Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00163/21.1BECBR
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/14/2022
Tribunal:TAF de Coimbra
Relator:Paulo Ferreira de Magalhães
Descritores:PROVA TESTEMUNHAL; AUDIÊNCIA PRÉVIA; DISPENSA DA SUA REALIZAÇÃO; NÃO ADMISSÃO DE MEIOS DE PROVA;
RECURSO DE APELAÇÃO AUTÓNOMA; NULIDADE PROCESSUAL
Sumário:1 - Nos termos dos artigos 88.º, n.º 1, alínea b), e 90.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPTA, cabe ao Tribunal a quo, apreciar e decidir se os autos já reúnem todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, e nesse sentido se é desnecessária a produção da prova adicional [testemunhal/por declarações de parte] requerida pelo Autor.

2 - Tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido que o pilar probatório para efeitos de apreciação do mérito dos autos, assentava no conjunto de documentos que foram juntos aos autos e que constam igualmente dos processos administrativos, e tendo a vindo a decidir que não vislumbrava necessidade de produção da prova requerida, pode também dispensar a dispensar a realização da audiência prévia, nos termos dos artigos 87.º-B, n.º 2 87.º-A, n.º 1, alínea b), ambos do CPTA.

3 - Tendo a Mm.ª Juíza apreciado que o mérito dos autos deve ser conhecido já no despacho saneador, dada a desnecessidade da produção de prova adicional, e tendo decidido pela dispensa da realização da Audiência prévia, se com essa decisão não concordava o Autor, com base no facto de que queria o mesmo produzir a prova por si tida em perspectiva, em Audiência final, então, tendo sido notificado desse despacho, devia o Autor ter deduzida reclamação do assim decidido, para o que devia ter requerido a realização de Audiência prévia nos termos do artigo 87.º-B, n.º 4 do CPTA.

4 – Tendo subjacente o disposto no referido artigo 90.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, avaliando e decidindo o Tribunal a quo por que termos e para que efeitos pretendia o Autor a produção de prova testemunhal e a prestação de declarações de parte, e se nesse domínio proferiu decisão pela qual não admitiu esses meios de prova, por decorrência dessa decisão cabia recurso de apelação autónoma, nos termos do artigo 142.º, n.ºs 3 – parte inicial – e 5 - parte final - do CPTA, e do artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC.

5 - Como assim decorre das Alegações de recurso e respectivas conclusões, sendo patente que o Recorrente tinha para si que a prova do que havia alegado na Petição inicial apenas podia ser feito por via testemunhal e pelas suas declarações de parte, devia ter reclamado do despacho que decidiu pela dispensa da realização da Audiência prévia, e/ou não podia ter deixado transitar em julgado as decisões contidas no despacho proferido.

6 - Em torno da nulidade processual a que se reporta o artigo 195.º do CPC, a mesma não ocorre pois que a apreciação e decisão do Tribunal a quo em torno da não realização de prova adicional para além da constante dos autos por prova documental e bem assim, a dispensa da realização da Audiência prévia, constituem actos sujeitos à livre apreciação do julgador, embora passíveis de recurso jurisdicional, é certo, mas que para tanto deve ser tempestivamente apresentado.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:P.
Recorrido 1:Ministério da Administração Interna
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:


I - RELATÓRIO

M. [devidamente identificado nos autos], Autor na acção administrativa para reconhecimento de direito ou interesse legalmente protegido contra actos ou omissões relativos à aplicação do regime jurídico dos acidentes em serviço e das doenças profissionais no âmbito da Administração Pública, que intentou contra o Ministério da Administração Interna [também devidamente identificado nos autos], inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 21 de setembro de 2021, pela qual foi julgado parcialmente procedente o pedido que havia formulado [atinente a a) que, não sendo localizado o processo de acidente em serviço ocorrido em 03/07/1996, o R. seja condenado a reconstituir o mesmo, assim como a dar-lhe seguimento; b) que o R. seja condenado a reconhecer e a qualificar como acidente em serviço o ocorrido em 03/07/1996; c) que o R. seja condenado, com respeito ao acidente em serviço de 03/07/1996, a diligenciar pela marcação de uma Junta Médica a fim de declarar a alta clínica ao A., assim como a reconhecer-lhe uma incapacidade permanente e, consequentemente, a participar o acidente à Caixa Geral de Aposentações para confirmar e graduar a incapacidade permanente e fixar a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho; d) que seja declarada a nulidade processual decorrente da falta de audição da testemunha indicada pelo A. em sede de pronúncia de audiência prévia, com respeito ao acidente em serviço ocorrido em 29/09/2018; e) que seja declarada a anulabilidade do despacho de 04/02/2020, proferido pelo Ex.mo 2.º Comandante Geral, exarado na informação n.º 221/20, de 27/01/2020, referente ao processo por acidente em serviço n.º PAS 874/18 CTCBR, por violação legal; f) que o R. seja condenado a reconhecer e a qualificar como acidente em serviço o ocorrido em 29/09/2018, ordenando-se o prosseguimento do respetivo procedimento com vista à integral reparação do A.; g) ou, caso assim não se entenda, que o R. seja condenado a reconhecer a ocorrência de 29/09/2018 como agravamento/lesão do acidente em serviço ocorrido em 03/07/1996; h) e, reconhecendo os direitos ao A., que o R. seja condenado a cumprir, em prazo não superior a 30 dias, sob pena de condenação em sanção pecuniária compulsória, sendo o seu montante, por cada dia de atraso, correspondente a 10% do salário mínimo nacional mais elevado em vigor; i) que o R. seja condenado a reembolsá-lo de todas as despesas por si suportadas em consequência do acidente sofrido em 29/09/2018, no valor total de € 2.500,74, acrescido de juros legais vencidos e vincendos até integral pagamento; j) que o R. seja condenado a suportar todas as demais despesas de que venha a ter necessidade no âmbito dos reconhecidos acidentes em serviço, de 1996 e 2018, legalmente subsumíveis ao direito legal de reparação.], tendo a final sido anulado o despacho de 04 de fevereiro de 2020 proferido pelo 2.º Comandante-Geral da GNR, exarado na informação n.º 221/20, de 27 de janeiro de 2020, referente ao processo por acidente em serviço n.º PAS 874/18 CTCBR, por vício de procedimento, tendo no mais peticionado sido o Réu absolvido.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, o Recorrente elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
CONCLUSÕES

1. O Recorrente não se conforma, com a aliás douta sentença, na parte que declara a improcedência dos pedidos respeitantes ao alegado acidente de 03/07/1996, sob as alíneas a), b), c) e j) do seu petitório, por considerar não provado que efectivamente existiu o competente processo por acidente em serviço, relativamente ao evento de 03/07/1996, e que o mesmo foi oportunamente instaurado pela autoridade competente, a requerimento do Recorrente, e cuja instrução foi iniciada com a audição do próprio sinistrado, parte a que se restringe o presente recurso.

2. Fundamenta a decisão de improcedência, nos factos que declarou não provados, e que se transcrevem:
“a) Antes de ser sujeito à cirurgia realizada em 16/01/1998, o A. apresentou um requerimento, que entregou no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha e que dirigiu ao Exmo. General Comandante Geral da GNR, no qual solicitou a abertura do competente Processo de Averiguações por Acidente em Serviço, relativamente a um acidente ocorrido em 03/07/1996, do qual resultou a lesão na coluna que o obrigou a ser operado, tendo o processo sido aberto no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha do Destacamento Territorial de Águeda, do Grupo Territorial de Aveiro, da antiga Brigada Territorial nº 5, onde foi colocado após o termo do curso de Formação de Sargentos, em 09/10/1997.
b) A instrução do referido processo foi iniciada pelo Exmo. Comandante do Destacamento Territorial de Águeda, tendo o A., sido ouvido como sinistrado e informado de que o processo iria ser remetido ao Exmo. Comandante do Destacamento Territorial do Montijo, onde ocorreu o acidente, por ser o territorialmente competente e por ali prestarem serviço as testemunhas, bem como por aí constarem os documentos comprovativos da prática de instrução física no dia do acidente”.

3. Sentença proferida por restrição à prova documental nos autos, sem permitir, a realização da prova testemunhal, constitui uma violação do direito à realização da prova e direito ao acesso ao direito e a uma jurisdição efectiva.

4. Não se realizando a produção da prova testemunhal indicada a depor extacamente sobre os factos que o tribunal declarou não provados, o tribunal decidiu sem a realização da prova cabal para o efeito, decidindo perante prova insuficiente e precária, salvo o devido respeito, denegando justiça.

5. Entendeu o tribunal ad quo para concluir os factos não provados, “que não foi produzida prova bastante (mormente documental) para sustentar a sua convicção quanto à respectiva verificação. Com efeito, inexistindo qualquer registo administrativo do invocado processo de acidente em serviço, referente a uma ocorrência de 03/07/1996 (cfr. Ponto 49 dos factos provados), mas alegando o A. que apresentou um requerimento dirigido à abertura de um processo dessa natureza e que, nessa sequência, a respectiva instrução foi iniciada, o certo é que não efetuou qualquer prova, como era seu ónus (art. 342º nº 1 do Código Civil), de que efectivamente procedeu à entrega do aludido requerimento (escrito) para dar início ao processo, comprovando a sua entrada nos serviços, e de que a sua instrução foi iniciada, já que não juntou nenhum documento comprovativo do pedido assim efectuado, nem das diligências instrutórias (e respectivas notificações, na qualidade de sinistrado) que alega terem sido realizadas no âmbito desse procedimento (por exemplo, as declarações por si prestadas). Factos estes que, dada a sua natureza, se nos afigura serem apenas passíveis de prova documental, sendo pouco, ou nada, relevante uma eventual prova testemunhal ou por declarações de parte sobre os mesmos.”

6. Considerou ainda o tribunal ad quo, em fundamentação, que “a alegação de que fez a competente participação por acidente em serviço (quanto ao evento de 1996) e de que o correspectivo processo veio a ser iniciado pela entidade competente, com realização de algumas diligências probatórias (a inquirição do próprio A.), mostra-se, a nosso ver, algo contraditória com a afirmação de que nunca recebeu qualquer notificação a respeito do referido processo de acidente em serviço (cfr. art. 33º da petição inicial), na medida em que se nos afigura pouco crível – porque não explicado pelo A. – que a instrução do procedimento tenha sido iniciada e que o A. não tenha sido notificado de nada no âmbito do mesmo e não disponha, por isso, de nenhuma notificação / ofício / documento que ateste, como alega, a efectiva existência de um processo por acidente em serviço respeitante ao evento lesivo de 03/07/1996.”

7. Não se aceita que para a prova da realização da participação do acidente em serviço pelo Recorrente, e da promoção do respectivo procedimento, com a tomada de declarações ao Recorrente sinistrado, apenas seja admissível prova documental e não testemunhal, ou que esta tenha pouco ou nenhum valor.

8. O Recorrente indicou testemunhas que podem provar a participação do acidente por parte do Recorrente, a sua audição no referido processo, assim como testemunhas sobre a ocorrência de acidente lesivo em 03/07/1996.

9. Cingir a respectiva prova da participação do acidente em serviço e respectivo procedimento em exclusivo à prova documental, com exclusão de outra, em particular a prova testemunhal, é atribuir à Administração Pública um benefício de defesa próprio em prejuízo e desigualdade de tratamento do particular, neste caso o Recorrente, que nenhuma prova documental tem da participação nem da sua audição, não obstante tenha prova testemunhal sobre os mesmos factos.

10. Quem tem a direcção do procedimento administrativo é a Administração Pública; O Recorrente apenas tinha o ónus de apresentar a participação do acidente e que apresentou, sendo o Recorrido quem tinha o dever de promover o respectivo processo, prosseguindo o interesse público, mas por respeito da protecção dos direitos e interesses dos cidadãos, no caso, interesses legalmente protegidos do Recorrente.

11. O Recorrente não tem prova documental da participação nem da sua audição, facto que pode ter ocorrido por ter perdido qualquer comprovativo dado o tempo passado, mas simplesmente porque não lhe foi entregue, possibilidade que pode muito bem ter acontecido, por falta de diligência do Recorrido nesse sentido ou falta de boas práticas no âmbito do procedimento administrativo.

12. E não se estranhe que o Recorrente confirme que nunca recebeu qualquer notificação no âmbito do referido processo de acidente ocorrido em 03/07/1996, pois não é caso único. Também com respeito ao acidente em serviço que o Recorrente sofreu em 09/12/1994, ocorrência e qualificação declarado como facto provado em 48) dos factos provados, o mesmo aconteceu, ou seja, no âmbito do respectivo procedimento o Recorrente nunca foi notificado, como se pode confirmar do respectivo processo ou do processo de registo pessoal do Recorrente.

