Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00727/13.7BEAVR
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:02/16/2023
Tribunal:TAF de Aveiro
Relator:Ana Patrocínio
Sumário:I - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.

II – São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência.

III – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.

IV – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.

V - Para responsabilizar subsidiariamente o gerente pelas dívidas tributárias da sociedade, não basta a outorga de poderes «nominais» de gerência, exige-se precisamente o exercício dessas funções, o exercício efectivo dos poderes que recebe, e não apenas a aparência do seu exercício.

VI - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias.

VII - A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é.

VIII - Estas situações ocorrem na maior parte das vezes num contexto em que, de um lado, está o «gerente efectivo», regra geral o detentor do capital e do poder que lhe subjaz, que oculta essa qualidade (normalmente por dificuldades de financiamento junto da banca devido a antecedentes de incumprimento, ou por restrição do uso de cheques, etc.; do outro lado, está (quase sempre) um sujeito numa relação de dependência (filho, empregado, cônjuge) ou de favor, que por isso aceita «assinar», ou «dar o nome».

IX - Quando assim procede, quando «assina» ou «dá o nome», não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias».

X - Neste cenário, o mero gerente de direito pratica actos formais de gerência; porém, fá-lo na dependência do gerente efectivo que lhe determina a «oportunidade», o «que», o «como» e o «quando» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas e não «pode» (porque não tem o poder) ir para além disso.

XI - Ao juiz é lícito inferir a efectividade da gerência do oponente no contexto em que ele é o único gerente inscrito da sociedade devedora originária e se comprova que esta teve actividade no período a que se reportam as dívidas revertidas.

XII - Porém, não pode formar-se um juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência partindo do facto de se tratar o oponente do único gerente inscrito da sociedade executada originária quando constem do probatório factos que manifestamente conflituam com aquela presunção.

XIII - De acto isolado praticado pelo oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária em momento concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.*
* Sumário elaborado pela relatora
(art. 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

