponderou que essa anulação parcial afeta o ato administrativo no seu todo. E ao considerar admissível o direito ao recebimento de 100% da pensão de sobrevivência, requerida e fixada nos termos do EPS, mas sem que se mostrem regularizadas as quotas nos termos dos art.ºs 24.º e 61.º do EPS, a decisão recorrida consubstancia, ainda uma violação clara do princípio da contributividade, previsto nos artigos 54.º, 61,º, 62.º e 63.º da Lei de Bases de Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e uma violação ao princípio da igualdade, afirmado pelo art.º 13.º da CRP, na medida em que é suscetível de colocar um cidadão numa situação de privilégio (permitindo-lhe beneficiar da totalidade de uma pensão sem o pagamento das quotas de que depende a sua atribuição) relativamente a outros pensionistas cujas pensões de sobrevivência implicaram o prévio apuramento de dívidas de quotas como condição de atribuição.
Adianta que em relação ao vício de falta de fundamentação, uma análise mais detalhada do conteúdo dos pontos 12, 13 e 14 da matéria assente teria permitido ao Tribunal a quo concluir que a CGA transmitiu ao Recorrido a informação sobre a forma como foi calculado o valor em dívida bem como quais os normativos aplicados na fixação da mesma.
Conclui que os factos assentes demonstram que os fundamentos da dívida apurada como condição de atribuição da pensão de sobrevivência nos termos do EPS foram concretamente transmitidos e que foram igualmente identificados os normativos relevantes na fixação da mesma, razão pela qual o ato impugnado não padece de falta de fundamentação.
O Apelado, ao invés, pugna pela confirmação da decisão recorrida, sustentando que a mesma não enferma de nenhum dos erros de julgamento que são impetrados pela Apelante.
Recorde-se que na ação intentada o Autor pretendia obter a anulação da decisão da Direção da CGA, que lhe foi comunicada pelo oficio da CGA, I.P, com a referência ....213721/01, datado de 16/12/2020, que lhe fixou uma pensão de sobrevivência no valor de € 1.109,66 com efeitos reportados à data de 01/12/2020 e, simultaneamente, lhe foi imposta uma dívida no valor de € 19.351,78, a pagar em 60 prestações (5 anos), a primeira, no valor de € 323,10 e as subsequentes 59, no valor de € 322,52 cada uma.
O autor alegou que não tendo tal ofício sido acompanhado do despacho a que se refere, nem de qualquer outra informação esclarecedora quanto aos fundamentos de facto e de direito, subjacentes à alegada dívida, de modo a permitir ao autor formar a sua convicção sobre a legalidade, ou não, do ato a que se reporta, padece este, do vício de falta de fundamentação – sendo que não revela quais as operações e os cálculos subjacentes à dívida comunicada, bem ainda os factos e as normas que estão subjacentes à fixação do valor em dívida – padecendo igualmente do vício de preterição de audiência prévia.
Está em causa apenas a sentença na parte em que julgou procedente o vício da falta de fundamentação assacado ao ato impugnado.
No caso, antecipamos que não concedemos razão à Apelante, e que aquiescemos integralmente com a decisão recorrida que se mostra bem fundamentada.
A 1.ª Instância, depois de enunciar em que consiste o dever de fundamentação dos atos administrativos e os termos em que a jurisprudência tem vindo a entender a aplicação aos atos administrativos da exigência de fundamentação, com consagração expressa no n.º3 do artigo 268.º da Constituição, e concretização pelo legislador ordinário nos artigos 152.º e 153.º do Código de Procedimento Administrativo, proferiu o seguinte julgamento:
«(…)Face ao acabado de expor impõe-se agora analisar se, no caso concreto, o ato ora impugnado, no segmento que fixou ao autor o valor global da dívida da sua falecida esposa em € 19.351,78 e lhe impôs um plano de pagamento de 60 prestações, a primeira no montante de € 323,10 e as 59 subsequentes no montante de € 322,52 padece, ou não, do vício de falta de fundamentação.