13. O Recorrente, para prova do acidente ocorrido em 03/07/1996, assim como da sua participação de acidente em serviço e sua audição, indicou testemunhas; Inclusive, em cumprimento de notificação para o efeito o Recorrente indicou os factos da sua petição inicial que pretendia provar, com respeito aos factos declarados não provados, alegados na PI em 11º, 12º, 13º, 23º, 24º e 33º, com cada uma das testemunhas indicadas.

14. O Recorrente por notificação sob a referência nº 005093913, com data de 13/08/2021, foi notificado do despacho com o seguinte teor: “A fim de se aquilatar da necessidade de produção de prova testemunhal, notifique o A. para, em colaboração com o Tribunal e no prazo de 10 dias, especificar, por referência aos artigos da p.i., os factos que se propõe provar com recurso a tal prova”.

15. O Recorrente, respondeu por requerimento em 26/08/2021, tendo indicado a correspondência entre as testemunhas indicadas e os factos a provar, por referência ao articulado da PI, e ainda requerendo o aditamento de mais uma testemunha, indicando igualmente os factos a depor, testemunhas e factos tal como se discrimina:
J.: Art. 2º; 3º, 6º, 7º da PI.
P.: 2º, 3º, 7º, 13º da PI.
P.: Art. 2º, 3º, 4º, 5º, 7º da PI.
S.: Art. 2º, 6º, 10º, 11º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º e 20.º, Art.º 25.º, 26.º , 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º e 34, 37.º, 38.º, 40.º, 46.º, 47.º, 48.º, 50º, 54.º, 55.º, 57.º, 66º, 69.º, 73.º, 74.º, 75.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 88.º, 90.º, 93.º, 94.º, 96.º, 97.º, 98.º e 101.º da PI.
F.: Art, 11º, 12º, 23º, 25º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º, 40.º, 46.º e 50.º, 47.º, 48.º, 54.º, 66.º da PI.
E ainda, requerendo o aditamento, da testemunha: F., a depor sobre os factos art.ºs 11.º, 12.º, 23 e 25.º da PI.

16. O tribunal ad quo, ao decidir sobre o mérito da acção, cingindo-se em exclusivo à prova documental nos autos, negando a realização da prova testemunhal requerida e especificada, designadamente prova quanto à participação do acidente em serviço e audição do Recorrente sinistrado no respectivo processo, dando os respectivos factos por não provados, consubstancia uma verdadeira denegação de justiça, uma violação do direito ao acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no Artigo 20º da Constituição da Republica Portuguesa.

17. Na verdade nem se percebe porque se despachou a notificação do A. para que indicasse os factos a provar por cada uma das testemunhas indicadas!

18. Inclusive, é do conhecimento do Recorrente, que com respeito ao mesmo Comandante da GNR, então, Capitão C., de seu nome completo J., ao qual o Recorrente solicitou a abertura do Competente Processo de Averiguações Por Acidente em Serviço, outros casos existem de requerimento de procedimento administrativo, em que os
respectivos processos não aparecem.

19. Desenrolando-se o procedimento administrativo, sob a égide da posse, actuação e autoridade da Administração Pública e não do particular, sendo aquela que detém o procedimento administrativo e o promove, pretender-se que os seus actos só se podem provar por via documental, com exclusão de testemunhal, é negar aos particulares o direito de pugnarem sobre a omissão de actos de procedimento legal ou como no caso dos autos, de total omissão material do processo administrativo de acidente em serviço, quando não tem prova documental, mas tem outro tipo de prova dos actos do procedimento administrativo realizados, designadamente prova testemunhal.

20. Tal constitui uma intolerável violação do Princípio da igualdade previsto no artigo 13º da Constituição da Republica Portuguesa e artigo 4º do NCPC e um desproporcional e exagerado sentido de valor, de poder, de autoridade, de fé, de imposição, de protecção da Administração em face do particular, no caso, do Recorrido em face do Recorrente.

21. O não prosseguimento dos presentes autos para audiência de julgamento, impedindo a realização da prova testemunhal, constitui uma nulidade que contende com o cabal apuramento da verdade dos factos, que deve ser declarada.

22. A sentença que se impugna, considera ainda que dado o lapso de tempo entretanto decorrido entre 1996/1997 e 2021, sem que o A. ora Recorrente tenha reclamado os seus direitos com respeito ao acidente de 03/07/1966, se revela, abusivo e contrário aos ditames da boa fé, cfr. Artigo 334 do Código Civil, constituindo abuso de direito, o que se discorda.

23. Na verdade, o Recorrente apenas agora veio reclamar os seus direitos com respeito ao acidente ocorrido em 1996, por referência médica a questionar a relação do acidente ocorrido em 29/09/2018, com o acidente ocorrido em 03/07/1996, como consta da prescrição da ressonância magnética na consulta de neurocirurgia no Centro Clínico da GNR – Janelas Verdes, em 26/12/2018, com a informação clínica “Antecedentes de duas cirurgias sobre o espaço L5-S1…/1998. Actualmente com recidiva da lombalgia esquerda, aparentemente em relação com estenose do canal em L3/L4 (pela TAC). Pede-se RM para melhor esclarecimento imagiológico” colocando a questão de existir nexo de causalidade entre a lesão agora contraída e a sofrida em 1996, cfr. Doc 63 junto com a PI – e cfr. alegado em 68º da petição inicial.

24. E foi na sequência do tratamento e impugnação do despacho de não qualificação como acidente em serviço do acidente ocorrido em 29/09/2018, que o Recorrente foi alertado para a reclamação dos seus direitos no processo do acidente ocorrido em 03/07/1996, que nunca foram declarados, não obstante a sua participação e audição como sinistrado.

25. Pelo que não pode proceder a imputação de abuso de direito ao Recorrente, quando o mesmo agiu por mera confiança na actuação do Recorrido, desconhecendo propriamente os seus direitos ou dever de actuação.

26. Pelo que deve ser revogada a sentença proferida, por violação dos artigos 20º e 13º da Constituição da República Portuguesa, Art. 4º, art. 195º nº 1 e 2, art. 410º, art. 411º; art. 595º nº 1, b), art. 599º todos do NCPC.

Nestes Termos e nos melhores que V. Exa., doutamente suprirão, deve a presente apelação ser julgada procedente e consequentemente revogada a sentença proferida na parte que se recorre, declarando-se a sua nulidade por violação da produção da prova, declarando-se a inexistência de abuso de direito, e ordenando-se o prosseguimento dos autos para audiência final.
Assim se fará a costumada JUSTIÇA!”
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O Réu, ora Recorrido, Ministério da Administração Interna não apresentou Contra alegações.
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O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso, fixando os seus efeitos, e modo de subida.
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O Ministério Público junto deste Tribunal de recurso não emitiu parecer sobre o mérito do recurso jurisdicional.
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Com dispensa dos vistos legais [mas com envio prévio do projecto de Acórdão], cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, cujo objecto do recurso está delimitado pelas conclusões das respectivas Alegações - Cfr. artigos 144.º, n.º 1 do CPTA, e artigos 639.º e 635.º n.ºs 4 e 5, ambos do Código de Processo Civil (CPC), ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3 do CPTA [sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem deva conhecer oficiosamente], sendo que, de todo o modo, em caso de procedência da pretensão recursiva, o Tribunal ad quem não se limita a cassar a decisão judicial recorrida pois que, ainda que venha a declarar a sua nulidade, sempre tem de decidir [Cfr. artigo 149.º, n.º 1 do CPTA] “… o objecto da causa, conhecendo do facto e do direito.”, reunidos que estejam os necessários pressupostos e condições legalmente exigidas.

Assim, em torno das questões suscitadas pelo Recorrente e patenteadas nas conclusões apresentadas, as mesmas resumem-se, em suma e a final, em apreciar e decidir sobre se a Sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter o Tribunal a quo restringido a prova subjacente à Sentença recorrida apenas àquela que constava dos autos, sem ter permitido a produção de prova testemunhal, situação que o Recorrente também enquadra no domínio da nulidade processual a que se reporta artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, com fundamento em que a não realização da prova testemunhal contende com o cabal apuramento da verdade dos factos.
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III - FUNDAMENTOS
IIIi - DE FACTO

No âmbito da factualidade considerada pela Sentença recorrida, dela consta o que por facilidade para aqui extraímos como segue:

“[…]
Factos provados:

Consideram-se provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:

1) O A. exerceu funções de militar da Guarda Nacional Republicana (GNR), com o último posto de Sargento-Chefe de Infantaria Reserva n.º (...), afeto ao Posto Territorial da Lousã do Destacamento Territorial da Lousã do Comando Territorial de Coimbra, tendo, em 30/09/2018, passado à situação de reserva fora da efetividade, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art.º 81.º do EMGNR (acordo e cfr. folha de matrícula anexa à contestação).

2) O A. frequentou o 18.º Curso de Formação de Sargentos, com início em 1995 e termo em 1997, encontrando-se, nessa data, colocado no Posto Territorial do Barreiro, e, no final da primeira parte do referido curso, em junho e julho de 1996, efetuou estágio no Posto Territorial do Montijo do Destacamento Territorial do Montijo do Grupo Territorial de Almada, da antiga Brigada Territorial n.º 2 (acordo e cfr. folha de matrícula anexa à contestação).

3) Em 22/10/1996 o A. realizou uma TAC da coluna lombo-sagrada, de cujo relatório se extrai o seguinte:
“O exame foi efetuado com cortes axiais de 5mm de espessura, orientados por topograma de perfil para os espaços discais do segmento lombo-sagrado da coluna vertebral, entre L3 e S1.
Observam-se imagens de hérnia discal posterior com discreta lateralização à esquerda em L5-S1, notando-se que esta lesão desvia para trás o saco dural e pelo menos a raiz S1 esquerda (imagens 11 a 16).
Referimos ainda que a espessura deste disco está diminuída e existem rebordos osteofitários à sua periferia.
Em L3-L4 e L4-L5 não observamos significativas alterações na estrutura ou na morfologia dos discos inter-somáticos e não são evidentes imagens de compressão tecal ou radicular.
A trabeculação óssea das vértebras é normal e não se observam massas ou densidades anómalas para-vertebrais.
Conclusão:
TAC da coluna lombo-sagrada revelando a existência de hérnia discal posterolateral esquerda em L5-S1”
(cfr. doc. n.º 1 anexo à petição inicial).

4) O A. realizou nova TAC da coluna lombo-sagrada em 07/11/1997, de cujo relatório se extrai o seguinte:
“Orientados por topograma digital de perfil obtivemos cortes axiais de 5mm de espessura para estudo dos espaços intersomáticos desde L5-S1 a L2-L3.
Canal lombar ósseo central estenótico de natureza constitucional, condicionado por pedículos curtos e volumosos maciços articulares com maior expressão em L3-L4 e L4-L5.
Em L5-S1 assinalamos hérnia discal mediana, extrusada, moldando a vertente anterior do saco dural e condicionando conflito com o segmento proximal das emergências radiculares L5 bilateriais.
Em L4-L5 assinalamos protrusão difusa do anel fibroso, contactando e moldando a vertente anterior do saco dural.
Em L3-L4 e L2-L3 não se observam alterações osteo-discoligamentares” (cfr. doc. n.º 2 anexo à petição inicial).

5) Estando o A. a ser acompanhado em consultas no Serviço de Neurocirurgia do Centro Clínico da GNR e em face dos resultados das TAC, foi sujeito a intervenção cirúrgica no Hospital Militar Principal da Estrela em 16/01/1998, onde ficou internado pelo período de 22 dias (cfr. doc. n.º 3 anexo à petição inicial e doc. de fls. 83, frente e verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

6) Após a cirurgia de 16/01/1998, o A. foi sendo acompanhado em consultas no Serviço de Neurocirurgia do Serviço de Saúde do Exército Português, bem como em consultas de fisiatria e tratamentos de fisioterapia (cfr. docs. n.os 4, 46, 47 e 48 anexos à petição inicial).

7) Em 05/02/1998 o A. realizou nova TAC da coluna lombar, de cujo relatório se extrai que o mesmo apresentava “alterações pós-cirúrgicas (…) a nível do espaço intersomático L5/S1 (…), com moderada fibrose cicatricial a este nível” (cfr. doc. n.º 9 anexo à petição inicial).

8) Em 20/07/1998 o A. realizou uma ressonância magnética da coluna lombar, de cujo relatório se extrai o seguinte:
“Estudo RM pós-cirurgia da coluna lombar, segundo informação clínica.
Alterações pós-cirúrgicas ao nível do espaço L5/S1 – hemilaminectomia esquerda. Atração posterior do saco tecal. Assinalamos ainda formação arredondada com intensidade de sinal RM idêntico à do líquor nas diversas ponderações, extra-raquidiana postero-lateral esquerda, compatível com meningocelo pós-cirúrgico. Opacificação da gordura antero-lateral e lateral direita por massa tecidular, com ganho de sinal após injeção e.v. de contraste paramagnético identificando-se a raiz S1 homolateral; estes aspetos são compatíveis com fibrose epidural póscirúrgica.
Restantes elementos osteo-discais do ráquis lombar sem anomalias relevantes da sua morfologia ou sinal RM; ausência de aspetos de compressão extrínseca do saco tecal ou das raízes lombosagradas.
Canais de conjugação com calibre globalmente conservado.
Cone medular em topografia normal” (cfr. doc. n.º 10 anexo à petição inicial).

