Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:03326/10.1BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:02/24/2023
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:URBANISMO; DIREITO DE PROPRIEDADE; USUCAPIÃO;
SUSPENSÃO DO PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO DE LICENCIAMENTO;
ARTIGOS 9.º E 11.º DO RJUE E 31.º DO CPA;
Sumário:1 - Nos termos dos artigos 9.º e 11.º do RJUE, compete ao Presidente da Câmara Municipal [que pode delegar nos Vereadores com faculdade de subdelegação], decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento de qualquer pedido apresentado, devendo no prazo de 8 dias proferir despacho liminar de rejeição do pedido, designadamente se faltar documento instrutório exigível que seja indispensável, sendo que se forem passíveis de suprimento as irregularidades detectadas, o requerente deve ser notificado para corrigir ou completar o pedido, ficando suspensos os termos do procedimento, mas sempre e de todo o modo, pese embora a presunção da correcta instrução do requerimento, o Presidente da Câmara Municipal deve conhecer até à decisão final, de qualquer questão que prejudique a tomada de decisão do pedido e nesse domínio, se a decisão final a tomar depender da decisão de questão da competência dos Tribunais, que deve ser determinada a suspensão do procedimento.

2 - Dispõe o artigo 31.º, n.º 1 do CPA, entre o mais, que se no âmbito do procedimento, a decisão final depender da resolução de uma questão da competência dos Tribunais, o procedimento deve ser suspenso até que o Tribunal competente se pronuncie.

3 - Quando está em causa a apreciação da legalidade de um acto [neste caso, o datado de 23 de agosto de 2010] que se mostra praticado de acordo com as disposições legais aplicáveis, a sua invalidade só pode ser equacionada e ponderada em face de uma outra norma que impusesse ao Réu a prolação com um sentido decisório diverso daquele que emitiu, porquanto e neste domínio, os actos administrativos estão submetidos às regras de direito do urbanismo, nelas não podendo interferir as que se situam no âmago das relações de âmbito privado, no que é o âmbito dos direitos subjectivos que são formados tendo subjacente normas de direito privado.

4 - Se é certo que a decisão final a proferir na acção declarativa intentada no Tribunal Judicial pode contribuir para ser esclarecido quem é que é o titular do controverso direito de propriedade, o certo é que independentemente desse desfecho, o que importava apreciar e decidir nos presentes autos é se nas concretas datas em que foram proferidos os três actos impugnados, se a sua autora os podia praticar, em face dos elementos que os Autores trouxeram ao procedimento administrativo, designadamente para efeitos de ser aferida da ilegitimidade procedimental dos Contra-interessados em face do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJUE, e neste patamar, se a continuação do procedimento administrativo se encontrava ou não dependente de uma pronúncia jurisdicional por parte dos Tribunais, e se nesse patamar se o mesmo devia ser suspenso na sua tramitação [Cfr. artigo 31.º do CPA].

5 - Para efeitos do disposto no artigo 11.º n.º 7 RJUE e do artigo 31.º, n.º 1 do CPA, estando em causa a emissão de autorização de utilização sujeita exclusivamente a regras de direito do urbanismo, e sendo a sua concessão feita sob reserva de direitos de terceiros, e por consubstanciarem os actos urbanísticos carácter real, se a autora dos actos administrativos, à luz da realidade registral e da presunção que daí deriva daquela que tem registada seu favor o direito de propriedade de um imóvel, actuou em conformidade com a legalidade que daí advém, não pode considerar-se como questão prejudicial, a apreciação de questão atinente à discussão da titularidade do direito de propriedade, mesmo quando emergem do procedimento administrativo evidências em torno da eventual irregularidade da constituição desse direito, que vai estar na base da titulação administrativa que vai ser concedida pelo acto administrativo.*
* Sumário elaborado pelo relator
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Comum
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO



AA, BB, e CC, Autores na acção que intentaram contra o Município ..., onde identificaram como Contra interessados, a IC..., S.A., e DD [todos devidamente identificados nos autos], tendo por objecto os despachos proferidos pela Vereadora da Câmara Municipal ..., EE, que em 23 de Agosto, 8 de Outubro e 2 de Novembro, todos do ano de 2010, respectivamente, deferiu a concessão de autorização de utilização, indeferiu o pedido dos Autores de revogação da emissão do alvará de autorização de utilização e emitiu novo alvará de autorização de utilização a favor da 1.ª contra-interessada, e onde, a final da Petição inicial, peticionaram a final, a sua anulação, e bem assim, que o procedimento de licenciamento seja suspenso desde 10 de Agosto de 2010 até à decisão final dos tribunais cíveis, nos termos do n.º 7 do artigo 11.º do RJUE, inconformados com a improcedência da acção, vieram interpor recurso de Apelação.

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencaram a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES:
1. Pois se é verdade que os AA. não impugnam especificamente os atos administrativos de aprovação do projecto de arquitectura, as licenças de obras emitidas e as suas prorrogações, porque já decorreu o prazo legal para tal, estes impugnam o processo de licenciamento como um todo, que é questão prévia à emissão do respetivo alvará de autorização de utilização.
2. Aliás, referem expressamente que;
- o DD iniciou o processo de licenciamento apenas com base numas procurações que foram postas em causa, sendo que uma era ineficaz já que se reportava a um acto de disposição de um bem de uma menor sem a competente autorização judicial
- foi violado as alíneas a) e b) do artigo 11.º da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro, pois o 2.º contra-interessado, que não era proprietário do imóvel, nunca juntou uma certidão da conservatória do registo predial, o que só fez depois da escritura de usucapião em nome da 1.ª contra-interessada, nem juntou qualquer documento de correspondência do prédio objecto da operação urbanística e o terreno alegadamente adquirido por usucapião, pelo que nunca deveria ter sido emitida a licença de obras;
- o Presidente da Câmara Municipal dispunha de elementos suficientes para indeferir o averbamento a favor da IC..., S.A., pois não é possível adquirir por usucapião aquilo que se prometeu comprar, nem se pode adquirir por usucapião um prédio que já se encontra inscrito na matriz.
3. Acresce que, o próprio Vereador da Câmara Municipal ..., entendeu que se encontrava em dúvida a legitimidade procedimental do DD, apesar de já estar aprovado o projecto de arquitectura, concedendo o prazo de 15 dias à 3.ª Autora para que esta, além do mais, fizesse prova de ter intentado a acção judicial tendente à anulação do acto praticado pela sua mãe.
4. Com efeito, a legitimidade do Requerente é um pressuposto essencial à emissão de qualquer acto administrativo, pelo que deve ser revisto em cada momento, aliás é por esse motivo que é possível averbar os processos em nome do adquirente.
5. Assim, a questão da legitimidade do Requerente voltou a colocar-se no pedido de licença de autorização de utilização, não bastando para tal que o projeto de licenciamento esteja em nome do mesmo Requerente, já que é necessário nesse pedido de licença de autorização fazer prova da legitimidade.
6. Face ao exposto, desde 28 de janeiro de 2003 que existem dúvidas acerca da legitimidade do Requerente no processo de licenciamento requerido por DD - cfr. Factos Provados D), H), I) e J) e posteriormente sobre a legitimidade do Requerente IC..., S.A. – cfr. Factos Provados NN).
7. Ora, mesmo que se entenda, o que só por mera hipótese processual se concebe, que apenas está aqui em causa o procedimento de autorização de utilização, estando o procedimento de licenciamento estabilizado, sempre se dirá que também neste procedimento é necessário fazer a prova da legitimidade e está foi contestada pelos AA. informando a Câmara Municipal ... que instauraram e registaram uma providência cautelar inominada.
8. Com efeito, não existe nenhum documento no processo administrativo que nos permita afirmar que o terreno adquirido por usucapião pela IC..., S.A. é o mesmo que foi prometido comprar aos AA. por DD. Nem faria qualquer sentido adquirir por usucapião o que se prometeu comprar, nem pode ser adquirido por usucapião um prédio que já se encontra inscrito na matriz, devendo ser feito e comprovado o respetivo trato sucessivo. Pelo que tal sucessão na legitimidade procedimental é desde o início mais do que duvidosa.
9. Acresce que, os AA. vieram imediatamente a opor-se à emissão da respetiva licença de autorização, aduzindo, para o efeito e, em suma, que no dia 4 de Agosto de 2010 foi efectuado o registo da propositura de uma providência cautelar não especificada [como preliminar da acção de declaração de nulidade da escritura de justificação notarial celebrada em 23 de Novembro de 2005], na qual estes peticionavam que os contra-interessados fossem, além do mais, impedidos de praticar todos e quaisquer actos de alienação dos prédios em causa, inclusive, de pedidos de licença camarárias [Pontos II, JJ), LL) a NN) dos factos provados].
10. Todavia, o Réu não só viria a deferir a concessão da autorização de utilização requerida pela 1.ª contra-interessada [Pontos OO) a QQ) dos factos provados], como, posteriormente, debruçando-se especificamente sobre a exposição dos Autores, indeferira a sua pretensão, em síntese, por considerar que, encontrando-se formalmente verificada a legitimidade procedimental da 1.ª contra-interessada, inexistiam motivos para suspender o aludido procedimento administrativo [Ponto RR) dos factos provados].
11. Ora, como se sabe, a autorização de utilização destina-se, nestes casos, a verificar a conformidade da obra concluída com o projecto previamente aprovado e com as condições impostas aquando do licenciamento [artigos 4.º, n.º 3, alínea f), 62.º, n.º 2 e 63.º, n.º 1 do RJUE].
12. Porém, salvo o devido respeito por melhor, embora tal cedência ao domínio público se encontra registada, ela de facto não aconteceu, tendo tal área sido efectivamente retirada do prédio em apreço mediante a construção de muros e individualizada para juntar a outro prédio que os contra-interessados entretanto adquirissem. Contudo, a Administração, apesar de instada nesse sentido, não curou de averiguar o sucedido, nomeadamente através de uma vistoria a realizar na obra em apreço.
13. Embora aceitemos a doutrina aludida quanto aos atos administrativos de licenciamento e de autorização de utilização que se encontram apenas sujeitos exclusivamente a regras de direito do urbanismo, ou seja, a sua concessão é feita sob reserva de direitos de terceiros e que não compete à Administração pronunciar-se sobre questões do foro privatístico, não podemos de todo concordar com a segunda razão apontada na decisão sub judice que então jamais se poderia aqui considerar, como motivo de suspensão do procedimento, as questões de competência judicial referente à discussão desses direitos v.g. de propriedade. Pois, se assim fosse, para que serviria a disposição do art. 11º nº 7?
14, Acresce que é a própria legislação do urbanismo que impõe à Administração verificar da legitimidade do Requerente do acto administrativo sob pena de não haver decisão de mérito. Do que resulta indubitavelmente da própria lei, que tal questão é prévia à decisão administrativa.
15. Sem prescindir, e salvo o devido respeito por melhor opinião, não pode depois a Administração refugiar-se no facto de ter procedido a uma avaliação formal ou perfunctória da legitimidade do Requerente baseada na junção ao processo da certidão predial e da presunção do registo, para se entender que se encontra validada a legitimidade do Requerente independentemente de qualquer contestação, designadamente através de uma providência cautelar não especificada que visava impedir a Requerente de vender o prédio objeto da autorização de utilização e até mais de requerer a mesma.
16. Com efeito, não estamos aqui a discutir o bem ou mal fundado preenchimento do requisito da legitimidade pela Administração, nem a requerer que a mesma tome uma decisão que cabe aos Tribunais Cíveis, o que estamos a solicitar, em conformidade com o art. 11º nº 7 é que o Presidente da Câmara Municipal ... suspenda o processo de atribuição da licença de autorização a favor da IC..., S.A., enquanto não for decidido pelos Tribunais Cíveis quem é o proprietário do prédio em causa.
17. E aqui, salvo o devido respeito por melhor opinião não colhem os argumentos da celeridade processual nem do cumprimento exclusivo do projeto com as leis do urbanismo. Pois, tal licença de utilização confere ao seu titular inscrito o direito de alienar o prédio em causa, o que em vez de acelerar o processo ainda o vai tornar mais moroso e complicado, obrigando no caso de ganho de causa os AA. a pedir a anulação de todos os atos praticados pelo titular da licença, nomeadamente a venda de todas as frações, inclusive a terceiros de boa fé.
18. Não está aqui em causa, prejudicar o regular andamento do processo de licenciamento e retardar o mesmo, mas antes impedir a prática de atos que de futuro terão de ser todos anulados.
19. Assim, não se vislumbra qual a vantagem que possa decorrer para o Requerente da licença em não suspender o processo até decisão dos Tribunais cíveis que não seja a eventual prática de atos ilegais. E se a final a Requerente tiver razão e os AA. tiverem impedido indevidamente a obtenção da licença de autorização e a venda das frações, existem mecanismos legais que permitem ser a mesma compensada dos respetivos prejuízos, o que aliás os contra-interessados vieram peticionar na ação cível.
20. Mais gravoso é o prosseguimento do processo administrativo com emissão da licença de utilização que permite ao Requerente alienar as frações, mesmo sem ser o seu verdadeiro proprietário, estando depois sujeito à sua anulação e a prejudicar terceiros adquirentes de boa fé.
21. Sem prescindir, contrariamente ao referido na douta sentença ora em apreço, a reclamação dos AA. foi apresentada antes da decisão de atribuir a autorização de utilização e foi feita a prova do registo da aludida providência cautelar não especificada, sendo para o efeito completamente irrelevante qual seria o destino posterior da mesma.
22. Com efeito, quando o Presidente da Câmara Municipal ... decidiu a emissão da licença de autorização, nem sequer fez referência à existência de contestação da legitimidade do Requerente, antes referiu “não haver reclamação – cfr. Factos Provados OO).
23, Por outro lado, quando emitiu o aludido acto administrativo não sabia que a providência cautelar referida iria ser indeferida com transito em julgado.
24. Assim, os AA. aqui Recorrentes fizeram prova no procedimento administrativo da existência de um ónus devidamente registado que punha em causa a legitimidade do Requerente.
25. Acresce que, olvidou por completo a sentença ora recorrida que os AA. também suscitaram um procedimento cautelar de suspensão da eficácia do acto de licença de autorização, previamente a esta ação administrativa especial, que foi registado e deferido e se mantêm válido até ao transito em julgado do presente pleito.
26. Face ao exposto, dúvidas não podem restar que o Presidente da Câmara Municipal ... podia e devia ter suspenso o procedimento de atribuição da licença até ser decido quem é o proprietário do prédio, questão controversa no processo desde 2003, ou seja, há mais de 17 anos. Com isto de visando a preterição da prática de actos inúteis e a necessidade de anulação de actos praticados ao abrigo da concessão da licença de autorização, o que longe de atrasar o processo, evitará maiores delongas e complicações no futuro.
27. Pois, no caso concreto, apesar de a licença de autorização não ser constitutiva de direitos, os verdadeiros proprietários podem ver a sua esfera jurídica, designadamente, os direitos que decorrem de normas jurídico-privadas ou de convenções realizadas entre particulares, ser por ela verdadeiramente afetados. Com efeito, contrariamente ao referido por Fernanda Paula Oliveira e outros que os actos administrativos em matéria de gestão urbanística não são susceptíveis de modificar, de qualquer forma, direitos ou obrigações que existam nas relações entre os particulares (de direito privado), não podendo, por isso, valer como título de propriedade, no caso sub judice a emissão de tal licença confere ao Requerente legitimidade para alienar as frações como se fosse um verdadeiro proprietário, já que beneficia da presunção do registo predial.
28. Seguramente que o art. 11º nº 7 foi pensado pelo legislador, exactamente como válvula de segurança para obviar a situações como a dos autos em que os benefícios decorrentes da emissão da licença em virtude da observância das leis do urbanismo e da segurança jurídica são proporcionalmente menores aos inconvenientes de aguardar por uma decisão pelos Tribunais Cíveis, atendendo também aos princípios da boa fé, dos bons costumes e do fim social e económico do direito em causa.
29. Por outro lado, em nada releva aqui dizer que nem a Administração nem os Tribunais Administrativos têm condições para apreciar questões do foro privatístico, pois não é isso o requerido, antes pelo contrario e também por essa razão prevê o art. 11º nº 7 a suspensão do processo, para não haver um conflito de jurisdições, já que o ordenamento jurídico deve ser considerado como um todo.
30. Na esteira de tal pensamento tem vindo agora a emergir quem entenda que o direito administrativo não se pode abster de decidir à margem do direito privado, designadamente no que toca a critérios de legitimidade, incumbindo-lhe apenas a salvaguarda do interesse público, não só por uma questão de celeridade processual mas também par obviar a futuras situações conflituosas, designadamente com outros condóminos, vizinhos, titulares de outros direitos ou ónus sobre os prédios em questão.
31. Motivo pelo qual, o próprio Provedor de Justiça, já em 2007 emitiu uma Recomendação no sentido de a Administração exigir a autorização do condomínio para alterar o uso do prédio e assim evitar futuros litígios em sede cível.
32. De igual modo, concordamos em absoluto com os argumentos tecidos em 2017, na Tese de Mestrado, Ana Paula Bettencourt Pereira – Universidade do Minho que refere o seguinte: Na verdade, não poderíamos estar mais de acordo com a posição levada a cabo pelo legislador ínsita no artigo 11.º, n.º 7, o qual prevê a suspensão do procedimento administrativo se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, porquanto, desta maneira, evitar-se-ão mais e maiores conflitos, morosidade e onerosidade na resolução dos problemas suscitados em sede de procedimento administrativo.
Saliente-se, ainda, que tanto nestes casos como em outras situações onde sejam suscitadas dúvidas relativamente a direitos de terceiros de boa-fé, afigura-se-nos ser adequado e proporcional suspender, de imediato, o procedimento, sob pena de se avolumar e adensar o “novelo” de conflitualidade entre as partes intervenientes. Só desta maneira poder-se-á evitar que as situações mal esclarecidas e em conflito entre os intervenientes (dono da obra e terceiro de boa-fé) se venham a arrastar e a complicar, levando a que o terceiro de boa-fé tenha sempre que valer-se dos meios judiciais para dirimir situações que seriam facilmente resolvidas, caso a administração local tivesse o cuidado de analisar, ab initio, as questões de cariz privado, aliás, como procede sempre que existem questões relacionadas com a legitimidade dos intervenientes no procedimento administrativo.
Por isso, parece-nos que, sempre que se verifique a existência de dúvidas e não ocorra a aludida suspensão do procedimento administrativo, a consequência disso será, inevitavelmente, o recurso às instâncias judiciais com evidente perda de tempo por parte dos respetivos intervenientes, sem descurar o acréscimo de despesas com a procura e necessidade de obtenção de serviços prestados por advogados e custas processuais.
Tudo seria mais simplificado e consentâneo com os princípios da economia e da celeridade processuais, caso se realizasse desde o início dos vários procedimentos administrativos em causa a averiguação dos direitos privados subjacentes aos mesmos. Isto é o que acontece sempre que se levantam questões de legitimidade em sede de apreciação de pedido de licenciamento ou de apresentação da comunicação prévia junto dos municípios. Deveriam os municípios, a priori, tal como sucede com as questões suscitadas que se prendem com a legitimidade do requerente, averiguar os pressupostos subjacentes aos respetivos procedimentos.
33. Porém, no caso em apreço nem vamos tão longe, limitando-nos a pedir a suspensão do procedimento administrativo até que a questão prévia, a legitimidade, neste caso a qualidade de proprietário do terreno em causa, seja decidida em sede própria - o Tribunal Cível onde se encontra pendente sob o Proc. nº 10972/10.1TBVNG.P1, a correr termos no Tribunal Judicial de ... - cfr. Factos Provados NN) e UU).
34. Sem prescindir, no Parecer nº 10/2005, emitido por FF, em 14 de Janeiro de 2005, quanto à legitimidade do requerente; questão prejudicial; suspensão do procedimento, consta de relevante o seguinte: Contudo, apesar da regra da submissão exclusiva das licenças a normas de direito público, não está excluída, no procedimento de licenciamento, a necessidade de comprovação da legitimidade do requerente desde logo porque o artigo 9º nº1 o DL 555/99 exige que o requerente, no requerimento inicial, invoque e comprove a titularidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão, determinando o n.º1 do artigo 11.º que o presidente da câmara municipal deve decidir, na fase de saneamento e apreciação liminar, as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento do pedido.
Por outro lado, sendo a legitimidade do requerente, nos termos do artigo 83.º do Código do Procedimento Administrativo, um pressuposto procedimental, isto é, um elemento cuja não verificação impede uma decisão de fundo por parte da Administração, tal significa que o presidente da câmara deve verificar a existência efectiva desse pressuposto. Note-se porém que a verificação da legitimidade se restringe apenas a uma apreciação meramente formal, isto é, no sentido de verificar se o requerente apresentou o documento comprovativo da legitimidade invocada.
Assim, desde que o particular apresente tal documento (como aconteceu no caso em análise) deve a Administração dar início e prosseguir com o procedimento, cabendo exclusivamente aos tribunais esclarecer qualquer dúvida de natureza substancial que se relacione com a questão da legitimidade.
35. Por outro lado, não obstante poder ser uma solução criticável (por provocar delongas no procedimento e porque, sendo a licença emitida sob reserva de direitos de terceiros, nada impedir que os lesados possam lançar mão dos meios de defesa à sua disposição, designadamente os meios cautelares como o embargo judicial de obra nova) o certo é que, “havendo um litígio sobre a titularidade do direito que tenha de ser decidido em tribunal, a Administração deve, nos termos do n.º7 do artigo 11.º do RJUE, suspender o procedimento de atribuição da licença até que o litígio seja solucionado”, suspensão essa cuja manutenção depende da verificação das condições previstas na alínea b) do artigo 31.º do CPA, na redacção do DL 6/96, de 31/1, designadamente quanto à prova de ter sido intentada acção judicial no prazo de 30 dias.
36. Por sua vez, estipula o Ac. TCA Norte de 19.12.2014 in dgsi 00555/10.1BECBR que: O Presidente da Câmara Municipal não pode rejeitar liminarmente o pedido de licenciamento com base na ilegitimidade da requerente, quando o pressuposto que o levou a decidir nesse sentido, a necessidade de autorização da senhoria para a realização de obras no locado, está a ser discutida em processo judicial a correr os seus termos, impondo-se nesse caso, pelo contrário, a suspensão do procedimento de licenciamento, face ao disposto artigo 11.º, n.º 7, do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, e no artigo 31º nº 1 do Código de Procedimento Administrativo.
37. A este propósito veja-se o Acórdão do STA de 27 de Janeiro de 2010. Apêndice de 2011-03-10 que refere expressamente: Questão prejudicial para efeito de suspensão do procedimento administrativo nos termos do disposto no artigo 31.º, n.º 1 do CPTA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento.
38. Por sua vez, Ac. TCA Norte de 25.05.2012, estatui que: V. Questão prejudicial para efeito do disposto no art. 31.º n.º 1 do CPA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento. VI. Esta decisão não pode ser proferida, nomeadamente com uma determinada margem de segurança, sem se saber ou conhecer o resultado da decisão da questão prejudicial que compete a outro órgão administrativo ou aos tribunais, ou seja, a resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo tem que depender da solução a dar à questão prejudicial.Não se pretende, contudo, afastar as razões que possam assistir ao reclamante. O que se pretende dizer é que existindo prova da legitimidade do requerente enquanto pressuposto para desencadear o procedimento e cumprindo a pretensão todas as normas de direito urbanístico, exigir-se-ia que o reclamante contestasse perante os tribunais essa mesma legitimidade, através da acção própria, para que a Câmara pudesse questionar a legitimidade do requerente (que foi o que aconteceu no caso sub judice). Sem tal iniciativa entendemos que o presidente da Câmara não deve suspender o procedimento de licenciamento, já que não existe nenhuma questão prévia dependente de decisão dos tribunais.
39. No mesmo sentido vai o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19.12.2014, Processo: 00555/10.1BECBR: Se dúvidas existissem, deveria o Douto Tribunal a quo suspender a sua decisão até porque, tal decisão poderia vir a contender com a decisão a tomar por outra entidade e assim contender com a decisão final deste outro que venha a reconhecer não ser necessária autorização dos senhorios para a realização da operação urbanística por a autora se encontrar legitimada para tal.
40. Porém, não podemos descurar de todo que o que a Administração ganha em celeridade processual, perdem os particulares em defesa dos seus direitos, podendo os actos administrativos acarretar delongas ainda maiores e um avolumar de conflitualidade noutras sedes, nomeadamente noutros órgãos ou tribunais. Pelo que, o art. 11º nº 7 visa alcançar o justo equilíbrio entre a celeridade processual e o cumprimento do direito do urbanismo que são apanágio da Administração e os direitos de terceiros que possam ser afetados por esses actos, designadamente quanto à legitimidade procedimental sem a qual não pode haver decisão de fundo.
41. Por conseguinte, neste caso, não deveria a Administração rejeitar o pedido de licenciamento ou de autorização, mas antes suspender o mesmo ao abrigo do art. 11º nº 7 supra referido, pois na certidão do registo predial junta pelos AA. encontra-se registado um ónus que impede a concretização da operação, nomeadamente a providência cautelar inominada nos termos do CPC que impede o Requerente de solicitar licenças camarárias e alienar as frações e ainda o procedimento cautelar de suspensão da eficácia do ato de autorização de utilização que correu previamente a estes autos e impedia o município de tomar qualquer decisão administrativa antes da resolução definitiva da questão controvertida.
42. Não colhe nesta sede argumentar com as delongas da contenda judicial, que são alheias às partes nem com os eventuais abusos de situações de suspensão do procedimento, já que nesse caso existem os mecanismos legais de indemnização ao lesado que podem ser acionados.
43. A licença de autorização suspendenda implicou a atribuição de uma permissão para que o seu beneficiário possa usar e alienar um prédio que é da propriedade dos Recorrentes, permissão essa que de forma óbvia e inescapável constitui um efeito lesivo do direito de propriedade da mesma Recorrente sobre o mesmo prédio.
44. Assim a expressão qualquer direito que confira a faculdade de realização da operação constante da Portaria n.º 1110/2001 só pode ser entendida como uma referência à titularidade do direito de propriedade ou do direito ao arrendamento e isto porque, por um lado, sem essa titularidade o requerente não pode iniciar a operação (cfr. Acórdão do STA de 26.09.2013, Proc. nº ...3, in dgsi)
45. Ora no caso sub judice, não se pede à Administração para interferir na esfera privada, nem para indeferir a pretensão da contra-interessada, mas tão somente que, dada a dúvida suscitada quanto ao titular do direito de propriedade, suspenda o procedimento até tal litigio ser resolvido pelos órgãos competentes, conforme estatui o art. 11º nº 7 do RJEU.
46. Enfim, apesar de a contra-interessada beneficiar da presunção do registo predial, tal não significa que o seu direito não possa ser posto em causa, como aconteceu no caso em apreço, nomeadamente através de uma providência cautelar não especificada nos tribunais comuns na qual os AA. pediam, além do mais, que aquela se abstivesse de efetuar pedidos de licenças camarárias ou outras relacionadas com o prédio em causa - Factos Provados MM) e NN), como preliminar de ulterior ação declarativa de anulação da escritura de usucapião celebrada – Factos Provados UU).
47. Ora, os AA. fizeram prova, no processo de licenciamento, de haver intentado em 4 de Agosto de 2010 e registado a aludida providência cautelar não especificada e a Administração tomou a decisão de deferir a licença de autorização em 23 de Agosto de 2010, ou seja, antes de saber do desfecho da referida providência onde tinha sido pedido que a contra-interessada se abstivesse de pedir licenças camarárias e portanto nessa altura a Administração deveria ter suspenso o procedimento ao abrigo do art. 11º nº 7, pelo menos até ser decidida com transito em julgado tal providência, o que não aconteceu.
48. Acresce que, o deferimento de tal providência acarretaria a rejeição do pedido de licenciamento em virtude de o Requerente apesar de proprietário inscrito não ter o direito de requerer licenças camarárias não a sua suspensão, até ser decidido quem é o proprietário do terreno nos tribunais cíveis. Porém, tal situação poderia ser revertida se na respetiva ação ficasse decidido que o proprietário do terreno é a contra-interessada IC..., S.A.. Assim, tal decisão seria muito mais penosa para a contra-interessada do que ficar a aguardar o desfecho sobre a titularidade do terreno para saber a favor de quem emitir a respetiva autorização de utilização, que permitira à contra-interessada alienar as frações construídas no prédio, à revelia dos AA. e com consequências muito mais gravosas e irreversíveis.
49. Sem prescindir, da certidão do registo predial já constava registado o ónus do pedido de providência cautelar cível como preliminar da ação de anulação e posteriormente também foi registada a respetiva ação, o que sempre impediria a concretização da operação de licença de autorização por parte da IC..., S.A..
50. Não querer ver o óbvio e refugiar-se atrás de leis do urbanismo para permitir a emissão de atos administrativos céleres que permitem indevidamente ao Requerente construir e dispor de bens, que vão de seguida causar uma maior litigiosidade, morosidade e gastos face aos direitos privados em conflito, em nada ajuda a celeridade processual nem os princípios da segurança jurídica, sendo muito menos penoso, mais proporcional e justo suspender o processo de autorização até ser decidida a titularidade do direito de propriedade.
51. Por conseguinte, não se pode dizer que não haviam dúvidas e muito menos sérias quanto à titularidade do direito de propriedade do terreno que começaram com o DD que requereu o processo de licenciamento sem qualquer título de propriedade, apenas munido com duas procurações irrevogáveis, sendo uma delas referente a uma menor sem qualquer autorização judicial e posteriormente não está minimamente provado como aparece a IC..., com um alegado titulo de propriedade por usucapião, de um terreno prometido comprar pelo DD e inscrito na matriz. Assim não está comprovado como passou o terreno do DD para a IC..., nem tal sequer consta da transação judicial.
52. Sem foi o próprio Tribunal que, por despacho de 10.01.2017, suscitou a eventual existência de uma questão prejudicial constituída pelo Proc. nº 10972/10..... Ora, se o próprio Mº juiz a quo entendeu na altura que a decisão do processo cível era uma questão prejudicial aos presentes autos, mormente no que concerne à propriedade do terreno em questão e à validade dos negócios jurídicos associados, como pode agora vir dizer que a questão da propriedade não é questão prévia à concessão da licença da autorização de utilização?
53. Aliás, estes autos estiveram na prática parados durante uma dezena de anos a aguardar a decisão do processo cível.
54. Os AA. opuseram-se na altura ao projecto de suspensão da instância aduzindo, em suma, que nestes autos não se encontra em causa a propriedade do terreno em si, mas sim o incumprimento por parte do Réu de um dever legal de suspender a emissão da licença de utilização previsto no nº 7 do art. 11º do RJUE.
55, Porém, face ao teor da sentença recorrida, e por o Tribunal Administrativo não ser competente para apreciar questões cíveis, nomeadamente de propriedade, por maioria de razão, se justificaria a suspensão desta instância até à decisão do processo cível, o que desde já se Requer.
56. Face ao exposto a sentença recorrida viola os arts. 9º e 11º do RJEU e ainda o art. 31º do CPA, concluindo-se como na p.i..
TERMOS EM QUE deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, concluindo-se como na p.i., fazendo-se assim inteira e sã
JUSTIÇA.
**