I. Relatório

A Representação da Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, proferida em 30/12/2016, que julgou procedente a oposição deduzida por "AA", contribuinte n.º ..., contra a execução fiscal n.º ...22, a correr termos no Serviço de Finanças de ... - 2, em que é devedora originária «B... - Unipessoal, Lda.», por dívidas de IVA, referentes a 2008, no montante de € 7.138,23, contra si revertidas.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
“1. A douta sentença recorrida decidiu extinguir o processo de execução fiscal com a única justificação de que não ficou demonstrado o exercício de funções de gerência, por parte da Oponente, na devedora originária.
2. No entanto, padece de falta de fundamentação, pois não esclarece como chegou a essa conclusão, atentos os elementos constantes no despacho de reversão e na contestação apresentada pela Fazenda Pública.
3. De facto, quer o despacho que ordenou a reversão, quer a contestação, fizeram apelo ao teor da sentença proferida no processo de insolvência, que correu termos sob o n.º ..61/09.7TB.., onde se afirma expressamente que a Oponente era gerente da sociedade e em nome desta contraiu vários empréstimos.
4. Mais do que isso, essa decisão judicial declara categoricamente que tais empréstimos foram contraídos pela Oponente a partir de 2008, sendo certo que as datas limite de pagamento das duas liquidações em cobrança se reportam a 18/08/2008 e 16/02/2009.
5. Perante este quadro factual, ao concluir que a Oponente nunca foi gerente de facto, o tribunal a quo deveria, em primeiro lugar, esclarecer como chegou a essa conclusão, em face dos argumentos apresentados pelo credor tributário.
6. Por outro lado, tornava-se imperativo que a sentença de que se recorre se pronunciasse sobre a decisão proferida pelo 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ..., quanto mais não fosse para clarificar a que título teria a Oponente legitimidade para aumentar as dívidas da devedora originária.
7. Não obstante ser merecedora de encómios no que concerne à sua estrutura, a douta sentença não só carece de fundamentação como é absolutamente omissa em relação à prova apresentada pela Fazenda Pública.
8. Assim, estando demonstrado, por decisão judicial transitada em julgado, que a Oponente exerceu funções de gerência nas datas limite de pagamento destas dívidas, e não sendo apontadas por este tribunal outras razões que obstem à reversão efectuada pelo Serviço de Finanças de ..., a presente Oposição terá de ser considerada improcedente.
9. Ou seja, tendo sido gerente de facto da executada nas datas supra referidas, encontram-se preenchidos os pressupostos para ser activada a responsabilização subsidiária de "AA", nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b), cabendo-lhe provar que não teve culpa da falta de pagamento das dívidas fiscais concernentes a este processo.
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Nos termos vindos de expor e nos que V.ªs Ex.ªs, sempre mui doutamente, poderão suprir, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, prosseguindo a execução contra o ora Oponente.”
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A Recorrida contra-alegou, tendo concluído da seguinte forma:
“1 - Pretende a recorrente que seja revogada a Douta Sentença proferida, porquanto, a mesma padeça de falta de fundamentação;
2 – Incidiu nas suas, aliás Doutas alegações para o facto de oportunamente ter apelado para o teor da sentença proferida no processo de insolvência que correu termos sob o nº n.º ..61/09.7TB.., do 1º Juízo Cível do Tribunal Judicial de ...,
3 – Não obstante não conseguiu a Fazenda Pública, tal como lhe competia, provar, uma vez que o ónus era seu, que a oponente/recorrida exerceu as funções de gerente de facto da sociedade devedora originária;
4 – E, de facto não o conseguia demonstrar e consequentemente provar, porquanto nunca a oponente/recorrida nunca exerceu qualquer cargo de direção da requerida, sendo à data estudante no Porto.
5 – A Sentença recorrida fundamentou o conhecimento de todas as questões suscitadas pelas partes nos autos, (oponente/recorrida e Fazenda Pública/recorrente), e apenas destas, acautelando aqueloutras que tivesse de conhecer oficiosamente. – Artigo 608º nº 2 do C. P. C., ex vi do art. 2º alínea e) do C. P. P.T.
6 – Como da Douta Sentença recorrida consta o nº 1 do artigo 24º da Lei Geral Tributária, dispõe que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício efetivo do cargo de gerente/administrador e reportada ao período em que é exercida, ou seja, a gerência/administração de facto constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes/administradores.
7 – Para a imputação da responsabilidade em termos subsidiários, não bastava o mero exercício da gerência em conformidade com os ditames legais (contrato ou deliberação), antes sendo essencial o exercício efetivo desse cargo - Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28/02/2007, Processo 01132/06 e 21/11/2012, Processo nº 0474/12;
8 - Na sequência da sua fundamentação, o Tribunal recorrido deixou expresso que a essencialidade referida nos Acórdãos do Pleno, explicita: “Essa afirmação de que é essencial a prova, por parte da Administração Fiscal, de que foi exercido efetivamente o cargo de gerência, implica a alegação e prova de que foram praticados atos próprios do exercício de funções de gerente da sociedade em causa”, o que a fazenda pública não logrou fazer;
9 – Tal entendimento também se encontra sufragado no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, processo 0458/13, de 16-10-2013, “… cabendo à Fazenda Pública o ónus da prova de que aquelas foram efetivamente desempenhadas”;
10 – O Tribunal recorrido considerou que “ é ponto assente que compete à Administração Tributária o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, o que significa que deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o exercício efetivo da gerência, a qual não resulta decisivamente dos “atos de gerência” que lhe são imputados pela AT…”
11 – A total ausência de prova por parte da Fazenda Pública, alicerçada com o conjunto da prova feita pela oponente, designadamente a prova testemunhal e da prova adicional, através do aproveitamento da prova produzida nos processos nº 726/13.9BEAVR e 728/13.5BEAVR, que o Tribunal recorreu, entendeu e bem, no nosso modesto entendimento, que não foi suficientemente demonstrado o exercício, por parte da Oponente/Recorrida, da gerência efetiva da sociedade devedora originária, apenas se logrando obter prova da gerência de Direito.
12 – Devidamente fundamentada, a sentença recorrida, concluiu não se ter demonstrado o exercício efetivo da gerência da oponente e, consequentemente, considerou procedente a sua alegação, julgando a oposição totalmente procedente, com a consequente extinção da instância executiva.
Termos em que e nos melhores de Direito cujo proficiente de V.ªs Ex.ªs se invoca, deverá ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida, extinguindo-se a execução contra a ora Recorrida.”
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O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de o recurso não merecer provimento.
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Com dispensa dos vistos legais, tendo-se obtido a concordância dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, nos termos do artigo 657.º, n.º 4 do CPC; submete-se o processo à Conferência para julgamento.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO – QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que importa decidir se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, designadamente por deficiente valoração da mesma, e de direito, quanto aos pressupostos da reversão, nomeadamente, o exercício efectivo da gerência da sociedade devedora originária no período a que respeitam os tributos em dívida.

