Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00168/06.2BEPRT
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:11/22/2007
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Dr. Antero Pires Salvador
Descritores:COMISSÃO NACIONAL PROTECÇÃO DADOS
CAPTAÇÃO E TRATAMENTO IMAGENS
CONDOMÍNIO FECHADO
INTIMIDADE VIDA PRIVADA
DIREITO IMAGEM
PRINCÍPIO PROPORCIONALIDADE
AUTORIZAÇÃO CONDÓMINOS
REVOGAÇÃO ACTO CONSTITUTIVO DIREITOS ILEGAL
Sumário:1. A subordinação ao princípio da proporcionalidade surge claramente enunciada na Lei da Protecção de Dados Pessoais e constitui uma exigência comum a qualquer um dos regimes específicos de permissão legal de utilização de sistemas de videovigilância.
2. O recurso à captação de imagens deverá constituir uma medida necessária e adequada para atingir os fins propostos, mas estes deverão ser de tal relevância que justifiquem o sacrifício do direito à reserva da intimidade privada, que se encontra constitucionalmente garantido.
3. A instalação de sistemas de videovigilância num prédio de habitação, em propriedade horizontal, envolve a restrição do direito de reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e dentro dos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade.
4. A autorização da CNPD para recolha e tratamento de imagens colhidas em prédio de habitação, em propriedade horizontal, depende da obtenção prévia de autorização, por unanimidade dos condóminos e arrendatários de todas as fracções do condomínio, sendo que a maioria, seja ela qual for, não pode, na situação dos autos, pôr em causa valores constitucionalmente garantidos.
5. Não é ilegal o acto de revogação de anterior acto constitutivo de direitos, desde que eivado de ilegalidade – como seja o erro nos pressupostos de facto – e praticado no prazo de um ano – artº-. 141º. nº. 1 do CPA.
6. Mostra-se válida a deliberação da CNPD em que revoga anterior decisão, que foi tomada baseada em erro - existência de aprovação por unanimidade dos condóminos de todo o condomínio – quando se demonstrou que apenas houve unanimidade dos condóminos presentes em assembleia onde apenas estiveram presentes condóminos correspondentes a cerca de 35% do capital investido.*

*Sumário elaborado pelo Relator
Data de Entrada:01/25/2007
Recorrente:Condomínio...
Recorrido 1:Comissão Nacional de Protecção de Dados
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Julga improcedente acção administrativa
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:
I RELATÓRIO
1 . “Condomínio …”, com sede na Rua …, Vila Nova de Gaia, veio interpor a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL de pretensão conexa com actos administrativos, da deliberação, datada de 21 de Novembro de 2005, da COMISSÃO NACIONAL de PROTECÇÃO de DADOS --- CNPD ---, com sede na Rua de São Bento, 148º-., 3º-., Lisboa, que, por um lado, revogou a autorização nº-. 312/2005, de 20/6/2005 e, por outro, ordenou que fosse, de imediato, desligado o sistema de videovigilância instalado, devendo a recorrente proceder à recolha de consentimento de todos os condóminos, após o que deverá requerer a respectiva autorização da CNPD.
Terminou pedindo a anulação do acto recorrido, atribuindo-se deferimento à pretensão da recorrente, reconhecendo-se a legalidade e validade do despacho de autorização nº-. 312/2005, de 29 de Junho de 2005.
***
Notificada a entidade demandada, veio – fls. 79 a 91 – a Comissão Nacional de Protecção de Dados, apresentar contestação, suscitando a incompetência do TAF do Porto, na medida em que a competência para conhecer dos autos pertence ao TCA Norte --- questão que foi decidida nos termos da decisão de fls. 109/110 --- e, a título de impugnação, que, no caso, cada condómino tem o direito de não ficar sujeito a uma decisão da maioria dos demais condóminos do prédio que colida com a sua privacidade.
Porque, no caso, não houve aprovação expressa de todos os condóminos, mas apenas da sua maioria, por se tratar de dados sensíveis, tratamento de videovigilância em condomínio, mostram-se violadas as normas dos arts. 7º-. nº-.2 e 8º-., nº-.2 da Lei 67/98, de 26 de Outubro, sendo que as regras previstas no artº-. 1 432º-. nº-.3 do Código Civil, referentes às deliberações das assembleias de condóminos, prevêem a votação por maioria dos votos representativos do capital investido, salvo disposição especial, o que se verifica, na situação em análise, em virtude das normas especiais da Lei 67/98.