Conforme consta do probatório (facto provado 7.), a entidade demandada comunicou ao autor a existência da referida dívida e o plano de prestações em questão nos seguintes termos:
“...Pensão de Sobrevivência em 2020-11-18: € 1.109,66
A pensão reporta-se a 2020-11-18, sendo V.Exa., oportunamente, informado da data do respetivo pagamento.
O montante global dos descontos que não se encontram pagos, necessários para que a pensão de sobrevivência seja igual a metade da pensão de aposentação/reforma a que o falecido tinha/teria direito, é o seguinte:
Valor global da dívida: € 19.351,78
Tempo 24a 3m 02d
Períodos:
De 1961-05-01 a 1984-12-31
De 1985-01-01 a 1989-12-28
De 1989-12-29 a 1991-08-31
Plano de pagamento da dívida que lhe compete em função da pensão a que tem direito: 1 de € 323,10 e 59 de € 322,52
Data efeito 2020-12-01
Valor € 1.109,66 (...)”.
Da análise do ofício em questão resulta efetivamente claro o montante da dívida apurada, o tempo considerado para o efeito e o plano de pagamentos estabelecido pela entidade demandada. Contudo, o ofício nada refere quanto à origem da dívida, os cálculos efetuados para apuramento da mesma, as taxas e os normativos aplicáveis ao longo dos períodos contemplados.
O Tribunal, na verdade, não pode deixar de concluir que o ofício em questão - desacompanhado de outros elementos, designadamente o despacho e a eventual informação subjacente à decisão bem ainda os cálculos subjacentes à fixação do valor em dívida - é, claramente, insuficiente para que o interessado, enquanto destinatário normal do ato, possa perceber o iter cognoscitivo e valorativo da entidade demandada na tomada de decisão e, em consequência, possa sindicar, contraditar ou, até, conformar-se com o ato em questão.
Sabemos que a fundamentação tem um momento próprio no procedimento administrativo, devendo ocorrer antes da tomada da decisão, não podendo ser feita posteriormente, em sede de processo judicial, como forma de regularização das invalidades cometidas no procedimento administrativo.
Ainda assim, o Tribunal convidou a entidade demandada a apresentar os documentos que, devendo constar do procedimento administrativo, pudessem, não fundamentar a posteriori, mas explicar os cálculos efetuados para fixação do valor em dívida bem como a indicação dos normativos aplicados na fixação da mesma. Em resposta veio a entidade demandada informar o tribunal de que “...As operações materiais de cálculo da dívida por retroação são efetuadas informaticamente encontrando-se documentadas no mapa de contagem de tempo e cálculo de pensão de sobrevivência que serve de suporte à informação...” (facto provado 13.), tendo a entidade demandada juntando, para o efeito, o mapa de contagem de tempo e cálculo de pensão de sobrevivência previamente juntos ao PA (facto provado 14.).
Compulsados os referidos documentos verificou o Tribunal tratarem-se os mesmos de documentos informatizados, de que constam quadros, datas, períodos de tempo, valores, letras individuais e siglas, desacompanhadas de qualquer legenda que pudesse permitir, minimamente, compreender a integralidade da decisão.
Verificou, assim, o Tribunal que, dos documentos em questão, não consta qualquer indicação dos cálculos efetuados pela entidade demandada para chegar ao valor da dívida em questão, nem qualquer indicação dos normativos que justifiquem a fixação da referida dívida.
Sem prejuízo de tais elementos inexistirem no momento da decisão e da sua comunicação ao autor, e isso é o que importa na apreciação do vício de falta de fundamentação, o Tribunal verifica que a entidade demandada continua sem conseguir explicar as operações que fez para chegar àquele resultado, o que impede, desde logo, o Tribunal de, apesar da manifesta falta de fundamentação, poder aplicar o princípio do aproveitamento do ato que pode, até, motivar, em determinadas circunstâncias, a dispensa do direito de audição prévia, por inoperância do vício, ou como o expressa a formula latina “utile per inutile e non vitiature”.