O Réu Município ... veio apresentar Contra alegações, onde a final elencou as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
Conclusões
A - A questão essencial a decidir nestes autos refere-se à relevância que um litígio civil entre particulares possa ter na decisão do pedido de licenciamento de uma operação urbanística;
B - O requerente da operação urbanística era o titular inscrito no registo predial, presumindo-se assim a sua propriedade;
C - face a esta presunção, que não foi ilidida, o recorrido era obrigado a aceitar a legitimidade do requerente para requerer a operação urbanística;
D - A presunção decorrente do registo é válida e impõe-se ao recorrido até que exista uma decisão judicial que declare o contrário;
E - O recurso deve improceder, mantendo-se a douta sentença recorrida;
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, sendo integralmente mantido o Acórdão recorrido, com o que farão V.ªs Ex.ªs, como habitualmente,
JUSTIÇA.

*

Os Contra interessados IC..., S.A. e DD apresentaram Contra alegações conjuntas, onde a final elencaram as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
Conclusões
A. O thema decidendum deste recurso respeita à existência ou não de legitimidade por parte da 1ª Contra-interessada “A IC..., S.A.” para requerer e obter o licenciamento de obras no imóvel identificado na Petição.
B. Ao contrário do pugnado pelos Autores/Recorrentes, bem andou o Tribunal ‘a quo’ ao decidir que se encontrava formalmente evidenciada a legitimidade procedimental da 1ª Contra-interessada, pelo que não havia motivos para a Ré Câmara Municipal ... indeferir ou suspender o procedimento de autorização de utilização.
C. Assim, a douta Sentença recorrida não merece qualquer censura, encontrando-se devida e correctamente fundamentada, de facto e de direito.
D. Os actos administrativos de licenciamento e autorização estão unicamente sujeitos às normas do direito do urbanismo, não podendo as normas de direito privado constituir fundamento para indeferir pedidos de licenciamento ou autorização.
E. Entende a especializada doutrina e a jurisprudência (unânime) que, para licenciar ou autorizar uma operação urbanística, a Administração tem de tomar em consideração exclusivamente normas de direito do urbanismo que lhe compete apreciar e, concedida a licença ou autorização, os direitos de terceiros não são por elas afectados, pelo que, perante terceiros, tudo se passa como se a licença ou autorização não tivessem sido concedidas.
F. No entanto, exige-se que o requerente indique a qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística (artigo 9º, nº1 do Decreto-lei n º 555/99, de 16/12).
G. Há, assim, em matéria de legitimidade uma excepção à regra da consideração exclusiva de normas de direito do urbanismo no que respeita aos procedimentos de autorização e licenciamento de operações urbanísticas, já que a administração municipal tem que recorrer às regras de direito privado para verificar se os documentos apresentados pelo requerente comprovam a legitimidade do direito que lhe permite realizar a operação urbanística pretendida.
H. Mas a análise da legitimidade, efectuada na fase de saneamento do procedimento, respeita apenas a questões de ordem formal e processual que obstem ao conhecimento do pedido apresentado, pelo que se o requerente for o proprietário do imóvel e o comprovar mediante a apresentação da respectiva certidão do registo predial, o Presidente da Câmara deve considerar formalmente provada a legitimidade
do requerente.
I. De facto, o registo constitui uma presunção «iuris tantum» da existência do direito invocado, nos termos do artigo 7º do Código do Registo Predial, beneficiando o titular inscrito do efeito básico da publicidade do registo, a saber: a oponibilidade erga omnes dos direitos reais sobre imóveis (artigo 5º do Código do Registo Predial).
J. Enquanto o registo não for cancelado ou rectificado, é o titular registal que permanece legitimado, formalmente, para desencadear seja as modificações de direito civil que entenda, seja para desencadear junto da Administração os procedimentos necessários às operações urbanísticas que pretenda levar a efeito no prédio de que é titular inscrito (artigo 9º, nº 1 do Código de Registo Predial).
K. A presunção registral actua, assim, relevantemente quer quanto ao facto inscrito, quer quanto aos sujeitos e objecto da relação jurídica dele emergente, pelo que ao Presidente da Câmara apenas cabe observar se o teor das descrições que constam do registo confere legitimidade ao particular para requerer o licenciamento de operação urbanística pretendida, não lhe competindo dirimir eventual conflito entre os particulares mas sim aos tribunais.
L. Ora, os actos de licença ou de autorização são efectuados sob reserva de terceiros, pois não conferem, por si, quaisquer direitos reais, dado que se tratam de actos administrativos que não criam modificam ou extinguem direitos privados.
M. Por isso, não pode considerar-se motivo de suspensão dos procedimentos as questões de competência judicial referente à discussão de direitos, devendo a administração municipal, no que respeita à questão da legitimidade, avançar com o procedimento, mesmo que exista um litígio entre o requerente e terceiros que tenha, precisamente, por objecto a titularidade do direito que foi invocado, e mesmo que tal litígio esteja a ser resolvido no tribunal competente (Fernanda Paula Oliveira, RJUE – Comentado, Almedina/2011, 3ª ed., págs. 169, 200/201).
N. O procedimento administrativo apenas não deverá prosseguir, devendo ser rejeitado o pedido de licenciamento, admissão de comunicação prévia ou autorização nas seguintes situações: (i) quando o requerente não faça prova da legitimidade; (ii) quando resulta claramente dos documentos entregues que ele não é, efectivamente, o titular do direito que invoca ou se o faz, no procedimento, prova disso; (iii) quando o direito que se invoca não permite realizar a operação em causa.
O. No caso decidendo, conforme decorre dos Factos provados vertidos nas alíneas Q), R), S), T) e U) da douta Sentença recorrida, quer a escritura pública de justificação notarial (que titula o direito de propriedade da Contra-interessada), quer a respectiva certidão passada pela Conservatória do Registo Predial foram juntas ao procedimento de licenciamento, pelo que a Contra-interessada fez prova da sua legitimidade, conforme doutamente decidiu o Tribunal ‘a quo’.
P. O facto de se encontrar pendente uma providência cautelar instaurada pelos Autores/Recorridos (que viria a ser julgada improcedente) não constituía motivo fosse para o indeferimento, fosse para a suspensão do procedimento de licenciamento, Q. Uma vez que o requerente/Contra-interessada fez prova da sua legitimidade (por ser titular do direito de propriedade sobre o prédio) e a sua pretensão cumpria todas as normas de direito urbanístico, nomeadamente a cedência ao domínio público da área de 237,91m2 (Cfr. Factos provados vertidos nas alíneas C), DD), EE), GG), HH), KK) e PP) da douta Sentença recorrida, os quais não foram impugnados pelos Recorrentes).
R. Em suma, bem andou o Tribunal da Primeira Instância ao julgar a acção totalmente improcedente.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado totalmente improcedente, confirmando-se a douta Sentença recorrida, POR SER DE INTEIRA JUSTIÇA.
[…]”

*

O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos.

**

O Ministério Público junto deste Tribunal Superior não emitiu parecer sobre o mérito do presente recurso jurisdicional.

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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.

***

II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelos Recorrentes, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], e que se reconduzem, a final, em saber se a Sentença recorrida proferida pelo Tribunal a quo padece de erro de julgamento em matéria de interpretação e aplicação do direito, a que se reportam os artigos 9.º e 11.º, ambos do RJUE e o artigo 31.º do CPA.

