Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:02297/17.8BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:10/18/2018
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Pedro Vergueiro
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR. SUSPENSÃO DE EFICÁCIA.
Sumário:
I) O CPTA integra uma alargada e detalhada normação referente aos “processos cautelares”, com início no seu art. 112.º, o qual, com eco na situação julganda, por exemplo, prevê que uma das providências cautelares susceptíveis de adopção pode consistir na suspensão da eficácia de um acto administrativo, sendo que o decretamento de tal providência está sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120º do CPTA, resultando deste um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir: i) a duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni juris (“aparência do bom direito”) - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e, ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
II) Tendo presente o exposto pela Recorrida na sua contestação, deparamos com o facto de ter havido um aditamento ao CAE e não a sua pura e simples alteração, o que retira força à argumentação da Recorrente que, não obstante, ainda poderia proceder nos termos referidos pela decisão recorrida, o que significa que não está em causa qualquer impossibilidade de facturar vendas de produtos nos termos propostos pela Recorrente em termos de colocar em crise a sua actividade, nem se vislumbra que tenha de incumprir as suas obrigações fiscais ou, de forma clara, qualquer situação de emissão de facturas falsas.
III) Embora os factos a ponderar enquanto suporte, quer das correcções propostas, quer da alteração do código de actividade, sejam os mesmos, não temos por adquirido que as correcções tenham por fundamento a alteração do CAE e, muito menos, que constituam um acto de execução desta decisão; caso contrário, a forma como está organizado o RIT condenaria o procedimento da AT ab initio, porquanto, a decisão de alteração do CAE teria de preceder as correcções descritas e constar como fundamento dessas mesmas correcções.
IV) Além disso, e com referência às correcções que estiveram na origem das liquidações descritas, cabe notar que estando em causa actos tributários de liquidação, afigura-se-nos que a pretensão da Recorrente seria sempre inviável, dado que, neste campo, o legislador contempla já a impugnação acompanhada de prestação de garantia idónea ou pedido de dispensa de garantia como forma de reacção, com efeito suspensivo, contra aquele acto. *
*Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MAPMBM
Recorrido 1:Autoridade Tributária e Aduaneira
Votação:Unanimidade
Decisão:
Negar provimento ao recurso
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
MAPMBM, devidamente identificada nos autos, inconformada veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 25-01-2018 que julgou improcedente a presente providência cautelar de suspensão de eficácia com referência aos seguintes actos: a) alteração do código de actividade económica 47591 - “Comércio Retalho Imobiliário e Artigos de Iluminação, Estabelecimento Comercial”, para o código 1322 - “Decoradores” -, da tabela do artigo 151.º do Código de IRS; e b) alteração do conjunto de rendimentos líquidos da requerente e do marido, efectuada nos termos do artigo 65.º, n.º 4, do Código de IRS, para o montante de € 88.659,28.
Formula, nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:
“(...)
A. Para fundamentar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ela visa assegurar no processo principal - a reposição da legalidade do sua situação fiscal, a facturação de acordo com o CAE principal que corresponde à actividade que efectivamente exerce (a qual deixará de ter qualquer relevância se a Requerente já não puder, pelas razões expostas, exercer tal actividade),
B. a Requerente não se limitou a invocar encontra-se impedida de facturar as vendas que pretende realizar.
C. Invocou, ainda, que, se não facturar as vendas enquanto tais, incumpre com os seus deveres fiscais.
D. Que, se facturar as vendas como prestações de serviços, estará a emitir facturas falsas.
E. Que a administração fiscal, em execução do acto suspendendo e por referência ao “novo CAE” que atribuiu à Requerente, já procedeu às liquidações adicionais nºs 17102100036600007135108, 17102100036400007135109, 17102100036200007229332, 17102100036000007229333, 17102100036900007229334, 17102100036700007229335 e 17102100046500007461673, como se todos os actos praticados pela Requerente no exercício do seu comércio, tivessem consubstanciado, todos eles, prestações de serviços.
F. Que a Requerente não tem como vender os bens do seu comércio nem como obter lucro para o pagamento de uma quantia que, efectivamente, não é devida aos cofres do Estado.
G. Que o não pagamento dos montantes indevidamente liquidados conduzirá à instauração de processos de execução fiscal, com penhoras dos bens do seu comércio, cujo valor não cobre, sequer, o valor dos créditos ilegalmente apurados.