Mas, se nem a entidade demandada consegue, com rigor, explicar ao interessado, ou ao Tribunal, que cálculos estão subjacentes à fixação do montante da dívida que a própria fixou, refugiando-se na declaração de que “...As operações materiais de cálculo da dívida por retroação são efetuadas informaticamente (...)...” não resta ao Tribunal outra decisão que a de considerar claramente a existência de falta de fundamentação.
Não sendo negligenciável a vantagem do uso de ferramentas informáticas em processos que exigem massificação e uniformização, não pode, contudo, a Administração desligar-se a tal ponto do processo decisório que, a dada altura não consiga explicar ao interessado ou ao Tribunal como chegou ao cálculo da dívida que imputa ao particular.
Na verdade, o dever de fundamentação existe para que o interessado disponha das ferramentas mínimas para, querendo, confirmar, entre outros, se os cálculos da dívida que lhe está a ser imputada estão bem ou mal feitos e recorda o Tribunal, a desejada informatização e introdução das TIC não substituem as regras do direito, mas antes servem ou devem servir para melhorar a eficácia da aplicação do direito, que se mantém inalterado na sua impositividade, nos direitos consagrados aos administrados e nos deveres da Administração.
Acresce ainda que, a jurisprudência dos Tribunais Superiores já se pronunciou, quanto a ofício semelhante enviado pela entidade demandada a um outro beneficiário.
Refira-se, a título de exemplo, o Acordão de 27-11-2020 proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, disponível em www.dgsi.pt, no processo n.º 01043/19.6BEBRG, do qual se refere o seguinte excerto, e a cuja fundamentação aqui se adere, e onde é referido que: “... 1 – Há uma questão incontornável e que se prende com o modo como a CGA lida com os seus beneficiários, através de uma linguagem cifrada e impercetível, refugiando-se em fórmulas não intuitivas nem explícitas, mantendo a mesma postura quando litiga contenciosamente.
Está aqui em causa, na fixação da pensão de sobrevivência, uma suposta divida do então cônjuge da Autora, aqui recorrida, sem que se percecione a que se reporta essa divida, quem terá sido o responsável pela mesma, e quais os normativos em que assentam as operações aritméticas com vista à fixação do valor da divida e do emergente valor da pensão fixada.
Os ofícios remetidos à aqui Recorrida, pela CGA cingem-se, no essencial, a um conjunto de parcelas, datas, fórmulas e quadros, sem que se percecione o seu fio condutor, quer em termos factuais, quer em termos normativos, assemelhando-se a enigmas insuscetíveis de serem revelados.
2 – A fundamentação dos atos administrativos visa, por um lado, dar a conhecer aos seus destinatários o iter cognoscitivo e valorativo seguido pela Administração, de molde a permitir-lhes uma opção consciente entre a aceitação do ato e a sua impugnação contenciosa, e, por outro, que a Administração, ao ter de dizer a forma com agiu, porque decidiu desse modo e não de outro, tenha de ponderar aceitavelmente a sua decisão.
3 - A fixação do valor de uma pensão, e a enunciação de eventuais dívidas de quotização que se refletirão no valor a atribuir mensalmente ao interessado, é um daqueles tipos de ato que carece de uma circunstanciada e clara fundamentação.
A fundamentação que deverá suportar o controvertido ato, não poderá deixar de conter aquela fundamentação mínima, que permita ao seu destinatário ficar a saber a razão pela qual, ao valor da pensão será deduzido um valor mensal correspondente a uma divida no pagamento da quotização, importando que se percecionem todas as operações aritméticas relevantes efetuadas, qual a razão dessa dedução, qual o fundamento de facto e de direito subjacente à referida operação, e em que momento ocorreu a divida em questão e quem foi o seu responsável.