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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui se extrai como segue:

“[…]
Factos provados.
Com interesse para a decisão a proferir, julgo provados os seguintes factos:

A) Em 09 de Julho de 2001, DD, ora 2.º contra-interessado, invocando a qualidade de proprietário do prédio sito na Av. ..., ..., com a área de 3557 metros quadrados, com a descrição predial n.º ...99 e a inscrição matricial n.º ...69, deu entrada nos serviços da Câmara Municipal ... de um pedido de aprovação do projecto de arquitectura destinado à construção de um edifício de habitação multifamiliar [cf. fls. 1-45 da ..., cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];
B) Com o pedido identificado na alínea antecedente, o 2.º contra-interessado juntou, além do mais, uma procuração outorgada em 26 de Setembro de 1995 pelos Autores, AA e BB a seu favor e da sua mulher para, além do mais, “venderem a quem e pelo preço e condições que tiverem por convenientes, uma parcela de terreno com a área de três mil quinhentos e cinquenta e sete metros quadrados, a destacar do prédio urbano de que a sua representada é dona com os demais comproprietários, sito na Rua ... (...), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...69 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... (…) representá-los junto (…) de Cartórios Notariais e Câmaras Municipais, apresentando junto destas o competente pedido de destaque de parcela, efectuando o registo do respectivo ónus, bem como apresentando na mesma quaisquer pedidos de construção de edifícios na parcela a destacar, levantando as correspondentes licenças (…)” [cf. certidão de fls. 78 da Pasta I do PA];

C) Em 17 de Janeiro de 2003, o 2.º contra-interessado apresentou um requerimento no âmbito do processo de licenciamento autuado com o número 1382/01 comunicando aos serviços da Câmara Municipal ..., além do mais, que “o presente aditamento apresenta nos desenhos a área de cedência ao domínio público devidamente assinalada com a área de 237,91 m2 a ceder para zonas verdes” [cf. fls. 47-75 da Pasta I do PA];

D) Em 28 de Janeiro de 2003, a Autora, CC, apresentou um requerimento no âmbito do processo de licenciamento n.º ...1 comunicando aos serviços da Câmara Municipal ... que não deu autorização para que o 2.º contra-interessado requeresse tal licenciamento [cf. fls. 77 da Pasta I do PA];

E) Por despacho de 29 de Janeiro de 2003, exarado sobre os pareceres dos serviços da G..., E.M., o Vereador da Câmara Municipal ..., GG, deferiu o pedido identificado na alínea B), condicionado, além do mais, à “apresentação de certidão da Conservatória do Registo Predial comprovativa da descrição e da inscrição do ónus de não fraccionamento, conforme o disposto no n.º 4 do artigo 5.º do DL 448/91, de 29 de Novembro” [cf. cópia em documento n.º ... da petição inicial, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

F) Em 17 de Fevereiro de 2003, o 2.º contra-interessado juntou ao processo de licenciamento n.º ...1 uma segunda procuração outorgada em 26 de Setembro de 1995 por HH, como representante legal da Autora, CC, à data menor com dezasseis anos de idade, a seu favor e da sua mulher para, além do mais, “venderem a quem e pelo preço e condições que tiverem por convenientes, uma parcela de terreno com a área de três mil quinhentos e cinquenta e sete metros quadrados, a destacar do prédio urbano de que a sua representada é dona com os demais comproprietários, sito na Rua ... (...), inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...69 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ... (…) representá-los junto (…) de Cartórios Notariais e Câmaras Municipais, apresentando junto destas o competente pedido de destaque de parcela, efectuando o registo do respectivo ónus, bem como apresentando na mesma quaisquer pedidos de construção de edifícios na parcela a destacar, levantando as correspondentes licenças (…)” [cf. certidão de fls. 78-86 da Pasta I do PA];

G) Por ofício de 2 de Abril de 2003, emitido pelo Director Municipal, Eng.º II, foi comunicado à Autora, CC, além do mais, que “no caso concreto, o actual titular do processo possui legitimidade e encontra-se habilitado para instituir o pedido de licenciamento junto da câmara municipal, uma vez que tais poderes lhe foram concedidos por intermédio de procuração, ou seja, mediante instrumento legal que lhe atribuiu poderes para a prática de tal acto, assumindo uma das qualidades (a de mandatário) exigidas pelo n.º 2 do artigo 14.º do DL 445/91, de 20 de Novembro, com as alterações introduzidas pelo DL 250/94, de 15 de Outubro. Nestas circunstâncias, informa-se que o actual requerente DD, possui legitimidade para instruir o pedido de licenciamento (P.O.P. – 1382/01), uma vez que se encontra devidamente habilitado por meio de duas procurações, com a data de 26/09/1995, devidamente assinadas por AA e BB e por HH. Pelo que, sendo a procuração irrevogável, qualquer incidente que venha a surgir entre mandantes e mandatários, deverá ser resolvido no âmbito do foro privado” [cf. documento n.º ... da petição inicial];

H) Em 2 de Junho de 2003, a Autora, CC, apresentou um requerimento dirigido ao Presidente da Câmara Municipal ... comunicando que, na altura em que o 2.º contra-interessado juntou a referida procuração especial, aquela já era maior de idade, pelo que “qualquer acto praticado pelo requerente necessita posteriormente da minha aprovação. Faço notar ainda que se encontra a decorrer na ... Vara Mista do Tribunal Judicial de ... a acção respeitante ao proc. n.º ...0 contra o requerente, por incumprimento do contrato promessa de compra e venda (objecto do pedido de licenciamento em causa) por falta de pagamento do preço ” [cf. fls. 87 da Pasta I do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

I) Por despacho de 29 de Janeiro de 2003, exarado sobre os pareceres dos serviços da G..., E.M., o Vereador da Câmara Municipal ..., GG, determinou que se notificasse a Autora, CC, além do mais, quanto ao seguinte [cf. cópia em documento n.º ... da petição inicial]:

“(…) Analisados os trâmites procedimentais e, salvo melhor entendimento, parece subsistir a dúvida quanto à legitimidade do requerente do presente processo. Se assim se entender, ainda que se trate de uma questão a dirimir judicialmente, poderá não deixar de obstar à futura emissão de licença de construção. Senão vejamos. Considerando a natureza da procuração outorgada pela mãe da reclamante (no próprio interesse do procurador) apesar de àquela a quem competia o exercício do poder paternal, representando a sua filha, enquanto menor por falta de capacidade, a verdade é que o poder de disposição de bens da menor, é um acto cuja validade depende de autorização judicial (v. art. 1889.º CC). Trata-se, no entanto, de uma questão de direito civil, dirimível no foro privado, judicialmente. Caberá, portanto, à reclamante accionar os mecanismos legais que tem ao seu dispor para sanar a arguida invalidade do acto, demonstrando a sua legitimidade para intervir no processo, juntando certidão de ónus de parcela de terreno objecto da intervenção, devidamente actualizada e inscrita a seu favor e fazendo prova de que requereu a anulação do acto praticado por sua mãe, em sua representação. (…) sob pena de o processo de licenciamento prosseguir os trâmites normais com vista à emissão da respectiva licença de construção a favor do requerente DD (…)”

J) Em 10 de Outubro de 2003, HH recebeu o ofício n.º ...3 emitido pelos serviços da Câmara Municipal ... e dirigido à Autora, CC, no qual se comunicava que “deverá no prazo de 15 dias (…) juntar ao processo certidão predial de ónus e encargos da parcela de terreno objecto da intervenção, devidamente actualizada e inscrita (também) a seu favor e fazendo prova de que requereu judicialmente a anulação do acto praticado por sua mãe, em representação, sob pena de o processo de licenciamento prosseguir os trâmites normais com vista à emissão da respectiva licença de construção a favor do requerente DD” [cf. fls. 60 da Pasta III do PA];

K) Em 25 de Novembro de 2004, a ... Vara Mista do Tribunal Judicial de ... homologou, por sentença transitada em julgado, a transacção celebrada entre os Autores e o ora 2.º contra-interessado no processo n.º ...00, através da qual, além do mais, aqueles prometeram vender a este “um logradouro com área de 3557 m2 do prédio urbano descrito na matriz sob o n.º ...99, na freguesia ... e inscrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o artigo n.º ...69” [cf. fls. 98-102 da Pasta I do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

L) Por ofícios de 26 de Novembro de 2004, 12 de Janeiro de 2005 e 28 de Abril de 2005, os serviços da Câmara Municipal ... comunicaram ao 2.º contra-interessado de que este dispunha do prazo de 10 dias para “apresentar a certidão emitida pela Conservatória do Registo Predial com inscrição de ónus de não fraccionamento relativo às parcelas resultantes do destaque do prédio em questão”, sob pena de o processo ser considerado deserto, nos termos do n.º 1 do artigo 111.º do CPA” [cf. cópias em documentos n.ºs ..., ..., ... e ... da PI e fls. 108 da Pasta I do PA];

M) Em 30 de Novembro de 2004, o 2.º contra-interessado juntou ao processo de licenciamento cópia da certidão da conservatória do registo predial relativa ao prédio misto aí descrito sob o n.º ...99 e inscrito na matriz predial sob os artigos ...69 (urbano) e ...51 (rústico), com a área total de 7320 metros quadrados [cf. certidão a fls. 89-93 e 105 da Pasta I do PA];

N) Em 17 de Maio de 2005, o 2.º contra-interessado requereu perante os serviços da Câmara Municipal ... a prorrogação do prazo para apresentar a pretendida certidão da Conservatória do Registo Predial, invocando a necessidade de previamente ser registado o destaque do prédio em questão [cf. fls. 101-120 da Pasta I do PA];

O) Em 17 de Maio de 2005, o 2.º contra-interessado requisitou à Conservatória do Registo Predial ... o registo da desanexação de uma “parcela de terreno onde se encontra já edificada a casa com o artigo ...69 com a seguinte composição: com a área coberta de 215m2 e descoberta de 1022m2” e do destaque da parte restante relativa ao “terreno de construção com a área de 3557m2 a confrontar de Norte com JJ, Sul com a Rua ..., nascente com KK, Poente com LL” [cf. cópia a fls. 113-114 da Pasta I do PA];

P) Desde 5 de Julho de 2005 que o 2.º contra-interessado é o administrador único da 1.ª contra-interessada, sociedade esta cujo objecto é a compra e venda de imóveis e gestão imobiliária [cf. certidão permanente de fls. 135-139 da Pasta I do PA];

Q) Em 23 de Novembro de 2005, foi celebrada uma escritura de justificação notarial no Cartório Notarial .... MM, na qual este notário declarou que a 1.ª contra-interessada adquiriu, por usucapião, o terreno urbano destinado a construção, situado na Rua ... e ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 3.557 metros quadrados e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...12 [cf. certidão da escritura de fls. 124-125 e cópia da caderneta predial de fls. 140, todas da Pasta I do PA, cujo teor se dá por integralmente reproduzido];

R) Em 30 de Novembro de 2005, o 2.º contra-interessado juntou ao processo n.º ...1 a escritura de justificação notarial melhor identificada na alínea antecedente e, bem assim, de certidão de omissão na matriz predial relativamente à inscrição do artigo n.º ...12 [cf. cópia em documento n.º ...0 da petição inicial e fls. 121-125 da Pasta I do PA];

S) Em 14 de Dezembro de 2005, a 1.ª contra-interessada requereu perante os serviços da Câmara Municipal ... que o processo n.º ...1 fosse averbado em seu nome [cf. fls. 127-132 da Pasta I do PA];

T) Através da apresentação n.º 68 de 3 de Janeiro de 2006, a ... Conservatória do Registo Predial de registou a favor da 1ª contra-interessada a aquisição, por usucapião, da propriedade do terreno urbano destinado a construção, situado na Rua ...
NN e ..., freguesia ..., com a área de 3.557 metros quadrados, descrito naquela Conservatória sob o n.º ...03 e inscrito na matriz sob o artigo ...12 (e que anteriormente se encontrava omisso na matriz predial) [cf. certidão de fls. 145-148 da Pasta I e fls. 356-360 da Pasta II do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

U) Em 8 de Fevereiro de 2006, a 1.ª contra-interessada apresentou junto dos serviços da Câmara Municipal ... no âmbito do processo de licenciamento n.º ...1 a certidão passada pela Conservatória do Registo Predial ... e melhor identificada na alínea antecedente [cf. fls. 144-148 da Pasta I do PA];

V) Em 15 de Novembro de 2006, o 2.º contra-interessado, na qualidade de administrador da 1.ª contra-interessada, apresentou um requerimento junto dos serviços da Câmara Municipal ... no âmbito do processo n.º 13..., peticionando a emissão de alvará de licença/autorização de operações urbanísticas, nos termos do artigo 76.º do DL n.º 555/99, de 16 de Dezembro [cf. fls. 153-200 da Pasta I do PA];

W) Por despacho de 2 de Fevereiro de 2007, exarado sobre o parecer dos serviços da G..., E.M., o Vereador da Câmara Municipal ... deferiu o pedido de averbamento formulado pela 1.ª contra-interessada [cf. cópia em documento n.º ...1 da PI];
X) Com data de 29 de Outubro de 2007, foi emitida a alteração ao alvará de licença de construção n.º ...6 no âmbito do processo n.º ...82, em nome da 1.ª contra-interessada, “através do qual é licenciada a construção que incide sobre o prédio sito em Avenida ... da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de , sob o n.º ...32 e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...12” [cf. fls. 236 da Pasta I do PA];

Y) Em 16 de Abril de 2008, a 1.ª contra-interessada requereu perante os serviços da Câmara Municipal ... a alteração do alvará de licença de construção n.º ...6, “em virtude de o prédio com o artigo que consta no referido alvará n.º ...12 ter sofrido um destaque de parcela com a abertura de uma rua o que originou o destaque físico e neste momento temos dois números e dois artigos novos (…) deve constar o artigo da matriz predial urbana n.º ...48 e ...50 e descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob os n.ºs ...25 e ...32” [cf. fls. 235 da Pasta I do PA];

Z) Com o requerimento n.º ...8 identificado na alínea antecedente, a 1.ª contra-interessada procedeu à junção de duas cadernetas prediais e das respectivas certidões do teor matricial, das quais resulta, além do mais, que os artigos matriciais n.º ...48, com a área total de 2.868,80 metros quadrados, e n.º ...50, com a área total de 688,20 metros quadrados, tiveram ambos como origem o artigo 5212 com a área total de 3.557 metros quadrados, encontrando-se ambos registados a favor daquela na ... Conservatória do Registo Predial de , sob as descrições com os números ...20 e ...03, através da apresentação n.º 68 de 3 de Janeiro de 2006 [cf. cadernetas de fls. 237-240 e certidões de fls. 241-246 da Pasta I do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

AA) Por despacho de 7 de Maio de 2008, o Vereador da Câmara Municipal ..., OO, determinou a rectificação do alvará de licença de construção n.º ...6, o qual, mantendo as condicionantes prévias, passou a incidir sobre o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o n.º ...25 e inscrito na matriz predial sob o n.º ...48 referente à delimitação da parcela a destacar com 2.868,80 m2, desanexada do prédio n.º ...06 [cf. fls. 268-269 da Pasta III do PA];

BB) Com data de 7 de Maio de 2008, foi emitida a alteração ao alvará de licença de construção n.º ...6, “através da qual é licenciada uma construção que incide sobre o prédio sito na Avenida ..., da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial de sob o n.º ...25 e inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...48” [cf. fls. 271 da Pasta III do PA];

CC) Em 30 de Janeiro de 2009, a 1.ª contra-interessada solicitou aos serviços da Câmara Municipal ..., no âmbito do processo n.º ...1, a emissão de alvará de licença de obras de edificação e alteração [cf. fls. 276 da Pasta II do PA];

DD) Por despacho de 20 de Novembro de 2009, a Vereadora da Câmara Municipal ..., EE, determinou que a 1.ª contra-interessada fosse notificada de que a actualização das condições de licenciamento se encontrava “condicionada ao pagamento da taxa de compensação no valor de € 4.605,26 e, que após a resolução desta matéria poderá apresentar um pedido de alteração das condições de licenciamento da construção, onde preveja a incorporação no domínio privado da parcela definida na obra licenciada como cedência ao domínio público para área verde” [cf. fls. 358-362 da Pasta III do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

EE) Por requerimento de 9 de Dezembro de 2009 com o n.º 19353/09, a 1.ª contra-interessada procedeu à junção ao processo n.º ...1 de planta de implantação onde se verificava a incorporação no domínio privado de parcela definida como cedência ao domínio público para área verde [cf. informação em ponto 2 de fls. 367 da Pasta III do PA e documento n.º ...3 da PI];

FF) Por despacho de 1 de Fevereiro de 2010, a Vereadora da Câmara Municipal ..., EE, determinou a notificação da 1.ª contra-interessada, além do mais, de que “a incorporação no domínio privado da parcela definida, na obra licenciada, como cedência ao domínio público para área verde implica um agravamento da taxa de compensação, devendo ser apreciado à luz da legislação aplicável”, determinando que “deverá ser apresentada Ficha com os elementos estatísticos devidamente preenchida com os dados referentes à operação urbanística a realizar – ficha EST-02, nomeadamente, a indicação da área bruta de construção, da área total do terreno afecta à construção e da área bruta de implantação da edificação do lote, que nos permitirá efectuar a contabilização da taxa de compensação aplicável pela não cedência da parcela destinada a área verde” [cf. fls. 366-368 da Pasta III do PA];

GG) Em 26 de Fevereiro de 2010, a 1.ª contra-interessada apresentou um requerimento junto dos serviços da Câmara Municipal ... com o n.º 3538/10, do qual consta, além do mais, o seguinte [cf. cópia em documento n.º ...7 da PI]:

“(…) O presente aditamento visa ainda informar que relativamente à área de cedência ao domínio público, esta será para manter como inicialmente aprovado pelo projecto de licenciamento e respeitantes elementos gráficos e escritos, eliminando assim a intenção da Requerente em manter em sua posse a referida área – Junto anexo certidão predial (…)”

HH) Em 15 de Março de 2010, a 1.ª Conservatória do Registo Predial emitiu uma certidão quanto ao prédio urbano aí descrito sob o n.º ...15 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...01..., formado pelos prédios descritos sob os números ...20 e ...18, da qual consta que “da área inicial de 2.907,80 m2, 1.004,77 m2 são para integrar o domínio público, sendo 237,91 m2 para espaços verdes e 766,86 m2 para infra-estruturas várias” [cf. cópia da certidão em documento n.º ...6 da PI];

II) Por despacho de 22 de Abril de 2010, a Vereadora da Câmara Municipal ..., EE, deferiu a aprovação do aditamento ao projecto de arquitectura apresentado pela 1.ª contra-interessada, “mantendo-se as condicionantes comunicadas em 1.º aditamento ao alvará de licença de obras de construção n.º ...6” [cf. fls. 371-373 da Pasta III do PA];
JJ) Por despacho de 10 de Maio de 2010, a Vereadora da Câmara Municipal ..., EE, deferiu o pedido de licenciamento averbado em nome a da 1.ª contra-interessada [cf. fls. 376 Pasta III do PA];

KK) Em 4 de Junho de 2010, o ora 2.º contra-interessado, na qualidade de administrador único da 1.ª contra-interessada, outorgou no Notário, Lic. PP, uma escritura de “Constituição de Propriedade Horizontal”, da qual consta, além do mais, que “é cedido ao domínio público a área de 1.004,77 metros quadrados, sendo a área de 237,91 metros quadrados para espaços verdes e a área de 766,86 metros quadrados para execução de infra-estruturas várias” [cf. certidão de fls. 461-462 da Pasta III do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

LL) Em 14 de Julho de 2010, a 1.ª contra-interessada requereu junto dos serviços da Câmara Municipal ..., no âmbito do processo n.º ...1, a concessão de autorização de utilização da construção “que se encontra concluída desde 4 de Junho de 2010” [cf. cópia em documento n.º ...2 junto com a PI];

MM) Em 10 de Agosto de 2010, os Autores fizeram uma exposição dirigida ao Presidente da Câmara Municipal ... peticionando, a final, “que, atendendo à providência cautelar registada, não seja emitida licença de habitabilidade em nome da IC..., S.A. ou, caso a mesma já tenha sido emitida, deve ser revogada de imediato, com as necessárias consequências legais. Sem prescindir, nunca o DD ou a IC..., S.A. tiveram legitimidade como Requerentes neste processo, sendo que no primeiro caso para além de não ter poderes de representação nunca demonstrou ser proprietário do prédio em causa e no segundo caso também nunca demonstrou ser proprietário do prédio fazendo apenas referência a uma escritura de usucapião com base em falsas declarações” [cf. cópia em documento n.º ...4 da PI, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

NN) Com a exposição melhor identificada na alínea antecedente, os Autores remeteram aos serviços da Câmara Municipal ... uma cópia da certidão permanente da qual resulta que pela apresentação n.º 2580 de 4 de Agosto de 2010 foi efectuado o registo provisório por natureza na ... Conservatória do Registo Predial de de uma providência cautelar não especificada sobre os prédios aí descritos sob os números ...03 e ...15 no âmbito da qual os Autores requerem ao Tribunal que os contra-interessados “sejam impedidos de praticarem todos e quaisquer actos de alienação dos prédios em causa, designadamente, contratos promessa de compra e venda, venda, permita, doação, dação em cumprimento, registos, hipotecas, averbamentos, cancelamentos, pedidos de licenças camarárias, pedidos nos serviços de finanças e quaisquer outros relacionados com os prédios, como preliminar da acção de anulação da escritura de justificação celebrada” [cf. cópia da certidão em documento n.º ...4 da PI];