9) O A. foi internado em 09/09/1998 no Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa, por ciática direita com parésia dos gémeos, e foi novamente operado em 14/09/1998, tendo tido alta do hospital em 21/09/1998, com instrução para se apresentar à Junta da sua corporação a fim de lhe ser atribuída convalescença no domicílio (cfr. docs. n.os 11 a 13 anexos à petição inicial).

10) Após a cirurgia de 14/09/1998, o A. foi acompanhado em consultas no Serviço de Neurocirurgia do Hospital de Santo António dos Capuchos (cfr. docs. n.os 5 a 8 anexos à petição inicial).

11) O A. foi presente a Junta Médica em 14/09/1999, a qual lhe atribuiu 30 dias de convalescença na Unidade, devendo ser dispensado de exercícios físicos, mas regressou ao serviço em 28/09/1999 (cfr. docs. n.os 44 e 49 anexos à petição inicial).

12) Através de requerimento datado de 05/02/2021, dirigido ao Comandante do Comando Territorial da GNR em Coimbra, o A. pediu autorização para “consulta do Processo de Averiguações por Acidente em Serviço ocorrido em 1996, a fim de lhe serem facultadas cópias simples dos documentos com interesse, para posterior pedido de avaliação da incapacidade resultante daquele evento lesivo” (cfr. doc. n.º 14 anexo à petição inicial).

13) Através de novo requerimento datado de 18/02/2021, dirigido ao Comandante
do Comando Territorial da GNR em Coimbra, o A. expôs e pediu o seguinte:
“(…) Tendo, após ter sido previamente autorizado, confirmado que o processo se encontrava na Secção de Justiça para consulta, se deslocado ao CTer. Coimbra no dia 17-02-2021, pelas 10H00, sendo atendido pelo Cabo-Chefe Fernandes.
15 – O requerente ao consultar o processo que lhe foi facultado, verificou que não era o processo pretendido, dado que este tratava de uma situação de acidente ocorrido em serviço, em 09DEC94, mas relativamente a uma fratura do perónio da perna esquerda, que igualmente decorreu da prática de instrução física (jogo futebol).
16 – Seguidamente o requerente informou o Cabo-Chefe Fernandes, que encetou diligências no sentido de localizar o processo em causa, as quais se vieram a revelar infrutíferas.
17 – Em seguida, após ser dado conhecimento do sucedido ao Ex.mo Chefe da SRHJ do CTer. Coimbra, foi consultado o processo individual do requerente, não sendo localizado no mesmo, nem o processo em causa, nem registo deste, apesar de no mesmo constarem vários documentos alusivos aos atos clínicos (propostas médicas, deliberações da JS Lisboa, guias de marcha).
18 – Perante o supra exposto, rogo respeitosamente a V.ª Ex.ª que sejam realizadas solicitudes no sentido de localizar o pretendido processo, para que o requerente o possa consultar e usar os seus direitos” (cfr. doc. n.º 15 anexo à petição inicial).

14) Em 29/03/2021 o A. foi notificado de que, “relativamente aos requerimentos por si enviados a este Comando, datados de 05FEV21 e 18FEV21, (…) foi consultado o seu processo individual, registos do AS 400 e pedido informação à Direção de Justiça e Disciplina, verificou-se que não existe qualquer registo de participação ou Processo por Acidente em Serviço, conforme estipulado no artigo 8.º do Decreto-Lei 503/99 de 20 de novembro” (cfr. doc. n.º 16 anexo à petição inicial).

15) O nome do A. consta da escala de serviço do Posto da Lousã, Destacamento Territorial da Lousã, para o dia 29/09/2018, na situação de “Pronto”, no horário das 00h00 às 23h59 (cfr. doc. n.º 53 anexo à petição inicial e doc. de fls. 47 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

16) O A. deu entrada no serviço de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra no dia 30/09/2018, pelas 22h05, com queixa de dor lombar direita com irradiação para os membros inferiores desde o dia anterior (29/09/2018), por mau jeito, tendo tido alta no mesmo dia 30/09/2018, pelas 23h10, com diagnóstico de lombalgia e com indicação para fazer repouso, calores húmidos e analgesia em SOS (cfr. doc. n.º 50 anexo à petição inicial).

17) Em 01/10/2018 o A. procedeu à participação, junto do seu serviço, de um acidente ocorrido em 29/09/2018, pelas 20h10, mediante o preenchimento do formulário próprio, intitulado “Participação e Qualificação do Acidente de Trabalho”, do qual consta a seguinte descrição das circunstâncias da ocorrência:
“Na data e hora supracitados, o declarante encontrava-se no seu Posto de trabalho a arrumar documentos, em virtude de no dia 30/09/2018 passar à situação de Reserva. Quando pegou numa caixa com diversos documentos, ao levantar a mesma para a transportar para a sua viatura particular, sentiu uma forte dor na zona lombar, com incidência do lado esquerdo.
Perante tal situação pousou a caixa, alongou o tronco, continuando mais cuidadosamente o trabalho em execução. No momento em que ocorreu o acidente, estavam no Posto o Militar de SAP, 16H00/24H00, Guarda n.º (…) – F., o Cabo n.º (…) – C. e Guarda Principal n.º (…) – S., estes de Serviço de Pat. às Ocorrências (16H00/24H00), a elaborar expediente (Relatório de Serviço n.º 239/2018).
No final do serviço, perante a subsistência da dor tomei medicamentos analgésicos, contudo a dor persistiu, pelo que no dia 30-09-2018, após ter tratado de serviço pendente no PTer. Lousã, me desloquei ao CHU de Coimbra, Consulta de Urgência, onde fui assistido e medicado cfr. Relatório episódio urgência n.º 4764308, aguardando consulta no Centro Saúde Lousã” (cfr. doc. n.º 51 anexo à petição inicial).

18) Em anexo à participação que antecede, foi elaborado e preenchido o Boletim de Acompanhamento Médico relativo ao atendimento médico do A. no CHUC no dia 30/09/2018, pelas 23h11m, no qual vem referido uma lombalgia de esforço a nível de sintomatologia e lesões diagnosticadas, com indicação para ser seguido no Centro de Saúde e com menção de incapacidade temporária parcial, do mesmo constando, ainda, o registo das consultas médicas realizadas após aquela data, com atribuição de incapacidade temporária absoluta (cfr. doc. n.º 52 anexo à petição inicial).

19) O A. esteve incapacitado para o trabalho entre 30/09/2018 e 07/10/2018, entre 08/10/2018 e 24/10/2018 e entre 25/10/2018 e 23/11/2018 (cfr. docs. de fls. 16, 34 e 38 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

20) Por despacho do Comandante do Comando Territorial da GNR em Coimbra de 03/10/2018, foi determinada a abertura de um processo por acidente em serviço ao A., tendo por base os factos descritos na participação referida no ponto 17), ao qual foi atribuído o n.º PAS 874/18 CTCBR (cfr. doc. de fls. 1 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

21) Em 15/11/2018 o A. prestou declarações, na qualidade de sinistrado, no âmbito do processo n.º PAS 874/18 CTCBR (cfr. auto de declarações de fls. 32, frente e verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

22) J., guarda principal em serviço no Posto Territorial da Lousã, prestou declarações, em 15/11/2018, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo n.º PAS 874/18 CTCBR, de cujo auto consta o seguinte:
“Relativamente ao ocorrido informa que se encontra de serviço de Patrulha de Ocorrências com o Cabo Colaço e tiveram que se deslocar ao Posto por causa de uma ocorrência conforme documentos que constam do presente processo (folhas 12 a 15).
Quando se encontravam a elaborar o relatório viram que o Sargento-chefe C. se encontrava no seu Gabinete a elaborar expediente e a arrumar as suas coisas pessoais.
Sobre os factos descritos pelo Sargento-chefe C. não verificou qualquer ocorrência nem se apercebeu de nada que possa relatar, apenas confirmando a presença do mesmo no seu Gabinete (Gabinete do Comando de Posto)” (cfr. auto de declarações de fls. 42 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

23) F., cabo em serviço no Posto Territorial da Lousã, prestou declarações, em 15/11/2018, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo n.º PAS 874/18 CTCBR, de cujo auto consta o seguinte:
“Que no dia em causa se encontrava de Patrulha de Ocorrências e deslocou-se ao Posto juntamente com o Guarda-principal Soares para elaborar um relatório de serviço para o Tribunal de Menores conforme documentos que constam do presente processo (folhas 12 a 15).
Sobre o ocorrido o mesmo afirma não ter qualquer conhecimento uma vez que o Sargento-chefe C. não comentou nada com o mesmo” (cfr. auto de declarações de fls. 44 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

24) F., guarda em serviço no Posto Territorial da Lousã, prestou declarações, em 18/11/2018, na qualidade de testemunha, no âmbito do processo n.º PAS 874/18 CTCBR, de cujo auto consta o seguinte:
“Informou que o Sargento-chefe C. andava a arrumar as suas coisas pessoais e transportava algumas caixas tendo passado em frente ao Atendimento do Posto onde o mesmo se encontrava a prestar o serviço para o qual tinha sido escalado.
Mais tarde veio a ter conhecimento que o Sargento-chefe C. se tinha aleijado no dia 29 de setembro de 2018, não tendo tido conhecimento no dia em causa, pois apenas foi abordado pelo Sargento-chefe C. no dia 01 ou dia 02 de outubro a questioná-lo se se lembrava de ele andar a transportar as caixas no dia em que esteve de serviço de Atendimento. Ao ser questionado informou que ‘Sim, que se lembrava’, tendo de seguida o Sargento-chefe C. informado que se tinha aleijado nas costas e que tinha ido ao Hospital para ser visto”
(cfr. doc. de fls. 49 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

25) Em 21/11/2018, o responsável pela instrução do procedimento elaborou um relatório Intercalar do qual consta a seguinte conclusão/parecer:
“No presente caso não foi possível confirmar que tenha ocorrido o acidente pelas testemunhas, o que prejudica desde logo o gozo da presunção de que a lesão mencionada pelo Sargento-chefe C. tenha ocorrido na consequência da ocorrência, assim como que, a existir, a mesma tenha ocorrido durante a prestação de serviço para a GNR.
Tendo em consideração todas as demais provas que dão sentido a esta tese e mencionadas no presente relatório verifica-se que não se encontram reunidos todos os requisitos constantes na al. b) do n.º 1 do art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de novembro, conjugado com o n.º 1 do art.º 8.º do Regime Geral previsto na Lei 98/2009, de 4 de setembro, é o instrutor de propor, s.m.o., que o evento não pode ser qualificado como ‘acidente em serviço” (cfr. doc. de fls. 51 a 52, no verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

26) Em 23/11/2018 o Comandante do Comando Territorial de Coimbra da GNR proferiu despacho no qual verteu o seu entendimento de que não se encontravam reunidos todos os pressupostos para que o evento de 29/09/2018 pudesse vir a ser qualificado como acidente em serviço, mais tendo determinado o envio do processo à Direção de Justiça e Disciplina da GNR, a fim de ser submetido a apreciação e decisão superior (cfr. doc. de fls. 54, frente e verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

27) Em 08/05/2019 a Direção de Justiça e Disciplina da GNR elaborou a informação n.º 1167/2019, da qual consta que “não existem elementos de prova bastantes de que tenha ocorrido o evento lesivo alegado pelo Sargento-chefe M., sendo que, nessa medida, qualquer atividade do quotidiano poderia constituir um evento lesivo, não sendo possível e atendível no caso sub judice dar por provado o imprescindível nexo de causalidade entre a lombalgia de esforço diagnosticada posteriormente, após o términus do serviço, e a sua relação laboral”, informação que mereceu despacho de concordância do 2.º Comandante Geral da GNR, em 28/05/2019 (cfr. doc. de fls. 56 a 60 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

28) Em 18/07/2019 o A. foi pessoalmente notificado da intenção de não qualificar o evento lesivo como acidente em serviço, tendo-lhe sido concedido o prazo de 15 dias úteis para, querendo, se pronunciar, nos termos dos art.os 121.º e segs. Do CPA (cfr. doc. de fls. 70 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

29) Em 08/08/2019 o A. apresentou pronúncia em sede de audiência prévia, na qual alegou que “o acidente sofrido em 29 de setembro de 2018 reúne os requisitos legais para ser qualificado como ocorrido em serviço”, mais pedindo que fosse “efetuada a conexão com acidente de trabalho registado em 1996, do qual resultou uma lesão permanente de défice na perna direita do sinistrado, em consequência da primeira cirurgia no HMP em 16 de janeiro de 1998” (cfr. doc. de fls. 74 a 80, no verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