As meras referências a quadros ou fórmulas conclusivas, não são adequadas a permitir uma fundamentação eficaz e adequadamente percetível...”.
Face ao exposto procede o vício de falta de fundamentação do ato ora impugnado, no segmento em que fixou ao aqui autor uma dívida no montante de € 19.351,78 e o respetivo plano de pagamentos.»
Como bem consta da sentença recorrida é lapidar que o ato impugnado não está suficientemente fundamentado, pelo que bem andou o Tribunal a quo ao anular essa decisão por falta de fundamentação.
Vejamos.
Por imposição do n.º 3 do art.º 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), os atos que afetem direitos ou interesses legalmente protegidos dos cidadãos devem ser expressamente fundamentados. Concretizando a imposição constitucional, o art.º 152º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) determina que a fundamentação deve ser expressa, através da sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir na mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, os quais ficarão a fazer, neste caso, parte integrante do respetivo ato (cf. também o artigo 153.º do CPA).
A fundamentação do ato administrativo tem por finalidade dar a conhecer ao destinatário o percurso cognitivo e valorativo do autor daquele mesmo ato, de modo a permitir uma defesa adequada e consciente dos direitos e interesses legalmente protegidos do particular lesado.
Para tanto, a fundamentação tem que ser suficiente, clara e congruente. Tem de permitir ao destinatário médio ou normal, colocado na posição do real destinatário do ato, compreender a motivação que subjaz ao raciocínio decisório. Não é necessário – desde logo porque iria contra os princípios de eficiência e celeridade administrativa – que em cada ato administrativo se proceda a uma fundamentação completa e exaustiva das razões de facto e de direito que motivaram a decisão.
O STA “
vem, desde há muito, entendendo que a fundamentação é um conceito relativo, que varia consoante o tipo legal de ato administrativo em concreto, havendo que entender a exigência legal em termos hábeis, dados a funcionalidade do instituto e os objetivos essenciais que prossegue. Objetivos esses de habilitar o destinatário a reagir eficazmente pelas vias legais contra a respetiva lesividade, caso com a mesma não se conforme (objetivo endoprocessual) e de assegurar a transparência, a serenidade, a imparcialidade e reflexão decisórias (objetivos exa ou extra- processuais)” (In Ac. da 1º Secção do STA de 18/06/1996, Rec. 39.316, in Apêndice ao DR de 23.10.1998, vol. III – Junho).
Partindo destes considerandos, contrariamente ao propugnado pela Apelante, a consideração da matéria que consta dos pontos 7,12,13 e 14 da fundamentação de facto da decisão recorrida, não conduz à conclusão de que o ato impugnado se apresenta dotado de fundamentação de facto e de direito bastante para o seu destinatário- o ora apelado- ficar apetrechado com a informação necessária a inteirar-se cabalmente das razões que levaram a CGA a decidir pela existência de uma dívida no montante que lhe foi notificado, de forma optar esclarecidamente pela sua aceitação ou pela sua impugnação.
A situação é particularmente grave, tendo em conta que se trata de uma decisão administrava por via da qual é significativamente reduzido o montante da pensão de reforma que o Apelado teria direito a receber por morte da sua mulher, forçando-o a durante sessenta meses, suportar uma redução no montante percebido da pensão de reforma por força de uma dívida de contribuições que desconhecia, e que a decisão administrativa não explica de que modo tal montante foi apurado, nem as concretas normas jurídicas que autorizam o seu cálculo de molde a atingir tal valor.
Qualquer destinatário, colocado perante o teor da decisão impugnada, não estaria em condições de conhecer, designadamente, qual foi o quadro legal tido em consideração pela CGA, subjacente à prolação dessa decisão, ainda que, como contrapõe a Apelada, seja certo que a perceção do quadro legal que enquadra a atribuição das pensões de sobrevivência, exija um esforço acrescido.
Tal circunstância, não dispensa a entidade administrativa de fazer acompanhar a decisão de uma fundamentação clara e objetiva, que no caso em análise, não está de modo algum refletida no ato impugnado, comunicado ao Autor através do ofício da CGA de 16/12/2022 (cfr. ponto 7 dos factos provados).