H. Mais alegou que, a efectiva apreensão dos bens objecto do seu comércio impedirá o exercício da actividade por parte da Requerente,
I. que a administração tributária irá proceder a correcções relativamente aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017,
J. o que importará liquidações de montante igual ou superior às já efectuadas.
K. E implicará prejuízos incomportáveis para a requerente, que será obrigada a encerrar a sua actividade.
L. Na acção principal já instaurada, a Requerente alega que a alteração do seu CAE originou, efectivamente, as correcções propostas no relatório de inspecção tributária:
- em sede de IVA, no valor de € 28.210,94;
- e em sede de IRS (A. e cônjuge), no valor de € 53.987,86, tudo conforme mapa resumo que do mesmo faz parte integrante - Cfr. Doc. 1 que acompanha tal acção.
M. Em requerimento junto aos presentes autos a Fls. -, a Requerente deu conhecimento ao Tribunal das seguintes circunstâncias:
- O acto suspendendo deu origem às liquidações adicionais nºs 17102100036600007135108, 17102100036400007135109, 17102100036200007229332, 17102100036000007229333, 17102100036900007229334, 17102100036700007229335 e 17102100046500007461673 - Vd. Docs. 1 a 7, cujo teor se tem, aqui, por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos e juntos aos autos com tal requerimento.
- Entre a entrada em juízo do requerimento de suspensão e a data do despacho que ordena a citação da Requerida, e não obstante a Requerente ter entregue no Serviço de Finanças do P…, cópia do requerimento inicial,
- Que a AT instaurou-lhe sete processos de execução fiscal destinados à cobrança coerciva dos valores apurados nas liquidações adicionais processadas no sequência do acto administrativo de alteração do CAE da Requerente e cuja eficácia se pretende ver suspensa - Cfr. Docs. 1 a 7.
- Para além de tais processos de execução fiscal, a AT, também em execução do acto suspendendo, instaurou à aqui Requerente, um processo de contra-ordenacão - Vd. Doc. 8, cujo teor se tem, aqui, por integralmente reproduzido para todos os legais efeitos.
- Quer as liquidações adicionais, quer os processos executivos instaurados na sequência do não pagamento dos valores liquidados, constituem actos de execução do acto suspendendo.
N. Caso sejam efectuadas penhoras no âmbito dos supra referidos processos, estas causarão prejuízos graves e irreparáveis para a Requerente.
O. Quer à data do instauração do requerimento inicial, quer quando foi dado conhecimento ao Tribunal da instauração dos processos executivos, já se vislumbrava a probabilidade de a AT vir a praticar actos lesivos do património da Requerente, bem como do seu negócio, o que, efectivamente, veio a acontecer - nesta data, a Requerente tem as contas bancárias bloqueadas no âmbito dos supra identificados processos executivos; Não pode movimentar os seus cartões de crédito; Não pode efectuar compras de bens para compor o seu stock e para a sua posterior venda; o seu crédito e bom nome comercial junto dos seus fornecedores encontra-se seriamente prejudicado, uma vez que esta não pôde proceder ao pagamento de mercadorias já encomendadas, em virtude de os cheques emitidos para seu pagamento terem sido devolvidos por falta de provisão.
P. Tal descrédito gerado pelas penhoras das contas bancárias da Requerente afectou a sua capacidade de pagamento de mercadorias, bem coma a sua credibilidade junto dos seus fornecedores
Q. O que era previsível desde, pelo menos, a data em que a Requerente deu conhecimento ao Tribunal dos processos executivos em curso.
R. À data da prolação da sentença, não era necessária a prova de quaisquer prejuízos efectivos, mas, tão só, de um receio de que estes viessem a verificar-se, podendo o Tribunal, por recurso às regras da experiência e sentido comuns, considerar tal receio como fundado.
S. Se o cenário descrito ocorreu já depois de proferida a sentença recorrida, o Tribunal, à data em que a proferiu, não poderia ignorar, tendo em conta os seus conhecimentos técnicos e a sua experiência em casos similares, que tais actos lesivos do património e comércio da Requerente iriam ocorrer com toda a certeza.