OO) Com data de 17 de Agosto de 2010, os serviços da G..., E.M. elaboraram uma informação no âmbito do processo n.º ...1 sob o assunto “Apreciação do pedido de emissão de autorização de utilização”, da qual consta, além do mais, que “o Requerente tem legitimidade para requerer a emissão de autorização de utilização”, “não existem reclamações”, “foram pagas todas as taxas”, “o título Constitutivo de Propriedade Horizontal já contempla a cedência ao município de terreno a integrar no domínio público” [cf. fls. 412-413 do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

PP) Por despacho de 23 de Agosto de 2010, exarado sobre o requerimento n.º ...0, processo n.º ...1 – ... e o parecer com a referência 18, a Vereadora da Câmara Municipal ..., EE, invocando agir em sub-delegação do respectivo Presidente, deferiu o pedido de concessão de autorização de utilização de um edifício destinado a seis habitações unifamiliares formulado pela 1.ª contra-interessada, nos termos do artigo 63.º do DL n.º 503/99, de 16/12 [cf. fls. 419 do PA (no qual se lê que “considerando que o título constitutivo de Propriedade Horizontal já contempla a cedência ao Município da área de terreno a integrar no domínio público, não haverá lugar à celebração de escritura de cedência”)] – ACTO IMPUGNADO;

QQ) Com data de 23 de Agosto de 2010, foi emitido em nome da 1.ª contra-interessada o alvará de utilização n.º ...0 referente ao processo n.º ...1 que titula a utilização do edifício sito na Rua ..., ... garagem
e Travessa ..., ... garagem, da freguesia ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...50 [cf. fls. 423 da Pasta III do PA];

RR) Por despacho de 8 de Outubro de 2010, exarado sobres os pareceres dos serviços da G..., E.M., a Vereadora da Câmara Municipal ... indeferiu o requerimento apresentado pelos Autores, além do mais, com a seguinte fundamentação [cf. fls. 437-441 da Pasta III do PA, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido] – ACTO IMPUGNADO;

“(…) Desde logo, na opinião de Fernanda Paula Oliveira, Maria José Castanheira Neves, Dulce Lopes e Fernanda Maçãs “(…) a apreciação da legitimidade é meramente formal, isto é, limitada a verificar se o requerente apresentou documento comprovativo da legitimidade sem ter que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca. E isto é assim porque, para além da submissão exclusiva dos actos administrativos de gestão urbanística a regras do urbanismo, elas caracterizam-se também por serem emitidas tendo em consideração, não o requerente mas a conformidade do projecto com as regras urbanísticas aplicáveis ao terreno em causa. Trata-se do carácter real destes actos, segundo o qual os mesmos são emanados em função das características objectivas do terreno, tendo em conta a regulamentação do urbanismo, e não em função da qualidade do requerente. A consequência que resulta do controlo meramente formal da legitimidade do requerente ou comunicante é a de que a licença deve ser emanada, mesmo que o seu direito seja contestado por terceiros. Com efeito, existindo um litígio entre o requerente ou comunicante e terceiros no que concerne à titularidade do direito de propriedade, não deve a administração resolvê-lo, sob pena de usurpação de poderes, já que a resolução de litígios jurídico-privados cabe aos tribunais judiciais e não à Administração. Assim, não obstante aquele litígio e aquela contestação, a licença deve considerar-se legalmente emitida”. Merecem ainda menção, a este propósito, as considerações constantes do Relatório Final elaborado por Grupo de Trabalho constituído pelo Centro de Estudos de Direito do Ordenamento, do Urbanismo e do Ambiente no âmbito do Protocolo celebrado com a Inspecção-Geral da Administração do Território (CEDOUA/FDUC/IGAT, Direito do Urbanismo e Autarquias Locais, Coimbra, 2005, pág. 127): “Resulta, assim, do que vem de dizer-se, no que concerne à questão da legitimidade do requerente do pedido de licenciamento ou de autorização, que, desde que este tenha apresentado o documento exigido para prova de legitimidade, a Administração deve avançar com o procedimento, mesmo que exista um litígio entre o requerente e terceiros que tenha, precisamente, por objecto a titularidade do direito que foi invocado e mesmo que tal litígio esteja a ser resolvido no tribunal competente. Avulta ainda, no sentido de que o controlo da autoridade administrativa no que concerne à verificação da legitimidade do requerente reveste um carácter meramente perfunctório, o entendimento de André Folque (Curso de Direito da Urbanização e da Edificação, 2007, págs. 117 e 121): “A licença (como nenhuma outra das formas de controlo administrativo) não produz efeito algum – constitutivo, modificativo ou extintivo de relações obrigacionais ou reais entre o requerente e terceiros. A não ser assim, tomando o município posição num concurso entre títulos possessórios ou sobre direitos do arrendatário ou do comodatário, estaria inexoravelmente a usurpar a função jurisdicional, integralmente reservada aos Tribunais, como é próprio de um Estado de Direito (…) Não pretendemos afirmar que a preterição pura e simples do controlo sobre a legitimidade real do requerente seja inócua. O que julgamos, isso sim é que deve ser tratada como uma formalidade não essencial – ter sido apresentada prova idónea de título bastante (artigo 9.º, n.º 1). A Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro confirma bastar ao requerente indiciar a titularidade de um direito que – em abstracto – seja suficiente para executar a operação. Veja-se, de resto, que o presidente da câmara municipal só pode usar a legitimidade do requerente como motivo para obstar à operação até à decisão final (artigo 11.º, n.º 6). Não pode, por conseguinte, louvar-se na ilegitimidade do requerente para motivar a revogação, muito menos, a declaração de nulidade, da licença já deferida”. De tudo quanto fica exposto, conclui-se que, tendo sido apresentados os documentos exigidos no n.º 1 do artigo 9.º do RJUE e artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro, e sendo meramente formal o controlo da autoridade administrativa no que concerne à verificação da legitimidade do requerente, somos do parecer, salvo melhor opinião, que se mostram preenchidos os requisitos legalmente exigidos de prova da legitimidade da requerente para ser titular do presente procedimento de licenciamento. (…) Em face do exposto, propomos o indeferimento do pedido de revogação da emissão do alvará de autorização de utilização por impossibilidade, com base no n.º 1 do artigo 112.º do CPA (…)”

SS) Por despacho de 2 de Novembro de 2010, exarado sobre o parecer com a referência n.º 1 de 29 de Outubro de 2010, a Vereadora da Câmara Municipal ..., invocando agir ao abrigo de subdelegação do respectivo Presidente da Câmara Municipal, determinou a “correcção do alvará de utilização, anulando-se o anteriormente emitido e emitindo-se novo alvará mencionando-se no ponto referente à utilização do edifício, seis habitações unifamiliares e dois lugares de garagem” [cf. fls. 448 da Pasta III do PA] – ACTO IMPUGNADO;

TT) Com data de 5 de Novembro de 2010, foi emitido em nome da 1.ª contra-interessada, no processo n.º ...1, o alvará de utilização n.º 562/10, do qual consta “utilização a que se destina o edifício: seis habitações unifamiliares; dois lugares de garagem (…) o presente alvará anula e substitui o alvará de utilização n.º ...0 de 23 de Agosto de 2010” [cf. fls. 455 da Pasta III do PA];

UU) Em 3 de Dezembro de 2010, os Autores instauraram uma acção declarativa, sob a forma de processo comum ordinário, contra os ora contra-interessados, que correu termos no Tribunal Judicial de ... sob o n.º 10972/10.1TBVNG.P1, na qual peticionavam, a final, além do mais, a declaração de nulidade da escritura de justificação notarial celebrada pelos contra-interessados em 23 de Novembro de 2005 e, bem assim, o reconhecimento do direito de propriedade sobre os prédios descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob os n.ºs ...50 e ...32, na freguesia ... e inscritos nas matrizes prediais urbanas sob os artigos ... e ...50 [cf. certidão de fls. 711-836 do SITAF, cujo teor ora se dá por integralmente reproduzido];

VV) A acção declarativa melhor identificada na alínea antecedente ainda não foi objecto de decisão final com trânsito em julgado [cf. certidão de fls. 1094-1310 do SITAF];

*
Factos não provados.
Inexistem quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir.


*
Motivação.
A decisão da matéria de facto efectuou-se, mediante o recorte dos factos pertinentes para o julgamento da presente causa em função da sua relevância jurídica, atentas as várias soluções plausíveis de direito [artigos 596.º e 607.º, n.º 4, do CPC], com base no exame da prova documental oferecida pelas partes [não impugnada; artigos 374.º e 376.º do Código Civil] e constante do processo administrativo apenso, bem como na posição assumida pelas partes nos seus articulados [na parte em que foi possível obter a admissão por acordo, sem olvidar o disposto no n.º 4 do artigo 83.º do CPTA], tal como se encontra especificado nos vários pontos do probatório.”

*

Tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, aditamos ao probatório a factualidade que segue, seguindo para o efeito a temporalidade nele enunciada:

A1) Esse pedido deu origem ao processo n.º ...1 – Cfr. fls. do PA – Pasta I

A2) A instruir esse pedido, o requerente DD remeteu uma fotocópia do cartão de pessoa colectiva da Sociedade IC..., Ld.ª, onde constava que a sua constituição ocorreu em 24 de julho de 1995 – Cfr. fls. 4 do PA – Pasta I

A3) Em 12 de setembro de 1995, os 3 Autores celebraram com o DD promessa de compra e venda, pelo qual prometeram vender-lhe o logradouro, com a área de 3557 m2, a destacar do seu prédio inscrito na matriz pelo artigo ...69, e descrito na CRPredial sob o n.º ...99 – Cfr. fls. 353 a 358 do ...;

A4) Aquele contrato consta do Processo Administrativo, pelo menos a partir de 14 de setembro de 2010 – Cfr. fls. do PA;

B1) No pedido identificado em A), o DD juntou ainda, para além dos demais documentos, uma certidão emitida pela Conservatória de registo predial, tendo o funcionário do Réu responsável pelo procedimento, em 09 de julho de 2001 apreciado/verificado o pedido, concluindo que “O processo está bem instruído”;

D) com nova redacção:
“D) Em 28 de Janeiro de 2003, a Autora, CC, apresentou um requerimento no âmbito do processo de licenciamento n.º ...1 comunicando aos serviços da Câmara Municipal ... que não deu autorização para que o 2.º contra-interessado requeresse tal licenciamento, invocando ser ela e os irmãos os proprietários do terreno, mais referindo querer ser informada do que está a ser projectado [cfr. fls. 77 da Pasta I do PA]”;

D1) A CC nasceu a .../.../1979 – Cfr. fls. 88 do PA, que se trata de mera fotocópia do bilhete de identidade – Pasta I;

M1) Em 09 de maio de 2005, DD pediu ao Réu prorrogação de prazo por mais 6 meses para juntar a certidão de registo predial do prédio, por se encontrar a fazer o registo prévio em nome dos 3 proprietários, os Autores ora Recorrentes, que herdaram o bem do seu pai - Cfr. fls. do PA – Pasta I;

M2) No dia 31 de março de 2005, os Autores subscreveram declaração, que o DD remeteu ao Réu em 17 de maio de 2005, onde referem, em suma, que na sequência da transacção judicial ocorrida no processo n.º ...00, que autorizam o DD a construir as obras de edificação das moradias planeadas construir no logradouro do prédio inscrito na Conservatório ... sob o n.º ...99 e na matriz sob o artigo ...69, e a praticar todos os actos necessários à construção das moradias, e bem assim, que revogam todas as anteriores queixas - Cfr. fls. 116 do PA – Pasta I;

N) com nova redacção
“N) Em 17 de Maio de 2005, o 2.º contra-interessado requereu perante os serviços da Câmara Municipal ... a prorrogação do prazo para apresentar a pretendida certidão da Conservatória do Registo Predial, invocando a necessidade de previamente ser registado o destaque do prédio em questão, referindo que o prédio adveio à propriedade dos Autores, por sucessão [cf. fls. 101-120 da Pasta I do PA];
K1) Da referida transacção judicial, homologada por sentença transitada em julgado em 25 de novembro de 2004, dela [transacção] se extrai, entre o mais, (i) que os aqui Autores prometeram vender ao DD um logradouro com a área de 3557 m2 integrante da sua propriedade, (ii) que atribuem ao terreno o valor de €374.098,42, e que por conta do preço (iii) que já receberam a quantia de €104.747,56, e quanto ao remanescente, (iv) que será preenchida com o direito de propriedade sobre uma das moradias escolhidas pelos Autores a construir no logradouro do seu prédio no âmbito do procedimento n.º ...1, com licença já pedida na Câmara Municipal ..., (v) que a escritura de compra e venda do logradouro prometido vender, com a área de 3557m2, será realizada em simultâneo com a escritura de hipoteca a favor dos Réus [aqui Autores, ora Recorrentes] sobre dois armazéns do Autor; (vi) que o Autor toma posse efectiva do logradouro prometido vender a partir da data de levantamento da licença de construção, podendo a partir daí dar início à execução dos trabalhos necessários à realização do projecto, nomeadamente muros, escavações, fundações, com expressa autorização dos Réus – Cfr. certidão junta com o doc. n.º ... com a Oposição deduzida pelos Contra interessados no Processo cautelar n.º 3326-A/10.1BEPRT;

P) com nova redacção
P) Desde 5 de Julho de 2005 que o 2.º contra-interessado é o administrador único da 1.ª contra-interessada, sociedade esta cujo objecto é a compra e venda de imóveis e gestão imobiliária, e desde 24 de julho de 1995 que era o sócio gerente, obrigando-se a sociedade comercial apenas com a assinatura do DD [cf. certidão permanente de fls. 135-139 da Pasta I do PA];

R1) Nesse requerimento datado de 30 de novembro de 2005, referiu o DD, entre o mais, que terminava no dia 14 de dezembro de 2005 o prazo para entregar a certidão da Conservatória de registo predial ... onde pretendia edificar, mas que incorreu em erro quando indicou que o prédio para onde requereu a edificação era a destacar do n.º ...69, referindo que se enganou [o DD], e que a edificação vai ser feita é no artigo 5212, que está omisso na Conservatória de registo predial, e que no dia 23 de novembro de 2005, a sociedade comercial efectuou escritura de justificação, adquirindo assim o direito de propriedade desse prédio por usucapião, requerendo a final as alterações no processo, da identificação do prédio e do seu titular;

V1) Por telecópia datada de 05 de maio de 2006 do DD enquanto Administrador da Contra interessada, remetida ao Departamento Jurídico do Réu e com referência ao processo de licenciamento n.º ...1, solicitou compreensão para efeitos do levantamento da licença de obras e referiu ainda que “… a responsabilidade que entendam dever ser tomada por nós ou por parte de quem nos venderam o referido terreno, tudo será assinado conforme a vossa vontade.” - Cfr. fls. 119 do PA – Pasta I;

V2) Por telecópia datada de 17 de maio de 2005 do DD enquanto Administrador da Contra interessada, remetida ao Departamento Urbanístico do Réu e com referência ao processo de licenciamento n.º ...1, referiu entre o mais, que informava o Eng.º II de que o processo estava em licenciamento há 10 anos, e mais ainda, que “NOTA: Se para autorizar levantar a licença for necessário assinar mais algum documento quer da nossa parte quer da parte dos vendedores, disponibilizamo-nos para fazer e assumimos este compromisso ambas as partes” - Cfr. fls. 51 do PA – Pasta I;

MM1) Por anexo a esse requerimento dos Autores, datado de 10 de agosto de 2010, os mesmos juntaram, entre o mais, certidão de registo predial [apresentado em 04 de agosto de 2010] onde consta registo de providência cautelar como preliminar da acção de anulação da escritura de justificação celebrada pela IC..., que os mesmos intentaram contra o DD e a IC..., com vários pedidos, designadamente de não emissão de licenças administrativas;

MM2) Por anexo a esse requerimento dos Autores, datado de 10 de agosto de 2010, os mesmos juntaram, entre o mais, fotocópia de uma escritura pública de compra e venda realizada no Cartório Notarial ..., em 21 de fevereiro de 1997, referente a uma parcela de terreno com a área de 3557 m2, a destacar do logradouro do prédio de que os 3 Autores são proprietários, descrito na matriz sob o artigo ...69 e descrito na CRPredial .... sob o n.º ...99, outorgada por DD em representação dos 3 Autores, na qualidade de seu procurador, e pela Contra interessada na qualidade de compradora, de quem recebeu a quantia de 90.000.000$00 – Cfr. fls. 569 a 574 do PA V;

MM3) Dessa escritura pública extrai-se entre o mais, (i) que o prédio de onde vai ser destacada a parcela de terreno vendida de 3557 m2, foi adjudicada aos Autores em inventário judicial, cuja partilha foi homologada por sentença datada de 23 de maio de 1989, transitada em julgado; (ii) que a parcela a destacar, com a área de 3557 m2 confronta a Norte com JJ, a Sul com a rua ... e vendedores (aqui Autores], a nascente com KK e outro, e a poente com os vendedores e outro; (iii) que a Contra interessada aceita o contrato; (iv) que a escritura foi feita com carácter de urgência por o procurador dos Autores, o DD, sofrer de doença grave que o faz correr perigo de vida; (v) que o prédio não se encontrava registado em nome dos vendedores e que o representante da Contra interessada, que interveio a título de gestão de negócios, foi advertido de que não o poderá transmitir ou onerar sem o registar previamente a favor dos vendedores; (vi) que o Notário advertiu os intervenientes de que o acto é anulável por não constar da procuração que a representante legal da Autora CC, HH, tenha obtido autorização judicial para o efeito, e bem assim, advertido de que é ineficaz em relação à gestida Contra interessada, se por esta não for ratificado;

MM4) Aquela escritura de compra e venda foi revogada por escritura realizada no mesmo Cartório notarial, em 10 de outubro de 1997, onde intervieram DD na qualidade de procurador dos 3 Autores, e DD na qualidade de sócio e com poderes para o acto, com o fundamento de que “… a representada do segundo outorgante ainda não procedeu ao registo da aquisição a seu favor daquela parcela de terreno na Conservatória de Registo Predial ..., em virtude de não ter sido dada autorização judicial em relação à filha CC, acima identificada, ao tempo ainda menor, para a concretização da citada escritura – Cfr. doc. ...4 junto com a Petição inicial;

XX) Aqui se dá por integralmente reproduzido o Processo Administrativo junto aos autos pelo Réu, composto por 5 pastas, numeradas de I a V;

ZZ) A Petição inicial que motiva os presentes autos deu entrada no TAF do Porto em 22 de novembro de 2010 - Cfr. fls. dos autos;

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IIIii – DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Porto, datada de 24 de março de 2020, que com referência ao pedido formulado pelos Autores a final da Petição inicial, julgou pela sua total improcedência, tendo o Réu Municipio ... e os Contra interessados DD e IC..., S.A. sido absolvidos do pedido contra si formulado.

Os recursos jurisdicionais constituem os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, razão pela qual é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso, os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Cumpre apreciar e decidir.

Conforme assim deflui das conclusões das Alegações de recurso apresentadas pelos Recorrentes, os mesmos sustentam que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento em matéria de direito, por ter o Tribunal a quo julgado inexistir no procedimento administrativo de licenciamento da construção em apreço nos autos, questão que fosse determinante da suspensão do procedimento até que a mesma fosse previamente apreciada e decidida, reconduzindo-se assim, a final [Cfr. conclusões 16, 54 e 56 das Alegações de recurso] à invocação de errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 9.º e 11.º do RJUE, assim como do artigo 31.º do CPA.