Assim, não sendo aceitável um consentimento tácito, dado que, na deliberação de 29/6/2005, apenas existiu a votação unânime dos condóminos presentes e não de todos os condóminos do prédio, a autorização em causa foi concedida por erro nos pressupostos, ou seja, porque se partiu do pressuposto que a autorização havia sido dada por todos os condóminos e não apenas por parte deles, ainda que de todos os presentes na assembleia de condóminos).
Atenta a prática de um acto ilegal – despacho de autorização nº-. 312/2005, de 29 de Junho de 2005 – por erro nos respectivos pressupostos de facto, pela decisão impugnada revogou essa autorização, o que lhe era permitido, pese embora ser um acto constitutivo de direitos, pelo artº-. 141º-. do CPA.
Deste modo, sendo a deliberação questionada nos autos perfeitamente legal, porque fundada na ilegalidade da deliberação revogada e dentro do prazo legal, termina pela improcedência da acção, com a consequente absolvição da ré dos pedidos, mantendo-se, integralmente, a deliberação nº-. 210/05, de 21 /11/2005.
***
Notificadas as partes para apresentarem alegações – artº-. 91º-., nº-.4 do CPTA – veio a A. “Condomínio …” – fls. 128 - dizer que “… vem renunciar ao direito de alegar, reproduzindo aqui todo o teor do seu recurso…”.
***
Por sua vez, a ré – Comissão Nacional da Protecção de Dados – fls. 141 e ss. – veio apresentar alegações que conclui do seguinte modo :
1. Na ausência de legislação especial, os tratamentos de videovigilância só podem ser autorizados mediante o consentimento de todos os condóminos, bem como do consentimento de todos os arrendatário dos imóveis, à data da instalação daqueles meios.
2. Consentimento que deve ser prestado de forma expressa, por se tratar de dados sensíveis, não bastando um consentimento tácito.
3. Foi neste pressuposto que a CNPD emitiu a deliberação nº-. 312/05, datada de 20/6/05. Porém, verificou-se mais tarde que alguns dos condóminos não estiveram presentes na reunião onde se decidiu a instalação do sistema de videovigilância, pelo que a CNPD revogou essa Deliberação, por erro nos pressupostos de facto.
4. Isto porque, cada condómino tem o direito de não ficar sujeito a uma decisão da maioria dos vizinhos que colide com a sua privacidade.
5. A deliberação da CNPD que revogou a autorização do tratamento de videovigilância é perfeitamente legal porquanto é fundada na invalidade do acto e foi efectivada dentro do prazo legal”.
Terminou, assim, as suas alegações, pedindo que seja julgada improcedente a acção, com a consequente absolvição da CNPD dos pedidos, mantendo-se, na íntegra, a deliberação nº-. 210/05, de 21 /11/2005, com as legais consequências.
***
Colhidos os vistos legais junto dos Exmos. Juízes-Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.

II FUNDAMENTAÇÃO
1 . MATÉRIA de FACTO:
Com interesse para a decisão a proferir, atenta a prova documental constante dos autos e do PA e posição das partes, patenteada nos respectivos articulados, consideram-se provados os seguintes factos :
1. Em 7 de Março de 2005, a A veio requerer, nos termos de fls. 1 a 7 do PA, a instalação de 10 câmaras fixas, para captação de imagem, com gravação, sendo 3 nas entradas das portas das garagens e as restantes 7, nas portas de entrada das pessoas, pelo lado interior de acesso das garagens, em circuito fechado e seu tratamento.
2. Enviada, em 21/3/2005, a documentação entretanto solicitada pela CNPD, foi elaborado o despacho de 31/3/2005 – fls. 14 do PA – onde, depois de referir que “ … a CNPD tem vindo a entender que só deve ser autorizada a instalação de sistemas de videovigilância desde que seja obtido o consentimento de todos os condóminos”, sendo que essa unanimidade não existe nos autos, foi dada a oportunidade para a A. se pronunciar, querendo, em 20 dias.
3. Em resposta ao despacho, dito em 2, a A. pronunciou-se, nos termos que constituem o requerimento de fls. 16 a 18, datado de 26/4/2005, no sentido de inexistir fundamento para o indeferimento.