T. A perda de confiança por parte dos seus fornecedores constitui um prejuízo de difícil reparação.
U. E não desconhece o Tribunal a morosidade da devolução, por parte da AT, de quaisquer valores indevidamente penhorados em qualquer processo de execução fiscal.
V. Quando tal vier a acontecer, já a Requerente não tem qualquer actividade comercial para exercer: não tem fornecedores, não tem clientes, não tem crédito bancário.
W. E é exactamente isso que se pretende impedir com a presente providência: que, quando for declarada a ilegalidade do acto suspendendo e dos actos praticados na sequência e por causa do mesmo, o nome e credibilidade comercial da Requerente já esteja irremediavelmente prejudicado.
X. Sendo certo que os valores que lhe venham a ser devolvidos não serão idóneos a restabelecer, nem a actividade comercial da Requerente, nem a sua reputação junta dos seus principais fornecedores.
Y. Pelo que a sentença recorrida, ao julgar não ser sequer configurável uma lesão - muito menos irreparável - da requerente causada pela prática do acto suspendendo,
Z. violou, de forma inequívoca, o disposto no Artº 120º do CPTA.
Nestes termos em que e nos melhores de direito, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída decisão que, acolhendo as conclusões supra e no procedências das mesmas, dê provimento à requerida providência, com o que se fará como sempre JUSTIÇA.”
*
A recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.
*
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do presente recurso.
*
Sem vistos, por se tratar de processo classificado de urgente, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.
2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR
Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a questão suscitada consiste em saber se no caso se verificam todos os pressupostos para que fosse decretada a impetrada suspensão de eficácia com referência aos seguintes actos: a) alteração do código de actividade económica 47591 - “Comércio Retalho Imobiliário e Artigos de Iluminação, Estabelecimento Comercial”, para o código 1322 - “Decoradores” -, da tabela do artigo 151.º do Código de IRS; e b) alteração do conjunto de rendimentos líquidos da requerente e do marido, efectuada nos termos do artigo 65.º, n.º 4, do Código de IRS, para o montante de € 88.659,28.
3. FUNDAMENTOS
3.1. DE FACTO
Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:
“…
A. Com data de 23.08.2017, pela Divisão de Inspecção Tributária IV da Direcção de Finanças do P… foi elaborado “Relatório de inspecção tributária” relativamente à requerente, com o seguinte teor - cfr. doc. junto com o requerimento datado de 27.11.2017:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

B. Em 25.08.2017, sobre o relatório de inspecção que antecede recaiu despacho de concordância da Chefe de Divisão, ao abrigo de subdelegação do DF Adjunto, nos termos do despacho 5619/2016, DR 2.ª série, n.º 81, de 27/04/2016 - cfr. doc. junto com o requerimento datado de 27.11.2017.
Não resultaram indiciariamente provados nos autos quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
*
Motivação:
A decisão da matéria de facto assentou na análise dos documentos constantes dos autos, conforme referido a propósito de cada ponto do probatório.”
Ao abrigo do disposto no art. 662º nº 1 do C. Proc. Civil, adita-se ao probatório o seguinte:
C. A situação da ora Recorrente, em termos de actividade, apresenta a descrição que segue:

[imagem que aqui se dá por reproduzida]

«»
3.2. DE DIREITO
Como já ficou enunciado, a grande questão suscitada pela recorrente consiste em saber se no caso se verificavam todos os pressupostos para que fosse decretada a impetrada suspensão de eficácia com referência aos seguintes actos: a) alteração do código de actividade económica 47591 - “Comércio Retalho Imobiliário e Artigos de Iluminação, Estabelecimento Comercial”, para o código 1322 - “Decoradores” -, da tabela do artigo 151.º do Código de IRS; e b) alteração do conjunto de rendimentos líquidos da requerente e do marido, efectuada nos termos do artigo 65.º, n.º 4, do Código de IRS, para o montante de € 88.659,28.
Nas suas alegações, a Recorrente começa por referir que para fundamentar o fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que ela visa assegurar no processo principal - a reposição da legalidade do sua situação fiscal, a facturação de acordo com o CAE principal que corresponde à actividade que efectivamente exerce (a qual deixará de ter qualquer relevância se a Requerente já não puder, pelas razões expostas, exercer tal actividade), não se limitou a invocar encontra-se impedida de facturar as vendas que pretende realizar, tendo invocado, ainda, que, se não facturar as vendas enquanto tais, incumpre com os seus deveres fiscais e que, se facturar as vendas como prestações de serviços, estará a emitir facturas falsas.
