Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00874/14.8BEVIS
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/13/2022
Tribunal:TAF de Viseu
Relator:Celeste Oliveira
Descritores:REVERSÃO, PRESSUPOSTOS.
Sumário:1- A reversão contra o responsável subsidiário depende, além do mais, da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia tendo por base a recolha de elementos objectivos.
Assim, incumbe ao exequente o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, de acordo com o previsto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e artigo 342.º, n.º1 do Código Civil, demonstrar que não existiam bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.

2- Se o exequente demonstrar o preenchimento desses pressupostos passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquele não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão.

3- Se a fundamentação que consta da citação remetida ao oponente/Recorrente é meramente tabelar sem qualquer concretização vertida nos autos ou no Processo Administrativo apenso não se pode ter por fundamentado o despacho de reversão.*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:M., E OUTROS
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA E OUTROS
Votação:Unanimidade
Decisão:Conceder provimento aos recursos.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido de que deve merecer provimento o recurso da FP e improceder o recurso de M.
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Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1 – RELATÓRIO

A FAZENDA PÚBLICA e M., inconformados com a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu em 08/06/2021, que julgou parcialmente procedente a oposição intentada por M., no âmbito do processo de execução fiscal nº 2720200901008960 e apensos, instaurado contra a sociedade “A., SA”, para cobrança de dívidas relativas a IRC, IRS, IMI e IVA dos anos de 2006 a 2010, no montante global de €382.297,08, e contra aquele revertido, deduziram recursos onde formularam nas alegações apresentadas as seguintes conclusões.

Conclusões da Fazenda Pública:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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Por seu turno o oponente, também, Recorrente, M., apresentou alegações onde formulou as seguintes conclusões:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

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A Recorrida não contra-alegou.
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O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo emitiu a pronúncia de fls. 176/176v do processo físico, no sentido de que ”a sentença é insusceptível de qualquer reparo ou censura, não padece de qualquer vício ou nulidade pelo que deverá ser confirmada e em consequência ser negado provimento a ambos os recursos interpostos pelos recorrentes”.
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Por despacho de fls. 178 do processo físico, e relativamente ao recurso da Fazenda Pública, o Juiz do Tribunal a quo vem dizer que:
Assiste-lhe razão, pois na sentença recorrida foi cometido um lapso na identificação das dívidas exequendas nelas incluindo-se, indevidamente, dívidas de coimas. Efectivamente inexiste nos autos qualquer elemento que aponte para a existência, nas dívidas exequendas, de coimas. Esta inexistência resulta clara dos elementos que constituem apenso a estes autos - cópia dos processos executivos e cuja junção se ordenou no despacho antecedente.
(…)
Assim, a sentença recorrida deve ser expurgada das páginas, 8, 9 e 10, até ao dispositivo, exclusive e, no dispositivo deve considerar-se a oposição totalmente improcedente com custas apenas pelo oponente”.

Uma vez que se ordenou a subida dos autos a este TCAN, este despacho não foi notificado às partes nem foi dada execução ao mesmo.
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O Exmo. Procurador - Geral Adjunto, junto deste Tribunal Central emitiu douto parecer no sentido de que o recurso da Fazenda Pública merece provimento e que o do Recorrente, M., deve improceder.
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Com dispensa dos vistos legais, cumpre agora decidir, já que a tal nada obsta.
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2 -OBJECTO DO RECURSO:
Questões a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelos Recorrentes, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
Assim, as questões suscitadas pela Recorrente Fazenda Pública centram-se em apurar se o processo executivo nº 2720200901008961 e apensos, abarca as dívidas de coimas e custas e se a sentença que assim decidiu padece de erro de julgamento.
Já quanto ao recurso do oponente, M., impõe-se apurar se a sentença padece de erro de julgamento de facto e de direito quanto aos pressupostos da reversão, nomeadamente no que concerne à insuficiência dos bens da primitiva devedora e à culpa dessa insuficiência por parte do Recorrente (art. 23º, nº 2 e art. 24º, ambos da Lei Geral Tributária (LGT).
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3. FUNDAMENTAÇÃO
O Tribunal a quo estabeleceu a seguinte matéria de facto:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]