4. Solicitados novos elementos, nos termos do despacho de 5/5/2005 (fls. 19 do PA), veio a A., em 14/6/2005, informar (cfr. ofício de fls. 34 do PA) que o Parque Residencial da Avenida é um condomínio fechado e juntar fotocópia da acta --- acta nº-. 41 ---, donde resulta a presença de condóminos que representam 35,25% dos votos representativos do capital investido, (referindo expressamente, nesse ofício de fls. 34) “ … da reunião da Assembleia de Condóminos, que autoriza a instalação das câmaras na garagem do empreendimento, amplamente debatida com aprovação por unanimidade” – cfr. fls. 34 e ss.
5. Nos termos que constam de fls. 36 a 39 do PA, que aqui se dão por reproduzidos, em 29/6/2005, a CNPD, partindo do pressuposto que “ … a questão da instalação das câmaras de vigilância … foi amplamente discutido em reunião de condóminos tendo sido aprovada por unanimidade”, deferiu o pedido, referido em 1, com condições nele expressas --- autorização nº-. 312/2005.
6. Questionada a CNPD, entre outros pelo requerimento do condómino J… – fls. 48 do PA - por da acta da reunião da Assembleia de Condóminos, dita em 4, resultar que apenas estavam presentes condóminos que representavam 45% dos votos representativos do capital investido --- cfr. fls. 44 do PA ---, foi lavrado o despacho de fls. 51, 51a e 51b, remetendo a decisão para a sessão prevista para 9/11/2004.
7. Em reunião da CNPD, de 9/11/2004, nos termos que constam de fls. 52 a 63 do P A, que aqui se dão por reproduzidos, foi deliberado “ .. autorizar a instalação de sistemas de videovigilância desde que seja obtido o consentimento de todos os condóminos e dos arrendatários dos imóveis à data da instalação daqueles meio. Esse consentimento é sempre revogável”.
8. Em reunião da CNPD, de 21/11/2004, nos termos que constam de fls. 70 a 76 do P A, que aqui se dão por reproduzidos, foi deliberado “ .. revogar a autorização nº-. 312/2005, da CNPD, datada de 20/6/2005” e de que “ Deve, pois, de imediato, a Requerente, desligar o sistema de videovigilância instalado e proceder à recolha de consentimento de todos os condóminos; uma vez obtido esse consentimento deverá documentá-lo e requerer posteriormente a respectiva autorização da CNPD, em conformidade com tal pressuposto, sob pena de crime de desobediência qualificada – cfr. artº-. 46º-., nº-.1 da Lei 67/98, de 26 de Outubro --- acto impugnado.

2 . MATÉRIA de DIREITO:
Fixados os factos, cumpre apreciar se, in casu, se verificam os vícios imputados ao acto impugnado e que são os seguintes :
1 . Violação da Lei 67/98, de 26 de Outubro, na medida em que da mesma não resulta a obrigação de obtenção de unanimidade, mas apenas o cumprimento rigoroso do direito constitucional à intimidade da vida privada, além de que a acta nº-. 41 não foi objecto de qualquer impugnação judicial, por parte de qualquer condómino, pelo que sempre se registaria o consentimento tácito, através da aprovação tácita da deliberação pelos condóminos faltosos; e,
2 . Ilegal revogação de anterior acto constitutivo de direitos – artº-. 140º-. do CPA, porque sempre a ré soube que a unanimidade era a decorrente da votação dos condóminos presentes, que não de todos os condóminos, inexistindo, por isso, erro nos pressupostos de facto.
***
Fixado o objecto dos autos, delimitado pelos vícios suscitados, cumpre antes de mais, quanto ao 1º-. vício, saber se, para a situação dos autos --- recolha de imagens no interior de um prédio em propriedade horizontal e sua gravação --- é necessária a autorização expressa de todos os condóminos e arrendatários dos imóveis à data da instalação daqueles meio, que não apenas da maioria dos condóminos presentes em Assembleia de Condóminos, como defende a CNPD, ou seja, a aprovação expressa e unânime de todos os condóminos; e se a falta de impugnação dessa deliberação, pelos condóminos ausentes, importa que se considere, ainda que tacitamente, aceite essa deliberação.
***
Preceitua o artº-. 1 432º-., do Código Civil, sob a epígrafe “Convocação e funcionamento da assembleia”, o seguinte:

3 . As deliberações são tomadas, salvo disposição especial, por maioria dos votos representativos do capital investido.