III. Fundamentação
1. Matéria de facto

Na sentença prolatada em primeira instância foi proferida decisão da matéria de facto com o seguinte teor:
III-A – Factos provados
Com relevância para a decisão a proferir, consideram-se provados os seguintes factos:
A) Contra a sociedade «B... - Unipessoal, Lda.» foi instaurado no SF de ... o processo de execução fiscal nº ...22 e aps., por dívidas de IVA do período 2008, cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 18-08-2008 e 16-02-2009, no valor global de € 7.183,23, cfr. teor de fls. 25 a 30 dos autos (p.f.).
B) Em 05-06-2013 foi prestada a seguinte informação e competente despacho, que constam de fls. 56 e 57 dos autos:
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
[Imagem que aqui se dá por reproduzida]
C) Na certidão permanente da devedora originária consta como único gerente da mesma, desde 21-06-1999, "AA", cfr. teor de fls. 33 dos autos (p.f.).
D) A Oponente foi citada em 17-06-2013, cfr. teor de fls. 32 dos autos (p.f.).
E) A presente Oposição deu entrada no SF de ... em 15-07-2013, cfr. teor de fls. 17 dos autos (p.f.).
F) A Oponente no período a que se reportam as dívidas era estudante de Direito, cfr. prova testemunhal.
G) A empresa era dirigida pelo seu pai, "CC" e o seu tio, "DD", cfr. prova testemunhal.
H) A Oponente não contratava trabalhadores, não negociava com fornecedores e clientes, nem com os bancos e não geria a tesouraria da empresa, cfr. prova testemunhal.
I) A Oponente era gerente nominal da devedora originária a pedido do seu pai, por sugestão de entidade bancária, tendo em vista concessão de crédito a que o pai e tio da mesma não tinham acesso, cfr. prova testemunhal.
III-B – Factos não provados
Inexistem, com relevância para a decisão a proferir.
Motivação:
A factualidade supra referida, foi apurada com base nos documentos juntos aos autos.
Relevou-se ainda, quanto aos factos vertidos em F) a I) os depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Oponente, "CC", pai da Oponente e "DD", tio da Opoente, que embora tenham uma relação pessoal próxima com a mesma, confirmaram de forma coerente e credível a factualidade dada como provada.
Designadamente, afirmaram perante o Tribunal que a Oponente só figurava como gerente nominal da devedora originária por questões de facilidade de crédito bancário, não exercendo nem nunca tendo exercido qualquer cargo de direcção na mesma ou outro, sendo, à data, estudante no Porto.”
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2. O Direito

