Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:00577/16.9BEPNF
Secção:1ª Secção - Contencioso Administrativo
Data do Acordão:01/28/2022
Tribunal:TAF de Penafiel
Relator:Ricardo de Oliveira e Sousa
Descritores:AVALIAÇÃO CONCURSAL – SUBFACTORES OU MICRO CRITÉRIOS – PRINCÍPIO DA IMPARCIALIDADE
Sumário:I– São micro-critérios ou subfatores os elementos de avaliação [apreciação/valoração] das propostas aos quais se atribua autonomia tal que passem a formar uma unidade estanque à qual é atribuída uma valoração separada, por exemplo, fixando-se uma certa percentagem para o subconjunto de um factor.

II- Verdadeiramente relevante é que o Júri concursal, para além de ser imparcial, pareça também imparcial.

III- Tais representações não são atingíveis com a fixação de novos subcritérios após o lançamento do procedimento concursal mesmo que antes da eventual abertura pelo júri concursal das propostas apresentadas pelos concorrentes.*
* Sumário elaborado pelo relator
Recorrente:MUNICÍPIO (...)
Recorrido 1:MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS
Votação:Unanimidade
Meio Processual:Acção Administrativa Especial para Impugnação de Acto Administrativo (CPTA) - Recurso Jurisdicional
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Não emitiu parecer.
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:
* *

I – RELATÓRIO

MUNICÍPIO (...), devidamente identificado nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou totalmente improcedente a presente ação, e, em consequência, absolveu o Réu MINISTÉRIO DO PLANEAMENTO E DAS INFRAESTRUTURAS do pedido.

Alegando, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…)
1. O A. não pode aceitar que o douto tribunal a quo dê como não provado que o “A) O teor da deliberação referida na alínea l) foi comunicado aos concorrentes antes da abertura das propostas.”, ou que o Tribunal possa considerar que “o júri do procedimento definiu subcritérios na definição dos subfatores elencados, o que traduz a violação do disposto no art. 132°, n.° 1, alínea n) do CCP e traduz ainda a violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da confiança e boa-fé nas relações da Administração com os particulares, por o júri ter, na avaliação das propostas, recorrido a critérios de ponderação e avaliação que não estavam explicitados no programa do concurso.”
2. A douta sentença deu como não provado o seguinte facto: “A. O teor da deliberação referida na alínea l) foi comunicado aos concorrentes antes da abertura das propostas.”
3. Como se percebe da leitura e fundamentação seguida na douta sentença, foi essencial para a decisão aqui em crise a circunstância de não se ter dado como provado a alegação do Autor de que os referidos subcritérios foram definidos e comunicados antes da abertura das propostas (cfr. PI artigos 20° e 22°).
4. Considerou a douta sentença, erradamente, que o ónus da prova de tal alegado e não impugnado facto incumbia ao Autor, nos termos previstos no artigo 342.°, n.° 1 do Código Civil.
5. Por um lado, porque tal facto jamais foi considerado e ponderado na deliberação do R. aqui em crise, pelo que não deveria servir de fundamento para o Tribunal avaliar, agora e com tal fundamento, tal deliberação impugnada.
6. Por outro lado, porque tal facto, o de que os referidos subcritérios foram definidos e comunicados aos concorrentes antes da abertura das propostas, consta do processo instrutor, foi expressamente alegado pelo A. na sua petição inicial (artigos 20° e 22° da PI) e não foi, direta ou indiretamente, impugnado pelo R., antes por este aceite.
7. Com efeito, apesar de constar do PA sobre o qual se processou a deliberação do R., apesar de expressamente alegado em sede de audiência de interessados e, mais importante, em sede de petição inicial, o R. jamais impugnou tal facto (dado como não provado), antes o aceitou.
8. Não poderia o A. imaginar, neste quadro, que o Tribunal a quo pudesse, de alguma forma, considerar não provado um facto que havia alegado, que não havia sido impugnado, antes aceite, e que era pacífico no processo.
9. Acresce que o próprio Tribunal a quo considerou que "... o processo dispunha já de todos os elementos necessários à prolação da sentença”, e ainda que “... atento o disposto no art. 87°- B, n.° 2 do CPTA, também não se mostra necessária a realização de audiência prévia, que serviria apenas para facultar às partes a discussão de facto e de direito, pelo que, se passará, de imediato, à prolação da sentença.”
10. Em face disto, não pode o Tribuna a quo, quanto a um facto que consta do PA junto aos autos, que foi alegado pelo A. e não impugnado pelo R., dar o mesmo como não provado, não sem antes ter convidado ou dado a oportunidade ao A. de fazer prova do mesmo.
11. O Tribunal sabendo já da essencialidade para a sua decisão de tal facto dado como não provado, deveria ter dado a oportunidade ao R. de o fazer.
12. Apesar de não estar em causa a validade do procedimento concursal que mereceu a deliberação aqui em crise, se por alguma razão o Tribunal considerasse haver outras causas para sustentar a deliberação impugnada, algo que não se aceita e por mera hipótese académica se admite, então o Tribunal teria de dar a oportunidade ao A. de sobre a mesma se pronunciar, dando-lhe a possibilidade de contraditório, nos termos do disposto no n.° 3 do art. 95° do CPTA.
13. Considerou o R., e confirmou Tribunal a quo, que o estabelecimento pelo júri de subcritérios aos subfatores elencados nas peças do procedimento, para a avaliação das propostas, se traduz numa violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da confiança e boa-fé nas relações da Administração com os particulares.
14. Importa ter presente que o procedimento concursal lançado pelo aqui A. e que se reporta a deliberação do R. em crise data de 2011, sendo tal deliberação, por sua vez, datada de 2015, por altura do pagamento que seria devido pelo R. ao aqui A.
15. O R., em momento algum, impugnou, ou sequer antecipou, qualquer problema com as peças do procedimento concursal do A., nomeadamente a falta de pormenorização dos subfatores de avaliação nele estabelecidos.
16. Em momento algum o procedimento concursal do A., mesmo após a indicação dos subcritérios dos subfatores por parte do júri, ou até da adjudicação, sofreu contestação, ou foi objeto de impugnação pelos seus diretos interessados (os concorrentes).