Além disso, a administração fiscal, em execução do acto suspendendo e por referência ao “novo CAE” que atribuiu à Requerente, já procedeu às liquidações adicionais descritas nos autos como se todos os actos praticados pela Requerente no exercício do seu comércio, tivessem consubstanciado, todos eles, prestações de serviços, sendo que a Requerente não tem como vender os bens do seu comércio nem como obter lucro para o pagamento de uma quantia que, efectivamente, não é devida aos cofres do Estado e o não pagamento dos montantes indevidamente liquidados conduzirá à instauração de processos de execução fiscal, com penhoras dos bens do seu comércio, cujo valor não cobre, sequer, o valor dos créditos ilegalmente apurados.
H. Mais alegou que, a efectiva apreensão dos bens objecto do seu comércio impedirá o exercício da actividade por parte da Requerente e ainda que a administração tributária irá proceder a correcções relativamente aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, o que importará liquidações de montante igual ou superior às já efectuadas e implicará prejuízos incomportáveis para a requerente, que será obrigada a encerrar a sua actividade.
Quer à data do instauração do requerimento inicial, quer quando foi dado conhecimento ao Tribunal da instauração dos processos executivos, já se vislumbrava a probabilidade de a AT vir a praticar actos lesivos do património da Requerente, bem como do seu negócio, o que, efectivamente, veio a acontecer - nesta data, a Requerente tem as contas bancárias bloqueadas no âmbito dos supra identificados processos executivos; Não pode movimentar os seus cartões de crédito; Não pode efectuar compras de bens para compor o seu stock e para a sua posterior venda; o seu crédito e bom nome comercial junto dos seus fornecedores encontra-se seriamente prejudicado, uma vez que esta não pôde proceder ao pagamento de mercadorias já encomendadas, em virtude de os cheques emitidos para seu pagamento terem sido devolvidos por falta de provisão e tal descrédito gerado pelas penhoras das contas bancárias da Requerente afectou a sua capacidade de pagamento de mercadorias, bem coma a sua credibilidade junto dos seus fornecedores, o que era previsível desde, pelo menos, a data em que a Requerente deu conhecimento ao Tribunal dos processos executivos em curso, de modo que, à data da prolação da sentença, não era necessária a prova de quaisquer prejuízos efectivos, mas, tão só, de um receio de que estes viessem a verificar-se, podendo o Tribunal, por recurso às regras da experiência e sentido comuns, considerar tal receio como fundado.
Se o cenário descrito ocorreu já depois de proferida a sentença recorrida, o Tribunal, à data em que a proferiu, não poderia ignorar, tendo em conta os seus conhecimentos técnicos e a sua experiência em casos similares, que tais actos lesivos do património e comércio da Requerente iriam ocorrer com toda a certeza e que a perda de confiança por parte dos seus fornecedores constitui um prejuízo de difícil reparação, não desconhecendo o Tribunal a morosidade da devolução, por parte da AT, de quaisquer valores indevidamente penhorados em qualquer processo de execução fiscal.
Quando tal vier a acontecer, já a Requerente não tem qualquer actividade comercial para exercer: não tem fornecedores, não tem clientes, não tem crédito bancário e é exactamente isso que se pretende impedir com a presente providência: que, quando for declarada a ilegalidade do acto suspendendo e dos actos praticados na sequência e por causa do mesmo, o nome e credibilidade comercial da Requerente já esteja irremediavelmente prejudicado, sendo certo que os valores que lhe venham a ser devolvidos não serão idóneos a restabelecer, nem a actividade comercial da Requerente, nem a sua reputação junta dos seus principais fornecedores, pelo que a sentença recorrida, ao julgar não ser sequer configurável uma lesão - muito menos irreparável - da requerente causada pela prática do acto suspendendo, violou, de forma inequívoca, o disposto no Artº 120º do CPTA.