Por seu turno, no âmbito das Contra Alegações de recurso apresentadas quer pelo Réu Município, quer pelos Contra interessados, sustentaram os mesmos, em suma, que a Sentença recorrida não padece dos erros que lhe imputam os Recorrentes, e que deve o recurso jurisdicional ser julgado improcedente.

Não constitui por isso objecto do presente recurso qualquer erro em matéria de facto, porquanto, como assim julgamos e por decorrência das conclusões das Alegações apresentadas, com a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo se conformaram os Autores ora Recorrentes.

De todo o modo, tendo subjacente o disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, por constarem dos autos e do Processo Administrativo documentos que reputamos serem relevantes para efeitos da decisão a proferir, aditamos já ao probatório os factos que deixamos enunciados supra.

Neste patamar.

Depois de ter efectuado o saneamento dos autos, o Tribunal a quo decidiu que as questões a solucionar nos autos passam por “… saber se os despachos proferidos pela Sr.ª Vereadora da Câmara Municipal ..., Eng.ª EE, que, em 23 de Agosto, 8 de Outubro de 2010 e 2 de Novembro, do ano de 2010, respectivamente, deferiram a concessão de autorização de utilização à 1.ª contra-interessada, indeferiram o pedido dos Autores de revogação desse acto e emitiram novo alvará de autorização padecem ou não das ilegalidades materiais e procedimentais que supra melhor se sintetizaram e, em caso afirmativo, da respectiva [in] eficácia invalidante.

Como assim resulta do que havia sido alegado pelos Autores na Petição inicial para fundamento das invalidades por si assacadas aos três actos sob impugnação, referiram que ambos os Contra-interessados não tinham legitimidade para iniciar o procedimento de licenciamento com a referência ...1, quer por não serem proprietários do terreno em questão, quer porque já haviam intentado [as Autoras] um procedimento cautelar comum contra ambos como preliminar da acção de anulação da usucapião, e que foi proferido o despacho de 23 de Agosto de 2010 que deferiu o pedido de concessão de autorização de utilização à 1.ª Contra-interessada sem que o Réu se tenha pronunciado sobre a exposição por si apresentada em 10 de Agosto de 2010, e que o despacho proferido datado de 8 de Outubro de 2010 fez tábua rasa de todos os antecedentes do processo de licenciamento, nomeadamente, o de que o DD requereu um licenciamento sem apresentar qualquer certidão da Conservatória do Registo Predial que identificasse o prédio objecto da operação urbanística, apenas com base numas procurações que foram postas em causa, sendo que uma dessas procurações era ineficaz já que se reportava a um acto de disposição de um bem de uma menor sem a competente autorização judicial [a Autora CC], e bem assim, que quando em 14 de Dezembro de 2005, a 1.ª Contra-interessada solicitou o averbamento do processo de licenciamento em seu nome com base numa escritura de justificação outorgada em 23 de Novembro de 2005, que o Presidente da Câmara Municipal dispunha de elementos suficientes para indeferir esse averbamento, por não ser possível adquirir por usucapião aquilo que se prometeu comprar, nem se pode adquirir por usucapião um prédio que já se encontra inscrito na matriz.

Enfatizaram que foram violados as alíneas a) e b) do artigo 11.º da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de setembro, por não ser o DD proprietário do imóvel, nem nunca ter junto certidão da conservatória do registo predial, o que só fez depois da escritura de usucapião em nome da 1.ª Contra-interessada, nem juntou qualquer documento de correspondência do prédio objecto da operação urbanística e o terreno alegadamente adquirido por usucapião, pelo que nunca deveria ter sido emitida a licença de obras, e que devia ter sido suspenso o procedimento de atribuição da licença, nos termos do n.º 6 do artigo 11.º do RJUE, e mais ainda, que o despacho de 8 de Outubro de 2010 errou ao entender que já não podia suspender o procedimento de licenciamento por neste já haver sido proferida deliberação final, pois que a legitimidade dos requerentes se encontrava diminuída, tendo o Presidente da Câmara Municipal o dever legal de revogar a autorização de utilização, bem como o aludido despacho, de acordo com o n.º 7 do artigo 11.º do RJUE. E quanto ao terceiro dos actos impugnados, o despacho datado de 2 de Novembro de 2010 que determinou a emissão de novo alvará de utilização com o número n.º 562/10, que tal como os seus antecedentes, não poderia ter sido praticado, por se encontrar pendente um procedimento cautelar comum no Tribunal Judicial de ..., como preliminar da acção de anulação da usucapião em que é posta em causa a legitimidade do requerente do licenciamento;

Aqui chegados.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos a essencialidade da fundamentação aportada na Sentença recorrida, como segue:

Início da transcrição
“[…]
De qualquer forma, a primeira conclusão a extrair com relevância para a decisão da presente causa é, desde logo, a de que não vindo impugnado pelos Autores qualquer acto administrativo relativo ao procedimento de licenciamento em questão [artigos 18.º a 27.º do RJUE], nomeadamente, o despacho que aprovou o projecto de arquitectura [artigo 20.º do RJUE], que averbou o procedimento em nome da 1.ª contra-interessada ou até mesmo o despacho final de licenciamento das obras de construção [artigo 23.º do RJUE] em Pontos E), W) e JJ) dos factos provados, mas sim, apenas e tão só, os actos relativos ao procedimento de autorização de utilização [artigos 62.º a 66.º do RJUE], então logo se constata, pois, que é para aqui irrelevante, por inócuo, saber se o Réu poderia ou não ter concluído, naquela sede, pela legitimidade procedimental do 2.º contra-interessado [v.g. com base no facto de uma das procurações ser ineficaz ou de este não ser proprietário do imóvel ou até de não haver procedido à junção da Certidão da Conservatória do Registo Predial e de um documento de correspondência do prédio] e, depois, da 1.ª contra-interessada [v.g. por não ser possível adquirir por usucapião o que se prometeu comprar ou prédio já inscrito na matriz].
Não se olvide, por isso, que o agir administrativo que a Autora aqui sindica [artigo 50.º, n.º 1, do CPTA] situa-se, todo ele, no âmbito do procedimento de autorização de utilização e não já do procedimento de licenciamento das obras de construção, o que quer dizer que a legitimidade procedimental dos contra-interessados apenas poderá aqui ser discutida quanto àquele procedimento e não quanto a este último, pois que este, na ausência de impugnação contenciosa, se mostra mais do que estabilizado na ordem jurídica enquanto caso resolvido.

Pois bem, como já se viu, a parcela de terreno onde iria ser levada a cabo a operação urbanística de construção de edifício habitacional ainda tinha que ser alvo de um destaque do prédio misto descrito na ... CRP de sob o n.º ...99 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...69, o que viria a ser efectuado por iniciativa do 2.º contra-interessado e assim a originar a inscrição sob o artigo ...12 (anteriormente omisso na matriz predial) com a dimensão de 3.557 metros quadrados [Pontos K), N), M), S) dos factos provados].
É assim então que, em 23 de Novembro de 2005, é celebrada a escritura de justificação notarial na qual ficara declarado que a 1.ª contra-interessada adquiriu, por usucapião, o aludido terreno urbano com a área de 3.557 metros quadrados e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...12 [Ponto Q) e R) dos factos provados], elemento este que, em 3 de Janeiro de 2006, viria a originar o registo do respectivo direito de propriedade sobre o prédio ali descrito sob o n.º ...03 [Pontos S) a U) dos factos provados].
A partir daqui, operou-se então uma sucessão na legitimidade procedimental activa passando o procedimento de licenciamento n.º 1382/01 a ser impulsionado pela 1.ª contra-interessada [Pontos S) e W) dos factos provados], enquanto sujeito activo a favor do qual se encontrava registado o direito de propriedade do prédio urbano supra identificado, cuja realidade predial viria, posteriormente, a ser desdobrada em dois novos artigos matriciais com os números 5848 e ...50, respectivamente, descritos na ... CRP de sob os números ...20 e ...03 [Pontos X) a BB) dos factos provados], na certeza de que o prédio descrito naquela CRP sob o número ...20 viria a fazer parte do prédio posteriormente descrito naquela CRP sob o n.º ...15 – objecto do último alvará de utilização - [Ponto HH) dos factos provados].
Ora, concluídas as obras de construção e requerida que foi pela 1.ª contra-interessada, em 14 de Julho de 2010, a emissão da respectiva autorização de utilização do edifício, os Autores viriam imediatamente a opor-se a que tal acto administrativo fosse praticado, aduzindo, para o efeito e, em suma, que no dia 4 de Agosto de 2010 foi efectuado o registo da propositura de uma providência cautelar não especificada [como preliminar da acção de declaração de nulidade da escritura de justificação notarial celebrada em 23 de Novembro de 2005], na qual estes peticionavam que os contra-interessados fossem, além do mais, impedidos de praticar todos e quaisquer actos de alienação dos prédios em causa, inclusive, de pedidos de licença camarárias [Pontos II, JJ), LL) a NN) dos factos provados].
Todavia, o Réu não só viria a deferir a concessão da autorização de utilização requerida pela 1.ª contra-interessada [Pontos OO) a QQ) dos factos provados], como, posteriormente, debruçando-se especificamente sobre a exposição dos Autores, indeferira a sua pretensão, em síntese, por considerar que, encontrando-se formalmente verificada a legitimidade procedimental da 1.ª contra-interessada, inexistiam motivos para suspender o aludido procedimento administrativo [Ponto RR) dos factos provados].
[…]
Pois bem, em bom rigor, a substanciação dos Autores centra-se, na realidade, na questão de saber se, encontrando-se a ser sindicado nos Tribunais Cíveis o direito de propriedade do terreno para construção com a área de 3.557 metros quadrados destacado do prédio misto descrito na ... CRP de sob o n.º ...99 e inscrito na matriz sob o artigo ...69, o Presidente da Câmara Municipal ... deveria ou não ter procedido à suspensão do procedimento de autorização de utilização [pois que, como supra já se adiantou, o procedimento de licenciamento já havia sido concluído e os Autores não procederam à impugnação de qualquer acto administrativo atinente ao mesmo], nos termos do n.º 7 do artigo 11.º do RJUE.
Porém, a resposta não pode deixar de ser claramente negativa. Por duas razões.
Em primeiro lugar, desde logo, porque, como se viu, a legitimidade procedimental da 1.ª contra-interessada, após o averbamento proferido nos termos do n.º 9 do artigo 9.º do RJUE [Ponto W) dos factos provados], para além de formalmente suportada nos elementos documentais a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1 dos artigos 11.º e 15.º da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro, encontrava-se plenamente estabilizada no âmbito do procedimento de licenciamento para as operações urbanísticas em questão, por falta de impugnação por parte dos Autores de um qualquer acto àquele atinente.
Pretende-se com isto dizer que sendo pacífico que a 1.ª contra-interessada tinha legitimidade procedimental para a obtenção do licenciamento das obras de construção, tudo indiciaria, pois, que, embora procedimentalmente autónomos, esta teria também legitimidade activa para o [subsequente] procedimento de autorização de utilização que, como já se disse, serviria para, além do mais, controlar a conformidade da obra concluída com o projecto aprovado [neste preciso sentido, crê-se, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º ...3, acessível em www.dgsi.pt].
Em segundo lugar, e mais importante do que se acaba de dizer, tendo em conta que os actos administrativos em matéria de gestão urbanística, como as licenças [e, pensamos nós, também as autorizações de utilização], se encontram apenas sujeitos exclusivamente a regras de direito do urbanismo, ou seja, a sua concessão é feita sob reserva de direitos de terceiros, então jamais se poderia aqui considerar, como motivo de suspensão do procedimento, as questões de competência judicial referente à discussão desses direitos v.g. de propriedade.
[…]
Como é bom de ver, o que se acaba de dizer não significa que a Administração em matéria urbanística deva excluir, por completo, a apreciação de regras de direito privado.
Na verdade, no que, desde logo, concerne à legitimidade procedimental, o nosso ordenamento jurídico, especificamente, os n.ºs 1 e 4 do artigo 9.º do RJUE e a correspondente Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro [agora Portaria n.º 113/2015, de 22 de Abril], exigem que o Requerente ou Comunicante invoque e prove, aquando da apresentação do pedido, a titularidade do direito que lhe confere a faculdade de realizar a operação urbanística em causa.
E é logo na fase de saneamento e apreciação liminar do procedimento administrativo, que o Presidente da Câmara Municipal deverá decidir a questão [formal] da legitimidade do Requerente, enquanto pressuposto procedimental - cuja não verificação impede uma decisão de fundo do procedimento, nos termos conjugados do artigo 83.º do CPA de 1991 [actual 109.º do CPA de 2015] e do n.º 1 do artigo 11.º do RJUE -, momento este em que a Administração municipal deverá verificar a existência efectiva de tal pressuposto, o qual, como se disse, depende não apenas de alegação, mas também da correspondente prova do direito que lhe permite realizar a operação urbanística em questão.
Porém, esta tarefa de apreciar a titularidade do direito que confere ao particular a respectiva legitimidade procedimental para requerer o licenciamento ou autorização e consequente análise de determinadas normas de direito civil, não significa um afastamento completo da supra referida cláusula “sob reserva de direitos de terceiros”.
Isto pela simples razão de que, tal como vem sendo entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, a apreciação da legitimidade procedimental, tal como definida no artigo 9.º do RJUE, para além consubstanciar um controlo perfunctório, é meramente formal ou negativa, ou seja, limita-se a verificar se o Requerente apresentou ou não o documento comprovativo da sua legitimidade (em caso do direito de propriedade, via de regra, a certidão de registo predial), sem ter que fazer quaisquer outras diligências no sentido de apurar se, de facto, o requerente é ou não titular da qualidade que invoca [cf. neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 26 de Setembro de 2013, processo n.º 037/13, de 9 de Novembro de 2017, processo n.º 087/13 e do TCA-Sul, de 4 de Outubro de 2012, processo n.º 05647/09, de 24 de Abril de 2014, processo n.º 07791/11, de 6 de Novembro de 2014, processo n.º 11559/14, acessíveis em www.dgsi.pt].
[…]
Enfim, desde que o particular apresente o documento comprovativo da respectiva legitimidade procedimental, não caberá à Administração questionar ou duvidar dela, nem lhe caberá esclarecer ou decidir essa dúvida quando tal questão é suscitada, pois que o lugar adequado para resolver tal questão e tais dúvidas são os tribunais comuns.
Aqui chegados, haverá que se ter, pois, por seguro, que o pedido de licenciamento, de comunicação prévia ou de autorização apenas deverá ser rejeitado liminarmente quando (i) o requerente não apresente qualquer prova documental da sua legitimidade; (ii) resulte claramente dos documentos entreques que o Requerente não era efectivamente o titular do direito que invoca; (iii) o direito que o Requerente invoca não permita realizar a operação urbanística em causa [v.g. por necessidade de consentimento de senhorio; ou porque na certidão de registo predial se encontra registado um ónus que impede a concretização da operação] ou (iv) quando seja adoptada uma providência cautelar inominada, nos termos do Código de Processo Civil, na qual o município, chamado a intervir, seja intimado a não tomar qualquer decisão administrativa antes da resolução definitiva da questão controvertida [cf. FERNANDA PAULA OLIVEIRA, MARIA JOSÉ CASTANHEIRA NEVES e DULCE LOPES, op. cit., pp. 189-190].
Tendo em conta a lógica inerente ao entendimento que ora se acaba de explicitar, logo se antevê, pois, que o artigo 11.º, n.º 7 do RJUE ao dispor que “(…) se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o presidente da câmara municipal suspender o procedimento até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem (…)” não poderia ser aplicável às situações em que, como no presente caso, a titularidade do direito de propriedade [privada] do Requerente se encontra a ser judicialmente discutida, contestada, entre particulares, nos tribunais judiciais.
[…]
Tendo presente o que vai dito, e regressando, sem mais, ao caso concreto, temos, desde logo, que, do ponto de vista deste nosso segundo argumento, a 1.ª contra-interessada, na qualidade de requerente no âmbito dos procedimentos de licenciamento e de concessão da autorização de utilização, alegou ser proprietária do já amplamente descrito terreno urbano destinado a construção situado na Rua ... e ..., freguesia ..., com a área de 3.557 metros quadrados, inicialmente descrito naquela Conservatória sob o n.º ...03 e inscrito na matriz sob o artigo ...12 [artigo 9.º, n.º 1 do RJUE] e comprovou essa mesma qualidade [artigo 9.º, n.º 4 do RJUE], juntando, para o efeito, a certidão do registo predial e, bem assim, a respectiva escritura de justificação notarial que se encontrou na génese do registo da aquisição da propriedade por usucapião [artigos 11.º, alíneas a) e b) e 15.º, alíneas a) e b) da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro] [Pontos Q) a V) e Z) dos factos provados].
Portanto, a partir daqui, é manifesto que, à luz do que se disse, a apreciação meramente formal que, nesta sede, se impunha, nos termos do artigo 9.º do RJUE, teria sempre que levar o Réu a concluir pela legitimidade procedimental da 1.ª contra-interessada, encontrando-se este proibido de proceder a uma qualquer análise de outras normas de direito privado, nomeadamente, por alegadamente não ser possível “adquirir por usucapião aquilo que se comprometeu comprar, nem se poder adquirir por usucapião um prédio que já está inscrito na matriz”.
Enfim, a 1.ª contra-interessada, era quem constava da realidade registral como sendo a proprietária do prédio objecto da operação urbanística de construção e alteração, beneficiando, aliás, por isso, da presunção que se encontra prevista no artigo 7.º do Código do Registo Predial e segundo a qual “enquanto o registo não for cancelado ou rectificado é o titular do registo que permanece legitimado, formalmente, para desencadear as modificações de direito civil que entenda e, para o que ora importa, desencadear junto da Administração os procedimentos necessários às operações urbanísticas que pretenda levar a efeito no prédio de que é titular inscrito” [cf. o citado Acórdão do TCA-Sul, de 6 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 11559/14, acessível em www.dgsi.pt].
É certo que, antes de ser emitida a autorização de utilização à 1.ª contra-interessada, os Autores fizeram prova de haver intentado, em 4 de Agosto de 2010, uma providência cautelar não especificada nos tribunais comuns, na qual pediam, além do mais, que aquela se abstivesse de efectuar pedidos de licenças camarárias ou outras relacionadas com os prédios descritos na ... CRP de sob os números ...03 e ...15 [Pontos MM) a NN) dos factos provados] como preliminar da ulterior acção declarativa de anulação da escritura celebrada [Ponto UU) dos factos provados].
Porém, conforme supra se adiantou, isso jamais poderia ser susceptível de provocar a suspensão do procedimento administrativo de autorização de utilização, por tal questão de direito privado (titularidade do direito de propriedade privada) não consubstanciar uma questão prévia, para efeitos do n.º 7 do artigo 11.º do RJUE [a qual seria até inútil, porque, como os sujeitos processuais bem sabem, esse o procedimento cautelar viria a ser julgado totalmente improcedente, por decisão já transitada em julgado (cf. página 36 do ficheiro de fls. 1155-1208 do SITAF)].
Situação distinta, seria, isso sim, caso essa providência cautelar inominada já houvesse sido decretada pelo Tribunal, pois aí encontrar-nos-íamos perante um daqueles exemplos que supra se falou em que o pedido de licenciamento ou autorização teria que ser rejeitado por o direito invocado não permitir realizar a operação urbanística em questão, isto é, nessa hipotética situação, embora o requerente fosse o proprietário do terreno, na certidão do registo predial iria constar registado um ónus que impediria a concretização da operação.
No entanto, como é bom de ver, não é, de todo, esse o caso dos autos.
Posto isto, encontrando-se formalmente evidenciada a legitimidade procedimental da 1.ª contra-interessada [artigos 9.º, n.ºs 1 e 4 do RJUE e 11.º, alíneas a) e b) e 15.º, alíneas a) e b) da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de Setembro] e não se subsumindo a discussão judicial da titularidade do direito de propriedade (privada e não dominial) ao conceito de questão prévia [para efeitos do n.º 7 do artigo 11.º do RJUE], não há então como não concluir que, tal como entendido pelo Réu no agir constante dos Pontos PP) e RR) dos factos provados, não havia motivos [muito menos, sérios] para indeferir ou suspender o procedimento de autorização de utilização [o único aqui em causa] [note-se que (embora, como já se disse, não vindo sindicado qualquer acto a este atinente) essas dúvidas apenas existiram relativamente à legitimidade do 1.º contra-interessado no procedimento de licenciamento, pois que este apenas era detentor de duas procurações irrevogáveis, não detendo um título de propriedade].
Torna-se, pois, absolutamente irrelevante, por inócuo, que o despacho de 23 de Agosto de 2010 haja sido praticado quando a “reclamação dos Autores” ainda não havia sido decidida ou que o despacho de 8 de Outubro de 2010 se refira a um indeferimento “por impossibilidade”, pois que, como se viu, a pretensão dos Autores nunca poderia ser acolhida.
Enfim, por outras palavras, independentemente das descritas irregularidades, encontrando-se assente a legitimidade procedimental da 1.ª contra-interessada e concluindo-se, como se concluiu, que a obra se encontra em conformidade com o que fora projectado, ao Réu não restava outra solução que não a de atribuir-lhe a autorização de utilização, nos termos dos artigos 62.º, n.º 1 e 64.º, n.º 1 do RJUE na redacção em vigor à data dos factos [“utile per inutile non vitatur” à semelhança do que se dispõe na actual alínea a) do n.º 5 do artigo 163.º do CPA de 2015].
Daí, por isso, também que a “exposição” apresentada pelos Autores houvesse sempre que ser indeferida pelo Réu, como, de resto, foi, em 8 de Outubro de 2010, por não haver qualquer invalidade que pudesse ancorar a anulação/revogação administrativa, com esse fundamento, do despacho de 23 de Agosto de 2010, nos termos do artigo 141.º do CPA de 1991 [artigo 140.º, n.º 1, alínea b) do CPA de 1991 a contrario].
Tudo o mais que vem dito a propósito do despacho de 2 de Novembro de 2010 é, de igual forma, inteiramente desprovido de qualquer virtualidade, pois este agir, como se disse em sede de saneador, apenas se limitou a mandar rectificar o “alvará” e não a emitir ou a anular o despacho que previamente concedera a respectiva autorização de utilização, sendo certo que, mesmo que fosse o caso, pelas mesmas razões, não padeceria de qualquer pecha.
[…]”
Fim da transcrição