ADITAMENTO E CORRECÇÃO OFICIOSA À MATÉRIA DE FACTO


Ao abrigo do artigo art.º 662.º, nº 1 do Código do Processo Civil (CPC), e por se mostrar essencial, corrige-se o ponto A) do probatório e procede-se ao aditamento à factualidade apurada:

Atentas as imprecisões que constam da Alínea A) do probatório, procede-se a respectiva Correcção daquele ponto, que passa a ter o seguinte teor:

A) Corre termos no Serviço de Finanças de Viseu, o processo executivo nº 2720200901008960 (IRC de 2006) e apensos (nº 2720200901011812 (IRC de 2007), nº 2720200901015990 (IVA de 2006 e 2007), nº 2720200901026291 (IRC de 2008), nº 2720201001002104 (IRS de 2009), nº 2720201001021761 (IMI 2009), nº 2720201001050494 (IRC de 2009), nº 2720201001060406 (IMI de 2009) e nº 2720201101038230 (IMI de 2010), instaurado em 23/05/2009 e os restantes posteriormente, contra a sociedade “A…, SA”, no montante global de €398.114,69, e revertidos contra o oponente (cf. fls. 24/24v, 31/31v, 33/35v, 40/48v e 90/90v todas do processo físico).

Aditam-se, ainda, as seguintes alíneas seguindo a enumeração do probatório já fixado:

E) Em 08/10/2014 o oponente recebeu a citação em reversão dela constando os seguintes fundamentos da reversão:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(cf. fls. 9 do processo físico).
F) Do processo de execução fiscal nº 2720200901008960 e apensos não consta qualquer informação relativa à (in)existência ou insuficiência de bens penhoráveis, património da devedora originária, actual ou pretérito, a (in)existência de outras dívidas por que esta responda ou outras diligências de cobrança independentemente do seu resultado (cfr. emerge do cotejo do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos).
G) Do processo de execução fiscal nº 2720200901008960 e apensos não consta qualquer despacho de reversão (cfr. emerge do cotejo do processo de execução fiscal apenso aos presentes autos).
H) Em 2/07/2009, a primitiva devedora, na sequência das citações datadas de 25/05/2009 e 27/05/2009, dirigiu ao Chefe do Serviço de Finanças de Viseu-.., um pedido de suspensão dos processos executivos nº 2720200901008960 e 2720200901011812, oferecendo como garantia os prédios rústicos com os nºs 2778, 11190, 502, 8, 114, 117, 119, 1009 e urbanos com os nºs 3120, 3580, 1660 e 1661 (cfr. fls. 25v dos autos).
I) Ainda em 2/07/2009, no âmbito do processo executivo nº 2720200901015990, a primitiva devedora solicitou a suspensão do processo executivo, oferecendo como garantia “os prédios que serviram para garantir os outros processos de execução fiscal nºs nº 2720200901008960 e 2720200901011812…” (cfr. fls. 37 dos autos).
J) Em 13/11/2009, o SF de Viseu-.. elaborou informação onde depois de identificar os prédios oferecidos para garantia conclui que “Os prédios atras identificados encontram-se a garantir outros processos executivos que correm contra a executada, nomeadamente os processos de execução fiscal nº 2720200601026933 e 2720200701002945 com plano prestacional composto por 60 prestações (…) e o processo 2720200601029754 (…), impugnado judicialmente. O valor relativamente a estes processos ascende à quantia de €265.795,57. Nos termos do art. 199º, nº 5 do CPPT o valor necessário para a garantia, actualmente é de €332.245,00 (…). Alguns prédios antes identificados, nomeadamente os artigos matriciais dos concelhos de … e …, encontram-se penhorados no âmbito dos processos executivos nº s 2720200701020919 e 2720200701028766, cujo valor em dívida ascende a €98,461,41.Nestes processos os prédios do concelho de … e …. (artºs U-1660, U-1661 e R-1009) foram objecto de um procedimento de venda por proposta em carta fechada, não tendo havido propostas para a sua aquisição. Nos termos do art. 199º, nº 5 do CPPT, garantia para os processos executivos ora impugnados deverá ser prestada pelo valor de €405.220,57 (…). Atendendo ao disposto no nº 1 do art. 199º do CPPT e ao facto de existir um diferencial considerável entre o valor atribuído aos prédios e o montante exigido para garantia, mais de €300,000,00 conjugado com o facto de a actual conjuntura económica penalizar o sector imobiliário em geral, dada a inexistência de potenciais interessados na aquisição dos imóveis, sou de opinião que os mesmos não constituem garantia idónea (…)” (cfr. fls. 28/28v dos autos).
K) Sobre esta informação recaiu o Despacho de 18/11/2009, no sentido do indeferimento da pretensão (cfr. fls. 29 dos autos).
L) Ainda no processo de execução fiscal 2720200001029754 foi proferido despacho com o seguinte teor: “Face a todo o exposto e de conformidade com os elementos ao dispor nestes Serviços, nomeadamente informação respeitante a IRC e IVA, constata-se que a firma executada se encontra em débil situação económica e financeira, a qual aliada ao abrandamento económico que se faz sentir, torna-se inequívoco um real risco financeiro para a Fazenda Pública, cujos interesses carecem de ser acautelados por forma a garantir a efetiva realização dos seus créditos. Atentos ao disposto nos normativos do artigo 195º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, em articulação com o normativo do artigo 704º do Código Civil, e visto que se verificam os respetivos pressupostos, determino que se proceda à constituição do hipoteca legal nos termos abaixo descritos.
A obrigação legal existe e consubstancia-se na dívida exequenda no montante de €192.232,73 (cento e noventa e dois mil duzentos e trinta e dois euros e setenta e três cêntimos), e no acrescido constituído por juros de mora, à taxa de 1 % ao mês, contabilizados nos termos do art.º 44º da Lei Geral Tributária, e custas processuais, no valor global de € 69.738,91 (sessenta e nove mil setecentos e trinta e oito euros e noventa e um cêntimos), sendo € 69.203,78 de juros de mora, e € 535,13 referente a custas legais.
A dívida exequenda está a ser exigida no processo de execução fiscal n.º 2720200601029754, e respeita a IRC e Juros Compensatórios do ano de 2002, conforme os documentos em anexo, os quais fazem parte integrante deste Despacho, sendo que o(s) título(s) executivo(s), se encontram integrados nos referidos processos;
Proceda-se à constituição de hipoteca legal sobre os seguintes bens pertencentes a A. SA, (…):
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

A presente hipoteca destina-se a garantir a quantia exequenda, exigida no presente processo, e os respectivos juros de mora vencidos nesta data, bem como as custas processuais contadas e aquelas que vierem a acrescer e final. A extensão da presente hipoteca legal é determinada em função do valor atribuído aos bens e nos termos da ordem de preferência emergente das regras de registo Determino que, através de certidão deste Despacho, se solicitem às respectivas Conservatórias do Registo Predial o registo a favor da Fazenda Pública da presente hipoteca legal e a emissão do respectivo certificado (cf. fls. 50/50v dos autos).
M) Foram promovidas pelo órgão de execução fiscal 7 vendas de bens da devedora originária as quais foram adjudicadas. (cfr. emerge dos prints de vendas realizadas extraído do sistema informático da AT constante de fls. 88 dos presentes autos e é referido na informação do SF constante de fls. 90/91 dos autos).