17. Uma tal circunstância permite concluir que nenhum dos interessados considerou ter havido qualquer violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da confiança e boa-fé no procedimento concursal.
18. Só o R., quatro (4) anos depois de o A. lançado o procedimento, por altura do pagamento do que por ele era devido ao A., se lembrou de invocar aquilo que ele (R.), e mais ninguém até então, nomeadamente os diretos interessados (os concorrentes), considerava ser uma inconsistência no procedimento.
19. O R., e agora o Tribunal a quo, deveriam ter presente que o Código dos Contratos Públicos é uma legislação especialmente difícil e exigente, tão mais difícil e exigente quanto menor (com menos recursos técnicos) for a entidade pública que o tem de aplicar, e que as peças dos procedimentos que ao abrigo das mesmas são lançados são sempre, em abstrato, passíveis de críticas, nomeadamente de inconsistências com certas posições doutrinais, ou jurisprudenciais.
20. Não tendo havido contestação ao procedimento lançado, pelos seus principais interessados e mesmo pelo R. em tempo oportuno, tendo o mesmo decorrido sem problemas e impugnações, não faz sentido que decorridos 4 anos, a propósito do pagamento do devido subsídio, venha o R. por em causa as regras de tal procedimento e sem invocar, pelo menos, um erro grosseiro e de um concreto prejuízo,
21. Feito este enquadramento, vejamos a questão da interpretação e aplicação do artigo 75° e 132°, n.° 1 do CCP, na redação dada pelo DL 18/2008, de 29/01, aqui aplicável.
22. Tendo por base estes dois artigos do Código dos Contratos Públicos e tendo presente os enunciados fatores e subfatores de avaliação das propostas constantes do procedimento, parece-nos ser de concluir que o programa e peças do procedimento cumprem com todas as exigências legais nesta matéria.
23. Não significa isto que o procedimento não ficasse melhor com uma mais intensa pormenorização dos subfatores de avaliação (o que até acabou por ser feito via subcritérios), mas a verdade é que nem o R. o exigiu na devida altura e, sobretudo, nenhum dos concorrentes exigiu, ou se queixou de uma tal circunstância.
24. Os subfatores indicados no procedimento cumprem, pois, com todos os legais requisitos do Código dos Contratos Públicos e não violam qualquer dos princípios indicados na douta sentença.
25. A inexistência de qualquer violação de regra expressa e a necessidade de invocação de princípios jurídicos nesta matéria, quando o que está em causa é um procedimento ocorrido há 4 anos e que não mereceu qualquer contestação ou impugnação da parte dos concorrentes, ou mesmo do R., só se compreende à luz de um qualquer propósito do R. em não pagar o que deve.
26. Esta a razão pela qual se considerou relevante afirmar que não existe qualquer erro grosseiro, ou evidente, no procedimento, estando em causa na deliberação uma mera apreciação abstrata da conformidade legal do procedimento concursal lançado pelo A..
27. Repare-se que os próprios procedimentos, as regras que os regem, preveem a possibilidade do seu aperfeiçoamento na sua tramitação, nomeadamente em sede de pedidos de aclaração ou de esclarecimentos, algo que permite salvá-lo de possíveis erros e posteriores impugnações.
28. Também a esta luz, na medida em que não houve pedidos de esclarecimento quanto aos fatores e subfatores de avaliação, na medida em que não houve a possível colaboração dos interessados no aperfeiçoamento do procedimento, deve ser avaliada a deliberação aqui em crise.
29. Não tendo havido qualquer pedido de esclarecimentos quanto aos fatores e subfatores de avaliação das propostas, nem subsequentes impugnações, quer da parte dos diretos interessados (os concorrentes), quer da parte do R., as regras do procedimento e os critérios e subfatores de avaliação estabilizaram e, nessa medida, não deveriam ser objeto de reavaliação pelo R., agora para evitar pagar o que deve.
30. Os fatores e subfatores de avaliação são, portanto, aqueles que constam do processo instrutor e cumprem as exigências legais na matéria, o que por si só basta para se considerar que a deliberação em crise padece do vício de violação de lei.
31. Apesar disso o A., ainda antes da abertura das propostas, comunicou aos concorrentes os micro-critérios (os subcritérios de que fala a douta sentença a quo) pelos quais se regeria na apreciação dos vários subfatores de avaliação das propostas.
32. Sendo legalmente válidos e suficientes os subfatores indicados no procedimento, a referência a micro-critérios extra, que não estejam em contradição, ou constituam uma inovação, àqueles subfatores, não têm o condão de invalidar o procedimento, mormente numa perspectiva abstrata e à posteriori.
33. Em momento algum a deliberação em crise referir que os micro-critérios, ou subcritérios, contradizerem ou inovarem relativamente aos subfatores.
34. Os micro-critérios, ou subcritérios, não sendo exigíveis, foram ainda assim comunicados aos concorrentes e antes da abertura das propostas (cfr. artigos 20° e 22° da PI), algo que a doutrina e jurisprudência vêm aceitando (cfr. Jorge Andrade da Silva, citando Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código dos Contratos Públicos Anotado e Comentado, 2015, 5a Ed., pág. 257, anotação 7).
35. Os micro-critérios em causa, tal como o exige a jurisprudência, foram fixados antes de iniciar a avaliação das propostas (foram fixados antes da abertura das propostas) e não consistiam em novos fatores ou sub-factores.
36. Que assim é resulta, além do mais, de tal circunstância jamais ter sido invocada pelo R., algo que limita a sua eventual sindicabilidade nesta sede, até porque não foi objeto de discussão e prova.
37. A deliberação aqui em crise padece, pois, do invocado vício de violação de lei, fazendo uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 75° e 132°, n.° 1 do CCP.
38. A sentença recorrida, considerando o que precede, violou, pois, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 83°, n.° 3 e 4, 95°, n.° 1 e 3 do CPTA, artigo 615°, n.° 1, al. d) do CPC, artigo 574°, n.° 2 do CPC, ex vi do art. 1° e 83°, n.° 4 do CPTA, artigo 75° e 132, n.° 1 do Código dos Contratos Públicos, na redação dada pelo D.L. 278/2009, de 02/10 (…)”.
*
Notificado que foi para o efeito, o Ministério do Planeamento produziu contra-alegações, que rematou com o seguinte quadro conclusivo: “(…)