Os documentos referidos nos pontos 12, 13 e 14 da matéria de facto assente são documentos informatizados, de que constam quadros, datas, períodos de tempo, valores, letras individuais e siglas, desacompanhadas de qualquer legenda que permita minimamente compreender a integralidade da decisão, pelo que deles não se retira a informação necessária para que seja possível compreender a forma como foi calculado o valor em dívida, nem os normativos aplicados na fixação da mesma, ou seja, o itinerário percorrido pela CGA, para o apuramento da existência da alegada dívida. A Apelante não explicou as operações que fez para chegar à alegada dívida e ao concreto montante apurado, em concreto os cálculos que estão subjacentes à fixação do montante da dita dívida, pelo que é evidente a manifesta falta de fundamentação de que padece o ato impugnado.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.
b.3.do erro de julgamento decorrente da violação do princípio da contributividade e do pirncipio da igualdade.
A Apelante considera que o Tribunal a quo, ao decidir anular o ato impugnado apenas na parte em que julgou apurada uma dívida e determinou o seu pagamento em 60 prestações mensais, ou seja, ao anular parcialmente o ato impugnado, violou o principio da contributividade previsto nos artigos 54.º, 61.º, 62.º e 63.º da Lei de Bases de Segurança Social, aprovada pela Lei n.º 4/2007, de 16 de janeiro, e bem assim, o princípio da igualdade, afirmado pelo art.º 13.º da CRP.
Sem razão.
O Tribunal a quo decidiu como se impunha fazer, tendo apreciado e julgado corretamente os vícios que foram assacados ao ato impugnado, o qual apenas vinha questionado na parte em que se decidiu pela existência de uma dívida de contribuições e na obrigatoriedade do seu pagamento em 60 prestações mensais, a descontar do montante da pensão que foi atribuída ao apelado.
E nesse julgamento, não estava em causa o direito do Apelado à pensão de sobrevivência por morte da sua mulher, mas apenas se existiam ou não fundamentos para se manter essa decisão na parte em que afirma a existência de uma alegada dívida à CGA, no montante de €19.351,78, que impossibilita que este aufira a dita pensão a 100%.
Conforme resulta do que antecede, está em causa a prolação de uma decisão por parte da CGA que não só fixou o montante da pensão a que o Apelado tem direito por morte da sua mulher, como fixou um valor em dívida, cujo apuramento a decisão administrativa não explica adequadamente, não tendo sequer sido dada a oportunidade ao autor de se pronunciar em sede de audiência prévia sobre o conteúdo do que veio a ser a decisão impugnada, razão pela qual, na procedência do vício de falta de fundamentação ( e também de preterição da audiência prévia) não restava ao Tribunal a quo outra solução adequada ao caso que não fosse a anulação do ato administrativo no segmento em que o mesmo vem questionado.
Como bem observa o apelado, não estando em causa a legalidade da decisão no segmento em que decidiu pela fixação da pensão mensal de sobrevivência no valor de €1.109,66, o Tribunal a quo não se pronunciou, nem tinha que se pronunciar, sobre a admissibilidade do recebimento de 100% da pensão de sobrevivência por parte do Autor, pelo que terá forçosamente que improceder a alegada violação dos princípios da contributividade e da igualdade imputados à sentença a quo.
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, soçobram os invocados fundamentos de recurso.
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IV-DECISÃO
Nesta conformidade, acordam os Juízes Desembargadores deste Tribunal Central Administrativo do Norte em negar provimento ao recurso interposto e, em consequência, confirmam a sentença recorrida.
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Custas pela Apelante (art.º 527º, n.ºs 1 e 2 do CPC).
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Notifique.
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Porto, 24 de fevereiro de 2023

Helena Ribeiro
Nuno Coutinho
Ricardo de Oliveira e Sousa