Ora, apreciou e decidiu o Tribunal a quo que os Autores não sindicam qualquer acto administrativo relativo ao licenciamento da edificação, nomeadamente o despacho que aprovou o projecto de arquitectura, assim como não sindicam o despacho que deferiu o averbamento do procedimento administrativo n.º ...1 em nome da Contra interessada IC..., S.A. [Cfr. alíneas E), W) e JJ) do probatório], mas que tão somente vieram impugnar os actos relativos ao procedimento de autorização de utilização, e que neste âmbito seria irrelevante [inócuo] saber se o Réu poderia ter concluído pela ilegitimidade procedimental do DD ou da IC....

Decidiu ainda o Tribunal a quo que o terreno [logradouro do prédio dos Autores] onde iria ser levada a cabo operação urbanística ainda tinha de ser alvo de um destaque do prédio descrito no registo predial sob o n.º ...99 e inscrito na matriz sob o artigo ...69, o que veio a ser feito por iniciativa do DD e a originar o artigo 5212 com a dimensão de 3557m2 [Cfr. alíneas K), M), N) e S) do probatório], e que é nesta altura que é realizada a escritura de justificação notarial por via da qual a Contra interessada adquire a parcela de terreno de 3557 m2, por usucapião, e desta feita, que como assim consta da respectiva escritura, teve por fundamento, entre o mais, que no ano de 1995 os Autores lhe venderam por contrato verbal essa parcela de terreno, que por sua vez os mesmos haviam comprado no ano de 1980, o que veio a originar em 03 de janeiro de 2006 o pedido de inscrição do direito de propriedade a favor da Contra interessada [Cfr. alíneas P), R), S), T) e V) do probatório].

Julgou assim o Tribunal a quo que a partir deste momento assim fixado na linha do tempo, se operou uma sucessão na legitimidade procedimental activa, passando o procedimento de licenciamento n.º 1382/01 a ser titulado e impulsionado pela Contra interessada [Cfr. alíneas S) e W) do probatório].

Vejamos.

Por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui extraímos os artigos 14.º, 15.º e 16.º do Regime jurídico do licenciamento municipal de obras particulares [RJLMOP], aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro de 20 de novembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei n.º 250/94, de 15 de outubro e Lei n.º 22/96, de 26 de julho [tempus regit actum; o Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, apenas entrou em vigor em 02 de outubro de 2001, face à suspensão da vigência operada pela Lei n.º 13/2000, de 20 de julho, e depois face às alterações e republicação operadas pelo Decreto-Lei n.º 177/2001 de 04 de julho, sendo assim determinante para a convocação do regime de licenciamento, a data em que o procedimento se inicia, que na situação dos autos, foi em 09 de julho de 2001], como segue:

“Artigo 14.º
Requerimento
1 -
O pedido de licenciamento é dirigido, sob a forma de requerimento, [sublinhado da autoria deste TCA Norte] ao presidente da câmara municipal e nele devem constar o nome e a sede ou domicílio do requerente, bem como a indicação da qualidade de proprietário, usufrutuário, locatário, titular do direito de uso e habitação, superficiário ou mandatário. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
3 - No caso de substituição do requerente ou dos autores dos projectos, o substituto deve disso fazer prova, no prazo de 15 dias, junto da câmara municipal, para que esta proceda ao respectivo averbamento.
[…]
Artigo 15.º
Instrução do processo
1 - O pedido de licenciamento é instruído com o projecto de arquitectura e demais elementos identificados em portaria conjunta dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O projecto de arquitectura inclui memória descritiva, plantas, cortes, alçadas e pormenores de execução.
[…]
Artigo 16.º
Saneamento e apreciação liminar
1 - Compete ao presidente da câmara apreciar e decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento do pedido de licenciamento, nomeadamente a legitimidade do requerente e a regularidade formal do requerimento. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O presidente da câmara profere despacho de rejeição liminar do pedido no prazo de 8 dias, se o requerimento e os respectivos elementos instrutores apresentarem omissões ou deficiências. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
3 - Quando as omissões ou deficiências sejam supríveis ou sanáveis ou quando forem necessárias cópias adicionais, o presidente da câmara notifica o requerente, no prazo de oito dias a contar da data da recepção do processo, para completar ou corrigir o requerimento, num prazo nunca inferior a 10 dias, sob pena de rejeição do pedido. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
4 - A notificação referida no número anterior suspende os termos ulteriores do processo e dela deve constar a menção de todos os elementos em falta ou a corrigir.
5 - Havendo rejeição do pedido, nos termos do presente artigo, fica o interessado, que requeira novo licenciamento para o mesmo fim, dispensado de apresentar os documentos utilizados no pedido anterior que se mantenham válidos e adequados.
6 - Na ausência do despacho previsto nos n.ºs 2 e 3 considera-se o pedido de licenciamento correctamente instruído. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
7 - O presidente da câmara municipal pode delegar nos vereadores ou nos directores de serviços o exercício da competência prevista no presente artigo.“

O regime jurídico que nesta matéria passou a ser adoptado pelo legislador no âmbito do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de dezembro, a partir de 02 de outubro de 2001, não se diferencia do que em essência havia disciplinado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, conforme para aqui extraímos o que segue:

“Artigo 8.º
Procedimento
1 - O controlo prévio das operações urbanísticas obedece às formas de procedimento previstas na presente secção, devendo ainda ser observadas as condições especiais de licenciamento ou autorização previstas na secção III do presente capítulo.
2 - A direcção da instrução do procedimento compete ao presidente da câmara municipal, [sublinhado da autoria deste TCA Norte] podendo ser delegada nos vereadores, com faculdade de subdelegação, ou nos dirigentes dos serviços municipais.


Artigo 9.º
Requerimento e instrução
1 - Salvo disposição em contrário, os procedimentos previstos no presente diploma iniciam-se através de requerimento escrito, dirigido ao presidente da câmara municipal, do qual deve constar sempre a identificação do requerente, incluindo o domicílio ou sede, bem como a indicação da qualidade de titular de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística a que se refere a pretensão. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - Do requerimento inicial consta igualmente a indicação do pedido em termos claros e precisos, identificando o tipo de operação urbanística a realizar por referência ao disposto no artigo 2.º, bem como a respectiva localização.
3 - Quando o pedido respeite a mais de um dos tipos de operações urbanísticas referidos no artigo 2.º directamente relacionadas, o requerimento deve identificar todas as operações nele abrangidas, aplicando-se neste caso a forma de procedimento correspondente ao tipo de operação mais complexa.
4 - O pedido é acompanhado dos elementos instrutórios previstos em portaria aprovada pelo Ministro do Equipamento, do Planeamento e da Administração do Território, para além dos documentos especialmente referidos no presente diploma. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
[…]
9 - No caso de substituição do requerente, do responsável por qualquer dos projectos apresentados ou do director técnico da obra, o substituto deve disso fazer prova junto do presidente da câmara municipal para que este proceda ao respectivo averbamento no prazo de 15 dias a contar da data da substituição.
[…]
Artigo 11.º
Saneamento e apreciação liminar
1 - Compete ao presidente da câmara municipal decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento de qualquer pedido apresentado no âmbito do presente diploma. [sublinhado da autoria deste TCA Norte] [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - O presidente da câmara municipal profere despacho de rejeição liminar do pedido, no prazo de oito dias a contar da respectiva apresentação, sempre que o requerimento não contenha a identificação do requerente, do pedido ou da localização da operação urbanística a realizar, bem como no caso de faltar documento instrutório exigível que seja indispensável ao conhecimento da pretensão. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
3 - No prazo de 15 dias a contar da apresentação do requerimento inicial, o presidente da câmara municipal pode igualmente proferir despacho de rejeição liminar quando da análise dos elementos instrutórios resultar que o pedido é manifestamente contrário às normas legais e regulamentares aplicáveis.
4 - Caso sejam supríveis ou sanáveis as deficiências ou omissões verificadas, e estas não possam ser oficiosamente supridas pelo responsável pela instrução do procedimento, o requerente será notificado, no prazo referido no número anterior, para corrigir ou completar o pedido, ficando suspensos os termos ulteriores do procedimento. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
5 - Não ocorrendo rejeição liminar, ou convite para corrigir ou completar o pedido, no prazo previsto nos n.ºs 2 e 4, presume-se que o processo se encontra correctamente instruído. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
6 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, o presidente da câmara municipal deve conhecer a qualquer momento, até à decisão final, de qualquer questão que prejudique o desenvolvimento normal do procedimento ou impeça a tomada de decisão sobre o objecto do pedido, nomeadamente a ilegitimidade do requerente [sublinhado da autoria deste TCA Norte] e a caducidade do direito que se pretende exercer.
7 - Salvo no que respeita às consultas a que se refere o artigo 19.º, se a decisão final depender da decisão de uma questão que seja da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, deve o presidente da câmara municipal suspender o procedimento até que o órgão ou o tribunal competente se pronunciem, notificando o requerente desse acto. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
8 - Havendo rejeição do pedido, nos termos do presente artigo, o interessado que apresente novo pedido para o mesmo fim está dispensado de juntar os documentos utilizados no pedido anterior que se mantenham válidos e adequados. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
9 - O presidente da câmara municipal pode delegar nos vereadores com faculdade de subdelegação ou nos dirigentes dos serviços municipais as competências referidas nos n.ºs 1 a 4 e 7.”

De igual modo, também para aqui extraímos o artigo 31.º do Código de Procedimento Administrativo [tempus regit actum], como segue:

“Artigo 31.º
Questões prejudiciais
1 - Se a decisão final depender da resolução de uma questão da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, o procedimento deve ser suspenso até que o órgão ou tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos. [sublinhado da autoria deste TCA Norte]
2 - A suspensão cessa:
a) Quando a decisão da questão prejudicial depender da apresentação de pedido pelo interessado e este o não apresentar perante o órgão administrativo ou o tribunal competente nos 30 dias seguintes à notificação da suspensão;
b) Quando o procedimento ou o processo instaurado para conhecimento da questão prejudicial estiver parado, por culpa do interessado, por mais de 30 dias;
c) Quando, por circunstâncias supervenientes, a falta de resolução imediata do assunto causar graves prejuízos.

3 - Se não for declarada a suspensão ou esta cessar, o órgão administrativo conhecerá das questões prejudiciais, mas a respectiva decisão não produzirá quaisquer efeitos fora do procedimento em que for proferida.”

Tendo presentes os apontados normativos do RJLMOP, deles resultava – entre o mais, que o pedido de licenciamento é dirigido, sob a forma de requerimento, ao Presidente da Câmara Municipal e nele devem constar o nome e a sede ou domicílio do requerente, bem como a indicação da qualidade de proprietário, usufrutuário, locatário, titular do direito de uso e habitação, superficiário ou mandatário [Cfr. artigo 14.º, n.º 1], e deve ser instruído com o projecto de arquitectura e demais elementos identificados em portaria conjunta dos Ministros do Planeamento e da Administração do Território e das Obras Públicas, Transportes e Comunicações [a que se reporta a Portaria n.º 115-B/94, de 15 de dezembro], e que compete ao Presidente da Câmara apreciar e decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento do pedido de licenciamento, nomeadamente a legitimidade do requerente e a regularidade formal do requerimento, sendo que, deve o mesmo, no prazo de 8 dias proferir despacho de rejeição liminar do pedido, sendo que, quando o requerimento e os respectivos elementos instrutores apresentarem omissões ou deficiências que sejam passíveis de suprimento/correcção, deve para tanto notificar o requerente, no prazo de 8 dias a contar da data da recepção do processo, para completar ou corrigir o requerimento, num prazo nunca inferior a 10 dias, sob pena de rejeição do pedido, e que na ausência desse despachos [de rejeição ou de convite ao suprimento] se considera o pedido de licenciamento correctamente instruído [Cfr. artigos 15.º, n.º 1 e 16.º, n.ºs 1, 2, 3 e 6].

Assim, e em conformidade com o que dispunham os artigos 14.º, n.º 1 e 15.º, n.º 1, ambos do RJLMOP, e o artigo 2.º, n.º 1, alínea b) da Portaria n.º 115-B/94, de 15 de dezembro, no requerimento que em 09 de julho de 2001 o DD apresentou ao Réu, devia constar, entre o mais, o seu nome e morada, assim como a qualidade em que fazia o pedido, e de documento comprovativo da sua legitimidade.

Como assim resultou provado, os serviços do Réu apreciaram em 09 de julho de 2001, ou seja, mo mesmo dia em que foi apresentado o pedido de licenciamento pelo DD, que o mesmo [pedido/requerimento] estava devidamente instruído, e no que ora releva, com documentos que titulavam quer a qualidade de titular do direito que confira a faculdade de realizar a operação, quer a titularidade do prédio onde pretende levar a cabo a edificação.

Ora, atenta a superveniência do RJUE, e em face do disposto nos apontados normativos, assim como do CPA, deles resulta que a direcção da instrução do procedimento de licenciamento compete ao Presidente da Câmara Municipal ..., competência essa que pode ser delegada com faculdade de subdelegação [Cfr. artigo 8.º, n.º 1 do RJUE]. Por seu turno, e em face do que assim dispõe o artigo 9.º do RJUE, no requerimento que em 09 de julho de 2001 o DD apresentou ao Réu, devia constar, entre o mais, a indicação da qualidade de qualquer direito que lhe confira a faculdade de realizar a operação urbanística requerida, e com ele [requerimento inicial] devem ser juntos, para além dos documentos especialmente previstos no RJUE, os elementos documentais previstos em Portaria aprovada pelo Ministério do EPAT.

Ora, a Portaria a que se reporta este artigo 9.º, n.º 4 do RJUE só veio a ser publicada no Diário da República no dia 19 de setembro de 2001, e a entrar em vigor no dia 02 de outubro de 2001 [Cfr. artigo 22.º da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de setembro].

Esta Portaria dispõe sob o seu artigo 11.º que o pedido de licenciamento de obras de edificação em áreas abrangidas por plano de pormenor, plano de urbanização ou plano director municipal deve ser instruído, entre o mais, com documentos comprovativos da qualidade de titular de qualquer direito que confira a faculdade de realização da operação, e com certidão da descrição e de todas as inscrições em vigor emitida pela conservatória do registo predial referente ao prédio ou prédios abrangidos [Cfr. n.º 1, alíneas a) e b) deste normativo], sendo que estes documentos são igualmente exigidos na instrução do pedido da autorização de utilização [Cfr. artigos 16.º e 15.º , alíneas a) e b) da mesma Portaria].

Voltando ao artigo 9.º do RJUE, dispõe o seu n.º 8 que o responsável pela instrução do procedimento regista no processo a junção subsequente de quaisquer novos documentos, e o artigo 11.º, n.ºs 1, 4, 5, 6, dispõe que compete ao Presidente da Câmara Municipal [que pode delegar nos Vereadores com faculdade de subdelegação], decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento de qualquer pedido apresentado, e que no prazo de 8 dias profere despacho liminar de rejeição do pedido, designadamente se faltar documento instrutório exigível que seja indispensável, sendo que se forem passíveis de suprimento as irregularidades detectadas, o requerente deve ser notificado para corrigir ou completar o pedido, ficando suspensos os termos do procedimento, mas sempre e de todo o modo, pese embora a presunção da correcta instrução do requerimento, o Presidente da Câmara Municipal deve conhecer até à decisão final, de qualquer questão que prejudique a tomada de decisão do pedido e nesse domínio, se a decisão final a tomar depender da decisão de questão da competência dos Tribunais, tempo em que deve ser determinada a suspensão do procedimento.

Por seu turno, dispõe o artigo 31.º, n.º 1 do CPA, entre o mais, que se no âmbito do procedimento, a decisão final depender da resolução de uma questão da competência dos Tribunais, o procedimento deve ser suspenso até que o tribunal competente se pronuncie.

Ora, como assim resulta de forma profusa do Processo Administrativo junto aos autos, e a final, do probatório inserto na Sentença recorrida [e daquele que foi fixado por este TCA Norte], com os documentos que juntou com o requerimento datado de 09 de julho de 2001, tendo o requerente DD querido dar cumprimento à prova da sua qualidade de titular do direito para iniciar o procedimento, assim como da titularidade do prédio, e tendo os serviços do Réu, logo em 09 de julho de 2001, apreciado que essa documentação estava conforme para efeitos do seguimento dos ulteriores termos procedimentais, o que é certo é que face ao disposto no artigo 11.º, n.º 5 do RJUE [e também em face do RJLMOP], não tendo ocorrido a rejeição liminar ou sido endereçado convite para ser completado o pedido [no prazo de 8 ou 15 dias, respectivamente], presume-se que o procedimento está correctamente instruído.

Como assim resulta do probatório, volvido cerca de ano e meio sobre a data do pedido, ou seja, em 28 de janeiro de 2003, a Autora CC, então já de maioridade [pois nasceu a .../.../1979], apresentou requerimento no procedimento licenciatório, onde entre o mais referiu que ela e os irmãos são os proprietários do terreno visado no licenciamento em curso [sob o processo n.º ...1] e que ela não deu autorização para que o DD requeresse qualquer licenciamento.