1.ª) Tendo em conta que o presente litígio se reporta à impugnação de um ato administrativo que determina uma correção financeira de uma operação de um programa financiado por fundos europeus (Operação NORTE-10-0156-FEDER- 000032 - Construção de Pavilhões Gimnodesportivos de Proximidade), o Ministério do Planeamento é presentemente a entidade administrativa demandada / ora Recorrente, para efeitos do art. 10° n.° 2 do CPTA;
2.ª) Consequentemente, e face ao teor do art. 22° n.° 7 da Lei Orgânica do XXII Governo Constitucional (Decreto-Lei n.° 169-B/2019, de 3 de dezembro), deve o presente ação administrativa (através do presente recurso) prosseguir contra o Ministério do Planeamento, para efeitos do disposto no art. 10° n.° 2 do CPTA;
3.ª) O presente recurso versa a impugnação de sentença, datada de 07.12.2020, através da qual o tribunal recorrido julgou improcedente a presente ação administrativa, com a consequente absolvição do Recorrido da instância;
4.ª) A recorrente suscita a reapreciação da matéria de facto quanto ao facto dado como não provado pelo tribunal recorrido, o qual deveria ter sido dado como provado ou deveria ter sido discutido em sede de audiência prévia;
5.ª) No entanto, não assiste qualquer razão à posição sustentada pela recorrente, com base em diversos argumentos:
a) Ausência de prova quanto à suposta prévia notificação dos concorrentes da deliberação do júri do procedimento de 25.07.2011;
b) Revelia inoperante, por parte do Recorrido, quanto a este facto (art. 83° n.° 4 do CPTA); e
c) Dispensa de audiência prévia aceite pela recorrente.
6.ª) Em primeiro lugar, a autora / recorrente apenas alegou (e de forma genérica vaga, genérica e abstrata) mas nunca provou (tanto em fase do procedimento administrativo, como em fase judicial), mediante o devido suporte probatório (em especial, prova documental), que a deliberação do júri do procedimento, datada de 25.07.2011, tenha sido notificada aos concorrentes em momento anterior à abertura das respetivas propostas;
7.ª) E era sobre a recorrente que recaía esse ónus probatório, de acordo com o disposto nos arts. 101° n.° 3 do CPA, 79° n.° 3 do CPTA e 342° n.° 1 do CCivil;
8.ª) A falta de cumprimento desse ónus probatório, por parte da recorrente, resulta patente da análise do processo administrativo (já junto aos autos) e dos presentes autos (em especial, da p.i.), uma vez que não foi junto qualquer documento que atestasse e comprovasse essa alegada atempada notificação;
9.ª) E, neste âmbito, cumpre não olvidar que a recorrente, enquanto entidade adjudicante dos concursos públicos em causa, não teria qualquer dificuldade de acesso e disponibilização desta documentação (tanto na fase do procedimento administrativo, como na fase judicial);
10.ª) A falta de cumprimento deste ónus probatório da recorrente é justamente assinalado na sentença recorrida, uma vez que “Quanto ao facto não provado, nenhuma prova foi carreada para os autos, mormente prova documental, que permitisse constatar que os concorrentes foram notificados do teor da deliberação referida antes da abertura das propostas.” (cfr. “Fundamentação da matéria de facto”, constante de fls. 12)
11.ª) Este facto, para além de não se encontrar provado, também não foi aceite pelo Recorrido, atento o disposto nos arts. 83° n.° 4 e 84° n.° 6 do CPTA;
12.ª) Uma vez que a falta de impugnação especificada não importa a confissão dos factos articulados pela recorrente (arts. 83° n.° 4 e 84° n.° 6 do CPTA), conforme assinalam a doutrina e jurisprudência nacional (a título de exemplo, referem-se o Acórdão do STA de 15.03.2018, proferido no Proc. n.° 01378/17 e o Acórdão do TCA Norte de 21.04.2016, proferido no Proc. n.° 00428/11.0BEVIS);
13.ª) Do teor da posição assumida pelo Recorrido, em fase de contestação, e, em especial, do teor do processo administrativo junto aos autos, não resulta a aceitação do facto em causa, isto é, que a deliberação do júri do procedimento, datada de 25.07.2011, tenha sido notificada aos concorrentes em momento anterior à abertura das respetivas propostas;
14.ª) Por último, atente-se que foi o próprio réu que aceitou que o facto em causa não se revelava controvertido, pelo que não se justificava a realização de audiência prévia, conforme resulta do teor do requerimento de 24.01.2017, que consta dos autos;
15.ª) Acresce que o recorrente teve a possibilidade de juntar essa eventual documentação para prova desse facto, em momento posterior ao despacho saneador, e não o fez;
16.ª) Face aos argumentos anteriormente elencados não há qualquer fundamento que justifique a reapreciação da matéria de facto requerida pela recorrente quanto ao facto dado como não provado na sentença recorrida;
17.ª) Defende a recorrente que os concursos públicos que foram objeto de análise por parte do Programa Operacional Norte 2020 (NORTE2020) não violaram os arts. 75° n.° 1 e 132° n.° 1, alínea n) do CCP (na sua redação original, constante do Decreto-Lei n.° 18/2008, de 29 de janeiro);
18.ª) Mas não assiste qualquer à recorrente, uma vez que foi violado o princípio da estabilidade objetiva (inalterabilidade ou congelamento do modelo de avaliação das propostas) e os seus limites, de cariz material e temporal (em especial, o decorrente do art. 50° n.° 3 do CCP);
19.ª) De acordo com o princípio da estabilidade objetiva ou das regras do procedimento, que se concretiza na regra da inalterabilidade ou congelamento do modelo de avaliação, as regras procedimentais constantes das peças do procedimento (programa do procedimento e caderno de encargos) devem manter-se inalteradas durante a sua pendência, sendo proibida a sua alteração (eliminação, aditamento, modificação ou desconsideração);
20.ª) O referido princípio (ou regra) é uma decorrência dos princípios da concorrência, transparência, imparcialidade, igualdade, justiça, boa-fé e do primado do interesse público (art. 1° n.° 4 do CCP);
21.ª) A adoção do critério de escolha da proposta economicamente mais vantajosa exige que o programa de concurso indique os fatores e subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar (arts. 75° n.° 1 e 132° n.° 1, alínea n) do CCP), sendo inadmissível a “densificação a posteriori” do critério de adjudicação;
22.ª) A jurisprudência nacional corrobora o princípio da estabilidade objetiva (inalterabilidade ou congelamento do modelo de avaliação das propostas) e os seus limites (materiais e temporais), conforme resulta da abundante jurisprudência do STA (Supremo Tribunal Administrativo);
23.ª) Face à fundamentação de facto da sentença recorrida (alínea F) e segs.), constata-se que a descrição dos subfatores era feita de forma sumária, vaga e genérica, não contendo qualquer escala de pontuação;
24.ª) A criação de subcritérios ou micro-critérios, pelo júri de procedimento em25.07.2011, extravasa as regras fixadas no programa de procedimento, assumindo um cariz inovador, pelo que se violou os limites materiais do princípio da estabilidade objetiva (inalterabilidade ou congelamento do modelo de avaliação das propostas);