Em termos essenciais, a decisão recorrida ponderou que:
“…
Todavia, de relevante para o decretamento da providência requerida, a requerente limita-se a alegar que o acto suspendendo lhe causa prejuízos na medida em que a impede de facturar vendas de produtos. Na verdade, em nada relevam para aferir da existência daquele “receio” as circunstâncias (que a requerente alega) de o acto suspendendo: (i) assentar na prática de actividade que não corresponde à efectivamente exercida pela requerente; (ii) não estar fundamentado; (iii) não ter sido precedido de audição do seu marido; ou (iv) não ter sido praticado ao abrigo de uma delegação de competências. Tais argumentos não são aptos a sustentar uma lesão irreparável na medida em que apenas configuram vícios que, a procederem, poderiam determinar a anulação do acto, a qual tem como efeito a reconstituição da situação que existiria se não fosse a prática do acto.
O único prejuízo que a requerente alega consiste na impossibilidade de facturar vendas de produtos. Todavia, tal prejuízo não existe pois que nada impede a requerente de facturar as vendas que efectuar, ainda que haja uma desconformidade com a classificação da actividade económica na qual a mesma se encontra enquadrada por força do acto suspendendo, questão essa que pode ser resolvida no âmbito de uma acção judicial de impugnação do acto, a qual, a proceder, terá como efeito a reconstituição da situação que existiria não fosse a prática do acto. Ademais, a requerente não alega qualquer impossibilidade material de concretizar a facturação de vendas de produtos em virtude de se encontrar enquadrada na classificação das actividades económicas como decoradora, e não como vendedora de produtos de decoração. Note-se que, não obstante a alteração do CAE principal por parte da Administração Tributária, sempre a requerente poderia adicionar outros CAE secundários – designadamente o CAE relativo à pretendida venda produtos -, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 247-B/2008, de 30 de Dezembro, que regula o Sistema de Informação da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, não tendo a requerente alegado qualquer circunstância impeditiva de o fazer, para tanto não se impondo uma tutela urgente, através da adopção de providências cautelares.
Não sendo sequer configurável uma lesão – muito menos irreparável - da requerente causada pela prática do acto suspendendo, é manifesto que não se verificam os pressupostos de que depende a adopção da providência requerida, pelo que a mesma tem, forçosamente, de improceder. …”.
Que dizer?
No restrito campo do contencioso tributário, a tutela cautelar, a favor do contribuinte (ou outros obrigados tributários), encontra expressão na previsão do art. 147.º n.º 6 CPPT. Além de aspectos de cariz processual, do conteúdo deste normativo, retira-se, unicamente, a ideia central de que o requerente, da providência que identifica pretender, tem de invocar e demonstrar o “fundado receio de uma lesão irreparável”, que possa ser causada pela actuação da administração tributária/AT. Não podendo este aspecto ser descurado, afigura-se-nos, contudo, evidente estarmos diante de um quadro legal incompleto, repleto de lacunas e, por isso, necessitado de, sem perda de identidade e especificidade, ser complementado pelo recurso, devidamente adaptado, a cenários legislativos similares e próximos, como os do contencioso administrativo e do direito processual civil.
No primeiro caso, presentemente, o CPTA integra uma alargada e detalhada normação referente aos “processos cautelares”, com início no seu art. 112.º, o qual, com eco na situação julganda, por exemplo, prevê que uma das providências cautelares susceptíveis de adopção pode consistir na suspensão da eficácia de um acto administrativo - cfr. al. a) do n.º 2.
Nesta sequência, o legislador determinou, todavia, que o decretamento de tal providência esteja sujeito ao preenchimento dos pressupostos fixados no art. 120º do CPTA, resultando deste um distinto grupo de condições de procedência que se podem reconduzir: i) a duas condições positivas de decretamento [periculum in mora - receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para o requerente; e fumus boni juris (“aparência do bom direito”) - reportado ao ser provável que a pretensão formulada ou a formular no processo principal venha a ser julgada procedente]; e, ii) a um requisito negativo de deferimento que assenta numa ponderação de todos os interesses em presença [públicos e/ou privados] - proporcionalidade dos efeitos da decisão de concessão ou da sua recusa.
Face ao dissídio que constitui objecto de apreciação cumpre, então, centrar nossa atenção na análise do requisito do periculum in mora, sendo que o mesmo nas palavras do legislador traduz-se no “fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal”.
Neste ponto, diga-se que o periculum in mora constitui verdadeiro leitmotiv da tutela cautelar, pois é o fundado receio de que a demora, na obtenção de decisão no processo principal, cause uma “situação de facto consumado ou prejuízos de difícil ou impossível reparação” aos interesses perseguidos nesse processo que motiva ou justifica este tipo de tutela urgente.