4 . …
5 . As deliberações que careçam de ser aprovadas por unanimidade dos votos podem ser aprovadas por unanimidade dos condóminos presentes desde que estes representem, pelo menos, dois terços do capital investido, sob condição de aprovação da deliberação pelos condóminos ausentes, nos termos dos números seguintes.
6 . As deliberações têm que ser comunicadas a todos os condóminos ausentes, por carta registada com aviso de recepção, no prazo de 30 dias.
7 . Os condóminos têm 90 dias após a recepção da carta referida no número anterior para comunicar, por escrito, à assembleia de condóminos o seu assentimento ou a sua discordância.
8 . O silêncio dos condóminos deve ser considerado como aprovação da deliberação comunicada nos termos do nº-.6.
… “
De acordo com a norma transcrita, importa avaliar se se encontrava presente na deliberação da Assembleia de Condóminos, de 6/6/2005 --- acta nº-. 41 --- a maioria do capital investido e ainda, caso se entenda que a deliberação em causa necessita de aprovação da assembleia de condóminos, por unanimidade, avaliar se estavam reunidos os requisitos para que essa deliberação fosse válida.
Ora, para deliberações que precisem de unanimidade, resulta que, por um lado, têm de estar presentes, pelo menos, 2/3 do capital investido, por outro, que a votação dos presentes seja unânime e ainda que nenhum dos ausentes, devidamente notificado das deliberações em causa, não venha, no prazo legal, apresentar a sua discordância, valendo o silêncio dos ausentes, neste caso, como de aceitação das deliberações.
No caso dos autos, resulta da análise da acta nº-. 41 e folha onde foram registadas as presenças --- cfr. fls. 27 a 33 do PA ---, efectivada a contagem dos respectivos votos (dos presentes e daqueles que outorgaram procuração a alguns dos presentes), que apenas se contabilizam 3 525 votos, o que equivale a 35,25 % do capital investido ( sendo que o total é de 10.000 votos), ou seja, ainda que nenhum dos condóminos ausentes tenha manifestado a sua discordância, entendendo-se que todos os ausentes aceitaram a deliberação, o certo é que não estava presente 2/3 do capital investido, ou seja, pelo menos 75% desse capital, ou ainda, apenas estavam presentes condóminos que representavam menos de metade das presenças exigidas, para esse efeito.
**
Deste modo, atentos os factos apurados, temos que, nessa reunião, de 6/6/2005, nem sequer estava representada a maioria do capital investido, pois que apenas estavam presentes condóminos que representavam 35,25 % e não os desejados 50% mais 1, ou seja, 5 001 votos.
**
Aliás, mesmo a percentagem apresentada pela recorrente (artº-. 9º-. da pi), – 40,06% - augurava assegurar a maioria do capital investido e, muito menos, os 2/3 desse capital.
***
Pelo exposto, temos que a deliberação tomada na reunião da Assembleia de Condóminos de 6/6/2005, não teve a maioria dos condóminos (melius, de maioria de condóminos que representem a maioria do capital investido) e, muito menos, a maioria qualificada de 2/3, prevista no nº-. 4 do artº-. 1432º-. do C. Civil.
***
Tirada esta conclusão, importa saber se assiste razão à CNPD quando entende ser exigível, para a autorização solicitada --- instalação de 10 câmaras fixas, para captação de imagem, com gravação, sendo 3 nas entradas das portas das garagens e as restantes 7, nas portas de entrada das pessoas, pelo lado interior de acesso das garagens, em circuito fechado e seu tratamento ---, a autorização de todos os condóminos, sem qualquer discordância, o que pode equivaler à exigência de unanimidade de decisão de todos os condóminos, referindo-se, desde já, que se se verificassem todos os requisitos previstos nos ns. 5 a 8 do artº-. 1432 do CCivil, entenderíamos que se mostrava verificada a necessária unanimidade, sendo certo que, como vimos, inexistem, manifestamente, os pertinentes requisitos.
***
O que se questiona, no fundo, é a possibilidade de invasão do direito à reserva da intimidade e direito à imagem dos cidadãos, in casu, de cada um dos moradores no condomínio fechado “C…”, constituído, por 8 edifícios, de 10 pisos comunicáveis entre si, com 3 portas automáticas de entradas de viaturas e 14 entradas para pessoas, desde a garagem, sem o seu consentimento, que seria afectado, ou mais ainda, violado, pela captação e futuro e eventual tratamento das imagens recolhidas.