25.ª) Mas essa criação também violou limites temporais, uma vez que não resultou comprovado que esta tenha ocorrido previamente à abertura das propostas (em bom rigor, o prazo relevante é o termo do segundo terço do prazo fixado para a apresentação das propostas, para efeitos do art. 50° n.° 3 do CCP);
26.ª) Concluímos, então, que a criação de micro-critérios de avaliação das propostas, estabelecida na reunião do júri de procedimento de 25.07.2011, viola o princípio da estabilidade objetiva ou das regras do procedimento (também apelidado de congelamento do modelo de avaliação - arts. 75° n.° 1 e 132° n.° 1, alínea n) do CCP) e os limites deste princípio (sejam os de natureza material, sejam os de natureza temporal); e
27.ª) Em suma, e face ao anteriormente exposto, a douta sentença recorrida não merece qualquer censura jurídica, razão pela qual deve ser rejeitado in fine o presente recurso, interposto pela autora / recorrente (…)”.
*
O Tribunal a quo proferiu despacho de admissão do recurso interposto, fixando os seus efeitos e o modo de subida.
*
O/A Digno[a] Magistrado[a] do Ministério Público junto deste Tribunal Superior silenciou quanto ao propósito a que se alude no nº.1 do artigo 146º do C.P.T.A.
*
Com dispensa de vistos prévios, cumpre, pois, apreciar e decidir, já que nada a tal obsta.
* *
II - QUESTÃO PRÉVIA
Existe uma questão prévia ao julgamento recursivo que tem que ver a requerida habilitação processual do “Ministério do Planeamento” para com este prosseguir os presentes autos recursivos, tal qual formulada no ponto I) das contra-alegações de recurso que fazem fls. 692 e seguintes dos autos [suporte digital].
Apreciando.
De harmonia com o Decreto-Lei n.º 31/2019, de 31.03., a orgânica do XXI Governo Constitucional foi alterada, de entre outras realidades, em termos da extinção do “Ministério do Planeamento e das Infraestruturas” e da sua sucessão com a criação do (i) “Ministério do Planeamento” e do (ii) “Ministério das Infraestruturas e da Habitação”.
A sucessão das referidas entidades foi efetuada mediante a transmissão em feixe dos direitos e obrigações anteriormente existentes.
Ora, tratando-se de uma sucessão ope legis, não há necessidade de dedução de qualquer incidente de habilitação processual, impondo-se, porém, determinar quem sucedeu na posição do Réu “Ministério do Planeamento e das Infraestruturas”.
Versando o ato impugnado sobre correção financeira de uma operação de financiamento por fundos europeus, está-se em crer convictamente que as atribuições do “Ministério do Planeamento e das Infraestruturas” foram integradas pelo “Ministério do Planeamento”, que assim lhe sucede nas mesmas quanto à identificada matéria.
Realmente, para o que ora nos interessa, cabe ao Ministério do Planeamento formular, conduzir, executar e avaliar as políticas de desenvolvimento e coesão, incluindo o desenvolvimento regional, competindo ao Ministro do Planeamento a definição da estratégia, orientações, acompanhamento, avaliação e gestão global e operacional da execução dos programas financiados por fundos europeus, nomeadamente no âmbito da política de coesão da União Europeia [cfr. artigos 2º, alíneas m) e n) e 24º, nº.1 e 5 do citado Decreto-Lei n.º 31/2019].
Nestes termos, e com reporte para os presentes autos, reconhece-se que, por força das citadas disposições legais, o “Ministério do Planeamento” sucedeu ope legis ao “Ministério do Planeamento e das Infraestruturas”.
* *
III - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, de acordo com o disposto nos artigos 144.º n.º 2 e 146.º n.º 4 do C.P.T.A. e dos artigos 5.º, 608.º n.º 2, 635.º n.ºs 4 e 5 e 639.º do novo CPC ex vi dos artigos 1.º e 140.º do CPTA.
Neste pressuposto, as questões a dirimir consistem em saber se a decisão judicial recorrida, ao julgar nos termos e com o alcance explicitados no ponto I) do presente Acórdão, incorreu erro de julgamento de (i) facto e de (ii) direito, este último “(…) por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 83°, n.° 3 e 4, 95°, n.° 1 e 3 do CPTA, artigo 615°, n.° 1, al. d) do CPC, artigo 574°, n.° 2 do CPC, ex vi do art. 1° e 83°, n.° 4 do CPTA, artigo 75° e 132, n.° 1 do Código dos Contratos Públicos, na redação dada pelo D.L. 278/2009, de 02/10 (…)”.
Assim sendo, estas serão, por razões de precedência lógica, as questões a apreciar e decidir.
* *
IV – FUNDAMENTAÇÃO
IV.1 – DE FACTO
O quadro fáctico apurado na decisão judicial recorrida foi o seguinte: “(…)
A) No âmbito da Operação NORTE-10-0156-FEDER- 000032 - Construção de Pavilhões Gimnodesportivos de Proximidade, de que o Autor é beneficiário, foi efetuado o relatório final da operação, que constitui o documento junto a fls. 1 a 25 do P.A., e cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido;
B) Na sequência das conclusões vertidas no relatório referido na alínea antecedente, a Comissão Diretiva do Programa Norte 2020 deliberou notificar o Autor “da constituição dessa entidade como devedora no âmbito da operação NORTE-10-0156- FEDER-000032 (...) no montante total de 97.499,02€ FEDER à taxa de cofinanciamento de 84% em resultado da decisão final da Agência, em sede da Auditoria em Operações no Âmbito do Programa Operacional Regional do Norte (...), dispõe V. Ex.ª de 10 dias úteis a partir da receção da presente notificação para confirmar os valores em dívida, nos termos da Ficha de Dívida em anexo. - cfr. fls. 38 a 40 do P.A.;
C) O Autor pronunciou-se em sede de audiência prévia nos termos que constam do documento de fls. 41 a 44 do P.A., cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido;
D) Em 22/09/2015, a Comissão Diretiva do Programa Norte 2020 deliberou manter a decisão de aplicação da correção financeira a que se alude na alínea B) - cfr. documento n.° 1 junto com a petição inicial;
E) A deliberação referida na alínea antecedente foi exarada sob a informação INF-STAJCACI_AT_2153/2015, que consta a fls. 45 a 47 do P.A., cujo teor, por brevidade, se dá por integralmente reproduzido e do qual se extrai, nomeadamente, o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]
F) Em 14/06/2011, foi publicado no Diário da República, II Série, a abertura de 4 (quatro) procedimentos de concurso público pelo MUNICÍPIO (...), a saber: “Concurso Público para Construção do Pavilhão Gimnodesportivo de (…)”, “Concurso Público para Construção do Pavilhão Gimnodesportivo de (…)”, Concurso Público para Construção do Pavilhão Gimnodesportivo de (…)” e “Concurso Público para Construção do Pavilhão Gimnodesportivo de (...)” - cfr. documentos n.°s 3, 4, 5 e 6, juntos com a petição inicial;
G) Nos concursos públicos referidos nas alíneas antecedentes foi estabelecido como critério de adjudicação o da proposta economicamente mais vantajosa - cfr. documentos n.°s 3, 4, 5 e 6, juntos com a petição inicial;
H) Nos anúncios e nos programas dos concursos públicos referidos na alínea F) consta o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