Na verdade, a decisão do processo principal pode já não vir a tempo de dar resposta às situações jurídicas envolvidas no litígio, ou porque a evolução da situação durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, ou porque essa evolução levou à «produção de danos dificilmente reparáveis.
No primeiro segmento alternativo, estaremos em face de uma situação de “facto consumado”, sendo que o facto será havido como consumado por referência ao fim a que se inclina a lide principal, de que o meio cautelar depende; e isto significa que só ocorre uma situação de facto consumado quando, a não se deferir a providência, o estado de coisas que a acção quer influenciar ganhará entretanto a irreversível estabilidade inerente ao que já está terminado ou acabado - ficando tal acção inutilizada ex ante».
No que concerne ao segundo segmento alternativo, a demora da acção principal não retira, de todo, utilidade a esta lide, todavia, há o fundado receio de que provoque “danos de difícil reparação”, nomeadamente porque a sua indemnização pecuniária, ou a reconstituição da situação, ou, de um modo geral, a reintegração da respectiva legalidade, não é capaz de os reparar, ou, pelo menos, de os reparar integralmente.
Assim, “o juiz deve fazer um juízo de prognose, colocando-se na situação futura de uma hipotética sentença de provimento, para concluir se há, ou não, razões para recear que tal sentença venha a ser inútil, por entretanto se ter consumado uma situação de facto incompatível com ela, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para quem dela deveria beneficiar, que obstem à reintegração específica da sua esfera jurídica” - Prof. Vieira de Andrade, Lições, 5ª edição, pág. 308.
Em suma, em sede de providência cautelar os “prejuízos de difícil reparação” serão os que advirão da não decretação da pretensão cautelar de suspensão de eficácia do acto em crise e que, pela sua irreversibilidade, torna extremamente difícil a reposição da situação anterior à lesão, gerando danos que, pese embora susceptíveis de quantificação pecuniária, a sua compensação se revela contudo insuficiente para repor ou reintegrar a esfera jurídica da Requerente, devolvendo-lhe a situação em que a mesma se encontraria não fora a execução havida e materialização daquele acto.
No entanto, à semelhança da petição inicial numa acção administrativa o requerente de uma providência cautelar deve expor as razões de facto e de direito que fundamenta a sua pretensão, derivando do disposto no art. 114.º, n.º 3, al. g) do CPTA que no “… requerimento, deve o requerente: ... Especificar, de forma articulada, os fundamentos do pedido, oferecendo prova sumária da respetiva existência …”, ou seja, impõe-se ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida - art. 342º do C. Civil -, não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo.
O requerente terá de tornar credível a sua posição através do encadeamento lógico e verosímil de razões convincentes e objectivas nas quais sustenta a verificação dos requisitos da providência já que, da conjugação dos arts. 112.º, n.º 2, al. a), 114.º, n.º 3, als. f) e g), 118.º e 120.º todos do CPTA, não se mostra consagrada uma presunção iuris tantum da existência dos aludidos requisitos como simples decorrência da execução dum acto, pelo que o requerente não está desonerado de alegar e fazer a prova, a demonstração dos factos integradores dos requisitos em questão, articulando, para o efeito, de modo especificado e concreto tais factos, já que não é idónea uma alegação de forma meramente conclusiva e de direito ou com utilização de expressões vagas e genéricas.
Tal significa apreciar as circunstâncias específicas deste caso, com base na análise dos seus factos sumariamente provados, para ver se permitem concluir, como conclui a requerente cautelar, que a situação de receio da constituição de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação é efectiva, e não uma mera conjectura, de verificação eventual.