**
O direito à reserva da intimidade da vida privada e o direito à imagem encontram-se protegidos constitucionalmente, a par de outros direitos fundamentais, no nº-. 1 do artº-. 26º-. da Constituição da República Portuguesa, e o respectivo âmbito de tutela está igualmente concretizado nos arts. 79º-. e 80º-., ambos do Código Civil.
Quanto à matéria dos autos, as normas legais aplicáveis residem, essencialmente na Lei 67/98 de 26 de Outubro (Lei da Protecção de Dados Pessoais), que expressamente estende o seu âmbito de aplicação à videovigilância e a outras formas de captação de sons e imagens que permitam identificar pessoas - artº-. 4º-., n.º 4.
Os princípios gerais a considerar, neste plano, são os que decorrem do artº-.5º-., nº-. 1, alínea c), onde se declara que os dados pessoais devem ser “adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e posteriormente tratados”, e do artº-. 6º-., que estabelece as condições de legitimidade do tratamento de dados, exigindo o consentimento do titular ou a verificação da necessidade de tratamento de dados para a “prossecução de interesses legítimos, (...) desde que não devam prevalecer os interesses ou os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados”.
Considerando o particular enfoque do caso dos autos, importa ainda ter presente a norma do artº-. 13º-., nº-. 1, da referida Lei, que estabelece: “qualquer pessoa tem o direito de não ficar sujeita a uma decisão que produza efeitos na sua esfera jurídica ou que a afecte de modo significativo, tomada exclu­sivamente com base num tratamento automatizado de dados destinado a avaliar determinados aspectos da sua personalidade, designadamente a sua capacidade pro­fissional, o seu crédito, a confiança de que é merecedora ou o seu comportamento.”
Como logo ressalta da antecedente explanação, a instalação de sistemas de videovigilância num prédio de habitação, em propriedade horizontal, envolve a restrição do direito de reserva da vida privada e apenas poderá mostrar-se justificada quando for necessária à prossecução de interesses legítimos e dentro dos limites definidos pelo princípio da proporcionalidade. A captação de imagens através de sistemas electrónicos pode ser efectuada com o objectivo de garantir a protecção da segurança das pessoas e bens. Por outro lado, no procedimento autorizativo deverá sempre verificar-se se os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados não deverão prevalecer sobre os interesses que justificam, em concreto, a utilização de câmaras de vídeo. É esta ponderação dos interesses em conflito que convoca a aplicação do princípio da proporcionalidade.
A subordinação ao princípio da proporcionalidade surge claramente enunciada na Lei da Protecção de Dados Pessoais e constitui uma exigência comum a qualquer um dos regimes específicos de permissão legal de utilização de sistemas de videovigilância.
O recurso à captação de imagens deverá constituir uma medida necessária e adequada para atingir os fins propostos, mas estes deverão ser de tal relevância que justifiquem o sacrifício do direito à reserva da intimidade privada, que se encontra constitucionalmente garantido.
Dentro desta linha de entendimento, a Comissão Nacional de Protecção de Dados, na sua deliberação n.º 61/2004 (www.cnpd.pt), explicitou os critérios gerais a adoptar, na autorização de instalação de sistemas de videovigilância, nos seguintes termos:
O tratamento a realizar e os meios utilizados devem ser considerados os necessários, adequados e proporcionados com as finalidades estabelecidas: a protecção de pessoas e bens. Ou seja, para se poder verificar se uma medida restritiva de um direito fundamental supera o juízo de proporcionalidade imporá verificar se foram cumpridas três condições: se a medida adoptada é idónea para conseguir o objectivo proposto (princípio da idoneidade); se é necessária, no sentido de que não existia outra medida capaz de assegurar o objectivo com igual grau de eficácia (princípio da necessidade); se a medida adoptada foi ponderada e é equilibrada ao ponto de através dela, serem atingidos substanciais e superiores benefícios ou vantagens para o interesse geral quando confrontados com outros bens ou valores em conflito (juízo de proporcionalidade em sentido estrito.