Assente a factualidade, avancemos para o conhecimento dos recursos.
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4 – O DIREITO
Está em causa a sentença proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgou procedente a oposição deduzida por M. no que tange à reversão por coimas e custas e improcedente relativamente aos impostos de IVA, IRC, IRS e IMI.
No âmbito dos presentes autos foi interposto recurso quer pela Fazenda Pública, quer pelo oponente M..
A Fazenda Pública não se conforma com a sentença que julgou parcialmente procedente a oposição no que concerne às coimas e respectivas custas, prendendo-se o recurso apenas com este segmento decisório.
Para o efeito invoca a Recorrente que o processo executivo visado e os respectivos apensos não incluem dívidas de coimas e respectivas custas, pelo que a sentença é incongruente neste aspecto, pois, analisando todos os elementos dos autos, não se constata nenhuma alusão a coimas, nem se identifica nenhum montante relativo às mesmas (conclusão H) do recurso).
Antecipe-se, desde já, que assiste razão à Recorrente.
Efectivamente, tal como resulta da alínea A) do probatório, o processo executivo em questão, tal como os seus apensos, não visam quaisquer dívidas de coimas e respectivas custas, mas antes e apenas impostos relativos a IRC, IRS, IVA e IMI.
Acresce referir que os processos executivos alvo deste processo também não abrangem o IUC como, certamente por mero lapso, indicam os Recorrentes.
Ora, visando o processo executivo nº 2720200901008960 e apensos, dívidas relativas a IRC, IRS, IVA e IMI fácil é perceber que assiste total razão à Recorrente Fazenda Pública.
Aliás, tal foi já reconhecido pelo Juiz do Tribunal a quo no despacho de 29/11/2021, a que se alude no intróito deste acórdão.
Destarte, e sem mais delongas, procede o recurso da Recorrente Fazenda Pública, revogando-se a sentença recorrida na parte em que julgou procedente a oposição quanto a coimas e custas.
Prosseguindo.
Vejamos, agora, o recurso do Recorrente, M..
O oponente deduziu oposição fiscal contra a reversão da execução instaurada inicialmente contra a sociedade “A., S.A.”, por dívidas relativas a IRC, IRS, IVA e IMI, alegando em síntese, a falta de fundamentação do despacho de reversão, na medida em que a Autoridade Tributária e Aduaneira limita-se a citar preceitos legais sem os precisar, ficando assim sem se saber se tem bens e quais são, ou se os mesmos são insuficientes para responderem pelas dívidas tributárias.
Invocou, ainda, que não está demonstrado o nexo de causalidade entre a falta de bens invocada pela Exequente e qualquer conduta da sua parte, nomeadamente, que tal decorresse de culpa sua, pois sempre exerceu de facto a gerência, mas apenas em proveito da sociedade.
É jurisprudência pacífica que o âmbito do recurso é definido pelas conclusões extraídas pelos Recorrentes das respectivas alegações.
In casu, o Recorrente não se conformou com a sentença que julgou improcedente a sua oposição no que tange aos impostos visados no processo executivo nº 2720200901008960 e apensos identificados no ponto A) do probatório, ancora o seu recurso nos mesmos fundamentos da oposição, ou seja, que o despacho de reversão não se mostra fundamentado, uma vez que não contém, em termos suficientes, a explicitação dos motivos fácticos que o motivaram e que constituíram a sua fundamentação, sendo ainda completamente omisso quanto às diligências efectuadas e que determinaram a preparação do processo para efeitos de reversão, não cumprindo o disposto no art. 23º, nº 2 da LGT (conclusão 3 e 4 do recurso).
Segundo refere, também não resulta demonstrado o nexo de causalidade entre a alegada insuficiência de bens pertencentes à originária devedora e a sua actuação, conforme exige o art. 24º da LGT, também aqui se concluindo pela ausência de pressupostos para a reversão, e pela ilegalidade da mesma (conclusões 9 e 10 do recurso).
O Tribunal a quo considerou que quanto à primeira questão colocada não assistia razão ao Recorrente, porquanto a fundamentação existe, pois consta como fundamento da mesma a “insuficiência de bens do devedor originário… decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este órgão de execução fiscal sobre potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis
Dito isto, vejamos se assiste razão ao Recorrente, analisando o regime da responsabilidade subsidiária instituído na Lei Geral Tributária (LGT), que de resto não se mostra questionado.
Convocando as disposições legais a considerar para o exame da questão, cumpre dar nota que de acordo com o artigo 23.º, nºs 1 e 2 da LGT:
«1 - A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal.
2 - A reversão contra o responsável subsidiário depende da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão
Por seu turno, no artigo 153.º, nº 2 do CPPT, estabelece que:
«2 - O chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;
b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido
Dos normativos atrás transcritos, resulta que a reversão contra o responsável subsidiário depende, no que aqui importa considerar, da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia tendo por base a recolha de elementos objectivos.
Assim, incumbe ao exequente o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, de acordo com o previsto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e artigo 342.º, n.º1 do Código Civil, demonstrar que não existiam bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.
Se o exequente demonstrar o preenchimento desses pressupostos passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquele não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão (Neste sentido, vide entre muitos outros: Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 10.07.2015, proferido no processo n.º 08792/15, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Atenda-se, a este propósito, que o Supremo Tribunal Administrativo vem considerando, que «(…) A alínea b) do nº 2 do art. 153º do CPPT complementando aquele nº 2 do art. 23º da LGT, vem esclarecer que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas).» (Acórdão de 11.04.2018, proferido no processo n.º 0140/17, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).