A questão que cumpre apreciar é a de saber se o tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento de facto e de direito ao considerar que a Fazenda Pública não reuniu elementos tendentes a demonstrar e validar que a oponente, aqui Recorrida, exerceu a gerência de facto da sociedade devedora originária e, nesse pressuposto, ter concluído pela sua ilegitimidade como revertida para a execução fiscal.
Sustenta a Recorrente, no essencial, contrariamente ao decidido, que estão reunidos os pressupostos de que depende a reversão por dívidas tributárias, no que respeita à gerência, no período a que se referem essas dívidas, e à culpa da oponente.
Estão em causa dívidas de IVA, do ano de 2008, sendo, portanto, aplicável o regime de responsabilidade subsidiária previsto no artigo 24.º da Lei Geral Tributária (LGT).
Estabelece o n.º 1 daquele artigo 24.º da LGT:
«1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.
2 – (…)».
Na repartição do ónus de prova quanto aos pressupostos da responsabilidade subsidiária dos gerentes que decorre desse preceito, incumbe à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo e a culpa do revertido na insuficiência do património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado para a satisfação da dívida tributária, quando esta se tenha constituído no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado após aquele exercício [alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT]; incumbindo, também, à AT comprovar a alegação de exercício efectivo do cargo, ficando a cargo do revertido comprovar que não lhe é imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período de exercício do cargo [alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT].
Independentemente da alínea do n.º 1 do artigo 24.º da LGT ao abrigo da qual se tenha concretizado a reversão, à Administração Tributária cabe sempre fazer a prova do exercício efectivo, ou de facto, da gerência do oponente na sociedade devedora originária.
Resulta desse normativo que a responsabilidade subsidiária é atribuída em função do exercício do cargo de gerente e reportada ao período do respectivo exercício. Ou seja, a gerência de facto, real e efectiva, constitui requisito da responsabilidade subsidiária dos gerentes, não bastando, portanto, a mera titularidade do cargo, ou o que se designa por gerência nominal ou de direito.
Ora, é sobre a Administração Tributária, enquanto titular do direito de reversão, que recai o ónus de demonstrar os pressupostos que lhe permitem reverter a execução fiscal contra o gerente da devedora originária e, nomeadamente, os factos integradores do efectivo exercício da gerência, de acordo com a regra geral de direito probatório segundo a qual, àquele que invoca um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito que alega – cfr. artigos 342.º, n.º 1, do Código Civil e 74.º, n.º 1, da LGT.
Fazendo apelo à doutrina vertida no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, de 28/02/2007, proferido no âmbito do processo n.º 01132/06, resulta que “No regime do Código de Processo Tributário relativo à responsabilidade subsidiária do gerente pela dívida fiscal da sociedade, a única presunção legal de que beneficia a Fazenda Pública respeita à culpa pela insuficiência do património social”; sendo tal jurisprudência totalmente transponível para os nossos autos.
“Não existe presunção legal que imponha que, provada a gerência de direito, por provado se dê o efectivo exercício da função, na ausência de contraprova ou de prova em contrário”, pelo que, “competindo à Fazenda Pública o ónus da prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, deve contra si ser valorada a falta de prova sobre o efectivo exercício da gerência”.
Na mesma linha de entendimento, e já no domínio do regime de responsabilidade subsidiária dos gerentes comtemplado na LGT, deixou-se consignado no Acórdão do STA, de 02/03/2011, proferido no âmbito do processo n.º 0944/10, entre outros, o seguinte:
“ (…) Na verdade, há presunções legais e presunções judiciais (arts. 350.º e 351.º do CC).
As presunções legais são as que estão previstas na própria lei.
As presunções judiciais, também denominadas naturais ou de facto, simples ou de experiência são «as que se fundam nas regras práticas da experiência, nos ensinamentos hauridos através da observação (empírica) dos factos». (ANTUNES VARELA, J. MIGUEL BEZERRA, e SAMPAIO E NORA, Manual de Processo Civil, 1.ª edição, página 486; Em sentido idêntico, MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 215-216, e PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volume I, 2.ª edição, página 289.).
De facto, não há qualquer norma legal que estabeleça uma presunção legal relativa ao exercício da gerência de facto, designadamente que ela se presume a partir da gerência de direito.
No entanto, como se refere no acórdão deste STA, de 10/12/2008, no recurso n.º 861/08, «o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
E, eventualmente, com base na prova de que o revertido tinha a qualidade de gerente de direito e demais circunstâncias do caso, nomeadamente as posições assumidas no processo e provas produzidas ou não pela revertida e pela Fazenda Pública, o Tribunal que julga a matéria de facto pode concluir que um gerente de direito exerceu a gerência de facto, se entender que isso, nas circunstâncias do caso, há uma probabilidade forte (certeza jurídica) de essa gerência ter ocorrido e não haver razões para duvidar que ela tenha acontecido. (Sobre esta «certeza» a que conduz a prova, pode ver-se MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, 1979, páginas 191-192.).