A partir desta data, e após despacho de 29 de janeiro de 2003 do Vereador da CM de ..., despoleta-se toda uma série de acontecimentos e vicissitudes, e de junção no procedimento de documentos e de informações dos serviços, de que para já fazemos a síntese que segue:
(i) o DD deu início ao procedimento licenciatório em 09 de julho de 2001 com a apresentação da prova que entendeu em torno da sua qualidade de titular de direito para pedir o licenciamento da construção em parcela a edificar, a destacar do terreno dos Autores, por via de duas procurações irrevogáveis emitidas a seu favor pelos 3 Autores, e desde logo, porque a Autora CC foi notificada para em 15 dias pedir a anulação judicial da procuração que foi emitida por sua mãe em sua representação, mas não o tendo feito, o procedimento continuou os seus termos.
(ii) o DD nunca juntou ao procedimento administrativo licenciatório documento que titulasse o seu direito sobre o prédio onde pretendia realizar a operação urbanística, por via de certidão predial da descrição predial com todas as inscrições em vigor, mais concretamente, com menção ao ónus de não fraccionamento das fracções.
(iii) e como assim julgamos, nunca o tendo feito o DD durante a pendência do procedimento licenciatório, tinha o Presidente da Câmara Municipal, quando a final viesse a apreciar para efeitos de eventual deferimento do licenciamento da construção e emissão da respectiva autorização de utilização que viesse a ser por si requerida, que decidir pelo indeferimento do pedido [mesmo no pressuposto da aprovação de todos os anteriores actos e momentos instrutórios relevantes, como seja a aprovação do projecto de arquitectura], por falta de legitimidade [Cfr. artigo 9.º, n.º 1, 16.º e 15.º, todos do RJUE, e artigos 14.º n.º 1, 15.º, n.º 1 e 16.º, n.º1, todos do RJLMOP], e artigos 54.º, 52.º, n.ºs 1 e 2, e 53.º, n.º 1, todos do CPA].

De modo que, não tendo o requerimento do DD sido rejeitado liminarmente no prazo de 8 dias a contar da sua apresentação em 09 de julho de 2001, nem tendo o mesmo sido notificado para efectuar qualquer suprimento no prazo de 15 dias, atento o pressuposto da sua legitimidade que lhe advém da junção da certidão de registo predial, não tinha o pedido formulado no requerimento virtualidade para vir a ser objecto de apreciação no seu mérito urbanístico, e a final, a ser deferido.

Note-se que durante cerca de meio ano [e já em abril de 2004, janeiro e abril de 2005], o Réu notificou o DD para apresentar a certidão de registo predial com inscrição do ónus de não fraccionamento, sob pena de o procedimento ser considerado deserto, nos termos do artigo 111.º, n.º 1 do CPA, sendo que, o que fez o DD em 30 de novembro de 2004, foi juntar ao procedimento a certidão de registo predial do prédio dos Autores [Cfr. alíneas L) e M) do probatório], tendo apenas em 17 de maio de 2005 vindo a pedir a prorrogação de prazo para apresentar essa certidão, invocando então haver necessidade prévia de fazer o destaque do prédio, o que veio ele próprio a fazer junto da Conservatória de registo predial [Cfr. alíneas N) e O) do probatório].

Ou seja, para além de ter sido notificado várias vezes para em 10 dias juntar a certidão com a inscrição do ónus de não fraccionamento, e não o tendo feito nesse prazo, e de o Réu o ter advertido de que não o fazendo o procedimento seria considerado deserto, e de também não o ter assim decidido, só em 17 de maio de 2005 é que o DD vem a justificar-se perante o Réu, pedindo prorrogação do prazo, tendo apresentado prova documental de ter requerido o destaque da parcela com 3557 m2.

E neste conspecto, em face dos factos dados como provados sob as alíneas O) e R) do probatório, daí resulta [ao contrário do que apreciou o Tribunal a quo] que o prédio a que se reporta o artigo matricial ...12, não adveio de um pedido de destaque do prédio misto descrito na ... CRP de sob o n.º ...99 e inscrito na matriz predial sob o artigo ...69, efectuado por iniciativa do DD formulado em 17 de maio de 2005 [e assim a originar a inscrição sob o artigo ...12 (anteriormente omisso na matriz predial) com a dimensão de 3.557 metros quadrados - Cfr. pontos K), N), M), S) dos factos provados -, antes emergindo esse artigo, da actuação do DD, em face do patenteado na escritura de justificação notarial efectuada em 23 de Novembro de 2005, na qual foi declarado que a 1.ª Contra-interessada adquiriu, por usucapião, o aludido terreno urbano com a área de 3.557 metros quadrados e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...12 [Cfr. alíneas Q) e R) dos factos provados], elemento este que, em 3 de Janeiro de 2006, veio a originar o registo do respectivo direito de propriedade sobre o prédio ali descrito sob o n.º ...03 [Pontos S) a U) dos factos provados], sendo que este prédio [descrito na CRPredial sob o n.º ...32, e na matriz sob o artigo ...12], veio depois a ser desdobrado em dois novos artigos matriciais com os números 5848 e ...50, respectivamente, descritos na ... CRP de sob os números ...20 e ...03 [Cfr. pontos X) a BB) dos factos provados], na certeza de que o prédio descrito naquela CRP sob o número ...20 viria a fazer parte do prédio posteriormente descrito naquela CRP sob o n.º ...15 – objecto do último alvará de utilização [Cfr. ponto HH) dos factos provados].

Portanto, à data de 17 de maio de 2005, o pedido apresentado pelo DD, com a legitimidade que lhe advinha dos poderes constantes das procurações que lhe foram outorgadas pelos 3 Autores, também ainda não estava instruído para ser conhecido no seu mérito.

E no período que medeia entre 17 de maio de 2005 e 23 de novembro de 2005, vem a ser celebrada a escritura de justificação notarial por via da qual a Contra interessada Imobiliária declara adquirir a parcela de 3557 m2 [na área a que se reporta o pedido apresentado por DD], por usucapião, com fundamento em que se trata da área do prédio inscrito na matriz sob o artigo ...12, anteriormente omisso.

Portanto, no período de novembro de 2004 a novembro de 2005 [Cfr. alíneas L) e Q) do probatório], o DD é notificado para suprir um déficit instrutório do seu pedido de licenciamento reportado a uma área de terreno a destacar de um prédio [n.º 33999], e nesse domínio juntar certidão com registo de ónus de não fraccionamento, tendo vindo depois a informar o Réu que está a tratar do registo prévio do prédio a favor dos Autores, que o haviam adquirido por sucessão hereditária, e também do destaque da parcela de 3557 m2, sem nunca o ter apresentado efectivamente junto do Réu, em conformidade com as notificações de que foi alvo, vindo todavia a aparecer no procedimento licenciatório um outro sujeito activo, a IC..., S.A.

Ora, não resulta provado nos autos, qual o tipo/natureza de relação comercial/jurídica que tenha sido estabelecida, ou se existe sequer, entre o Requerente do pedido de licenciamento efectuado em 09 de julho de 2001, o cidadão DD, e a sociedade comercial IC..., S.A., que em 14 de dezembro de 2005 vem a requerer ao Réu o averbamento do processo de licenciamento n.º ...1 em seu nome, o que de resto lhe veio a ser deferido em 02 de fevereiro de 2007 [Cfr. alíneas S) e W do probatório] passando o licenciamento a correr em seu nome próprio, advindo então a sua invocada legitimidade, do facto de ser a proprietária do terreno onde vai ser levada a cabo a edificação que o DD quis prosseguir por efeitos do seu requerimento de 09 de julho de 2001.

E como assim julgamos, há aqui uma irregularidade no procedimento administrativo.

Mas de todo o modo, em torno do acto administrativo que deferiu o averbamento do procedimento em nome da IC..., S.A., mediante substituição do DD, os Autores nada invocaram [como assim referiu o Tribunal a quo] não cabendo por isso o conhecimento dessa matéria.

Com o que ficamos então, é com o processo de licenciamento n.º ...1 com um novo titular, a partir de 02 de fevereiro de 2007 [Cfr. alínea W do probatório].

E neste conspecto, em face do que sustentaram os Autores na Petição inicial e que tornam a reiterar neste TCA Norte, embora com imputação de erro de julgamento em matéria de direito ao Tribunal a quo, o que releva essencialmente é o requerimento que os Autores remeteram ao Réu em 10 de agosto de 2010, com invocação de que o mesmo não o apreciou apesar da invocação da urgência do pedido, tendo vindo a emitir a autorização da utilização requerida pela IC..., S.A..

Neste patamar.

Como assim resulta do probatório [Cfr. alínea A3)], assim fixada por interposição deste TCA Norte], em 12 de setembro de 1995, os 3 Autores celebraram com o DD promessa de compra e venda, pelo qual prometeram vender-lhe o logradouro, com a área de 3557 m2, a destacar do prédio inscrito na matriz pelo artigo ...69, e descrito na CRPredial sob o n.º ...99 [e este contrato consta do Processo Administrativo, pelo menos a partir de 14 de setembro de 2010], sendo que o DD foi constituído procurador com poderes irrevogáveis por parte dos 3 Autores, por procurações outorgadas em 26 de setembro de 1995 [Cfr. alínea B) do probatório].

Mais resulta provado [Cfr. alíneas M1 e M2) do probatório], assim fixada por interposição este TCA Norte, que no dia 31 de março de 2005, os Autores subscreveram declaração, que o DD remeteu ao Réu em 17 de maio de 2005, onde referem, em suma, que na sequência da transacção judicial ocorrida no processo n.º ...00, que autorizam o DD a construir as obras de edificação das moradias planeadas construir no logradouro do prédio inscrito na Conservatório ... sob o n.º ...99 e na matriz sob o artigo ...69, e a praticar todos os actos necessários à construção das moradias, e bem assim, que revogam todas as anteriores queixas apresentadas ao Réu, sendo que, em 09 de maio de 2005, o DD pediu ao Réu prorrogação de prazo por mais 6 meses para juntar a certidão de registo predial do prédio, por se encontrar a fazer o registo prévio em nome dos 3 proprietários, os Autores ora Recorrentes, que herdaram o bem do seu pai. E mais ainda resulta [Cfr. alínea K1 do probatório, assim fixada por interposição este TCA Norte], que da transacção judicial alcançada no referido processo n.º ...00, homologada por sentença transitada em julgado em 25 de novembro de 2004, aí consta, entre o mais, que (i) a escritura de compra e venda do logradouro prometido vender, com a área de 3557m2, será realizada em simultâneo com a escritura de hipoteca a favor dos Réus [aqui Autores] sobre dois armazéns do Autor; (ii) que o Autor toma posse efectiva do logradouro prometido vender a partir da data de levantamento da licença de construção, podendo a partir daí dar início à execução dos trabalhos necessários à realização do projecto, nomeadamente muros, escavações, fundações, com expressa autorização dos Réus.

Resultou ainda provado [Cfr. alíneas R1) do probatório, assim fixada por interposição este TCA Norte], que no requerimento que o DD apresentou no Réu em 30 de novembro de 2005, referiu o mesmo, entre o mais, que terminava no dia 14 de dezembro de 2005 o prazo para entregar a certidão da Conservatória de registo predial ... onde pretendia edificar, e que [ele, DD] incorreu em erro quando indicou que o prédio era a destacar do n.º 1969, quando na realidade o que aconteceu foi que se enganou, e que a edificação vai ser feita no artigo 5212, que está omisso na Conservatória de registo predial, e que no dia 23 de novembro de 2005, a sociedade comercial [de que é administrador] efectuou escritura de justificação, adquirindo assim o direito de propriedade desse prédio por usucapião, requerendo a final as alterações no processo, da identificação do prédio e do seu titular.

Resultou ainda provado [Cfr. alíneas MM1), MM2) e MM3) do probatório, assim fixada por interposição este TCA Norte], que no requerimento que os Autores apresentaram no Réu em 10 de agosto de 2010, os mesmos juntaram, entre o mais, fotocópia de uma escritura pública de compra e venda realizada no Cartório Notarial ..., em 21 de fevereiro de 1997 [escritura de compra e venda esta que foi revogada por outra escritura realizada no mesmo Cartório notarial, em 10 de outubro de 1997, onde intervieram DD na qualidade de procurador dos 3 Autores, e DD na qualidade de sócio e com poderes para o acto, com o fundamento de que “… a representada do segundo outorgante ainda não procedeu ao registo da aquisição a seu favor daquela parcela de terreno na Conservatória de Registo Predial ..., em virtude de não ter sido dada autorização judicial em relação à filha CC, acima identificada, ao tempo ainda menor, para a concretização da citada escritura.”], que é referente a uma parcela de terreno com a área de 3557 m2, a destacar do logradouro do prédio de que os 3 Autores são proprietários, descrito na matriz sob o artigo ...69 e descrito na CRPredial .... sob o n.º ...99, outorgada por DD em representação dos 3 Autores, na qualidade de seu procurador, e pela Contra interessada na qualidade de compradora, de quem recebeu a quantia de 90.000.000$00, extraindo-se dessa escritura pública entre o mais, (i) que o prédio de onde vai ser destacada a parcela de terreno vendida de 3557 m2, foi adjudicada aos Autores em inventário judicial, cuja partilha foi homologada por sentença datada de 23 de maio de 1989, transitada em julgado; (ii) que a parcela a destacar, com a área de 3557 m2 confronta a Norte com JJ, a Sul com a rua ... e vendedores (aqui Autores], a nascente com KK e outro, e a poente com os vendedores e outro; (iii) que a Contra interessada aceita o contrato; (iv) que a escritura foi feita com carácter de urgência por o procurador dos Autores, o DD, sofrer de doença grave que o faz correr perigo de vida; (v) que o prédio não se encontrava registado em nome dos vendedores e que o representante da Contra interessada, que interveio a título de gestão de negócios, foi advertido de que não o poderá transmitir ou onerar sem o registar previamente a favor dos vendedores; (vi) que o Notário advertiu os intervenientes de que o acto é anulável por não constar da procuração que a representante legal da Autora CC, HH, tenha obtido autorização judicial para o efeito, e bem assim, advertido de que é ineficaz em relação à gestida Contra interessada, se por esta não for ratificado.

Ora, a sucessão em catadupa destes factos, em torno do terreno para onde foi requerida a pretensão urbanística, envolvendo a relação do DD com o Réu, do DD com os 3 Autores, do DD com a IC..., S.A., e desta com os 3 Autores [e vice versa], era merecedora que o Réu, tendo subjacente o disposto no artigo 11.º, n.ºs 1, 6 e 7 do RJUE e 56.º, 87.º, 91.º, e 107.º, todos do CPA, visse como adequado a tomada de diligências por forma a aferir do surgimento de um novo artigo predial em substituição do artigo predial inicial identificado no procedimento administrativo, na relação com os termos e pressupostos em que a IC..., S.A. passou a intervir no procedimento.

Como assim resultou provado, a intervenção dos Autores no procedimento n.º ...1 advém da invocação da titularidade do direito de propriedade sobre o terreno onde se ía desenrolar a edificação, e por parte da Contra interessada, de que a esse prédio ingressou na sua esfera jurídica por via de aquisição originária, por usucapião.

Essa é uma via legítima de aquisição da propriedade [Cfr. artigo 1287.º do Código Civil].

Mas o que sustentam os Autores, é que pelo requerimento datado de 10 de agosto de 2010, suscitaram ao Réu várias matérias e acontecimentos em torno da legitimidade procedimental quer do DD, quer da IC..., e que esse requerimento não foi apreciado pelo Réu em data antecedente ao deferimento do pedido de concessão da autorização de utilização, que ocorreu em 23 de agosto de 2010, e com emissão do alvará n.º ...0 nesse mesmo dia, o que no seu entender contendia de forma manifesta com a titularidade/propriedade do terreno onde veio a ser implantada a edificação, que os Autores afirmam ser seu, e afirmando nesse sentido, que se o mesmo foi prometido vender, nunca poderia ser adquirido por usucapião.

Esse requerimento veio a ser apreciado e indeferido em 08 de outubro de 2010, com a fundamentação que aqui se dá por enunciada.

A apreciação do mérito da pretensão recursiva dos Recorrentes, ancora-se em saber se na situação em apreço, se estamos ou não perante questão prejudicial, e se em face dela, o Presidente da Câmara Municipal ... deveria ou não ter suspendido o procedimento administrativo quando já o mesmo se encontrava na fase da emissão da autorização da utilização.

Neste patamar.

O artigo 3.º, n.º 1 do CPA consagra o princípio da legalidade, segundo o qual, “Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos”. Porém, quando está em causa a apreciação da legalidade de um acto [neste caso, o datado de 23 de agosto de 2010] que se mostra de acordo com as disposições legais aplicáveis, a sua invalidade só pode ser equacionada e ponderada em face de uma outra norma que impusesse ao Réu a prolação com um sentido decisório diverso daquele que emitiu, porquanto e neste domínio, os actos administrativos estão submetidos às regras de direito do urbanismo, nelas não podendo interferir as que se situam no âmago das relações de âmbito privado, no que é o âmbito dos direitos subjectivos que são formados tendo subjacente normas de direito privado.

Com efeito, e no caso dos autos, a autorização da utilização emitida não confere à IC..., S.A. direitos subjectivos antes apenas consagra a conformidade do que foi licenciado e da sua aptidão para ser colocado no mercado jurídico, o que tudo é decorrente da actividade licenciatória prosseguida pelo Réu, que se rege pelas regras de direito do urbanismo que lhe são concretamente aplicáveis.

Pelo acto administrativo datado de 23 de agosto de 2010, a apreciação e decisão prosseguida observa, em termos aparentes e formais o regime de controlo administrativo das operações urbanísticas em face do que foi requerido ao Réu, e no pressuposto de que a requerente trouxe ao procedimento a prova adequada em torno da qualidade de titular do direito que lhe confira a faculdade de pedir e realizar a operação urbanística.


Em conformidade com o que assim dispõe o artigo 9.º n.º 1 RJUE [e artigo 9.º, n.º do Código de Registo Predial], o interessado num procedimento licenciatório deve instruir o seu pedido com prova adequada da sua legitimidade, o que é de dizer, que recaía sobre a IC..., prover e apresentar em sede da instrução do seu pedido, pela necessária apresentação de prova da sua qualidade para efeitos da realização da edificação no concreto prédio, actuação essa que está subordinada à apreciação e decisão do Presidente da Câmara Municipal, por via da previsão normativa da fase de saneamento e apreciação liminar procedimental [Cfr. artigo 11.º, n.º 1 do RJUE].

O que foi efectuado, não pelo DD, no período que mediou entre a apresentou do requerimento, em 09 de julho de 2001, e a data de 30 de novembro de 2005, mas pela IC..., com a apresentação da escritura de justificação e depois do registo predial em 08 de fevereiro de 2006, a seu favor, de um prédio que já não era o objecto mediato a que se reportava o pedido que foi apesentado em 09 de julho de 2001, mas um outro.

Ou seja, a IC..., S.A. apresentou ao Réu um documento que era essencial para a instrução do procedimento licenciatório, e quanto ao qual este não dilucidou nessa data a necessidade da realização de quaisquer diligências para colocar em causa que o titular do registo de propriedade não fosse, a final, o requerente do licenciamento. Beneficiava o titular, desde logo, da presunção que lhe advém do registo em seu nome [fundado na aquisição desse direito por usucapião], pois na decorrência do que dispõe o artigo 5.º, n.º 1 do Código de Registo Predial, “Os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo” [Cfr. ainda artigo 5.º, n.º 2, alínea b) do CRP], beneficiando assim da oponibilidade erga omnes dos direitos reais sobre imóveis, por se encontrar o direito registado a seu favor [Cfr. artigo 7.º do CRP], e da legitimação formal que de tal lhe advém, podendo assim requerer junto da Câmara Municipal o licenciamento da operação urbanística que entenda devida.

Como assim refere Mónica Jardim, in
Efeitos substantivos do Registo Predial, Almedina, 2013, páginas 53, 54, 69, 501 e 524, importa é não perder de vista o modo como foi adquirido esse direito registado, pois que a estabilidade do direito de propriedade está sempre dependente da existência, validade e procedência da causa jurídica que, na circunstância concreta, preceda a consequência aquisitiva, que no caso dos autos se reporta a aquisição originária, por usucapião, tendo por base os fundamentos enunciados na escritura de justificação, que de todo o modo sempre é questão que não cabe no âmbito da jurisdição dos Tribunais administrativos, antes dos Tribunais judiciais.