Como já ficou exposto, a decisão recorrida entendeu que o único prejuízo que a requerente alega consiste na impossibilidade de facturar vendas de produtos, considerando ainda que nada impede a requerente de facturar as vendas que efectuar, ainda que haja uma desconformidade com a classificação da actividade económica na qual a mesma se encontra enquadrada por força do acto suspendendo, questão essa que pode ser resolvida no âmbito de uma acção judicial de impugnação do acto, a qual, a proceder, terá como efeito a reconstituição da situação que existiria não fosse a prática do acto, até porque a requerente não alega qualquer impossibilidade material de concretizar a facturação de vendas de produtos em virtude de se encontrar enquadrada na classificação das actividades económicas como decoradora, e não como vendedora de produtos de decoração, pois que, não obstante a alteração do CAE principal por parte da Administração Tributária, sempre a requerente poderia adicionar outros CAE secundários – designadamente o CAE relativo à pretendida venda produtos -, nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 247-B/2008, de 30 de Dezembro, que regula o Sistema de Informação da Classificação Portuguesa de Actividades Económicas, não tendo a requerente alegado qualquer circunstância impeditiva de o fazer, para tanto não se impondo uma tutela urgente, através da adopção de providências cautelares.
E cremos que o decidido não merece censura.
Desde logo, tendo presente o exposto pela Recorrida na sua contestação, deparamos com o facto de ter havido um aditamento ao CAE e não a sua pura e simples alteração, o que retira força à argumentação da Recorrente que, não obstante, ainda poderia proceder nos termos referidos pela decisão recorrida, o que significa que não está em causa qualquer impossibilidade de facturar vendas de produtos nos termos propostos pela Recorrente em termos de colocar em crise a sua actividade, nem se vislumbra que tenha de incumprir as suas obrigações fiscais ou, de forma clara, qualquer situação de emissão de facturas falsas.
No entanto, a Recorrente não se dá por vencida e argumento que não se limitou a invocar encontra-se impedida de facturar as vendas que pretende realizar, tendo invocado, ainda, que, se não facturar as vendas enquanto tais, incumpre com os seus deveres fiscais e que, se facturar as vendas como prestações de serviços, estará a emitir facturas falsas.
Além disso, a administração fiscal, em execução do acto suspendendo e por referência ao “novo CAE” que atribuiu à Requerente, já procedeu às liquidações adicionais descritas nos autos como se todos os actos praticados pela Requerente no exercício do seu comércio, tivessem consubstanciado, todos eles, prestações de serviços, sendo que a Requerente não tem como vender os bens do seu comércio nem como obter lucro para o pagamento de uma quantia que, efectivamente, não é devida aos cofres do Estado e o não pagamento dos montantes indevidamente liquidados conduzirá à instauração de processos de execução fiscal, com penhoras dos bens do seu comércio, cujo valor não cobre, sequer, o valor dos créditos ilegalmente apurados.
Mais alegou que, a efectiva apreensão dos bens objecto do seu comércio impedirá o exercício da actividade por parte da Requerente e ainda que a administração tributária irá proceder a correcções relativamente aos anos de 2014, 2015, 2016 e 2017, o que importará liquidações de montante igual ou superior às já efectuadas e implicará prejuízos incomportáveis para a requerente, que será obrigada a encerrar a sua actividade.
Ora, quanto a esta situação, não podemos acompanhar a Recorrente quando, em termos de enquadramento, refere que a administração fiscal, em execução do acto suspendendo e por referência ao “novo CAE” que atribuiu à Requerente, já procedeu às liquidações adicionais descritas nos autos como se todos os actos praticados pela Requerente no exercício do seu comércio, tivessem consubstanciado, todos eles, prestações de serviços, na medida em que as tais liquidações não representam a execução do acto suspendendo.
Na verdade, quando se percorre o RIT e se analisam os factos e fundamentos das correcções propostas em sede de IRS (em matéria de IVA, deparamos com elementos que não têm qualquer ligação com a realidade que a Recorrente coloca em evidência no âmbito do presente processo), aquilo que encontramos é a descrição da actividade da Recorrente e, no final, uma qualificação diferente dessa mesma actividade, defendendo-se que não estamos perante uma mera transmissão de bens, mas sim perante a prestação de serviços de decoração com incorporação de materiais, o que depois dá origem à alteração do rendimento tributável.
Pois bem, neste percurso, em nenhum momento é eleita a questão do CAE como matéria relevante para o que ficou exposto, sem prejuízo de, após a descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas em sede de IVA e de IRS, mais à frente, no ponto VIII Outros Elementos Relevantes, ser então feita referência à alteração do código de actividade, propondo-se a alteração do mesmo para o código 1322 da tabela do artigo 151.º do Código do IRS: “Decoradores”.