Efectivamente, pese embora o disposto no artigo 153.º, n.º 2, alínea b) do CPPT, não concretize o conceito de «fundada insuficiência» dos bens do devedor originário, o legislador avançou todavia com critérios passíveis de ser prosseguida essa avaliação, como sejam «os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão de execução fiscal disponha».
No presente caso, resulta da factualidade apurada que a insuficiência do património da primitiva devedora está sustentada na citação de reversão nos moldes que melhor resulta do probatório, ou seja, ali se mencionam os normativos legais aplicados ao caso (art. 23º, nº 1 a 3 da LGT e 153/1/2/b do CPPT) indicando-se que: “A insuficiência de bens do devedor originário, decorrente do resultado de penhoras efectuadas por este órgão de execução fiscal, sobre os potenciais bens conhecidos ao devedor originário, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, do qual resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, não sendo conhecidos mais bens penhoráveis”.
Porém, uma análise minuciosa dos autos e do processo administrativo apenso aos autos não permite concluir como o fez a Administração Tributária.
Efectivamente, pese embora o Juiz do Tribunal a quo tenha solicitado ao Serviço de Finanças competente o envio do despacho de preparação para reversão e o próprio despacho de reversão, o certo é que, tal como resulta do probatório aditado, aquele serviço remeteu ao Tribunal o processo administrativo desacompanhado daqueles elementos ou de outros que permitam afiançar as diligências encetadas para apurar das penhoras de créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, ou sequer, das entregas de valores insuficientes para o pagamento integral da dívida exequenda, uma vez que o processo executivo em apreço nestes autos é omisso quanto a esses elementos.
É certo que, tal como resulta da factualidade aditada, denota-se na tramitação de outros processos executivos, que não o destes autos, a existência de património imobiliário da primitiva devedora, património que serviu para assegurar a suspensão desses processos, assim como se constata a venda de parte desse património (7 imóveis), sem que se perceba se e como foi aplicado o resultado da venda. Todavia, fica-se por aí a informação acerca do património da devedora originária, uma vez que não decorre de informações relativas a este concreto processo executivo e seus apensos qualquer informação no que tange à existência de património imobiliário, sendo certo que a única menção advém do que consta da citação sendo uma fundamentação tabelar sem qualquer apreciação casuística, não traduzindo qualquer avaliação das circunstâncias concretas, porquanto inexiste nos autos qualquer informação prévia ou documentos que a pudessem suportar.
Aliás, esta questão foi já apreciada por este TCAN em 04/04/2019, no âmbito processo nº 909/14.4BEVIS, relativo ao aqui Recorrente e em situação em tudo idêntica à agora descrita, pelo que, visando uma interpretação e aplicação uniforme do direito, ao abrigo do disposto no art. 8º, nº 3 do Código Civil, permitimo-nos fazer nossa a fundamentação que ali é expressa no sentido de que “(…) para além dessa veiculação e informação, que reveste natureza meramente conclusiva, inexiste nos autos qualquer informação prévia ou documentos que sejam aptos a fazer suportar a insuficiência de bens da sociedade devedora originária, mormente, em torno de quais as várias penhoras efectuadas pela AT visando os potenciais bens conhecidos da sociedade comercial devedora originária, nomeadamente créditos, rendas, contas bancárias, imóveis ou veículos, de onde não resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida em questão, e que não eram conhecidos mais bens susceptíveis de penhora. É que, se é certo que o Oponente pode saber [ter ficado a saber] qual o montante da dívida que contra si foi revertida, pelo facto de ter sido administrador da sociedade devedora originária, o que também é certo é que em face do lhe foi apresentado pela AT aquando da sua citação – Cfr. alínea B) do probatório (no caso em apreço al. E) do probatório) -, e em torno dos motivos para a efectuar e do que isso implica, a sua defesa fica amplamente coarctada quando a saber sobre quais os efectivos e concretos fundamentos da insuficiência económica da devedora originária.
Efectivamente, sendo apresentado pela AT ao Oponente que a reversão da dívida ocorre por insuficiência de bens da devedora originária, é [era] mister que a mesma [AT] lhe explicitasse então, por que concretos termos e pressupostos é que ocorria a comunicada “insuficiência de bens”, e designadamente, qual o resultado das “penhoras efectuadas”, e sobre quais “os potenciais bens conhecidos ao devedor originário [...] do que resultou o reconhecimento e entrega de valores insuficientes para pagar integralmente a dívida”, mormente, que valores é que foram recolhidos pela AT, para a levar a concluir pela necessidade da reversão da dívida.
Face ao disposto nos artigos 268.º da CRP, que foi densificado nos artigos 124.º do CPA e 77.º da LGT, a AT tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou legítimos interesses dos administrados, neste caso, daquele contra quem fez reverter uma execução por dívidas, fundamentação essa que tem de ser expressa, clara, suficiente e congruente, por forma a que o seu destinatário possa apreender os factos e o direito com base nos quais se decide essa reversão, possibilitando-lhe dessa forma perceber a concreta motivação do acto a fim de ficar habilitado a aceitar essa decisão, ou então a impugná-la judicialmente.
Como assim dispõe o artigo 77.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária, “A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.
Ou seja, a decisão tomada no âmbito do procedimento de reversão deve ser clara em termos de o seu destinatário ficar a saber qual o itinerário cognoscitivo e decisório empreendido pelo autor da decisão em causa, para que possa ficar habilitado a efectuar a sua sindicância, caso com ela não concorde, ou então, a aceitá-la, por ser tradutora da concreta realidade.