30) Com a pronúncia que antecede, o A. juntou documentos e solicitou, nos termos do n.º 2 do art.º 121.º do CPA, “a inquirição da esposa do Sinistrado, para inequívoco e cabal esclarecimento de que o acidente em apreço ocorreu no seu local de trabalho, no tempo de trabalho e produziu diretamente a lesão corporal da qual resultou redução na capacidade de trabalho da vítima, como previsto no n.º 1 do art.º 8.º da LAT” (cfr. doc. de fls. 74 a 80, no verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

31) Consta do relatório da TAC da coluna lombo-sagrada que o A. realizou em 05/12/2018, anexo à pronúncia que antecede, o seguinte:
RESULTADOS:
Na posição de estudo existem alterações da estática lombar, com escoliose ligeira de convexidade direita, ligeira anterolistésis de L3 e retrolistésis de L5.
Canal raquidiano lombar estreito, agravado a múltiplos níveis por patologia degenerativa osteoarticular intersomática.
Entre D12-L1, identificamos apenas pequena ossificação localizada no limite posterior do disco, em posição para-sagital esquerda, sem repercussão relevante sobre as estruturas locais. Nódulo osteofitário volumoso com localização mediana e póstero-lateral esquerda em L1 -L2, a condicionar deformação assimétrica do canal raquidiano, com compressão do saco dural e extensão pré-foraminal, sem aparentemente condicionar compromisso da raiz respectiva. Em L2-L3, está mantida a normal configuração do disco e a permeabilidade foraminal. Estreitamento segmentar do canal raquidiano lombar em L3-L4 que resulta de osteoartrose dos maciços articulares e abaulamento circunferencial do disco. Condiciona compromisso circunferencial do saco durai. Determinam ainda redução da permeabilidade dos canais de conjugação, sem sinais de compressão radicular, visíveis na posição de estudo.
Abaulamento discai difuso em L4-L5, com lateralização direita, com consequente compressão da superfície anterior do saco durai e com extensão lateral e inferior aos canais de conjugação, que são estreitos à partida, por hipertrofia das apófises articulares. No canal raquidiano há efeito compressivo moderado sobre a vertente anterior do saco dural.

Em L5-S1 o espaço intersomático é vestigial e ocorre irregularidade e esclerose mais marcada das plataformas vertebrais adjacentes. O disco projecta-se na linha média, em conjunto com osteófitos, oblitera o espaço epidural anterior, contacta o saco durai e a emergência durai de ambas as raízes S 1. Simultaneamente, existe estreitamento foraminal degenerativo de predomínio direito admitindo-se que possa ocorrer compressão da respectiva raiz.
Hérnia retromarginal anterior na plataforma vertebral inferior de L5.
É normal e simétrica a distribuição das massas musculares nas goteiras paravertebrais.
(cfr. doc. de fls. 85 e 86 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

32) Consta da informação clínica elaborada pelo Serviço de Neurocirurgia do Centro Clínico da GNR, de 26/12/2018, anexa à pronúncia do A., o seguinte:
“Antecedentes de duas cirurgias sobre o espaço L5/S1 (…). Atualmente com recidiva de lombociatalgia esquerda, (…) em relação com estenose do canal em L3/L4 (pela TAC). Pede-se RM para melhor esclarecimento imagiológico” (cfr. doc. de fls. 87, frente e verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

33) Consta do relatório da RM da coluna lombar que o A. realizou em 07/01/2019, anexo à sua pronúncia, o seguinte:

INFORMAÇÃO CLÍNICA: Antecedentes de duas cirurgias a nível de L5-S1. Actualmente com recidiva de lombociatalgia esquerda.
(…)
RELATÓRIO:
O canal vertebral apresenta dimensões constitucionais dentro dos parâmetros da normalidade, mas está secundariamente estreitado por patologia degenerativa.
Está rectificada a curvatura lordótica fisiológica lombar.
O disco-intervertebral L1-L2 apresenta-se difusamente abaulado e acompanha-se de osteofitose das plataformas vertebrais. Estes aspectos têm maior expressão a nível paramediano posterior esquerdo, com deformação da vertente contígua do saco durai e contacto com a emergência durai da raiz L2 esquerda, mas sem sinais de compressão radicular.
Em L3-L4 e L4-L5 observa-se abaulamento discal mais significativo, a que se associa também osteofitose das plataformas vertebrais. Estão hipertrofiados os maciços articulares posteriores, assim como os ligamentos amarelos, com consequente redução das dimensões do canal vertebral e compressão das diferentes faces do saco durai. Estes aspectos são ligeiramente mais expressivos a nível de L3-L4, com discreta compressão da emergência das raízes L4, aspecto que pode agravar em carga.
O espaço intervertebral L5-S1 está estreitado e observam-se sinais de abordagem cirúrgica, aparentemente bilateral, embora com maior descontinuidade laminar à esquerda. O disco intervertebral apresenta uma discreta protrusão posterior difusa a que se associa osteofitose das plataformas vertebrais, tendo estes aspectos expressão ligeiramente mais significativa à direita. Encontram-se reduzidas as dimensões dos foramina intervertebrais, bilateralmente, embora com ligeiro predomínio direito, mas sem evidente compressão radicular. Observa-se ainda discreta retrolistésis de L5. Os planos obtidos após administração de contraste não mostram fibrose cicatricial significativa.
Não se observam lesões paravertebrais.

(cfr. doc. de fls. 88 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

34) Consta da informação clínica de 17/04/2019, elaborada pelo Centro Clínico da GNR e anexa à pronúncia do A., o seguinte:
“Em 1998 operado por duas vezes (HMP e HSA Capuchos) por lombociatalgia esquerda/HD L5/S1 esquerda.
Recidiva álgica recente (setembro/2018), ipsilateral.
Fez TAC L5 – aparentemente sem compressão em L5/S1 e com estenose do canal em L3/L4” (cfr. doc. de fls. 89 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

35) Consta do Relatório Clínico relativo ao A., elaborado pela Medicina Física e de Reabilitação da ARCIL, de 29/07/2019, a seguinte conclusão:
“Em conclusão, o Sr. M. apresenta um quadro clínico de lombalgia persistente à esquerda, essencialmente mecânica, que cede mal aos tratamentos com analgésicos e fisioterapia.
A sintomatologia agora apresentada é diferente da que tinha antes de 29/09/18, que era dor e sensação de fraqueza muscular no membro inferior direito.
O episódio ocorrido em 29/09/18, levantar um objeto pesado do chão, pode ser a causa da dor lombar apresentada desde essa data pelo Sr. M., uma vez que o seu surgimento ocorreu imediatamente após o esforço referido.
Deste modo, deve ser estabelecido um nexo de causalidade entre o evento de 29/09/18 e o início do quadro clínico que apresenta atualmente” (cfr. doc. de fls. 93 e 94 do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

36) Em 13/08/2019 o responsável pela instrução do procedimento elaborou novo relatório intercalar do qual consta, além do mais, o seguinte parecer:
“No presente caso não foi possível confirmar que tenha ocorrido o acidente pelas testemunhas, o que prejudica desde logo o gozo da presunção de que a lesão mencionada pelo Sargento-chefe C. tenha ocorrido na consequência da ocorrência, assim como que, a existir, a mesma tenha ocorrido durante a prestação de serviço para a GNR consubstanciado com o facto do militar quando notificado para se pronunciar sobre a intenção da decisão do instrutor não o ter feito trazendo para o processo provas e/ou relatórios que pudessem alterar a proposta de qualificação do acidente pelo instrutor.
Tendo em consideração todas as demais provas que dão sentido a esta tese e mencionadas no presente relatório, verifica-se que não se encontram reunidos todos os requisitos constantes na al. b) do n.º 1 do art.º 3.º, e n.º 1 do art.º 7.º, ambos do Decreto-Lei n.º 503/99 de 20 de novembro, conjugado com o n.º 1 art.º 8.º e al. a) n.º 1 art.º 9.º do Regime Geral previsto na Lei 98/2009, de 4 de setembro, é o instrutor de propor, s.m.o., que o evento não pode ser qualificado como ‘acidente em serviço”
(cfr. doc. de fls. 71 a 72, no verso, do processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

37) Em 27/01/2020 a Direção de Justiça e Disciplina da GNR elaborou a informação n.º 221/2020, da qual consta, além do mais, o seguinte:
7. Aqui chegados e considerando os elementos probatórios carreados em sede de audiência prévia sob a forma escrita, esta Direção, tal corno já tinha apreendido da primeira análise do procedimento, está certa de que o Sargento-Chefe M. não beneficia dessa presunção legal, sendo que, o alegado evento sucedeu no dia 29 de setembro de 2018, mas a assistência médica só foi prestada pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, no final do dia seguinte.
8. Ou seja, a assistência médica não foi prestada de imediato, circunstância que adjetiva a desnecessidade e/ou a gravidade dos factos, obstando, com efeito, à imperatividade da presunção.
9. Nessa medida, afastada a imperatividade da presunção juris tantum legalmente imposta pelo art.° 7.°, n.° 2 do DL 503/99 de 20 de novembro, tal conjuntura impõe ao declarante alegar e provar a existência material dos factos.
10. Nesse desiderato, o mesmo veio essencialmente expor o que tinha declarado na participação inicial, não reunindo qualquer prova conclusiva onde possa estribar as suas alegações, reafirmando inclusivamente, que se encontrava sozinho no gabinete, inexistindo assim testemunhas oculares.
11. Portanto, a alegada presunção legal advogada pelo Sargento-Chefe M., não o libera, do ónus da prova da verificação do próprio evento causador das lesões, ónus que lhe compete.
12. O acidente de trabalho pressupõe a ocorrência de um acidente, entendido, em regra, como evento súbito, imprevisto e que provoque uma lesão na saúde ou na integridade física do trabalhador e que este evento ocorra no tempo e no local de trabalho.
13. Todavia, não tendo o trabalhador provado de forma bastante e inequívoca a existência do evento participado, sendo que, inclusivamente, só consta dos autos a prova da assistência médica que lhe foi prestada no final do dia seguinte, o que não abona indiciariamente a seu favor, que, por conseguinte, tais circunstâncias obstam a que esta Direção julgue como provados os factos alegados abstratamente polo mesmo, sem outros meios probatórios mais consistentes.
14. Além do mais, o próprio instrutor refere que segundo as testemunhas, é sua convicção de que "são unanimes em confirmar que no dia e hora indicado não se aperceberam que se tenha aleijado ou que o mesmo tenha comentado com eles que se tinha aleijado quando se encontrava a arrumar as suas coisas pessoais e/ou ao transportá-las para a sua viatura pessoal".
(…)
36. Destarte, face ao exposto, verifica-se que não existem elementos de prova bastantes de que tenha ocorrido o evento lesivo alegado pelo Sargento-chefe M., sendo que, nessa medida, qualquer atividade do quotidiano poderia constituir um evento-lesivo, não sendo possível e atendível no caso sub judice dar por provado o imprescindível nexo de causalidade entre a lombalgia de esforço diagnosticada posteriormente, após o términus do serviço, e a sua relação laboral.
37. No que tange aos factos conduzidos aos autos ex novo pelo interessado em sede de audiência prévia sob a forma escrita, onde declara que "com a informação agora acarreada e documentos apensos, o acidente sofrido em 29 de Setembro de 2018 reúne os requisitos legais para ser qualificado como ocorrido em serviço, rogando-se que seja efetuada a conexão com o acidente de trabalho registado em 1996, do qual resultou uma lesão permanente de défice na perna direita do sinistrado, em consequência da primeira cirurgia no HMP em 16 de janeiro de 1998", conforme se aferiu nos precedentes parágrafos, precludiu o direito para requerer a sua submissão à Junta Médica, volvido o prazo de 10 anos para o fazer, no sentido de aferir o nexo de causalidade entre uma situação de recidiva, agravamento ou recaída e o acidente de trabalho ocorrido em 1996, ex vi do art.° 8.°, n.° 1, da LAT e artigos 56.°, n.° 1, al. c), art.° 58.° e art.° 24.°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.

(…)
PARECER

1. Revistos os elementos fácticos e probatórios entranhados nos autos, bem como, as alegações e provas carreadas pelo Sargento-Chefe M. em sede de audiência prévia sob a forma escrita, esta Direção está convicta de que o caso em apreço não se enquadra por inteiro no conceito de acidente de trabalho, porque não resulta provado a existência do evento lesivo alegado, ex vi do art.° 8.°, n.° 1, da LAT, por força do art.° 7.°, do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.