Mas, se o Tribunal chegar a esta conclusão, será com base num juízo de facto, baseado nas regras da experiência comum e não em qualquer norma legal.
Isto é, se o Tribunal fizer tal juízo, será com base numa presunção judicial e não com base numa presunção legal.»
Todavia, ainda que não seja possível partir-se do pressuposto de que com a mera prova da titularidade da qualidade de gerente que a revertida tinha não se pode presumir a gerência de facto, é possível efectuar tal presunção se o Tribunal, à face das regras da experiência, entender que há uma forte probabilidade de esse exercício da gerência de facto ter ocorrido.
Mas, por outro lado, na ponderação da adequação ou não de uma tal presunção em cada caso concreto, nunca há num processo judicial apenas a ter em conta o facto de a revertida ter a qualidade de direito, pois há necessariamente outros elementos que, abstractamente, podem influir esse juízo de facto, como, por exemplo, o que as partes alegaram ou não e a prova que apresentaram ou deixaram de apresentar. (…)”
Na linha doutrinária destes arestos, veio a formar-se jurisprudência no sentido de que sendo o revertido/oponente o único gerente inscrito da sociedade devedora originária, ao juiz era lícito inferir o exercício efectivo dessa gerência do conjunto da prova, usando as regras da experiência e fazendo juízos correntes de possibilidade, pese embora não pudesse ser retirado mecânica e automaticamente do facto de ter sido designado gerente, na falta de presunção legal.
Uma das situações em que resultava lícito ao juiz inferir o exercício efectivo da gerência com base na gerência nominal era quando resultasse provado que no período das dívidas era ele o único gerente nomeado da sociedade e sem a assinatura do qual a sociedade não se podia obrigar e que a sociedade se manteve em actividade no período em causa – cfr. Acórdão do TCAN, de 21/02/2008, proferido no âmbito do processo n.º 00445/06.2BEPNF.
Todavia, no caso dos autos, a questão assume contornos diversos, pois, apesar de resultar demonstrado ter sido a oponente a única gerente inscrita no período das dívidas, foram apurados outros factos alegados pelas partes, que conflituam com um juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência.
Desde logo, impõe-se acentuar que a Recorrente não impugnou qualquer ponto da matéria de facto assente, nem tão pouco sugeriu o aditamento de qualquer factualidade. Logo, urge concluir que a decisão da matéria de facto se mostra estabilizada.
Percorrendo as conclusões das alegações do recurso, observamos apenas que a Recorrente retira diferentes ilações do probatório e dos elementos indicados no despacho de reversão, que, alegadamente, não terão sido devidamente ponderados pelo tribunal recorrido.
Ora, a verdade é que do probatório não constam elementos que permitam concluir que a oponente, apesar de estar em condições legais para vincular a sociedade, tenha praticado actos que consubstanciem o exercício efectivo dessa gerência; não sendo suficiente para aferir dessa gerência efectiva a circunstância de se afirmar em sentença proferida no processo de insolvência que a oponente terá contraído empréstimos em nome da sociedade originária a partir de 2008, apesar de as datas limite de pagamento das duas liquidações em cobrança se reportarem a 18/08/2008 e 16/02/2009.
Não obstante admitirmos que factos provados no âmbito de outros processos possam consubstanciar um início de prova, o que verdadeiramente releva são os factos efectivamente provados nos presentes autos e que não se mostram impugnados.
Aqui, ressalta do probatório que a oponente não negociava com bancos [cfr. alínea H)] e, admitindo-se que tenha contraído empréstimos, resultou provado ter sido esse precisamente o móbil de figurar como gerente nominal da sociedade originária, já que o pai e o tio da oponente não tinham acesso ao crédito bancário, tendo, por esse motivo, ficado gerente de direito a pedido do seu pai [cfr. alínea I) da decisão da matéria de facto].
Por outro lado, da circunstância de a oponente ser a única gerente inscrita da sociedade e esta se obrigar com a sua assinatura, não se segue, necessariamente, a efectividade do exercício do cargo, pois, como também se ponderou no Acórdão deste TCAN, de 25/05/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1389/04.8BEPRT: “(…) A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que, ainda assim, detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é. Estas situações ocorrem na maior parte das vezes num contexto em que, de um lado, está o «gerente efectivo», regra geral o detentor do capital e do poder que lhe subjaz, que oculta essa qualidade (normalmente por dificuldades de financiamento junto da banca devido a antecedentes de incumprimento, ou por restrição do uso de cheques, etc.); do outro lado, está (quase sempre) um sujeito numa relação de dependência (filho, empregado, cônjuge) ou de favor, que por isso aceita «assinar», ou «dar o nome». Quando assim procede, quando «assina» ou «dá o nome», não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias». Neste cenário, o mero gerente de direito pratica actos formais de gerência; porém, fá-lo na dependência do gerente efectivo que lhe determina a «oportunidade», o «que», o «como» e o «quando» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas e não «pode» (porque não tem o poder) ir para além disso. (…)”