Neste sentido, também o artigo 125.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento Administrativo [vigente à data dos factos], dispunha que “A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituirão neste caso parte integrante do respetivo ato.”, e que, “Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato”.
Ou seja, a fundamentação, ainda que sucinta, deve ser suficiente para convencer (ou não) o interessado e permitir-lhe o controlo do acto, o que se traduz a final, em dizer que o interessado deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à decisão, ou seja, deve dar-se-lhe, ainda que de forma sucinta, nota do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido para a tomada de decisão, pois só assim o interessado pode analisar a decisão e ponderar se lhe dá ou não o seu acordo, e também só por essa via, ele fica munido dos elementos essenciais para poder impugnar a decisão, pois só sabendo quais os factos concretos considerados pela Administração Tributária, ele pode argumentar se eles se verificam ou não, isto é, só conhecendo os critérios valorativos da Administração sobre esses factos, ele pode discuti-los, apresentar outros ou até valorá-los doutra forma, e por outro lado, só em face das normas legais invocadas, ele pode discernir se são essas ou outras as aplicáveis ao caso.
Pretende-se, pois, que fique ciente do modo e das razões por que a Administração Tributária decidiu num ou noutro sentido.

Neste conspecto, é necessário distinguir as hipóteses em que nos deparamos com a inexistência de fundamentação do acto, isto é, aquelas em que o acto não contém a expressão dos fundamentos de facto e de direito que levaram à prática do mesmo com certo e determinado conteúdo, das outras, em que embora tal fundamentação exista, não foi levada ao conhecimento do destinatário do acto.
Na primeira das referidas possibilidades verifica-se o invocado vício de forma por falta de fundamentação, na segunda verifica-se apenas uma mera deficiência na notificação do acto, que não afecta a validade do mesmo.