I) Em 25/07/2011, o júri nomeado para a avaliação das propostas reuniu e deliberou o seguinte:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

J) Em 29 de agosto de 2011 o júri elaborou o relatório preliminar no âmbito dos procedimentos concursais referidos na alínea F) - cfr. fls. 454 e ss. dos autos;
K) Em 29 de setembro de 2011, o júri elaborou o relatório final no âmbito dos procedimentos concursais referidos na alínea F) - cfr. fls. 454 e ss. dos autos.
*

Factos não provados:
A) O teor da deliberação referida na alínea I) foi comunicado aos concorrentes antes da abertura das propostas.
*

Não se apuraram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir.
*

Fundamentação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal para julgar provados os factos acima descritos assentou no teor de toda a documentação que compõe o processo administrativo e nos documentos juntos aos autos pelas Partes, a que se fez referência supra em cada uma das alíneas da matéria provada e que, pelo seu teor, conjugados com a posição assumida pelas Partes nos seus articulados mereceram a credibilidade do Tribunal.
Quanto ao facto não provado, nenhuma prova foi carreada para os autos, mormente prova documental, que permitisse constatar que os concorrentes foram notificados do teor da deliberação referida antes da abertura das propostas (…)”.
*
IV.2 - DO DIREITO
*
Importa começar por resolver a questão do erro de julgamento da matéria de facto, que constitui objeto do recurso.
Realmente, o Recorrente sustenta que o Tribunal a quo errou ao dar como não provado que “O teor da deliberação referida na alínea l) foi comunicado antes da abertura das propostas”, já que tal tecido fáctico, para além de jamais ter sido considerado e ponderado na deliberação em crise, foi expressamente alegado pelo Autor nos artigos 21º e 22º do libelo inicial, realidade que não foi impugnada pelo Réu, e, qua tale, processualmente aceite.
Em função do que sustenta que tal factualidade deve ser dada como provada, ou, se assim se não considerar, que deve ser o Recorrente convidado a fazer prova de tal alegado facto, ou determinada a realização da audiência prévia com tal objectivo.
Adiante-se, desde já, que são estes argumentos absolutamente imprestáveis no sentido de demonstrar o tecido fáctico em análise.
Com efeito, reconhece-se atualmente ao Tribunal uma posição muito mais ativa por forma a aproximar-se da verdade material e alcançar uma posição mais justa do processo, o que lhe permite considerar oficiosamente, desde logo, factos instrumentais que resultem da instrução da causa, sendo que a atendibilidade [positiva ou negativa] deste tipo de factos não depende da sua prévia submissão ao exercício do contraditório
Pelo que nada obstava à atuação do Tribunal a quo sob censura.
Por sua vez, e desta feita com reporte para o invocado comportamento silente do Réu no que tange à alegação contida nos artigos 21º e 22º do libelo inicial, cabe notar que a eventual “(…) a falta de impugnação especificada nas ações relativas a atos administrativos e normas não importa a confissão dos factos articulados pelo autor, mas o tribunal aprecia livremente essa conduta para efeitos probatórios (…)” [cfr. artigo 83º, nº. 4 do CPTA].
Isto para dizer que, perante a falta de contestação, vale o princípio da livre apreciação da prova e não o da confissão tácita da factualidade que tenha sido alegada na petição inicial, o que serve para atestar a falta de suporte da argumentação do Recorrente em análise para atingir a validade da decisão da matéria de facto da sentença recorrida.
Acresce que, tratando-se de tecido fáctico cuja aquisição processual relevava exclusivamente de prova documental, impunha-se que o Recorrente procedesse à sua junção nos termos do disposto do artigo 423º do CPC.
Realmente, o princípio regra que vigora em sede de apresentação da prova documental encontra-se enunciado art. 423º do CPC, nos termos do qual os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes [cfr. nº.1] ou até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final [cfr. nº.2], admitindo-se ainda a sua junção após este limite temporal quando não tenho sido possível a sua junção em momento anterior [o que carece de efetiva demonstração, bem como aqueles cuja apresentação se tornado necessária em virtude de ocorrência superveniente [cfr. nº.3].
De modo que, se o Recorrente optou por não proceder à junção da referida documentação nos termos supra explanados, nem sequer justificar a eventual impossibilidade da sua apresentação em momento posterior, sibi imputet, não podendo, por isso, vir agora reclamar a aquisição processual de determinada materialidade cuja desconsideração probatória derivou exclusivamente da sua própria falta de diligência processual.
Em todo o caso, e para que não subsistam quaisquer dúvidas, saliente-se que, regra geral, a razão determinante da inclusão de um facto na matéria assente prende-se com a sua relevância para a decisão a proferir segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito, e não com a circunstância de terem sido alegados e não terem sido impugnados.
De facto, é perfeitamente supérflua a inclusão de factos não controvertidos na matéria de facto assente que não servem nenhum propósito em termos da definição da solução da causa.
Assim também o entendeu Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil [anotado], vol. II, 4.ª edição-reimpressão, pág.204, «desde que um facto é inútil ou irrelevante para a solução da causa incluí-lo na especificação é excrecência pura».
Volvendo ao caso versado, temos, para nós, que o tecido fáctico pretendido aditar é inócuo e insuficiente para - de per se ou conjuntamente com os demais provados - alterar a decisão da causa.
Realmente, a materialidade em questão, ainda que aditada, seria inócua para alterar a decisão de mérito proferida, que repousa no entendimento de que a deliberação impugnada não padece dos vícios de (i) falta de fundamentação e de (ii) violação de lei, por erro de interpretação e aplicação do artigo 75.º do CCP.
De facto, e com reporte para o invocado erro de interpretação e aplicação do artigo 75.º do CCP, o Tribunal a quo considerou que o júri concursal introduziu subcritérios de valoração que não estavam explicitados no programa do concurso, o que traduz “(…) a violação do disposto no artigo 132.º, n.º 1, alínea n) do CCP e traduz ainda a violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da confiança e boa-fé nas relações da Administração com os particulares (…)”.
Isto é, o “ponto de referência temporal” considerado pelo Tribunal a quo foi o da abertura do procedimento concursal [e do lançamento das respetivas peças concursais] e não da eventual abertura das propostas apresentadas pelos concorrentes.
Assim, e na exata medida em que os termos temporais da argumentação desenvolvida pelo Tribunal a quo no domínio da causa de invalidade em análise refletem um julgamento certeiro e bem realizado, resulta inequívoca a insubsistência da materialidade invocada pelo Recorrente como susceptível de relevar em termos da definição da solução da causa.
E nesta falta de relevância reside o “punctum saliens” distintivo da falta de préstimo à boa decisão de causa.
Nestes termos, e também por falta de relevância para a decisão de mérito a proferir, improcede o invocado erro de julgamento de direito em análise.
Resta-nos, portanto, a questão de saber se o Tribunal a quo, ao julgar totalmente improcedente a presente ação, e, em consequência, ao absolver o Réu do pedido, incorreu em erro de julgamento de direito, “(…) por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente, o disposto nos artigos 83°, n.° 3 e 4, 95°, n.° 1 e 3 do CPTA, artigo 615°, n.° 1, al. d) do CPC, artigo 574°, n.° 2 do CPC, ex vi do art. 1° e 83°, n.° 4 do CPTA, artigo 75° e 132, n.° 1 do Código dos Contratos Públicos, na redação dada pelo D.L. 278/2009, de 02/10 (…)”.
Vejamos, sublinhando, de antemão, que, escrutinada a contestação argumentativa espraiada na fundamentação de direito da sentença recorrida, é para nós absolutamente cristalino que o juízo de improcedência da presente ação escorou-se no entendimento de resultarem inverificados os assacados vícios de (i) falta de fundamentação da deliberação impugnada, e, bem assim, de (ii) violação de lei, por erro de interpretação e aplicação do artigo 75.º do CCP.
Ora, o Recorrente não discorda do decidido pela Mma. Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel senão no que respeita à sua decisão de inverificação do vício de violação de lei, por erro de interpretação e aplicação do artigo 75.º do CCP.
Ou seja, a Recorrente em momento algum exprime discordância com a sentença na parte em que nesta se declarou inverificado o vício de falta de fundamentação.
Neste pressuposto, a questão decidenda circunscreve-se apenas à declarada improcedência do assacado erro de interpretação e aplicação do artigo 75.º do CCP.