Do que este TCA Norte conheceu nestes autos, e tendo ainda subjacentes os demais processos judiciais que estiveram em curso, envolvendo os Autores e os Contra interessados [reciprocamente, ora como demandantes ora como demandados], e no que ora releva, a pendência no Tribunal Judicial de ... do Processo n.º 10972/10.1TBVNG.P1, o que julgamos existir é uma ampla relação controvertida decorrente de o DD não ter, alegadamente, cumprido nem com o contrato promessa de compra e venda que com eles outorgaram em 12 de setembro de 1995, nem com o acordo/transacção levada a cabo no Tribunal Judicial de ... no processo n.º ...00, e de permeio ter sobrevindo o aparecimento de uma área do território do concelho ..., que estava omissa ao registo e à matriz, com a mesmíssima área de 3357 m2 do artigo ...99, e que ambos esses prédios eram dos Autores, sendo que sobre o artigo 5212 veio a ser invocado por um 3.º interveniente, a IC..., S.A., a posse do direito do direito de propriedade e com base nela a adquirir o respectivo direito real.

O Réu apreciou o pedido de licenciamento a que se reporta o processo 1382/01, e emitiu a licença/autorização, no pressuposto que assim decorre da realidade registral, de que a IC..., S.A. é a proprietária do terreno para onde requereu o licenciamento, por ter adquirido essa propriedade na decorrência de uma posse do imóvel, não titulada, por força de contrato verbal de venda do terreno identificado na escritura de justificação, que os Autores lhe fizeram em data que não consegue precisar mas que foi no ano de 1995.

Algo está mal na dinâmica das relações tidas entre todos aqueles intervenientes desde 1995, sendo certo que esse conhecimento não cabe no âmbito da jurisdição dos Tribunais administrativos, nem o Presidente da Câmara Municipal estava nesse momento vinculado face ao disposto nos artigos 11.º do RJUE e 31.º do CPA, a suspender o procedimento 1382/01 até que fosse dilucidada a questão do direito de propriedade incidente sobre o imóvel, atenta a presunção de que goza o titular inscrito no registo predial [Cfr. artigo 7.º do CRP], e nesse patamar, de que não carece a decisão final da prévia decisão judicial dessa questão.

Neste conspecto, por julgarmos com interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai parte do Acórdão proferido por este TCA Norte, datado de 25 de maio de 2012, proferido no Processo n.º 00730/10.9BECBR, em que esteve em apreço a aplicação do artigo 31.º do CPA em questão similar, como segue:

Início da transcrição
[...]
XXXIII. Deriva do preceito em epígrafe que se “… a decisão final depender da resolução de uma questão da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais, o procedimento deve ser suspenso até que o órgão ou tribunal competente se pronunciem, salvo se da não resolução imediata do assunto resultarem graves prejuízos …”.
XXXIV. Ora de igual modo não se vislumbra que haja qualquer erro de julgamento por parte da decisão judicial recorrida quando desatendeu a pretensa situação de suspensão do procedimento administrativo ao abrigo do n.º 1 do art. 31.º do CPA pelo facto de estar em curso processo de revisão do PDM de Coimbra e seu Regulamento.
XXXV. Questão prejudicial para efeito do disposto no art. 31.º n.º 1 do CPA tem de ser entendida como toda e qualquer questão que se suscita no procedimento e cuja resolução é da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento.
XXXVI. Esta decisão não pode ser proferida, nomeadamente com uma determinada margem de segurança, sem se saber ou conhecer o resultado da decisão da questão prejudicial que compete a outro órgão administrativo ou aos tribunais. Por outras palavras, a resolução final da questão colocada à apreciação do órgão administrativo tem que depender da solução a dar à questão prejudicial.
[...]
XXXVIII. E assim deve ser entendido porquanto efetivamente uma decisão de suspensão do procedimento tomada no quadro do regime previsto no art. 31.º do CPA não era imposta sem mais, já que se fazia depender tal admissibilidade de suspensão do procedimento administrativo da verificação de duas condições: (a) depender a decisão final duma questão que fosse da competência de outro órgão administrativo ou dos tribunais e (b) não resultarem graves prejuízos quanto à não resolução imediata da questão.
XXXIX. No caso “sub judice” não se verificava, desde logo, a primeira destas condições porquanto nada resulta demonstrado que a decisão final a proferir no procedimento se mostraria condicionada, decisivamente, pelo procedimento relativo à alteração do RPDM de Coimbra, tanto mais que nada é comprovado que este procedimento comportasse ou pudesse vir a comportar qualquer alteração quanto ao concreto regime normativo a aplicar na e para a aferição da legalidade da conduta desenvolvida pela A. de que é alvo o procedimento administrativo em presença.
[…]“
Início da transcrição

No que releva para o que se aprecia nestes autos, saber se os pressupostos invocados na escritura de justificação que veio a estar na base da criação do artigo matricial ...12 e do registo predial 3232, e a final, da aquisição originária de um terreno que os intervenientes referiram ter sido vendida pelos Autores, em 1995, com a menção a serem “solteiros e maiores”, são correctos, ou se por outro lado consubstanciam ilícitos criminais, por se tratarem de declarações falsas prestadas perante oficial público, e se são/ se podem ser enviesados os termos em que a Contra interessada ingressa na titularidade do imóvel, essa é tarefa é da competência dos Tribunais judiciais, em razão da matéria.

Sendo certo que o veio alegado pelos Autores no requerimento que apresentaram ao Réu em 10 de agosto de 2010, e com apresentação de suporte documental não constitui uma questão prévia ou prejudicial à emissão da decisão final [aqui se entendendo a emissão da autorização de utilização] que por estar a ser apreciada nos Tribunais judiciais deva determinar a suspensão do procedimento do administrativo, por dela não carecer o Réu para efeitos de prosseguir na prática de um acto em matéria de urbanismo quando tem perante si o proprietário, no pressuposto que lhe advém da presunção do registo a seu favor, de todo o modo, devia o Réu, até pelo mais elementar bom senso, que não era lógicamente possível, que para o mesmo local que era propriedade dos Autores, existissem dois terrenos com a mesma área de 3557 m2, e que o requerente do licenciamento, depois de vários anos a ser notificado para juntar certidão de registo predial, tenha vindo dizer que se enganou na referência ao prédio, e que afinal é outro, mas mantendo, o que é significativo, todos os demais pressupostos em que assentou o licenciamento requerido em 09 de julho de 2001 [Cfr. alínea R1 do probatório].

E acompanhando o julgamento do Tribunal a quo, no sentido de que a decisão final da acção declarativa n.º 10972/10.... pode contribuir para ser esclarecido quem é que é o titular do controverso direito de propriedade, o certo é que independentemente desse desfecho, o que importava apreciar e decidir nos presentes autos é se nas concretas datas em que foram proferidos os três actos impugnados, se a sua autora os podia praticar, em face dos elementos que os Autores trouxeram ao procedimento administrativo, designadamente para efeitos de ser aferida da ilegitimidade procedimental dos Contra-interessados em face do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJUE, e neste patamar, se a continuação do procedimento administrativo se encontrava ou não dependente de uma pronúncia jurisdicional por parte dos Tribunais Cíveis, e nesse patamar se o mesmo devia ser suspenso na sua tramitação [Cfr. artigo 31.º do CPA].

E na realidade, a autora dos actos administrativos, à luz da realidade registral e da presunção que daí deriva daquele que tem registado a seu favor o direito de propriedade de um imóvel, actuou em conformidade com a legalidade que daí advém.

A postura do Réu é passível de censura, mas como assim julgamos, não ao ponto de o acto administrativo datado de 23 de agosto de 2010, e os outros 2 que lhe são inerentemente consequentes, datados de 08 de outubro de 2010 e 02 de novembro de 2010, padecerem da invocada violação de lei, dos artigos 9.º e 11.º do RJUE e do artigo 31.º do CPA [assim como as alíneas a) e b) do artigo 11.º da Portaria n.º 1110/2001, de 19 de setembro]

Em face do que este TCA Norte conheceu nestes autos, e tendo ainda subjacentes os demais processos judiciais que estiveram em curso, envolvendo os Autores e os Contra interessados [reciprocamente, ora como demandantes ora como demandados], e no que ora releva, em torno da pendência no Tribunal Judicial de ... do Processo n.º 10972/10.1TBVNG.P1, julgarmos ser absolutamente incontrovertido para este TCA Norte, que os Autores quiseram vender/ou venderam ao DD uma área de terreno com a dimensão de 3557 m2, e que até já receberam cerca de 1/3 do preço.

De outra forma seria absolutamente incompreensível que os 3 Autores lhe tivessem conferido os amplos poderes contidos nas procurações por si emitidas em 26 de setembro de 1996, dando-lhe poderes, conferindo-lhe legitimidade para fazer quase tudo quanto ao que era a área de terreno de 3557 m2 a destacar do seu prédio.

O facto de a CC ser menor e de ter sido a sua mãe a emitir essa procuração, não pode agora relevar para efeitos de obstar à construção de edifício nesse terreno e ao seu licenciamento, porquanto a mesma passou a ser de maioridade em 17 de julho de 1997, e não resulta dos autos que a mesma tenha requerido a anulação dessa disposição de sua mãe, à data enquanto representante legal, situação que julgamos estar consolidada na ordem jurídica, até por decorrência do requerimento que apresentaram no procedimento em 31 de março de 2005 [Cfr. alínea M2 do probatório].

Também não podemos perder de vista, que em face do constante da transacção judicial lavrada no processo n.º ...00, homologada por sentença transitada em julgado em 25 de novembro de 2004, que aí consta, entre o mais, que (i) atribuem ao terreno o valor de €374.09,42, e que por conta do preço já receberam a quantia de €104.747,56, e quanto ao remanescente, que será preenchida com o direito de propriedade sobre uma das moradias escolhidas pelos Autores, e bem assim, que no dia 31 de março de 2005, os Autores subscreveram declaração, que o DD remeteu ao Réu em 17 de maio de 2005, onde referem, em suma, que na sequência da transacção judicial ocorrida no processo n.º ...00, que autorizam o DD a construir as obras de edificação das moradias planeadas construir no logradouro do prédio inscrito na Conservatório ... sob o n.º ...99 e na matriz sob o artigo ...69, e a praticar todos os actos necessários à construção das moradias, e bem assim, que revogam todas as anteriores queixas apresentadas ao Réu, sendo que, em 09 de maio de 2005, DD pediu ao Réu prorrogação de prazo por mais 6 meses para juntar a certidão de registo predial do prédio, por se encontrar a fazer o registo prévio em nome dos 3 proprietários, os Autores ora Recorrentes, que herdaram o bem do seu pai.

Face ao que sustentam os Recorrentes, há um efectivo “desacerto” entre os prédios [o que era logradouro do seu prédio e de onde advinha a parcela a destacar, e o prédio que a Contra interessada invoca ter adquirido por usucapião], que há-de ter uma justificação plausível, consentânea com a natureza jurídico do bem imóvel, e com a posição de todos os intervenientes na contenda, já que no século XXI e em zona fortemente urbanizada próxima da praia não existem assim por aí áreas de terreno que estejam ainda omissas quer no cadastro matricial quer no predial, e por uma área tão significativa e específica, de 3557 m2.

Na escritura de justificação, mal ou bem [e não cabe a este Tribunal, em razão da matéria emitir pronúncia] está justificada a causa/fundamento para a aquisição do terreno inscrito na matriz sob o artigo ...12, por usucapião, pois que é invocada a existência de um contrato verbal entre os Autores por volta de 1995, entre eles e a Contra interessada.

Como também resultou provado, foi feita escritura de compra e venda da parcela de terreno a destacar do prédio dos Autores, a favor da IC..., S.A., no ano de 1997. E se bem que os Autores podiam não ter conhecimento dessa escritura pública de compra e venda, pois foi outorgada pelo DD com os poderes conferidos pelos Autores pelas procurações que lhe outorgaram, a favor da IC..., o que é certo é que também não tinham de ter pois que por efeito do teor desses instrumentos o mesmo podia vender o prédio pelos termos que entendesse adequados, não resultando dos autos que os Autores tenham preocupação alguma em torno da prestação de contas por parte do DD face ao produto da produto da venda do imóvel a terceiros, antes apenas que, na base da/s contenda/s jurídica/a está o alegado incumprimento por parte do DD do quanto se obrigou a cumprir, seja por efeitos do contrato promessa assinado em 12 de setembro de 1995, seja por decorrência da transação judicial ocorrida no processo n.º ...00 [Cfr. Alínea A3, K e K1 do probatório].

Em suma, e no caso dos autos, julgamos que para efeitos do disposto no artigo 11.º n.º 7 RJUE e do artigo 31.º, n.º 1 do CPA, estando em causa a emissão de autorização de utilização sujeita exclusivamente a regras de direito do urbanismo, e sendo a sua concessão feita sob reserva de direitos de terceiros, e por consubstanciarem os actos urbanísticos carácter real, não pode considerar-se como questão prejudicial, a apreciação de questão atinente à discussão da titularidade do direito de propriedade, mesmo quando emergem do procedimento administrativo evidências em torno da eventual irregularidade da constituição desse direito, que vai estar na base da titulação administrativa que vai ser concedida pelo acto administrativo, sendo que pelo que decorre do procedimento administrativo e bem assim das normas de direito público convocáveis, a questão colocada pelos Autores pelo seu requerimento de 10 de agosto de 2010, e em torno do seu mérito, não é apta a determinar o sentido da decisão final do procedimento de gestão urbanística, pois que resulta formalmente da prova documental apresentada pela requerente do procedimento que ela é, efectivamente, a titular do direito de propriedade que se arroga.

Apesar de os Autores contestaram o direito de propriedade de que se arroga a Imobiliária mas do que esta fez prova, como a dilucidação dessa questão não constituiu obstáculo ou impedimento ao licenciamento da edificação, também não pode constituir fundamento para objecção à emissão da autorização da utilização.

Não tendo a questão da propriedade do terreno para onde foi licenciada a construção sido objecto de indeferimento por parte do Réu, não poderia ser agora tida e considerada como susceptível de integrar uma questão prejudicial que obste à prolação da decisão final, que é a emissão do título, razão pela qual o acto administrativo datado de 23 de agosto de 2010, ao contrário do sustentado pelos Recorrentes não tinha aptidão para violar o artigo 9.º e 11 do RJUE e o artigo 31.º do CPA, face à não apreciado do seu requerimento de 10 de agosto de 2010 antes da emissão da autorização, ou por ter vindo indeferir o seu pedido em 08 de outubro de 2010, ou quando veio a ser emitido o despacho datado de 02 de novembro de 2010, pois que toda essa actuação do Réu está em conformidade com o regime jurídico do procedimento administrativo licenciatório, e em particular, com a edificação licenciada.

Conforme decidiu o STA pelo seu Acórdão datado de 26 de setembro de 2013, proferido no Processo n.º 037/13 “[…] o controle decorrente do estabelecido na Portaria n.º 1110/2001, de 19/09, é um controlo negativo, isto é, um controlo destinado a assegurar apenas a legitimidade do Requerente pelo que, provada esta legitimidade através de documento comprovativo da titularidade do direito à utilização do estabelecimento, não cabe à Administração intrometer-se nas relações de natureza privada decorrentes do condomínio e com fundamento nelas indeferir a pretensão da Recorrente.[…]”

Não estamos assim colocados perante uma questão que tenha sido suscitada no procedimento e cuja resolução é da competência dos tribunais e que, sem estar decidida, prejudica ou impede seja proferida a decisão final no procedimento.

Efectivamente, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 9.º, n.º 1 do RJUE, na medida em que a titular do procedimento administrativo, a IC..., S.A. demonstrou e provou a sua qualidade de proprietária do imóvel, e ainda que tal esteja posto em causa pelos Autores pelas razões e fundamemtos de base invocados, está demonstrado o pressuposto da sua legitimidade, em relação à titularidade do direito que lhe confere a faculdade de requerer e de vir a realizar a operação urbanística.

De maneira que, tem de improceder a pretensão recursiva deduzida pelos Recorrentes, mantendo-se a Sentença recorrida com a fundamentação expendida supra.

Como se decidirá a final.

*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Urbanismo; Direito de propriedade; Usucapião; Suspensão do procedimento administrativo de licenciamento; Artigos 9.º e 11.º do RJUE e 31.º do CPA.


1 - Nos termos dos artigos 9.º e 11.º do RJUE, compete ao Presidente da Câmara Municipal [que pode delegar nos Vereadores com faculdade de subdelegação], decidir as questões de ordem formal e processual que possam obstar ao conhecimento de qualquer pedido apresentado, devendo no prazo de 8 dias proferir despacho liminar de rejeição do pedido, designadamente se faltar documento instrutório exigível que seja indispensável, sendo que se forem passíveis de suprimento as irregularidades detectadas, o requerente deve ser notificado para corrigir ou completar o pedido, ficando suspensos os termos do procedimento, mas sempre e de todo o modo, pese embora a presunção da correcta instrução do requerimento, o Presidente da Câmara Municipal deve conhecer até à decisão final, de qualquer questão que prejudique a tomada de decisão do pedido e nesse domínio, se a decisão final a tomar depender da decisão de questão da competência dos Tribunais, que deve ser determinada a suspensão do procedimento.

2 - Dispõe o artigo 31.º, n.º 1 do CPA, entre o mais, que se no âmbito do procedimento, a decisão final depender da resolução de uma questão da competência dos Tribunais, o procedimento deve ser suspenso até que o Tribunal competente se pronuncie.

3 - Quando está em causa a apreciação da legalidade de um acto [neste caso, o datado de 23 de agosto de 2010] que se mostra praticado de acordo com as disposições legais aplicáveis, a sua invalidade só pode ser equacionada e ponderada em face de uma outra norma que impusesse ao Réu a prolação com um sentido decisório diverso daquele que emitiu, porquanto e neste domínio, os actos administrativos estão submetidos às regras de direito do urbanismo, nelas não podendo interferir as que se situam no âmago das relações de âmbito privado, no que é o âmbito dos direitos subjectivos que são formados tendo subjacente normas de direito privado.

4 - Se é certo que a decisão final a proferir na acção declarativa intentada no Tribunal Judicial pode contribuir para ser esclarecido quem é que é o titular do controverso direito de propriedade, o certo é que independentemente desse desfecho, o que importava apreciar e decidir nos presentes autos é se nas concretas datas em que foram proferidos os três actos impugnados, se a sua autora os podia praticar, em face dos elementos que os Autores trouxeram ao procedimento administrativo, designadamente para efeitos de ser aferida da ilegitimidade procedimental dos Contra-interessados em face do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJUE, e neste patamar, se a continuação do procedimento administrativo se encontrava ou não dependente de uma pronúncia jurisdicional por parte dos Tribunais, e se nesse patamar se o mesmo devia ser suspenso na sua tramitação [Cfr. artigo 31.º do CPA].

5 - Para efeitos do disposto no artigo 11.º n.º 7 RJUE e do artigo 31.º, n.º 1 do CPA, estando em causa a emissão de autorização de utilização sujeita exclusivamente a regras de direito do urbanismo, e sendo a sua concessão feita sob reserva de direitos de terceiros, e por consubstanciarem os actos urbanísticos carácter real, se a autora dos actos administrativos, à luz da realidade registral e da presunção que daí deriva daquela que tem registada seu favor o direito de propriedade de um imóvel, actuou em conformidade com a legalidade que daí advém, não pode considerar-se como questão prejudicial, a apreciação de questão atinente à discussão da titularidade do direito de propriedade, mesmo quando emergem do procedimento administrativo evidências em torno da eventual irregularidade da constituição desse direito, que vai estar na base da titulação administrativa que vai ser concedida pelo acto administrativo.


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IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso interposto pelos Recorrentes AA, BB, e CC, mantendo a Sentença recorrida, com a fundamentação enunciada supra.




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Custas a cargo dos Recorrentes – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

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Notifique.

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Porto, 24 de fevereiro de 2023.

Paulo Ferreira de Magalhães, relator
Antero Salvador
Helena Ribeiro