Com efeito, resulta da factualidade ínsita no probatório que o pai da oponente lhe terá pedido para figurar como gerente na sociedade devedora originária. Salientamos que do depoimento dessa testemunha (o pai da Recorrente) e do testemunho do tio resulta que a oponente só figurava como gerente nominal da devedora originária por questões de facilidade de crédito bancário, não exercendo nem nunca tendo exercido qualquer cargo de direcção na mesma ou outro, sendo, à data, estudante no Porto – cfr. alíneas F), G) H) e I) do probatório.
Nesta conformidade, a empresa era dirigida pelo pai e pelo tio da oponente – cfr. alínea G) da decisão da matéria de facto.
Neste circunstancialismo, ressalta a existência de uma relação de dependência (filha), em que esta somente terá aceitado “dar o nome”, pois quem tinha o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade principal era o pai (e o tio).
Ora, não pode formar-se um juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência partindo do facto de se tratar a oponente da única gerente inscrita, quando ela alega e demonstra que nenhum contacto manteve com a sociedade após a sua nomeação para o cargo de gerente; e, por outro lado, não logra a Fazenda Pública demonstrar, por qualquer meio de prova, a imputabilidade à oponente de qualquer facto praticado em representação da sociedade executada, com relevância fiscal ou comercial, ou de que tenham resultado as dívidas exequendas – cfr. Acórdão do TCA Sul, de 22/03/2018, proferido no âmbito do processo n.º 534/10.9BELRS.
Salientamos que a oponente, já em sede de audição prévia à reversão, negou a gerência de facto. Em tal contexto factual, impunha-se à Fazenda Pública, como parte onerada com a prova, maior empenho probatório na demonstração da efectividade da gerência da oponente, esforço probatório que não empreendeu, limitando-se a extrair da gerência de direito a conclusão de que também era gerente de facto, apoiando-se na fundamentação constante da sentença proferida no processo de insolvência e na indicação da oponente como representante legal da executada nas declarações Mod. 10, Mod. 22 e IES consultadas na base de dados da AT, e, como assim, contra si tem de ser valorada a falta de prova quanto à efectividade da gerência, sendo a oponente parte ilegítima na execução.
Além do que já ficou firmado, importa, ainda, relembrar que só podem ser considerados gerentes de facto os sujeitos que se ingerem na actividade de gerentes de forma estável e com carácter de continuidade, no que se refere à representação societária, não bastando uma intervenção isolada, para que os gerentes de direito possam ser considerados gerentes de facto.
Como se decidiu no acórdão deste TCAN, de 20/12/2011, proferido no processo 639/04.5BEVIS-AVEIRO “[d]e um acto isolado praticado pelo Oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária num momento concreto […] não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade (…)”.
Não fora tudo quanto já ficou dito, ainda assim, o único momento, em que a oponente terá agido em representação da sociedade originária, não consta sequer devidamente circunstanciado e delimitado no tempo no âmbito do processo de execução fiscal ou nos presentes autos, tendo apenas sido apurado no processo de insolvência que a oponente terá contraído empréstimos a partir de 2008, sendo notório inexistir qualquer prova documental de tais factos nos presentes autos, impondo-se relembrar a matéria apurada nas alíneas H) e I) do probatório.
Dando de barato e a ser valorada, trata-se, claramente, de uma intervenção isolada da revertida, da qual não é possível extrair a conclusão de que a mesma exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade, principalmente em face de todo o contexto apurado e de que eventuais actos detectados ocorreram para tornar viável o recurso ao crédito bancário por parte do pai e do tio da oponente (eles, sim, enquanto gerentes efectivos). Ademais, não era à oponente que cabia produzir qualquer prova destinada a tornar duvidoso o seu exercício da gerência. Como já supra referimos, o exercício da gerência de facto é um pressuposto da responsabilidade subsidiária que se efectiva através da reversão, sendo que a lei não estabelece qualquer presunção que inverta o ónus da prova nesta matéria.
Deste modo, é de concluir que ficaram por demonstrar factos integradores do conceito da gerência de facto por parte da exequente, e que era quem tinha o respectivo ónus.
Nestes termos, ao contrário do alegado pela Recorrente, a sentença recorrida não padece de falta de fundamentação, dado ter ponderado, a respeito da gerência de facto, que a AT apenas se fundou no facto de a oponente figurar em várias declarações fiscais e identificada na certidão permanente da sociedade como única representante legal da mesma, mas o que ficou demonstrado nos autos foi que a oponente não desempenhava quaisquer funções na devedora originária, sendo o seu pai e tio que geriam a mesma.
Do que vimos de dizer resulta que a Fazenda Pública não logrou provar que, para além de deter a qualidade de gerente de direito da executada originária, a oponente também exercia de facto a gerência, praticando os actos próprios e típicos inerentes a esse exercício no ano aqui em causa e, como tal, não poderá ter lugar a respectiva responsabilização a título subsidiário pelo pagamento das dívidas exequendas ao abrigo do disposto no artigo 24.º, n.º 1 da LGT e, nessa medida, é de concluir, reiteramos, pela ilegitimidade da mesma para a execução, conforme decidido pelo tribunal recorrido.
Nesta conformidade, urge negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida na ordem jurídica.