Dissolvida esta questão de enquadramento, convoque-se a ponderação de direito que, no particular conspecto mencionado, se discorreu na 1ª instância: “(…)
Do erro de interpretação e aplicação do artigo 75.º do CCP
A correção financeira efetuada pelo ato impugnado teve por base a conclusão vertida no relatório final da operação NORTE-10-0156-FEDER-000032 - Construção de Pavilhões Gimnodesportivos de Proximidade, do seguinte teor:
“(...) nem o anúncio de concurso nem o caderno de encargos descrevem com detalhe suficiente os subfatores do critério de adjudicação, na medida em que não foi definida a forma de classificar os subfatores A1, A2, A3, B1 e B2.
Na verdade, estes elementos (que permitem ao mercado concorrencial apreender, a priori, quais os aspectos/atributos determinantes para construir a melhor proposta e, por outro, cumprem igualmente a função de permitir entender o sentido da análise do júri sobre o mérito ou desvantagens de cada proposta apresentada e, bem assim, das respetivas valorações que lhes atribuiu), devem fazer parte integrante do conteúdo das peças patenteadas a concurso e do anúncio do concurso, sendo que, no âmbito do Código dos Contratos Públicos, não é admissível a definição ou densificação de regras do concurso na pendência do processo adjudicatório, sob pena de violação do princípio da estabilidade do concurso, que decorre do princípio da concorrência. (…).
Por essa razão, a referência (...) a ata datada de 25/07/2011 não podia ser invocada pelo júri do procedimento como forma de suprir a insuficiência ora identificada (...)."
No caso dos autos, o critério de adjudicação adotado foi o da proposta economicamente mais vantajosa.
Dispõe o artigo 75.°, n. 1 do CCP (na redação dada pelo D.L. 18/2008, de 29/01, aqui aplicável) que os “fatores e os eventuais subfatores que densificam o critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa devem abranger todos, e apenas, os aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, não podendo dizer respeito, direta ou indiretamente, a situações, qualidades, características ou outros elementos de facto relativos aos concorrentes."
Com importância para a questão em apreciação importa ter presente o disposto no artigo 132, n.° 1 do CCP (na redação dada pelo D.L. 278/2009, de 02/10, aqui aplicável) que na sua alínea n) dispunha que o programa do concurso público deve indicar “o critério de adjudicação, bem como, quando for adotado o da proposta economicamente mais vantajosa, o modelo de avaliação das propostas, explicitando claramente os fatores e os eventuais subfatores relativos aos aspetos da execução do contrato a celebrar submetidos à concorrência pelo caderno de encargos, os valores dos respetivos coeficientes de ponderação e, relativamente a cada um dos fatores ou subfatores elementares, a respetiva escala de pontuação, bem como a expressão matemática ou o conjunto ordenado de diferentes atributos suscetíveis de serem propostos que permita a atribuição das pontuações parciais."
Voltando ao caso dos autos, temos que no anúncio e no programa de procedimento dos concursos públicos objeto do ato impugnado, foi estipulado que o critério de adjudicação era o da proposta economicamente mais vantajosa, tendo em conta os seguintes fatores: A) Garantia de boa execução, com uma ponderação de 36%; B) Qualidade Técnica da Proposta, com uma ponderação de 34%; e C) Preço, com uma ponderação de 30%.
Já estes fatores envolviam a análise dos subfatores seguintes:
A garantia de boa execução envolvia a análise de:
A1) Memória justificativa e descritiva;
A2) Plano de Trabalhos; e
A3) Cronograma Financeiro.
A qualidade Técnica da Proposta envolvia a análise de:
B1) Meios humanos afetos à programação;
B2) Equipamento afeto à programação.
Já a classificação destes subfatores seria efetuada numa escala de 0 a 20 valores, sendo atribuída a pontuação mínima à proposta que apresentasse os subfatores sem qualquer pormenor e atribuída a pontuação máxima à proposta que apresentasse os subfatores com maior pormenorização.
Também consta das peças concursais que cada um daqueles subfatores envolvia a apreciação e análise de vários itens, por exemplo, o subfator “Memória Justificativa e Descritiva” envolvia a análise da descrição do plano, dos meios envolvidos e estaleiro, dos aspetos de construção e modo de execução, do encadeamento da obra e da análise das condições de segurança e saúde.
Quanto à ponderação intermédia, entendida como as características da proposta que permitiam pontuar determinado subfator na escala de 0 a 20, e qual a pontuação respetiva, nada consta nas peças concursais.
Tal foi efetuado em 25/07/2011, pelo júri nomeado para a avaliação das propostas que, em relação a cada um dos subfatores, elencou as características da proposta que permitiam obter determinada pontuação e inclusive estabeleceu o que denominou de “não conformidades” e que determinavam o desconto de determinada pontuação.
Tal aconteceu em relação a todos os subfatores em análise - cfr. alínea I) dos Factos provados - mas elenca-se, a título de exemplo, o estabelecido quanto ao subfator A1:
- Memória simples,(10 pontos), considera-se este valor quando á memória não apresenta nenhum raciocínio ou descrição relativamente obras de pavilhões conforme a empreitada, apresentando uma memória genérica para edifícios de construção e refere-se à descrição do plano.
- Memória normal, (12 pontos),considera-se este valor quando a memória apresenta raciocínio ou descrição relativamente obras de pavilhões, no entanto não descreve características de materiais conforme esta empreitada exige, apresentando uma memória genérica para pavilhões e refere-se à descrição do plano.
- Memória completa, (14 pontos),considera-se este valor quando a memória apresenta raciocínio ou descrição relativamente obras de pavilhões, e descreve características de materiais conforme esta empreitada exige, apresentando uma memória genérica para esta empreitada, e refere-se á descrição do plano.
- Memória com planeamento obra, (01 Ponto) e refere-se ao encadeamento de obra.
- Catálogos, (0,5 Pontos) e refere-se aos aspetos de construção e modo de execução.
-PSS, (1,5 Pontos) e refere-se à análise das condições de segurança e saúde.
- Planta de estaleiro, (0,5 Pontos)e refere-se aos meios envolvidos e estaleiro.
- Plano de Qualidade, (1,5 Pontos) e refere-se aos aspetos de construção e modo de execução.
- Plano Gestão Ambiental, (01 Ponto) e refere-se aos aspetos de construção e modo de execucão.
- Não conformidade simples (desconta-se 1 ponto), atribui-se quando ocorreram situações que não estavam de acordo com D solicitado (ex: materiais com características diferentes das existentes no mapa de quantidades; especialidades não existentes)
- Não conformidade grave (desconta-se 2 pontos), atribui-se quando ocorreram situações que não estavam de acordo com o solicitado (ex: erro na localização do pavilhão; erro no nome do pavilhão; entidades não existentes no concelho)
- Não conformidade muito grave (desconta-se 3 pontos), atribui-se quando ocorreram situações que não estavam de acordo com o solicitado (ex: erro no prazo de execução da empreitada)
Ora, se não é linear que tenham sido introduzidos novos subfatores de avaliação, certo é que em tal deliberação do júri foram estipulados subcritérios de valoração das propostas, completamente inovadores em relação ao que constava das peças do concurso.
Na verdade, a introdução das notações parcelares e respetiva fundamentação denunciam a introdução tácita, ou subliminar, de critérios de valoração que não estavam explicitados no programa do concurso, pelo que, sem necessidade de a tal facto subjazer uma intenção de favorecer quem quer que seja, são as garantias de respeito pelos princípios da igualdade, da imparcialidade e da justiça nas relações da Administração com os particulares, que falecem.
Assim, e como foi entendido pela Entidade Demandada, o júri do procedimento definiu subcritérios na definição dos subfatores elencados, o que traduz a violação do disposto no artigo 132.°, n.° 1, alínea n) do CCP e traduz ainda a violação dos princípios da igualdade, da imparcialidade, da justiça, da confiança e boa-fé nas relações da Administração com os particulares, por o júri ter, na avaliação das propostas, recorrido a critérios de ponderação e avaliação que não estavam explicitados no programa do concurso.
Como referido no Acórdão do TCAN, de 09/12/2011, processo n.° 00616/10.7BECBR, disponível e www.dgsi.pt:
“Na verdade, em procedimentos de natureza concorrencial, como é o caso dos concursos públicos, o adjudicatário deve ser escolhido [exclusivamente] em função das características ou dos atributos da sua proposta, pelo que os elementos que irão determinar essa escolha devem estar pré-definidos de tal forma que permita aos concorrentes adaptar as suas propostas aos interesses da entidade adjudicante, maximizando dessa forma as hipóteses da sua proposta vir a ser escolhida, garantindo, por outro lado, que não ocorrerá violação do princípio da imparcialidade.