2. Relativamente à situação da recidiva trazida à colação em sede de audiência prévia sob a forma escrita, conforme se aclarou nos pretéritos parágrafos, presentemente precludiu o direito de o Sargento-Chefe M. requerer a sua submissão à Junta Médica, volvido o prazo dc 10 anos legalmente imposto para concretizar esse desiderato, com vista a aferir o nexo de causalidade entre uma situação de recidiva, agravamento ou recaída e o acidente de trabalho ocorrido em 1996, nos termos dos artigos 56.°, n.° 1, al. c), art.° 58.° e art.° 24.", n.° 1, do Decreto-Lei n.° 503/99, de 20 de novembro.

(cfr. doc. de fls. 195 a 213 do ficheiro pdf contendo o processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

38) Em 04/02/2020 o 2.º Comandante-Geral da GNR proferiu o seguinte despacho, exarado sob a informação que antecede: “Nos termos e com os fundamentos constantes na Informação n.º 221/2020, de 27 de janeiro de 2020, da Direção de Justiça e Disciplina, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, por delegação do Excelentíssimo Comandante-Geral, decido: - Não qualificar o evento como acidente de trabalho. (…)” (cfr. doc. de fls. 195 do ficheiro pdf contendo o processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

39) Em 05/03/2020 o A. foi pessoalmente notificado do despacho que antecede, que decidiu não qualificar o evento como acidente em serviço (cfr. doc. de fls. 217 do ficheiro pdf contendo o processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

40) Por despacho do Comandante do Comando Territorial de Coimbra da GNR de 13/03/2020, foi determinado o arquivamento do processo por acidente em serviço n.º PAS 874/18 CTCBR, despacho do qual o A. foi pessoalmente notificado em 22/05/2020 (cfr. docs. de fls. 219 e 221 do ficheiro pdf contendo o processo administrativo PAS 874/18 CTCBR).

41) Após 29/09/2018, o A. foi sendo acompanhado em consultas de neurocirurgia e de medicina física e reabilitação/fisiatria e realizou diversos exames à coluna lombar/zona lombar e tratamentos de fisioterapia (cfr. docs. n.os 102 a 130 anexos à petição inicial).

42) Consta de declaração emitida, em 18/06/2019, pelo médico responsável da Medicina Física e de Reabilitação da ARCIL que o A. “não pode fazer longos trajetos nem permanecer durante longos períodos em pé”, necessitando de “continuar o seu programa de reabilitação nesta clínica” (cfr. doc. n.º 131 anexo à petição inicial).

43) Do relatório do estudo eletromiográfico realizado pelo A. em 25/11/2019 consta a seguinte conclusão: “Lesão da raiz sagrada S1 direita, crónica, moderadamente grave.
Sem sinais de lesão das raízes lombares L4-L5 e da raiz sagrada S1 esquerda” (cfr. doc. n.º 65 anexo à petição inicial).

44) Consta do relatório da Ressonância Magnética da coluna lombar realizada pelo A. em 29/09/2020 que “o estudo efetuado não difere significativamente do anterior realizado em 07/01/2019, nomeadamente em relação às características das alterações degenerativas mais marcadas dos discos entre L3 e S1, e compromisso canalar e foraminal associado, parecendo-nos as ténues diferenças constatadas ser resultantes sobretudo do facto dos exames terem sido efetuados em aparelhos com características técnicas diferentes, e com uma orientação dos planos de corte também ligeiramente diferente” (cfr. doc. n.º 64 anexo à petição inicial).

45) O A. suportou as seguintes despesas com consultas, exames, medicamentos e sessões/tratamentos de fisioterapia:
- despesa de farmácia, em 01/10/2018, no valor de € 8,20;
- despesa de farmácia, em 15/10/2018, no valor de € 14,63;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 23/10/2018, no valor de € 3,99;
- RX coluna lombar, em 24/10/2018, no valor de € 1,40;
- despesa de farmácia, em 30/10/2018, no valor de € 14,63;
- despesa de farmácia, em 03/12/2018, no valor de € 13,17;
- consulta de fisiatria, em 03/12/2018, no valor de € 3,99;
- sessões de fisioterapia, em 05/12/2018, no valor de € 17,10;
- TAC à coluna lombo-sagrada, em 05/12/2018, no valor de € 15,60;
- RM à coluna lombo-sagrada com contraste paramagnético, em 07/01/2019, no valor de € 37,00;
- aquisição de cinta ortopédica lombar, em 09/01/2019, no valor de € 37,80;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 17/01/2019, no valor de € 3,99;
- consulta de neurocirurgia no Centro Cirúrgico de Coimbra, em 22/01/2019, no valor de € 3,99;
- sessões de fisioterapia, em 05/02/2019, no valor de € 17,55;
- consulta de neurocirurgia na CUF, em 06/02/2019, no valor de € 3,99;
- despesa de farmácia, em 08/02/2019, no valor de € 15,98;
- despesa de transporte para deslocação a consulta de neurocirurgia no Centro Clínico da GNR, em 13/02/2019, no valor de € 10,00;
- consulta de neurocirurgia no Hospital da Luz, em 21/02/2019, no valor de € 3,99;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 26/02/2019, no valor de € 3,99;
- despesas com transporte para realização de consulta/exame no Centro Clínico da GNR em Lisboa, em 17/04/2019, no valor de € 30,55;
- sessões de fisioterapia, em 29/04/2019, no valor de € 17,55;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 18/06/2019, no valor de € 3,99;
- sessões de fisioterapia, em 10/07/2019, no valor de € 18,90;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 27/07/2019, no valor de € 3,99;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 01/08/2019, no valor de € 60,00;
- sessões de fisioterapia, em 03/09/2019, no valor de € 21,30;
- consulta de neurologia no Hospital da Luz, em 03/10/2019, no valor de € 3,99;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 22/10/2019, no valor de € 3,99;
- despesa de farmácia, em 26/10/2019, no valor de € 2,86;
- sessões de fisioterapia, em 11/11/2019, no valor de € 21,30;
- eletromiografia (incluindo velocidades de condução) (membros superiores ou inferiores), em 25/11/2019, no valor de € 80,00;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 14/12/2019, no valor de € 3,99;
- consulta de neurologia no Hospital da Luz, em 16/01/2020, no valor de € 3,99;
- consulta de neurocirurgia na CUF, em 22/01/2020, no valor de € 3,99;
- sessões __________de fisioterapia, em 14/02/2020, no valor de € 21,30;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 19/05/2020, no valor de € 3,99;
- sessões de fisioterapia, em 06/07/2020, no valor de € 21,30;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 28/07/2020, no valor de € 3,99;
- sessões de fisioterapia, em 19/08/2020, no valor de € 21,30;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 15/09/2020, no valor de € 3,99;
- RM da coluna, em 29/09/2020, no valor de € 39,00;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 14/12/2020, no valor de € 3,99;
- sessões de fisioterapia, em 07/01/2021, no valor de € 21,30;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 04/02/2021, no valor de € 3,99;
- sessões de fisioterapia, em 15/02/2021, no valor de € 21,30;
- consulta de medicina física e reabilitação, em 09/03/2021, no valor de € 3,99
(cfr. docs. n.os 132 a 176 anexos à petição inicial).

46) O A. esteve incapacitado para o trabalho nos seguintes períodos: de 24/11/2018 a 23/12/2018; de 24/12/2018 a 22/01/2019; de 23/01/2019 a 21/02/2019; de 22/02/2019 a 23/03/2019; de 24/03/2019 a 22/04/2019; de 23/04/2019 a 22/05/2019; de 23/05/2019 a 21/06/2019; de 22/06/2019 a 21/07/2019; de 22/07/2019 a 20/08/2019; de 21/08/2019 a 19/09/2019; de 20/09/2019 a 19/10/2019; de 20/10/2019 a 18/11/2019; de 19/11/2019 a 18/12/2019; de 19/12/2019 a 17/01/2020; de 18/01/2020 a 16/02/2020; de 17/02/2020 a 17/03/2020; de 18/03/2020 a 16/04/2020; de 17/04/2020 a 16/05/2020; de 17/05/2020 a 15/06/2020; de 16/06/2020 a 15/07/2020; de 16/07/2020 a 14/08/2020; de 15/08/2020 a 13/09/2020; de 13/09/2020 a 12/10/2020; de 13/10/2020 a 11/11/2020; de 12/11/2020 a 11/12/2020; de 12/12/2020 a 15/12/2020; de 16/12/2020 a 14/01/2021; de 15/01/2021 a 13/02/2021; de 14/02/2021 a 15/03/2021; e de 16/03/2021 a 14/04/2021
(cfr. docs. n.os 71 a 100 anexos à petição inicial).

47) A petição inicial da presente ação deu entrada em juízo no dia 12/04/2021 (cfr. doc. de fls. 1 do suporte eletrónico do processo).

48) Por despacho do Comandante-Geral da GNR de 22/05/1995, foi considerado como ocorrido em serviço e por motivo do mesmo o acidente sofrido pelo A. em 09/12/1994, no recinto desportivo do Bairro do Esteval, no Montijo, quando, na data e local referidos, durante um jogo de futebol de cinco do torneio inter-postos do Destacamento Territorial do Montijo, ao disputar a bola, o A. se lesionou na perna esquerda, sofrendo uma fratura do 1/3 distal do perónio à esquerda, lesão de que se encontra curado (cfr. docs. de fls. 3 e 67 do ficheiro pdf contendo o processo administrativo n.º 3/95).

49) Da folha de matrícula e do processo individual do A. não consta qualquer registo ou referência a um processo de acidente em serviço relativo a um evento ocorrido em 03/07/1996 (acordo e cfr. folha de matrícula anexa à contestação).

50) Consta da folha de matrícula e do processo individual do A. que, por decisão de 13/12/2018 da Direção da CGA, foi fixada uma pensão anual vitalícia de € 1.519,15, a que corresponde uma pensão mensal de € 108,51, em consequência da doença profissional de que foi vítima e da qual resultou uma incapacidade permanente parcial com a desvalorização de 10%, conforme parecer da Junta Médica da CGA, homologada por despacho da respetiva Direção de 21/11/2018 (cfr. folha de matrícula anexa à contestação).
*
Factos não provados:
a) Antes de ser sujeito à cirurgia realizada em 16/01/1998, o A. apresentou um requerimento, que entregou no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha e que dirigiu ao Ex.mo General Comandante Geral da GNR, no qual solicitou a abertura do competente Processo de Averiguações por Acidente em Serviço, relativamente a um acidente ocorrido em 03/07/1996, do qual resultou a lesão na coluna que o obrigou a ser operado, tendo o processo sido aberto no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha do Destacamento Territorial de Águeda, do Grupo Territorial de Aveiro, da antiga Brigada Territorial n.º 5, onde foi colocado após o termo do Curso de Formação de Sargentos, em 09/10/1997.
b) A instrução do referido processo foi iniciada pelo Ex.mo Comandante do Destacamento Territorial de Águeda, tendo o A. sido ouvido como sinistrado e informado de que o processo iria ser remetido ao Ex.mo Comandante do Destacamento Territorial do Montijo, onde ocorreu o acidente, por ser o territorialmente competente e por ali prestarem serviço as testemunhas, bem como por aí constarem os documentos comprovativos da prática de instrução física no dia do acidente.
*
Os factos que foram considerados provados resultaram do exame dos documentos supra identificados, constantes dos autos e dos processos administrativos apensos, conjugados com a vontade concordante das partes (acordo), nos termos expressamente referidos no final de cada facto.
Relativamente à factualidade consignada por não provada, o Tribunal entendeu que não foi produzida prova bastante (mormente, documental) para sustentar a sua convicção quanto à respetiva verificação. Com efeito, inexistindo qualquer registo administrativo do invocado processo de acidente em serviço, referente a uma ocorrência de 03/07/1996 (cfr. ponto 49 dos factos provados), mas alegando o A. que apresentou um requerimento dirigido à abertura de um processo dessa natureza e que, nessa sequência, a respetiva instrução foi iniciada, o certo é que não efetuou qualquer prova, como era seu ónus (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil), de que efetivamente procedeu à entrega do aludido requerimento (escrito) para dar início ao processo, comprovando a sua entrada nos serviços, e de que a sua instrução foi iniciada, já que não juntou nenhum documento comprovativo do pedido assim efetuado, nem das diligências instrutórias (e respetivas notificações, na qualidade de sinistrado) que alega terem sido realizadas no âmbito desse procedimento (por exemplo, as declarações por si prestadas). Factos estes que, dada a sua natureza, se nos afigura serem apenas passíveis de prova documental, sendo pouco, ou nada, relevante uma eventual prova testemunhal ou por declarações de parte sobre os mesmos.
Aliás, a alegação de que fez a competente participação por acidente em serviço (quanto ao evento de 1996) e de que o correspetivo processo veio a ser iniciado pela entidade competente, com realização de algumas diligências probatórias (a inquirição do próprio A.), mostra-se, a nosso ver, algo contraditória com a afirmação de que nunca recebeu qualquer notificação a respeito do referido processo de acidente em serviço (cfr. art.º 33.º da petição inicial), na medida em que se nos afigura pouco crível – porque não explicado pelo A. – que a instrução do procedimento tenha sido iniciada e que o A. não tenha sido notificado de nada no âmbito do mesmo e não disponha, por isso, de nenhuma notificação/ofício/documento que ateste, como alega, a efetiva existência de um processo por acidente em serviço respeitante ao evento lesivo de 03/07/1996.
Acresce que a alegada existência, no seu processo individual, de diversos documentos relativos a consultas, internamentos, propostas médicas para a Junta de Saúde da GNR e respetivas deliberações, por referência ao evento de 03/07/1996, não é suficiente para se dar como demonstrado que o correspondente processo por acidente em serviço efetivamente existiu e foi iniciado (a requerimento do A.). Tratando-se, como é, de um processo individual, a alegada presença desses elementos apenas denota que o serviço os registou, na organização desse processo (na medida em que, por exemplo, poderiam ser os mesmos relevantes ao nível de justificação de faltas e registo de assiduidade do militar), não podendo tal significar, sem mais, que existiu e que foi iniciado um concreto processo por acidente em serviço.
Os restantes factos alegados não foram julgados provados ou não provados em virtude de constituírem considerações pessoais ou conclusões de facto ou de direito e não terem relevância para a decisão da causa.”
**
IIIiii - DE DIREITO