Conclusões/Sumário

I - O n.º 1 do artigo 24.º da LGT exige para responsabilização subsidiária a gerência efectiva ou de facto, ou seja, o efectivo exercício de funções de gerência, não se satisfazendo com a mera gerência nominal ou de direito.
II – São presunções legais as que estão previstas na própria lei e presunções judiciais as que se fundam em regras práticas da experiência.
III – Não há uma presunção legal que imponha a conclusão de que quem tem a qualidade de gerente de direito exerceu a gerência de facto.
IV – No entanto, o facto de não existir uma presunção legal sobre esta matéria, não tem como corolário que o Tribunal com poderes para fixar a matéria de facto, no exercício dos seus poderes de cognição nessa área, não possa utilizar as presunções judiciais que entender, com base nas regras da experiência comum.
V - Para responsabilizar subsidiariamente o gerente pelas dívidas tributárias da sociedade, não basta a outorga de poderes «nominais» de gerência, exige-se precisamente o exercício dessas funções, o exercício efectivo dos poderes que recebe, e não apenas a aparência do seu exercício.
VI - A responsabilização subsidiária pressupõe o poder de controlar e determinar a vontade social, definindo o seu rumo e estratégia e tudo o que se relaciona com a sua estabilidade, progresso ou sobrevivência, exteriorizando as suas opções, incluindo as de pagar, ou não pagar, as dívidas tributárias.
VII - A distinção entre o mero gerente nominal do gerente efectivo reside no poder subjacente à realização dos actos. O gerente nominal, ou «meramente de direito», pode praticar actos aparentes de gerência, mas fá-lo desacompanhado dos inerentes poderes, normalmente a «mando» de alguém que na organização societária se resguarda de «assinar» e comprometer-se, mas que ainda assim detém o poder efectivo de controlar os destinos da sociedade incluindo os de «mandar assinar» documentos da sociedade, como gerente, alguém que, de facto, o não é.
VIII - Estas situações ocorrem na maior parte das vezes num contexto em que, de um lado, está o «gerente efectivo», regra geral o detentor do capital e do poder que lhe subjaz, que oculta essa qualidade (normalmente por dificuldades de financiamento junto da banca devido a antecedentes de incumprimento, ou por restrição do uso de cheques, etc.; do outro lado, está (quase sempre) um sujeito numa relação de dependência (filho, empregado, cônjuge) ou de favor, que por isso aceita «assinar», ou «dar o nome».
IX - Quando assim procede, quando «assina» ou «dá o nome», não o faz no uso de qualquer critério de oportunidade ou prossecução de interesse estatutário que não domina, mas sim para satisfazer um interesse pessoal alheio ao qual está vinculado ou subordinado por razões «não estatutárias».
X - Neste cenário, o mero gerente de direito pratica actos formais de gerência; porém, fá-lo na dependência do gerente efectivo que lhe determina a «oportunidade», o «que», o «como» e o «quando» fazer. A sua função «esgota-se» nas assinaturas e não «pode» (porque não tem o poder) ir para além disso.
XI - Ao juiz é lícito inferir a efectividade da gerência do oponente no contexto em que ele é o único gerente inscrito da sociedade devedora originária e se comprova que esta teve actividade no período a que se reportam as dívidas revertidas.
XII - Porém, não pode formar-se um juízo presuntivo quanto à efectividade da gerência partindo do facto de se tratar o oponente do único gerente inscrito da sociedade executada originária quando constem do probatório factos que manifestamente conflituam com aquela presunção.
XIII - De acto isolado praticado pelo oponente, em que, aparentemente, terá agido em representação da executada originária em momento concreto, não é viável, à luz das regras de experiência comum, extrair a conclusão de que o mesmo exerceu, de facto, a gerência da dita sociedade.

IV. Decisão

Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte, em negar provimento ao recurso.

Custas a cargo da Recorrente, nos termos da tabela I-B – cfr. artigos 6.º, n.º 2, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do Regulamento das Custas Processuais.


Porto, 16 de Fevereiro de 2023

Ana Patrocínio
Paula Moura Teixeira
Conceição Soares