Na linha do que referimos, será admissível aceitar que – quando haja razões justificativas da utilização destes meios – a gravação de imagens se apresente, em primeiro lugar, como medida preventiva ou dissuasora tendente à protecção de pessoas e bens e, ao mesmo tempo, como meio idóneo para captar a prática de factos passíveis de serem considerados como ilícitos penais e, nos termos da lei processual penal, servir de meio de prova. Estamos perante a aplicação do princípio da proporcionalidade que implica em cada caso concreto a idoneidade do meio utilizado – a videovigilância – bem como, e também, o respeito pelo princípio da intervenção mínima”.
Por isso, em cada caso concreto, e de acordo com os princípios acabados de enunciar, a CNPD deverá limitar ou condicionar a utilização de sistemas de videovigilância quando a utilização destes meios se apresentem como excessivos e desproporcionados aos fins pretendidos e tenham consequências gravosas para os cidadãos visados”.
**
No caso dos autos, atentos os princípios acabados de sintetizar, a preponderância, primazia que deve ser dada aos valores constitucionais, em especial, à defesa da reserva da intimidade e da vida provada --- cada vez mais constrangida pela sociedade globalizada, desprezando-se os interesses individuais, temos que da conjugação das normas referidas na Lei 67/98, em especial, o nº-. 2 do artº-. 7º-., com a epígrafe “Tratamento de dados sensíveis”, que refere que “ Mediante disposição legal ou autorização da CNPD, pode ser permitido o tratamento dos dados referidos no número anterior quando por motivos de interesse público importante esse tratamento for indispensável ao exercício das atribuições legais ou estatutárias do seu responsável, ou quando o titular dos dados tiver dado o seu consentimento expresso para esse tratamento, em ambos os casos com garantias de não discriminação e com as medidas de segurança previstas no artigo 15º”. – (sublinhado nosso)-, se impõe que se tenha de concluir que a autorização requerida pela A. deverá ser antecedida pela autorização de todos os condóminos, obtida, por escrito, individualmente, ou então, em assembleia de condóminos, onde se verifiquem os requisitos constantes dos ns. 5 a 8 do artº-. 1432º- do CCivil, como, aliás, impôs a ré, pois que a invasão da reserva da vida privada como a que se efectivará com a recolha e tratamento de imagens só pode ser constrangida com a autorização de todos os visados.
Efectivamente, as autorizações neste caso não podem ser genéricas, nem abstractas, aplicáveis a situações e pessoas indefinidas. Sendo actos administrativos, só podem «produzir efeitos numa situação individual e concreta» (cfr. art. 120 do CPA), o que supõe a individualização (não necessariamente a singularização) do destinatário a quem se dirige e a concretização do caso sobre que versa.
Concluímos, deste modo, pela necessidade de obtenção da unanimidade dos condóminos e arrendatários de todas as fracções do condomínio, sendo que a maioria, seja ela qual for, não pode, na situação dos autos, pôr em causa valores constitucionalmente garantidos, como os que estão em causa.
***
Quanto à 2ª-. questão --- Ilegal revogação de anterior acto constitutivo de direitos – artº-. 140º-. do CPA, porque sempre a ré soube que a unanimidade era a decorrente da votação dos condóminos presentes, que não de todos os condóminos, inexistindo, por isso, erro nos pressupostos de facto.
Dos autos, decorre que a CNPD, por deliberação de 29/6/2005, deferiu o pedido de instalação de câmaras de videovigilância e eventual tratamento de dados por parte da A., como se exarou no ponto 5 dos factos provados, consubstanciado na autorização nº-. 312/2005, o que, indubitavelmente, constitui um acto constitutivo de direitos.
Porém, pela deliberação de 21/11/2004, aqui questionada e que, afinal, constitui o objecto desta impugnação, a CNPD revogou aquela deliberação, por, segundo esta ter existido erro nos pressupostos de facto, ou seja, partiu do pressuposto de que tinha havido autorização unânime dos condóminos, quando essa unanimidade apenas existiu em relação aos condóminos presentes na assembleia de 6/6/2005.
**
Atenta esta panorâmica, importa saber se a revogação daquela deliberação, porque, como dissemos, era constitutiva de direitos, se mostra de acordo com as normas legais, sendo que se se considerar válida, apenas poderia ser revogada nas condições previstas no artº-. 140º-., nº-.2 do CPA, o que não é, manifestamente o caso, por inverificação de cada uma das circunstâncias previstas nas duas alíneas do nº.2 referido.