Com este pano de fundo, resulta claro que embora os factos a ponderar enquanto suporte, quer das correcções propostas, quer da alteração do código de actividade, sejam os mesmos, não temos por adquirido que as correcções tenham por fundamento a alteração do CAE e, muito menos, que constituam um acto de execução desta decisão.
Caso contrário, a forma como está organizado o RIT condenaria o procedimento da AT ab initio, porquanto, a decisão de alteração do CAE teria de preceder as correcções descritas e constar como fundamento dessas mesmas correcções.
Além disso, e com referência às correcções que estiveram na origem das liquidações descritas, cabe notar que estando em causa actos tributários de liquidação, afigura-se-nos que a pretensão da Recorrente seria sempre inviável, dado que, neste campo, o legislador contempla já a impugnação acompanhada de prestação de garantia idónea ou pedido de dispensa de garantia como forma de reacção, com efeito suspensivo, contra aquele acto.
Como aponta o Cons. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Edit., 6ª edição, Volume II, pags. 613/614, pronunciando-se sobre o caso especial do contencioso tributário de suspensão de eficácia de acto administrativo que determine o pagamento de quantia, além das providências cautelares a favor do contribuinte previstas no artº 147º do CPPT o art. 169 º do CPPT, sob a veste de suspensão da execução fiscal, prevê um regime que se reconduz a uma medida cautelar prevista no CPTA que é a suspensão de eficácia de acto administrativo que imponha o pagamento de quantia certa, sem natureza sancionatória, prevista no n.° 6 do art. 120º daquele Código.
Acresce que, de acordo com o disposto no nº 2 do artigo 169º do CPPT, perante o não pagamento de uma liquidação dentro do prazo fixado para tal, o contribuinte pode antecipar o pedido de suspensão da execução fiscal, com prestação de garantia ou mediante a sua dispensa, verificando-se os requisitos para tal, para momento anterior à apresentação do meio escolhido para sindicar a legalidade da liquidação, pedido este que poderá até ocorrer em momento em que a própria execução fiscal ainda não tenha sido instaurada.
Assim naquele artº. 169º do CPPT estabelece-se um regime especial para a suspensão de actos de liquidação de dívidas susceptíveis de serem cobradas através de processo de execução fiscal, que opera imediata e oficiosamente, sem um procedimento cautelar de concessão e independentemente da verificação do requisito da existência de receio de prejuízo irreparável que é feita no nº 6 do art. 147º do CPPT.
Por isso, tratando-se de um regime especial, está, em princípio, afastada a aplicabilidade do regime do nº 6 deste art. 147º à suspensão de eficácia de actos de liquidação de dívidas cobradas através de processo de execução fiscal.
De qualquer modo, também não existe matéria alegada pela Recorrente em termos de permitir uma leitura mais benigna da situação em função do desenho da lide, dado que, a alegação é demasiado vaga e genérica no que concerne à situação da Recorrente no que concerne à sua actividade, na medida em que, como já vimos, a Recorrente não está impedida de desenvolver o seu comércio, sendo que a alusão às penhoras dos bens do seu comércio é inconclusiva, dado que, não é feita a descrição desses bens e seu valor em termos de conduzir à afirmação de que tal situação terá repercussões sobre a actividade da Recorrente nos termos por ela descritos, sem prejuízo de, como já vimos, a Recorrente sempre poderia ter reagido a essa situação de uma outra forma no sentido de lograr o seu objectivo sem colocar em crise a sua actividade, nada sendo dito sobre esta matéria.
Em suma, perante o exposto na decisão recorrida e dada a inexistência de fundado receio de constituição de uma situação de facto consumado ou de produção de prejuízos de difícil reparação, sendo que a possibilidade de deduzir impugnação judicial e de requerer a suspensão de execução mediante prestação de garantia, ao abrigo do disposto no artº 169º do CPPT, sempre garantiria no caso, a salvaguarda do direito à tutela judicial efectiva, não sendo de aplicar o regime do nº 6 do art. 147º do CPPT, resulta claro que o presente recurso não tem viabilidade.
Daí que na improcedência das conclusões da alegação da recorrente, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
4. DECISÃO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.
Custas pela Recorrente.
Notifique-se. D.N..
Porto, 18 de Outubro de 2018
Ass. Pedro Vergueiro
Ass. Ana Patrocínio
Ass. Ana Paula Santos