Está em causa a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 21 de setembro de 2021, pela qual foi julgado parcialmente o pedido que o Autor havia formulado contra o Ministério da Administração Interna a final da Petição inicial, tendo sido anulado o despacho datado de 04 de fevereiro de 2020 [proferido pelo 2.º Comandante Geral da GNR, exarado na informação n.º 221/20, de 27 de janeiro de 2020, referente ao processo por acidente em serviço n.º PAS 874/18 CTCBR, nos termos do qual havia sido decidido não qualificar o evento ocorrido em 29 de setembro de 2018 como acidente em serviço, com fundamento em ocorrência de défice instrutório e violação do disposto no n.º 2 do artigo 121.º do CPA, por não ter sido ouvida a testemunha indicada pelo Autor ora Recorrente em audiência prévia.

Pela Sentença recorrida, o Tribunal a quo julgou improcedentes os restantes pedidos formulados pelo Autor, que eram atinentes aos eventos reportados aos anos de 1996 e de 2018, e como sustenta o Recorrente, subjacente a esse julgamento, com o que não concorda e que motiva assim a sua pretensão recursiva, estão os factos que o Tribunal a quo deu como não provados sob as alíneas a) e b) a final do probatório, e que conduziu ao julgamento por si prosseguido no sentido de que não foi produzida prova bastante para sustentar a convicção de que existiu o processo por acidente em serviço, relativamente ao evento de 03 de julho de 1996, por inexistir qualquer registo administrativo.

No âmbito das suas Alegações de recurso e respectivas conclusões, o Recorrente sustentou, em suma, que a Sentença recorrida padece de erro de julgamento por ter o Tribunal a quo restringido a prova subjacente à Sentença recorrida àquela que constava dos autos, sem ter permitido a produção de prova testemunhal e a prestação de declarações de parte, situação que o Recorrente também enquadra no domínio da nulidade processual a que se reporta artigo 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.

Enfatizou que ao ter o Tribunal a quo cingido o seu julgamento à prova documental constante dos autos, e assim negando a realização da prova testemunhal requerida, designadamente quanto à apresentação da participação do acidente em serviço e à sua audição enquanto sinistrado, tendo dado esses factos por não provados, que tal consubstancia uma verdadeira denegação da justiça, uma violação do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 20.º da CRP.

Mais referiu não perceber porque foi ordenada a sua notificação para indicar os factos a provar por cada uma das testemunhas por si arroladas, pois que veio a fazê-lo e a indicar a matéria a que requeria a sua inquirição.

Sustentou a final [Cfr. conclusão 21] que o não prosseguimento dos autos para Audiência de julgamento, impedindo assim a realização da prova testemunhal constitui uma nulidade que contende com o cabal apuramento da verdade dos factos, que deve ser declarada por este Tribunal superior.

Constituindo os recursos jurisdicionais os meios específicos de impugnação de decisões judiciais, por via dos quais os recorrentes pretendem alterar as sentenças recorridas, nas concretas matérias que os afectem e que sejam alvo da sua sindicância, é necessário e imprescindível que no âmbito das alegações de recurso os recorrentes prossigam de forma clara e objectiva as premissas do silogismo judiciário em que se apoiou a decisão recorrida, por forma a evidenciar os erros em que a mesma incorreu.

Vejamos então.

Ora, como patenteado nas conclusões apresentadas, o Recorrente recorre da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 21 se setembro de 2021, pela qual conheceu do mérito da pretensão que lhe foi apresentada pelo Autor ora Recorrente no âmbito da sua Petição inicial, considerando os pedidos formulados e a causa de pedir em que os mesmos se estribaram.

Depois de ter efectuado o saneamento dos autos, e tendo identificado como questão que obstaria ao conhecimento do mérito dos autos, a caducidade do direito de acção que havia suscitado oficiosamente, o Tribunal a quo elencou duas questões a decidir, sendo que foi com reporte a essas questões que veio, segundo a sua livre apreciação, a fixar a matéria de facto com base na qual veio a apreciar os pedidos formulados pelo Autor a final da Petição inicial.

Identificou assim o Tribunal a quo que as questões fundamentais a decidir respeitavam a saber:

- se, por referência ao acidente alegadamente sofrido pelo Autor em 03/07/1996, deve o Réu ser condenado a reconstituir o respetivo processo, reconhecendo-o e qualificando-o como acidente em serviço e, em consequência, diligenciando pela marcação de Junta Médica a fim de declarar a alta clínica ao Autor, reconhecer-lhe uma incapacidade permanente e participar o acidente à CGA para confirmação e graduação da incapacidade permanente e fixação da indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho;
- se, por referência ao acidente alegadamente sofrido pelo Autor em 29/09/2018, deve ser anulado o despacho de 04/02/2020, proferido pelo 2.º Comandante Geral, com fundamento em vício de violação de lei e em nulidade processual decorrente da falta de audição da testemunha indicada pelo Autor em sede de audiência prévia, com o consequente reconhecimento e qualificação daquele evento lesivo como acidente em serviço ou, caso assim não se entenda, como agravamento do acidente em serviço ocorrido em 03/07/1996, devendo o Réu, em qualquer dos casos, ser condenado a reembolsá-lo de todas as despesas suportadas em consequência do acidente sofrido em 29/09/2018, bem como de todas as demais despesas que venha a ter de suportar no âmbito dos referidos acidentes em serviço, de 1996 e 2018.

O Recorrente veio deduzir recurso jurisdicional da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, datada de 21 de setembro de 2021, que lhe foi notificada em 22 de setembro de 2021.

Neste conspecto, cumpre para aqui extrair a essencialidade da fundamentação aportada pelo Tribunal a quo e que foi determinante para efeitos de vir a julgar improcedentes os pedidos constantes das alíneas a), b), c) e j) a final da Petição inicial, pois que é apenas em torno desta matéria que o Recorrente faz incidir a sua pretensão recursiva:

Início da transcrição
“[...]
Dos pedidos respeitantes ao alegado acidente de 03/07/1996 [alíneas a), b), c) e j) do petitório final, acima enunciadas no relatório]:
Como vimos, relativamente ao acidente ocorrido em 03/07/1996, o A. pretende que o R. seja condenado a reconstituir o respetivo processo, reconhecendo-o e qualificando-o como acidente em serviço e, em consequência, diligenciando pela marcação de Junta Médica a fim de declarar a sua alta clínica, reconhecer-lhe uma incapacidade permanente e participar o acidente à CGA para confirmação e graduação da incapacidade permanente e fixação da indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho. Pede, ainda, que o R. seja condenado a suportar todas as demais despesas de que venha a ter necessidade no âmbito do referido acidente em serviço e que sejam legalmente subsumíveis no seu direito de reparação.
Estas pretensões, porém, não podem proceder, senão vejamos.
Alega o A. que, no dia 03/07/1996, no decorrer do estágio, no âmbito de uma aula de instrução física no campo “Estrela Afonsoeirense Futebol Clube”, em Afonsoeiro, no Montijo, campo de terra batida habitualmente usado para as aulas de instrução física, cerca das 10h00, durante a prática de atividade desportiva, num jogo de futebol, foi rasteirado pelo então Soldado n.º 272/ 1920311 – J., em serviço naquela Subunidade, e caiu no chão, sentido dor imediata nas costas do lado esquerdo com radiação para o membro inferior esquerdo, com queixas que expressou de imediato e grande dificuldade em andar, presenciadas por colegas, o que o impediu de continuar aquela atividade física, ficando em repouso, a tentar recuperar e para conseguir andar. Refere que, em consequência deste acidente, sofreu dores e teve dificuldade no andar, com falta de força na perna esquerda, que persistiram e se agravavam no dia a dia, com grave dificuldade na execução de atividades profissionais e pessoais diárias, pelo que teve necessidade de recorrer a sessões de fisioterapia, ao mesmo tempo que era assistido e acompanhado em consultas regulares na Clínica dos Loios, em Lavradio, com toma contínua de medicamentos analgésicos e anti-inflamatórios, assim conseguindo aguentar até concluir o Curso de Sargentos em setembro de 1997. Mais adianta que, devido a estas lesões, foi sujeito a intervenção cirúrgica no Hospital Militar Principal da Estrela em 16/01/1998 e, mais tarde, teve de ser novamente operado no Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa, em 14/09/1998.
Por referência a este evento lesivo, que situa temporalmente em 03/07/1996, o A. começa por pedir, perante o não aparecimento do correspondente processo de acidente em serviço, que o mesmo seja reconstituído com os elementos que se facultam com a presente ação, bem como com outros elementos que se encontram no seu processo individual, tais como diversos documentos referentes às consultas de neurocirurgia no Centro Clínico da GNR em Lisboa, Hospital Militar Principal, deliberações da Junta de Saúde de Lisboa, propostas médicas do neurocirurgião do Centro Clínico da GNR, entre outros.
Como fundamento para esta sua pretensão, alega que, antes de ser sujeito à cirurgia realizada em 16/01/1998, apresentou um requerimento dirigido ao General Comandante Geral da GNR, no qual solicitou a abertura do competente processo de averiguações por acidente em serviço, pelo evento ocorrido em 03/07/1996, com a consequente lesão na coluna que o obrigou a ser operado, o qual foi aberto no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha do Destacamento Territorial de Águeda, do Grupo Territorial (GRUTER) de Aveiro, da antiga Brigada Territorial n.º 5, onde foi colocado após o termo do Curso de Sargentos, em 09/10/1997. Afirma, ainda, que a instrução do referido processo foi iniciada pelo então Comandante do Destacamento Territorial de Águeda, no qual foi ouvido como sinistrado e foi informado de que o processo iria ser remetido ao Destacamento Territorial do Montijo, onde ocorreu o acidente, por ser o territorialmente competente e por ali prestarem serviço as testemunhas e constarem os documentos pertinentes. Conclui, por isso, que, se o R. não tem registo deste processo, tal só pode ter ficado a dever-se a extravio ou desaparecimento, o que não é da responsabilidade do A. e não pode prejudicar o exercício dos seus direitos.
Não é possível, porém, ante a factualidade provada e não provada nos presentes autos, afirmar, como faz o A., que efetivamente existiu o competente processo por acidente em serviço, relativamente ao evento de 03/07/1996, que o mesmo foi oportunamente instaurado pela autoridade competente, a requerimento do A., e cuja instrução foi iniciada, com audição do próprio sinistrado.
O que se extrai, a este respeito, da factualidade provada – e quanto a isto, na verdade, as partes não divergem – é que da folha de matrícula e do processo individual do A. não consta qualquer registo ou referência a um processo de acidente em serviço relativo a um evento ocorrido em 03/07/1996. Disso mesmo foi o A. notificado, em 29/03/2021 – na sequência de um pedido de autorização para “consulta do Processo de Averiguações por Acidente em Serviço ocorrido em 1996, a fim de lhe serem facultadas cópias simples dos documentos com interesse, para posterior pedido de avaliação da incapacidade resultante daquele evento lesivo” –, tendo sido informado de que, “relativamente aos requerimentos por si enviados a este Comando, datados de 05FEV21 e 18FEV21, (…) foi consultado o seu processo individual, registos do AS 400 e pedido informação à Direção de Justiça e Disciplina, verificou-se que não existe qualquer registo de participação ou Processo por Acidente em Serviço (…)”. Por outro lado, da folha de matrícula e do processo individual do A. apenas consta que, por despacho do Comandante-Geral da GNR de 22/05/1995, foi considerado como ocorrido em serviço e por motivo do mesmo o acidente sofrido pelo A. em 09/12/1994, no recinto desportivo do Bairro do Esteval, no Montijo, quando, na data e local referidos, durante um jogo de futebol de cinco do torneio inter-postos do Destacamento Territorial do Montijo, ao disputar a bola, o A. se lesionou na perna esquerda, sofrendo uma fratura do 1/3 distal do perónio à esquerda, lesão de que se encontra curado – todavia, tal acidente nada tem a ver com o evento em causa nestes autos e que o A. situa, temporalmente, em 03/07/1996 (cfr. pontos 12 a 14, 48 e 49 dos factos provados).
Ora, alegando o R. que inexiste qualquer processo por acidente em serviço reportado ao ano de 1996 e se, nos termos do probatório, não existe qualquer registo administrativo, seja nos arquivos da GNR, seja nos documentos de matrícula e/ou no processo individual do A., da instauração e instrução de um processo por acidente em serviço relativamente ao evento de 03/07/1996, compete ao A., que invoca a efetiva existência desse processo, que inclusivamente teria sido iniciado a seu requerimento, demonstrar que o processo existiu (ou, pelo menos, que deveria ter existido), que foi instaurado e que nele foram realizadas diligências instrutórias (a sua audição), por lhe incumbir o respetivo ónus da prova (art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil), só assim se podendo concluir que, de facto, terá havido um extravio ou um desaparecimento desse processo não imputável ao A. e da responsabilidade única e exclusiva do R. e dos seus serviços.
No entanto, temos que o A. não cumpriu este ónus, na medida em que: (i) não resultou provado que, antes de ser sujeito à cirurgia realizada em 16/01/1998, o A. apresentou um requerimento, que entregou no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha e que dirigiu ao Ex.mo General Comandante Geral da GNR, no qual solicitou a abertura do competente Processo de Averiguações por Acidente em Serviço, relativamente a um acidente ocorrido em 03/07/1996, do qual resultou a lesão na coluna que o obrigou a ser operado, tendo o processo sido aberto no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha do Destacamento Territorial de Águeda, do Grupo Territorial de Aveiro, da antiga Brigada Territorial n.º 5, onde foi colocado após o termo do Curso de Formação de Sargentos, em 09/10/1997; (ii) nem resultou provado que a instrução do referido processo foi iniciada pelo Ex.mo Comandante do Destacamento Territorial de Águeda, tendo o A. sido ouvido como sinistrado e informado de que o processo iria ser remetido ao Ex.mo Comandante do Destacamento Territorial do Montijo, onde ocorreu o acidente, por ser o territorialmente competente e por ali prestarem serviço as testemunhas, bem como por aí constarem os documentos comprovativos da prática de instrução física no dia do acidente [cfr. alíneas a) e b) dos factos não provados].
Ora, na ausência de prova destes elementos, não é possível concluir, com a certeza e a segurança para tanto exigíveis, que existiu (ou, pelo menos, deveria ter existido) um processo por acidente em serviço, respeitante ao evento lesivo de 03/07/1996, iniciado a requerimento do A. e no qual foram efetuadas diligências instrutórias. E, não sendo possível concluir nesse sentido, não se vislumbra em que medida o R. pode e deve ser condenado a “reconstituir” um processo que nunca existiu, nem para o qual haveria a obrigação de ter existido, pois que, para tanto, seria necessário comprovar, antes de mais, a apresentação da respetiva participação de acidente, prova que, como vimos, o A. não logrou efetuar, já que dos autos não há notícia do alegado requerimento escrito entregue no Posto Territorial de Albergaria-a-Velha – cfr. art.os 5.º e segs. do Decreto-Lei n.º 38523, de 23/11/1951.
Como salientado em sede de motivação da matéria de facto (não provada), o A. não juntou nenhum documento comprovativo do pedido de abertura, naquela data, de um processo por acidente em serviço, nem das diligências instrutórias (e respetivas notificações, na qualidade de sinistrado) que alega terem sido realizadas no âmbito desse procedimento (por exemplo, as declarações por si prestadas). E a alegada existência, no seu processo individual, de diversos documentos relativos a consultas, internamentos, propostas médicas para a Junta de Saúde da GNR e respetivas deliberações, por referência ao evento de 03/07/1996, não é suficiente para se dar como demonstrado que o correspondente processo por acidente em serviço efetivamente existiu (ou deveria ter existido) e foi iniciado (a requerimento do A.). A presença desses elementos apenas denota que o serviço os registou, na organização do processo individual do militar (para os efeitos tidos por convenientes, por exemplo, ao nível de justificação de faltas e registo de assiduidade), não podendo tal significar, sem mais, que existiu e que foi iniciado um concreto processo por acidente em serviço, por cujo extravio ou desaparecimento deve o R. ser responsabilizado.
Ante o exposto, impõe-se concluir pela improcedência do primeiro pedido do A., dirigido à condenação do R. a reconstituir o processo de acidente em serviço ocorrido em 03/07/1996 e a dar-lhe seguimento, uma vez que o A. não demonstrou que oportunamente exerceu os seus direitos tendentes à abertura e instrução desse processo, ao abrigo da lei então aplicável (Decreto-Lei n.º 38523, de 23/11/1951), nem demonstrou, em consequência, que esse processo por acidente em serviço efetivamente existiu ou deveria ter existido, já que nenhuma prova (documental, necessariamente) foi feita quanto aos atos e diligências que o mesmo alega ter praticado para dar início a esse processo, nem quanto aos atos que o mesmo alega que o R. praticou no desenvolvimento e instrução desse processo.
Com a improcedência deste primeiro pedido, forçosamente improcedem os pedidos de condenação do R. a reconhecer e a qualificar como acidente em serviço o ocorrido em 03/07/1996, bem como a diligenciar pela marcação de uma Junta Médica a fim de declarar a alta clínica ao A., a reconhecer-lhe uma incapacidade permanente e a participar o acidente à CGA para confirmar e graduar tal incapacidade permanente e para fixar a indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na sua capacidade de trabalho ou de ganho. Com efeito, se não há prova de que o A. exerceu, em devido tempo, os seus direitos e os seus deveres (isto é, de que requereu a abertura e instauração do competente processo por acidente em serviço, ao abrigo do regime previsto nos art.os 5.º e segs. do Decreto-Lei n.º 38523, de 23/11/1951), não existe base nem fundamento legal para a condenação do R. a qualificar o acidente como ocorrido em serviço (com todos os efeitos daí advenientes em termos de fixação de incapacidade e indemnização), porque tal estaria dependente, precisamente, do prévio, atempado e oportuno exercício daqueles direitos e deveres pelo sinistrado, nos termos legais – o que, in casu, não se demonstrou que assim tenha sucedido.
Por fim, ainda que assim não se entendesse (e se admitisse, por hipótese, que teria ou deveria ter existido um processo por acidente em serviço referente ao evento de 1996), sempre se diga que o comportamento evidenciado pelo A., ao deixar decorrer todo este lapso de tempo (entre 1996/1997 e 2021) para vir agora exercer judicialmente os seus invocados direitos, se revela, em certa medida, e salvo o devido respeito, abusivo e contrário aos ditames da boa-fé (cfr. art.º 334.º do Código Civil), sendo que o abuso do direito é, como se sabe, de conhecimento oficioso e deve ser objeto de apreciação e decisão, ainda que não invocado (cfr. o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11/12/2012, proc. n.º 116/07.2TBMCN.P1.S1, publicado em www.dgsi.pt).
Com efeito, alegando o A. que nunca recebeu qualquer notificação da parte do R. com respeito ao referido processo de acidente em serviço de 03/07/1996, que não recebeu qualquer notificação a reconhecer o acidente como ocorrido em serviço, que não recebeu qualquer notificação de médico assistente ou de Junta Médica a que foi submetido, nem da alta clínica, não se compreende, na verdade – nem o mesmo explica ou justifica –, como é que, até 2021, não agiu e deixou transcorrer todo este tempo (mais de 20 anos) para vir agora reclamar que o R. dê andamento ao processo em causa, efetivando os seus direitos.
Este comportamento (em rigor, inação ou omissão de comportamento) pode, a nosso ver, ser enquadrado numa das modalidades do abuso do direito – a suppressio, a qual se verifica com o decurso de um período de tempo significativo suscetível de criar na contraparte a expectativa legítima de que o direito não mais será exercido (cfr. os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 05/06/2018, proc. n.º 10855/15.9T8CBR-A.C1.S1, e de 20/04/2021, proc. n.º 7268/18.4T8LSB-A.L1.S1, publicados em www.dgsi.pt).
Razão pela qual, também com este fundamento, as pretensões do A., por referência ao alegado evento lesivo de 1996, não deveriam obter provimento.
Termos em que improcedem os pedidos respeitantes ao alegado acidente ocorrido em 03/07/1996 [alíneas a), b), c) e j) do petitório final].
[...]“
Fim da transcrição.

Com o assim julgado não concorda o Recorrente.

Mas dizemos desde já que não lhe assiste razão.

Vejamos então por que termos e pressupostos.

Como decorre dos autos, finda a fase dos articulados, o Tribunal a quo proferiu despacho datado de 13 de agosto de 2021, que para aqui se extrai como segue:

A fim de se aquilatar da necessidade de produção de prova testemunhal, notifique o A. para, em colaboração com o Tribunal e no prazo de 10 dias, especificar, por referência aos artigos da p.i., os factos que se propõe provar com recurso a tal prova.

Nessa sequência, o Autor ora Recorrente veio a apresentar requerimento em 26 de agosto de 2021, que para aqui se extrai como segue:

“[…]
M., A. Na acção supra referida que move contra a Ré Ministério da Administração Interna, em cumprimento do despacho em último notificado, vem indicar os factos da PI que se propõe provar com cada uma das testemunhas indicadas:
J. : Art. 2º; 3º, 6º, 7º da PI.
P. : 2º, 3º, 7º, 13º da PI.
P., Art. 2º, 3º, 4º, 5º, 7º da PI.
SILVIA NATÉRCIA HAYES FIGUEIRA C., Art. 2º, 6º, 10º, 11º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º e 20.º, Art.º 25.º, 26.º , 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 32.º e 34, 37.º, 38.º , 40.º, 46.º, 47.º, 48.º, 50º, 54.º, 55.º, 57.º, 66º, 69.º, 73.º, 74.º, 75.º, 80.º, 81.º, 82.º, 83.º, 84.º, 85.º, 86.º, 88.º, 90.º, 93.º, 94.º, 96.º, 97.º, 98.º e 101.º da PI.
F. – Art, 11º, 12º, 23º, 25º, 35.º, 36.º, 37.º, 38.º , 40.º, 46.º e 50.º, 47.º, 48.º, 54.º, 66.º da PI.
Mais se requer a V. Exa. O aditamento, da seguinte testemunha:
F., reformado, residente na Rua (…).
A testemunha que ora se requer aditar, indica-se para depor sobre os factos art.ºs 11.º, 12.º, 23 e 25.º da PI.
[...]“

Sobre esse seu requerimento [a que se reportava o despacho da Mm.ª Juíza datado de 13 de agosto de 2021], veio o Tribunal a quo a proferir despacho datado de 27 de agosto de 2021, que foi notificado ao Autor nessa mesma data, pelo qual foi decidido dispensar a produção da prova testemunhal e a prestação de declarações de parte como requerido pelo Autor, tendo ainda sido dispensada a realização da audiência prévia.

Julgou assim a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, que os autos já reuniam todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, e nesse sentido que era desnecessária a produção da prova adicional requerida pelo Autor [testemunhal/por declarações de parte], tendo vindo a dispensar essa realização [Cfr. artigos 88.º, n.º 1, alínea b), e 90.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPTA], aportando para esse efeito a devida fundamentação de facto e de direito [Cfr. artigo 154.º do CPC], considerando para tanto nesse domínio que os factos alegados com relevância para a decisão da causa não carecem da produção de prova testemunhal/por declarações de parte.

Ou seja, apreciou e decidiu o Tribunal a quo que o pilar probatório para efeitos de apreciação do mérito dos autos, assentava no conjunto de documentos que foram juntos aos autos e que constam igualmente dos processos administrativos, pois que em face do requerimento apresentado pelo Autor ora Recorrente em 26 de agosto de 2021, veio a apreciar e decidir o Tribunal recorrido que não vislumbrava necessidade de produção de prova testemunhal/por declarações de parte, porque a matéria invocada pelo Autor ou se reportava a factos que se mostravam provados por acordo, ou a factos que se mostravam provados (ou que são apenas suscetíveis de serem provados) por documentos, ou a factos que segundo assim julgou, não assumiam relevância para a decisão a proferir, considerando os pedidos formulados e a posição das partes, bem como o contexto das questões de direito a dirimir, ou por se tratarem de juízos conclusivos, de facto e de direito, a extrair da prova documental constante dos autos.

Assim tendo julgado o Tribunal a quo, dispensando a realização da prova requerida pelo Autor, veio também a dispensar a realização da audiência prévia [Cfr. artigo 87.º-B, n.º 2 e artigo 87.º-A, n.º 1, alínea b), ambos do CPTA].