O artº-. 140º-., º-. 1 do CPA consagra a regra sobre a revogabilidade dos actos válidos, determinando (nos casos em que a mesma é admitida e ressalvadas as situações em tal disposição previstas), que os mesmos são livremente revogáveis a todo o tempo. Porque se trata de acto válidos, a sua revogação nunca se poderia fundamentar na sua ilegalidade já que, precisamente por serem válidos, não estão afectados por qualquer vício ou ilegalidade. A sua revogação, terá por conseguinte que se fundamentar em razões de inconveniência ou inoportunidade.
Resta, por isso, verificar se se verificam os pressupostos para a sua revogação, por se considerar ilegal ou inválida.
***
Para tanto, dispõe o artº-. 141º- do CPA, com o título “ Revogabilidade dos actos inválidos”1 . Os actos administrativos que sejam inválidos só podem ser revogados com fundamento na sua ilegalidade e dentro do prazo do respectivo recurso contencioso ou até à resposta da entidade recorrida”.
No que concerne a este normativo, refere Freitas do Amaral, in Direito Administrativo, Vol. III, pág. 382 “Se a revogação tem por fundamento a ilegalidade do acto anterior, só tem sentido que ela possa ter lugar enquanto essa ilegalidade puder ser invocada; ora decorrido o prazo de recurso contencioso sem que do acto ilegal seja interposto recurso, a sua ilegalidade fica sanada, o acto torna-se legal e a Administração deixa, consequentemente, de poder invocar o fundamento do exercício da sua competência revogatória, que é a ilegalidade".
No caso dos autos, a deliberação revogatória verificou-se antes do decurso de um ano, mais propriamente cerca de 5 meses depois (29/6/2005 versus 21/11/2005), pelo que apenas importa verificar se a deliberação revogada era inválida.
Segundo a CNPD, a invalidade resulta de existência de erro nos pressupostos de facto, porquanto, na ausência de legislação especial, os tratamentos de videovigilância só podem ser autorizados mediante o consentimento de todos os condóminos, bem como o consentimento de todos os arrendatário dos imóveis à data da instalação daqueles meios, sendo que e consentimento deve ser prestado de forma expressa, por se tratar de dados sensíveis, não bastando um consentimento tácito.
Ora, segundo a mesma CNPD, foi neste pressuposto que a CNPD emitiu a deliberação nº-. 312/05, datada de 20/6/05.
Porém, verificou-se, mais tarde, que alguns dos condóminos não estiveram presentes na reunião onde se decidiu a instalação do sistema de videovigilância; e, por isso, a CNPD revogou aquela deliberação, por erro nos pressupostos de facto.
Analisados ao factos, oriundos do PA, verificamos que, desde o início do procedimento, a CNPD sempre fez notar que entendia que deveria existir unanimidade dos condóminos para poder autorizar o pedido que lhe foi efectivado.
E foi com base em erro nesse pressuposto --- existência de unanimidade dos condóminos --- baseado no que se dizia no ofício de fls. 34 do PA, embora se referisse a aprovação por unanimidade, mas dizia respeito apenas aos condóminos presentes na reunião de 6/6/2005, que a CNPD deliberou no sentido de autorizar a instalação/funcionamento das câmaras de videovigilância e eventual tratamento dos dados recolhidos.
Não fosse esse erro --- existência de aprovação por unanimidade dos condóminos de todo o condomínio --- não teria sido deliberado no sentido em que o foi, antes teria indeferido o pedidos.
Concluímos, assim, que a deliberação de 29/6/2005 teve por base um erro nos respectivos pressupostos de facto, pelo que, sendo inválida, por essa via, poderia ser revogada, como o foi, pelo que não se mostra violado ao artº-. 141º- do CPA, como pretende a A.
***
Deve, portanto, julgar-se improcedente a acção, mantendo-se a validade da deliberação questionada, dada a inverificação dos vícios suscitados.

III DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em julgar improcedente a presente acção administrativa especial, mantendo, assim, a deliberação impugnada.
*
Custas pelo A.
*
Notifique-se.
DN.
***
Processado com recurso a meios informáticos, tendo sido revisto e rubricado pelo relator (cfr. artº-. 138º-., nº-. 5 do Cód. Proc. Civil, “ex vi” do artº-. 1º-. do CPTA).
Porto, 22 de Novembro de 2007
Ass. Antero Pires Salvador
Ass. Ana Paula Soares Leite Martins Portela
Ass. José Luís Paulo Escudeiro