E manifestamente, a decisão que determina a reversão, mormente, atentos os termos por que foi efectuada a citação do Oponente para o processo de execução, como revertido, é destituída de fundamentação que lhe permita saber e conhecer, esclarecidamente, como e porque ocorre.
Efectivamente, como resulta da alínea B) do probatório, a Administração Tributária apenas indica normativos que são atinentes à “insuficiência de bens do devedor originário“, para de seguida extrair a ilação de que estão reunidas as condições para ser efectuada a reversão da execução, sendo que, não pode tal consistir ou admitir-se como encerrando em si os pressupostos necessários definidores do cumprimento do dever que sobre si impende, atinente à fundamentação de um acto administrativo em matéria tributária.”
Aqui, como ali, constata-se que a fundamentação que consta da citação remetida ao oponente/Recorrente é meramente tabelar sem qualquer concretização vertida nos autos ou no Processo Administrativo apenso.
Como se decidiu no Douto Acórdão do STA, proferido no Processo n.º 0140/17 [in www.itij.pt] em 11 de abril de 2018, “A al. b) do nº 2 do art. 153º do CPPT complementando o nº 2 do art. 23º da LGT, «vem esclarecer que a fundamentação da insuficiência é feita com base nos valores que constam do auto de penhora e outros de que a administração tributária disponha e a sua relação com o valor da dívida exequenda e do acrescido (juros de mora e custas). No entanto, para a insuficiência se poder considerar demonstrada, é necessário que os elementos em que assenta o juízo sobre permitam, em termos lógicos, retirar essa conclusão, o que, normalmente, exigirá que seja feita uma averiguação (por exemplo, não bastará para concluir pela insuficiência o simples facto de o devedor originário não ser encontrado ou estar encerrado o seu estabelecimento, no momento em que se procura realizar a penhora).».
Ante tudo o que vem dito, procedem as conclusões do recurso no que tange à falta de fundamentação do despacho de reversão, ficando prejudicado o conhecimento da culpa, vício também alegado pelo Recorrente.

Sumariando, nos termos do n.º7 do artigo 663.º do CPC, formulam-se as CONCLUSÕES:

Descritores: Reversão, pressupostos.

1- A reversão contra o responsável subsidiário depende, além do mais, da inexistência ou fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e dos responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão prévia tendo por base a recolha de elementos objectivos.
Assim, incumbe ao exequente o ónus da prova de que se verificam os factos que integram o fundamento, previsto na lei, para que possa chamar à execução os responsáveis subsidiários e reverter contra eles o processo executivo, cabendo-lhe, de acordo com o previsto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT e artigo 342.º, n.º1 do Código Civil, demonstrar que não existiam bens penhoráveis do devedor originário ou, existindo, que eles eram fundadamente insuficientes.
2- Se o exequente demonstrar o preenchimento desses pressupostos passará a competir ao responsável subsidiário demonstrar a existência de bens, suficientes, no património da sociedade de que aquele não teve conhecimento, fazendo, assim, a prova da ilegalidade do acto de reversão.
3- Se a fundamentação que consta da citação remetida ao oponente/Recorrente é meramente tabelar sem qualquer concretização vertida nos autos ou no Processo Administrativo apenso não se pode ter por fundamentado o despacho de reversão.
*** ***
V – DECISÃO

Nestes termos, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, Acordam em conferência em conceder provimento aos recursos jurisdicionais interpostos pela Fazenda Pública e pelo Oponente/Recorrente, e em consequência, revogar a sentença recorrida e julgar a oposição procedente.

Custas a pela Fazenda Pública em ambas as instâncias.

Notifique.

Porto, 2022-01-13

Maria Celeste Oliveira
Maria do Rosário Pais
Tiago de Miranda