É evidente que tendo o Tribunal a quo dispensado a realização da Audiência prévia, o mérito dos autos vai ser apreciado e decidido com base na prova documental que deles consta. E neste conspecto, considerando que o Autor havia arrolado testemunhas a fim de serem inquiridas em Audiência final [Cfr. artigo 91.º, n.º 1 do CPTA], ela não vai realizar-se, nem tem já o Autor o poder de proceder à alteração do seu requerimento probatório, atento o disposto no artigo 87.º-A, n.º 6 do CPTA.

Diga-se ainda, que tendo a Mm.ª Juíza apreciado que o mérito dos autos deve ser conhecido já no despacho saneador, dada a desnecessidade da produção de prova adicional, e tendo decidido pela dispensa da realização da Audiência prévia, se com essa decisão não concordava o Autor, assente no facto de que queria o mesmo produzir a prova por si tida em perspectiva, em Audiência final, então, tendo sido notificado desse despacho datado de 27 de agosto de 2021, devia o Autor ter deduzida reclamação do assim decidido, para o que devia ter requerido a realização de Audiência prévia nos termos do artigo 87.º-B, n.º 4 do CPTA.

Portanto, a respeito de duas decisões de que foi notificado, a saber (i) sobre a não realização da prova por si requerida [não sendo assim realizada Audiência final], e (ii) sobre a não realização da Audiência prévia, regularmente notificado o Autor, o mesmo nada disse, tendo então aceitado o que nesse domínio foi apreciado e decidido, o que comporta consequências de índole processual na ulterior tramitação e decisão dos autos.

Efectivamente, sobre as decisões contidas nesse despacho, o Autor não recorreu para este Tribunal Superior, mormente para efeitos de sindicar as razões e fundamentos em que o mesmo se estribou para a apreciação e decisão que fez em torno da prova por si requerida, sendo que, como assim dispõe o artigo 627.º n.º 1 do CPC, enquanto decisão judicial que apreciou uma pretensão, e com ela [decisão] não concordando, podia tê-la impugnado por meio de recurso.

Por ter interesse para a decisão a proferir, para aqui se extrai esse despacho, como segue:

Início da transcrição
“[…]
Compulsados os autos, entendemos que o processo reúne já todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador [art.º 88.º, n.º 1, alínea b), do CPTA, aplicável ex vi art.º 48.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11], revelando-se, por isso, desnecessária a produção da prova testemunhal/por declarações de parte requerida pelo A.
Com efeito, segundo o art.º 90.º, n.º 1, do CPTA (aplicável ex vi art.º 48.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11), “a instrução tem por objeto os factos relevantes para o exame e decisão da causa que devam considerar-se controvertidos ou necessitados de prova”. Acresce que, segundo o n.º 3 do mesmo preceito legal, “no âmbito da instrução, o juiz ou relator ordena as diligências de prova que considere necessárias para o apuramento da verdade, podendo indeferir, por despacho fundamentado, requerimentos dirigidos à produção de prova sobre certos factos ou recusar a utilização de certos meios de prova, quando o considere claramente desnecessário” (sublinhado nosso).
Ora, analisados os articulados das partes, os factos alegados que apresentam, a nosso ver, relevância para a decisão da causa não carecem da produção de prova testemunhal/por declarações de parte, porquanto o seu pilar probatório assenta no conjunto de documentos que foram juntos aos autos e que constam igualmente dos processos administrativos.
Acresce que, atentos os pedidos formulados na petição inicial e a posição veiculada pelas partes – mormente na contestação da entidade demandada –, as questões a dirimir são essencialmente de direito, atinentes à reconstituição e decisão final do processo de acidente em serviço alegadamente ocorrido em 03/07/1996 (onde deverão ser apurados os factos tidos por relevantes e onde deverão ser efetuadas as diligências probatórias requeridas pelo A.) e atinentes aos vícios de violação de lei imputados ao despacho de 04/02/2020 (falta de audição de testemunhas, existência de nexo de ligação entre os factos ocorridos em 1996 e os factos lesivos ocorridos em 2018, questão da qualificação como recidiva/agravamento).
Por outro lado, compulsado o requerimento do A. que antecede, não se vislumbra a necessidade de produção de prova testemunhal/por declarações de parte sobre os artigos da petição inicial aí indicados, porquanto: ora se trata de factos que se mostram provados por acordo (art.os 1.º, 2.º, 41.º a 49.º, 59.º, 60.º e 62.º a 64.º), ora se trata de factos que se mostram provados (ou que são apenas suscetíveis de serem provados) por documentos (por exemplo, art.os 10.º, 11.º, 14.º a 17.º, 20.º, 25.º a 29.º, 31.º, 32.º, 34.º, 46.º a 48.º, 50.º, 54.º, 55.º, 57.º, 73.º, 80.º a 86.º, 88.º, 90.º, 93.º), ora se trata de factos que não assumem relevância para a decisão a proferir, considerando os pedidos formulados e a posição das partes, bem como o contexto das questões de direito a dirimir, incluindo a exceção de caducidade do direito de ação (por exemplo, art.os 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 13.º, 37.º, 38.º, 40.º), ora se trata, por fim, de juízos conclusivos, de facto e de direito, a extrair da prova documental constante dos autos (por exemplo, art.os 66.º, 69.º, 74.º, 94.º, 96.º a 101.º).
Ante o exposto, decide-se dispensar, por desnecessária, a produção da prova testemunhal/por declarações de parte requerida pelo A.
*
Uma vez que a audiência prévia teria apenas a finalidade prevista na alínea b) do n.º
1 do art.º 87.º-A do CPTA, decide-se dispensar a sua realização, nos termos do art.º 87.º-B, n.º 2, do mesmo diploma legal (aplicáveis ex vi art.º 48.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20/11).
Notifique.
[...]“
Fim da transcrição

Compulsado o despacho em causa, dele retiramos qual o concreto julgamento tirado pelo Tribunal a quo para indeferir a produção de prova.

Por outro lado, nos termos do artigo 637.º, n.º 2 do CPC, o requerimento de interposição do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade.

Das conclusões enunciadas a final das Alegações apesentadas pelo Recorrente, em concreto as vertidas em 1 a 7, extrai-se com clareza, que o mesmo quer sindicar o julgamento do Tribunal a quo em torno da improcedência dos pedidos enunciados sob as alíneas a), b), c) e j), por ter o mesmo julgado não provados factos que no seu entender [do Recorrente] deveriam ter sido objecto de produção de prova, a prosseguir em Audiência final, e que assim tendo sido feito, o Tribunal a quo violou o seu direito à realização da prova e a uma tutela jurisdicional efectiva.

Como assim competia ao Tribunal a quo [Cfr. artigos 90.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA], tendo avaliado e decidido o mesmo por que termos e para que efeitos pretendia o Autor a produção de prova testemunhal e a prestação de declarações de parte, e nesse domínio proferido decisão pela qual não admitiu meios de prova [testemunhal e declarações de parte], por decorrência dessa decisão cabia recurso de apelação autónoma, nos termos do artigo 142.º, n.ºs 3 – parte inicial – e 5 - parte final - do CPTA, e do artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC, o que não fez o Autor.

A pretensão recursiva do ora Recorrente está encerrada num julgamento que é já posterior àquele que não admitiu a requerida produção de prova, e esse julgamento mostra-se em conformidade, isto é, assente na desnecessidade da produção de prova adicional, mormente testemunhal e declarações de parte, julgamento este que não foi sindicado pelo Recorrente.

Como assim decorre das Alegações e respectivas conclusões, sendo patente que o Recorrente tinha para si que a prova do que havia alegado apenas podia ser feito por via testemunhal e pelas suas declarações de parte, devia ter reclamado do despacho que decidiu pela dispensa da realização da Audiência prévia, e /ou não podia ter deixado transitar em julgado as decisões contidas no despacho proferido em 27 de agosto de 2021.

E em torno da invocada nulidade processual a que se reporta o artigo 195.º do CPC não ocorre assim a mesma, e manifestamente, pois que a apreciação e decisão do Tribunal a quo em torno da não realização de prova adicional para além da constante dos autos por prova documental e bem assim, a dispensa da realização da audiência prévia, constituem actos sujeitos à livre apreciação do julgador, embora passíveis de recurso jurisdicional, é certo, mas que para tanto deve ser tempestivamente apresentado.

De modo que, face ao que deixamos expendido supra, a pretensão recursiva do Recorrente não pode assim proceder, por não padecer o julgamento do Tribunal a quo de qualquer erro que seja determinante da sua revogação, mormente, por o julgamento do Tribunal a quo patenteado na Sentença recorrida ser consequente de uma decisão não recorrida, ficando assim, também, absolutamente prejudicado a apreciação das demais questões suscitadas sob as conclusões 22 a 25.
*

E assim formulamos as seguintes CONCLUSÕES/SUMÁRIO:

Descritores: Prova testemunhal; Audiência prévia; Dispensa da sua realização; Não admissão de meios de prova; Recurso de apelação autónoma; Nulidade processual.

1 - Nos termos dos artigos 88.º, n.º 1, alínea b), e 90.º, n.ºs 1 e 3, ambos do CPTA, cabe ao Tribunal a quo, apreciar e decidir se os autos já reúnem todos os elementos necessários ao conhecimento do mérito da causa no despacho saneador, e nesse sentido se é desnecessária a produção da prova adicional [testemunhal/por declarações de parte] requerida pelo Autor.

2 - Tendo o Tribunal a quo apreciado e decidido que o pilar probatório para efeitos de apreciação do mérito dos autos, assentava no conjunto de documentos que foram juntos aos autos e que constam igualmente dos processos administrativos, e tendo a vindo a decidir que não vislumbrava necessidade de produção da prova requerida, pode também dispensar a dispensar a realização da audiência prévia, nos termos dos artigos 87.º-B, n.º 2 87.º-A, n.º 1, alínea b), ambos do CPTA.

3 - Tendo a Mm.ª Juíza apreciado que o mérito dos autos deve ser conhecido já no despacho saneador, dada a desnecessidade da produção de prova adicional, e tendo decidido pela dispensa da realização da Audiência prévia, se com essa decisão não concordava o Autor, com base no facto de que queria o mesmo produzir a prova por si tida em perspectiva, em Audiência final, então, tendo sido notificado desse despacho, devia o Autor ter deduzida reclamação do assim decidido, para o que devia ter requerido a realização de Audiência prévia nos termos do artigo 87.º-B, n.º 4 do CPTA.

4 – Tendo subjacente o disposto no referido artigo 90.º, n.ºs 1 e 3 do CPTA, avaliando e decidindo o Tribunal a quo por que termos e para que efeitos pretendia o Autor a produção de prova testemunhal e a prestação de declarações de parte, e se nesse domínio proferiu decisão pela qual não admitiu esses meios de prova, por decorrência dessa decisão cabia recurso de apelação autónoma, nos termos do artigo 142.º, n.ºs 3 – parte inicial – e 5 - parte final - do CPTA, e do artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC.

5 - Como assim decorre das Alegações de recurso e respectivas conclusões, sendo patente que o Recorrente tinha para si que a prova do que havia alegado na Petição inicial apenas podia ser feito por via testemunhal e pelas suas declarações de parte, devia ter reclamado do despacho que decidiu pela dispensa da realização da Audiência prévia, e/ou não podia ter deixado transitar em julgado as decisões contidas no despacho proferido.

6 - Em torno da nulidade processual a que se reporta o artigo 195.º do CPC, a mesma não ocorre pois que a apreciação e decisão do Tribunal a quo em torno da não realização de prova adicional para além da constante dos autos por prova documental e bem assim, a dispensa da realização da Audiência prévia, constituem actos sujeitos à livre apreciação do julgador, embora passíveis de recurso jurisdicional, é certo, mas que para tanto deve ser tempestivamente apresentado.
***

IV – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal, Acordam em conferência em NEGAR PROVIMENTO ao recurso do Recorrente Manuel Domingos Milheiras C., confirmando assim a Sentença recorrida.
*

Custas a cargo do Recorrente – Cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
**

Notifique.
*

Porto, 14 de janeiro de 2022.

Paulo Ferreira de Magalhães
João Beato
Luís Migueis Garcia, com declaração de voto


Declaração de voto:
Ainda que não acompanhe a linha de raciocínio pela qual é erigida a necessidade de uma apelação autónoma - uma vez que no tipo de situação em causa não há uma verdadeira “rejeição” de meios de prova -, também entendo que haverá que negar provimento ao recurso, pois que ao que prévia e fundamental sustenta mérito – “reconstituir o respetivo processo” -, e uma vez visto o processo administrativo como conjunto de documentos em que se traduzem os actos e formalidades que integram o procedimento administrativo, a reduzir a escrito, a prova admitida é unicamente a documental ou outro meio com força probatória plena, que no processo judicial haveria de já estar carreada como prova constituída.
Luís Migueis Garcia