Também o respeito pelo princípio da transparência aconselha a que os critérios pré- definidos o sejam de forma tão objetiva quanto possível, de molde a que a sua interpretação pelos destinatários seja clara e de forma a evitar que o júri tenha que estar, de forma mais ou menos permanente, a introduzir critérios inovatórios ou explicativos das regras do concurso e com isso a adensar as dúvidas/suspeitas quanto à sua objetividade ou intenção, mais ou menos velada, de beneficiar um ou outro concorrente.
(…).
A densificação, concretização ou desenvolvimento dos (sub (sub)) critérios está sujeita a limites temporais e limites de conteúdo:
-Limites temporais, pois que não tendo sido feita logo no Programa do Concurso, como seria curial, apenas poderia ter tido lugar num momento, necessariamente, prévio não só ao da análise das propostas, como também ao da sua abertura, sob pena de violação dos princípios da imparcialidade, transparência e justiça;
-Limites de conteúdo, porque têm de constituir uma densificação, concretização ou desenvolvimento de outros critérios legais ou fatores, já fixados no anúncio ou Programa de Concurso, não podendo ir além deles, sob pena de violação dos princípios da legalidade e da estabilidade das regras concursais.
Para além dos critérios e fatores de avaliação deverem constar do Anúncio de Abertura do Concurso e do Programa de Concurso, os subcritérios ou micro-critérios, subfatores e as grelhas de pontuação numérica ou percentual de tais critérios ou fatores, que servirão para apreciação, comparação e ordenação das propostas para efeitos de adjudicação (...) terão, no entanto, de ser fixados em ata e comunicados aos concorrentes antes da abertura das propostas, sob pena de serem violados os princípios da igualdade, da transparência, da justiça e da imparcialidade;
A limitação temporal da apresentação de subcritérios e subsubcritérios, também contende com a prossecução cabal do interesse público na medida em que, para que tal seja possível, é necessário que todos os concorrentes tenham o conhecimento integral de todas as informações necessárias, não só para que possam ganhar o concurso (interesse subjetivo) mas essencialmente para garantir a apresentação das melhores propostas, que garantam, de um modo o mais pleno possível, a prossecução dos interesses da Entidade Adjudicante (Interesse Público).
In casu, o percurso do programa deste concurso falhou manifestamente, sendo que não basta que a Administração seja de facto imparcial, exige-se, também que não haja dúvida objetiva sobre a sua isenção e equidistância.” (sublinhado nosso).
Assim, falece também o argumento do Autor de que os referidos subcritérios foram definidos antes da abertura das propostas e, portanto, antes de o júri tomar conhecimento do conteúdo das mesmas, uma vez que tal não resultou provado, ónus que incumbia ao Autor nos termos previstos no artigo 342.°, n.° 1 do Código Civil.
Em conclusão, o ato impugnado não padece do vício de violação de lei imputado pelo Autor, pelo que a presente ação terá de improceder (…)”.
Espraiada a fundamentação vertida na decisão judicial recorrida, adiante-se, desde já, o assim considerado e decidido não merece o menor reparo, encontrando-se certeiramente justificado.
Na verdade, e com reporte para a concreta ilegalidade apontada, temos que a mesma, a verificar-se, situa-se no domínio da densificação dos critérios de adjudicação inicialmente previstos nas peças concursais em “micro-critérios ou subfatores”.
A este propósito, entendemos ressaltar o teor da jurisprudência firmada em 13.10.2004 pelo Pleno da Secção do Contencioso Administrativo no processo nº. 48079, visto que, muito embora tal Jurisprudência tenha sido editada à luz de enquadramento legal anteriormente vigente, apresenta-se como perfeitamente atual e enquadrável na parte respeitante aos “micro-critérios ou subfatores”: “(…)
“(…) A jurisprudência deste Tribunal (…) vem dizendo, uniforme e repetidamente, que a apreciação das propostas a um concurso deve ser fundada nos princípios da igualdade, transparência, imparcialidade, justiça e boa fé constitucionalmente consagrados, e que tal passa não só pela não introdução dos chamados sub critérios ou sub fatores já depois de conhecidos os concorrentes e as suas propostas, isto é, já depois de se ter conhecimento das situações a valorar, mas também pelo respeito do conteúdo substancial dos critérios estabelecidos pela entidade adjudicante já que, mesmo atempadamente introduzidos, os sub fatores ou micro critérios se devem limitar a densificar ou a desenvolver os critérios legais ou fatores já fixados no Anúncio ou Programa do Concurso, não podendo ir para além deles. E isto porque só assim será possível defender convenientemente o interesse público e conceder tratamento igualitário e imparcial a todos os concorrentes. - Vd., para além do Acórdão recorrido, os Acórdãos de 11/2/99 (rec. 44.508), de 11/1/00 (rec. 44.705), de 6/4/00 (rec. 45.968), de 2/8/00 (rec. 46.110), de 24/5/01 (rec. 47.565), de 15/1/02 (rec. 48.343), de 13/2/02 (rec. 48.403), de 3/4/02 (rec. 48.411), de 19/2/03 (rec. 70/03) e de 27/3/03 (rec. 1.179/03). Deste modo, e porque o que se tem em vista “é a proteção de interesses abstratos do desenvolvimento dos procedimentos em que se apela à concorrência e, por isso, para se dar verificada uma sua violação não é necessário demonstrar uma qualquer intenção de beneficiar ou prejudicar alguém – é suficiente apenas demonstrar que essa tarefa da Administração ocorreu em momento ilegítimo” (M. e R. Esteves de Oliveira “Concurso e Outros Procedimentos de Adjudicação Administrativa”, pg. 533.), a violação de lei basta-se com os procedimentos que contenham o risco de propiciar atuações parciais. Nesta conformidade, a haver utilidade ou necessidade na criação de sub critérios, estes têm de ser anunciados antes de serem conhecidas as situações a valorar e têm de respeitar o conteúdo substancial dos critérios ou fatores anteriormente fixados, pois que só assim será possível impedir que os Júris ou as Comissões de Análise introduzam fatores de diferenciação e de valoração capazes de conduzir a um tratamento desigual e injusto, beneficiando uns em detrimento de outros, e, com isso, manipularem os resultados do concurso. 1. 1. Todavia, nem sempre é fácil traçar a fronteira entre aquilo que pode ser qualificado como um subcritério e aquilo que o não é já que, por vezes, a distinção entre um subcritério e o discurso fundamentador da decisão adotada é bem ténue, atentas as semelhanças que se podem estabelecer entre eles. E, sendo assim, e sendo indiscutível que as decisões adjudicatórias têm de ser fundamentadas, sob pena da sua ilegalidade, importa, desde já, assentar que a justificação dessas decisões, desde que se contenha nos limites dos critérios de avaliação anteriormente estabelecidos, nunca poderá ser vista como constituindo a criação de subfatores não previstos. Para além disso – e esta é também uma forma de diferenciação - a criação dos novos subfatores tem de significar a construção de um elemento avaliativo com autonomia em relação ao critério que visam subdividir de tal forma que seja possível uma apreciação diferenciada e a atribuição de uma valoração separada. Daí que, apesar de todas as dificuldades que, na prática, surgem nos pareça de acompanhar o critério traçado no Acórdão deste Tribunal de 15/1/02 (rec. 48.343) segundo o qual “são subfatores os elementos de avaliação (apreciação/valoração) das propostas aos quais se atribua autonomia tal que passem a formar uma unidade estanque à qual é atribuída uma valoração separada, por exemplo, fixando-se uma certa percentagem para o sub-conjunto de um factor. Para efeitos da regulamentação constante do DL 59/99, os elementos distintivos entre o parâmetro de avaliação e o subfator de avaliação são a rígida independência ou estanquicidade e a atribuição de uma valorização prefixa, portanto também rígida, ao subfator, enquanto o parâmetro pode interagir com outros parâmetros e tem de ser avaliado com os restantes dentro do conjunto de elementos que se unificam num determinado factor.” Sendo que, como já se disse, entre o critério e o subcritério tem de existir uma sólida e sustentada relação de conteúdo de tal forma que este se limite a desenvolver ou a densificar o estabelecido no primeiro.”
Acompanhando e acolhendo a interpretação assim declarada pelo Tribunal Cúpula desta Jurisdição, tem-se, portanto, por assente que são micro-critérios ou subfatores os elementos de avaliação [apreciação/valoração] das propostas aos quais se atribua autonomia tal que passem a formar uma unidade estanque à qual é atribuída uma valoração separada, por exemplo, fixando-se uma certa percentagem para o subconjunto de um factor.
Volvendo ao caso sujeito, temos que o critério de adjudicação escolhido foi o da proposta economicamente mais vantajosa, apurado através dos seguintes fatores: (A) Garantia de boa execução, com uma ponderação de 36%; (B) Qualidade Técnica da Proposta, com uma ponderação de 34%; e (C) Preço, com uma ponderação de 30%, sendo que os dois primeiros fatores (A) e (B) envolviam a análise dos seguintes subfatores: (A.1) Memória justificativa e descritiva; (A.2) Plano de Trabalhos; e (A.3) Cronograma Financeiro e (B.1) Meios humanos afetos à programação e (B.2) Equipamento afeto à programação, ponderados numa escala de 0 a 20 valores, densificada no seu grau máximo e mínimo consoante a proposta apresente os subfatores com maior ou menor pormenorização.
Mais temos que entendeu o júri concursal, já depois da abertura do concurso, proceder à densificação da ponderação intermédia dos apontados subfatores nos termos que derivam da alínea l) do probatório coligido nos autos.
Ora, analisados os termos de tal definição, logo se constata que o júri concursal entendeu aditar aos subfatores (A.1) - “Memória justificativa e descritiva”; (A.2)- “Plano de Trabalhos”; (A.3) – “Cronograma Financeiro” determinados sub parâmetros de ponderação, designadamente de escala intermédia, aos quais atribuiu valoração prefixa.
Mais se constata que os subcritérios (B.1) – “Meios humanos afetos à programação” e (B.2) – “Equipamentos afetos à produção” foram objeto de reformulação/reclassificação para os subcritérios (B1)- “Plano de Mão de Obra” e (B.2) – “Plano de Equipamentos”, também eles contendo sub parâmetros de ponderação, designadamente de escala intermédia, aos quais foi atribuída valoração prefixa.
Conforme emerge grandemente do que se vem de expor, houve lugar, para além de uma reclassificação dos subcritérios (B1) e (B2), à atribuição de autonomia e independência aos sub parâmetros relativamente aos mencionados subcritérios (A.1), (A.2), (A.3), (B.1) e (B.2), podendo o seu concreto tratamento para efeitos de avaliação ser visto como a criação de unidades estanques com uma rígida independência relativamente aos mesmos.
Ora, de acordo com a jurisprudência citada, tal atuação não pode ser deixar de ser vista como a criação de micro critérios.
Refira-se que nesta sede é irrelevante apurar sobre se tal atuação teve ou não lugar antes da abertura das propostas.
De facto, como se pode ler no Ac. do STA de 09.12.2004 [Proc. n.º 0594/04] com plena valia para o caso vertente quanto à definição da abrangência do princípio da imparcialidade, “(…) o que através dele se pretende alcançar é uma atuação isenta, objetiva, neutral, independente, sem favoritismos nem privilégios, sem perseguições, em suma, sem a representação de fatores de ponderação diferentes daqueles que formam o núcleo do interesse juridicamente protegido. E tudo isso reforça a posição de princípio: seja no Aviso, seja posteriormente, mas sempre antes da aferição do mérito dos candidatos, cada um destes deve saber com antecedência os parâmetros da avaliação, os critérios de classificação dos diversos itens em que se decompõem as provas de conhecimentos, enfim a grelha classificativa. Não basta que o Júri defina e se vincule a esses critérios classificativos antes das provas que os candidatos terão que prestar; é também necessário que eles os conheçam bem antes das provas. Será essa uma maneira de a Administração mostrar isenção e imparcialidade e revelar o verdadeiro espírito de transparência concursal: mostrar que não está a privilegiar nenhum dos candidatos em detrimento de outros. Por outro lado, será essa também uma forma de permitir que cada um deles, quando seja o caso, oriente a sua estratégia de preparação de certas matérias e atividades para as quais se ache mais ou menos apto ou considere terem maior ou menor peso no cômputo final classificativo. Por outro lado, sob pena de suspeição, falta de transparência e de parcialidade, não pode o órgão estabelecer essas regras e critérios depois de conhecer as candidaturas dos concorrentes. Para que não haja a tentação de afeiçoar os critérios à situação particular de um ou outro interessado e, portanto, ao resultado que se pretenda obter, devem eles ser estabelecidos antes de conhecido o currículo de cada candidato (…). De tal modo é assim que basta neste caso admitir a possibilidade de um tal desrespeito criar um perigo de lesão e de atuação parcial para constituir fundamento bastante para a anulação, mesmo que se desconheça em concreto a efetiva violação dos interesses de algum dos concorrentes (…)”.
E em Acórdão daquele mesmo S.T.A. de 13.01.2005 [Proc. n.º 0730/04] se argumentou nos seguintes termos “(…) para a procedência do aludido vício não é necessária a demonstração, por parte do Recorrente contencioso, de que, efectivamente, o Júri, ao definir os critérios de seleção, tenha tido em mente os elementos curriculares dos diferentes candidatos. Ou seja, nesta sede é irrelevante apurar sobre se o Júri foi ou não influenciado pelos aludidos elementos curriculares. De facto, o valor que aqui se pretende tutelar tem a ver a transparência e neutralidade da Administração, criando condições para que dúvidas não possam existir quanto à imparcialidade não só subjetiva como também objetiva da Administração, por isso é que se postulam toda uma série de comportamentos precisamente vocacionados para atingir tal desiderato. É que, como é sabido, o princípio da imparcialidade não se dirige apenas aos titulares de órgãos e agentes da Administração mas também ao próprio Legislador. Por isso é usual a lei prever diversos mecanismos e instrumentos, enquanto condições ou pressupostos do desenvolvimento imparcial da função administração. De resto, temos para nós que a objetividade, a neutralidade e a transparência são alguns dos corolários do princípio da imparcialidade. (…). Em suma, a violação do princípio da imparcialidade consagrado no n.º 2, do artigo 266º da CRP e também no artigo 6º do CPA, não está dependente da prova de concretas atuações parciais, verificando-se sempre que um determinado procedimento faz perigar as garantias de isenção, de transparência e de imparcialidade. É que, no fundo, à Administração não basta ser imparcial exigindo-se também que pareça imparcial. (…). Essencialmente, o que se visa evitar é a prática de certas condutas da Administração que possam ser tidas como suscetíveis de afetar a imagem pública de imparcialidade, independentemente de precisar de se se saber se na mente dos membros do órgão em causa esse tenha ou não sido o desígnio que os norteou. De resto, a este nível, a imparcialidade acaba por se assumir também como uma regra de deontologia administrativa. (…).”[destaque nosso].
Verdadeiramente relevante, portanto, é que o Júri concursal, para além de ser imparcial, pareça também imparcial.
E tais representações não são atingíveis com a fixação de novos subcritérios após o lançamento do procedimento concursal mesmo que antes da eventual abertura pelo júri concursal das propostas apresentadas pelos concorrentes.
Deste modo, tendo também sido este o caminho trilhado na sentença recorrida, impera concluir que esta fez correta subsunção do tecido fáctico apurado nos autos ao bloco legal e jurisprudencial aplicável, não sendo, por isso, merecedora da censura que o Recorrente lhe dirige.
E assim fenecem todas as conclusões deste recurso.
Consequentemente, deve ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, e mantida a sentença recorrida, ao que se provirá em sede de dispositivo.
* *
V – DISPOSITIVO
Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Administrativa deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo artigo 202º da CRP, em NEGAR PROVIMENTO ao presente recurso jurisdicional, e manter a decisão judicial recorrida.

Custas a cargo do Recorrente.

Registe e Notifique-se.
* *
Porto, 28 de janeiro de 2022,

Ricardo de Oliveira e Sousa
Luís Migueis Garcia
Rogério Martins - com declaração de voto

Declaração de voto:

Discordo da integração no “DIREITO” da questão do “erro de julgamento da matéria de facto, que constitui objeto do recurso”.

Dispõe o n.º3 do artigo 607º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 1º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, que a seguir à identificação do objecto do litígio:

“Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final."

A estrutura de uma sentença é, por isso, esta, de acordo com a lei processual vigente: relatório, factos, Direito, dispositivo decisório.

Estrutura que é extensível, em recurso, aos acórdãos, face ao disposto no n.º 2 do artigo 663º do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 140º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

Apesar de ser objecto do recurso o julgamento da matéria de facto, esta não se transmuta, por ser em recurso, em matéria de Direito. Continua a ser matéria de facto, agora em recurso.

Integraria, como costumo integrar nos acórdãos que relato, a matéria de facto na parte da matéria de facto e não no “Direito”, face aos normativos processuais acima citados e que são imperativos, não opcionais.

Porto, 28.01.2022


O Juiz Desembargador
Rogério Paulo da Costa Martins