Acórdãos TCAN

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte
Processo:01362/11.0BEPRT
Secção:2ª Secção - Contencioso Tributário
Data do Acordão:01/20/2022
Tribunal:TAF do Porto
Relator:Irene Isabel Gomes das Neves
Descritores:CIRCULAR 7/2004; N.º 2 DO ARTIGO 31º DO EBF
Sumário:I. Padece de ilegalidade a correcção efectuada pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. artigos 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT).*
* Sumário elaborado pela relatora
Recorrente:Fazenda Pública
Recorrido 1:M., SA
Votação:Unanimidade
Decisão:Negar provimento ao recurso.
Aditamento:
Parecer Ministério Publico:Emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
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Decisão Texto Integral:Acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Norte:

1. RELATÓRIO
1.1. A Recorrente (Fazenda Pública), notificada da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, em que foi julgada procedente a impugnação judicial deduzida por M., S.A., contra o indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário de liquidação de IRC, e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2006, no valor global de €851.605,96, inconformada vem dela interpor o presente recurso jurisdicional.
Alegou, formulando as seguintes conclusões:
«A. A Fazenda Pública não se conforma com a douta sentença exarada nos autos, por entender que a mesma incorreu em erro de julgamento na valoração da prova produzida nos autos e erro na aplicação do direito, ao considerar que “padecendo o acto de liquidação de IRC n.º 2009 8910029871 de vício de violação de lei, quer por ofensa do princípio da legalidade – por aplicação de critérios e métodos estipulados numa Circular ... quer por ofensa da própria norma de incidência tributária plasmada no n.º 2 do art. 31º do EBF, deve a presente impugnação ser julgada totalmente procedente, anulando-se, em consequência, o referido acto tributário”.
B. O Orçamento do Estado para 2003 procedeu a uma alteração no regime de tributação das mais-valias das SGPS, seguindo, numa óptica de reforço da competitividade dessas sociedades, a tendência comum à maioria dos países membros da Comunidade Europeia12, ou seja, excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de activos da mesma natureza.
12 Como afirma Rui Camacho Palma, “o legislador procurou aproximar o regime aplicável às SGPS à disciplina da participation exemption vigente em diversos países europeus”, inAlgumas questões em aberto sobre o regime de tributação das SGPS” , Revista Fisco n.º 115/116, pág. 34.
C. Pela impugnante, no exercício em causa, foram incorridos encargos financeiros deste tipo, que se encontram englobados no total dos encargos financeiros por ela considerados como custo fiscal na respetiva declaração de rendimentos, sem que a mesma tenha procedido, na declaração de rendimentos, ao devido e total acréscimo correspondente ao valor dos encargos não fiscalmente dedutíveis, nos termos do disposto no art. 23.º do CIRC e art. 31.º, n.º 2 do EBF;
D. A obrigação legal de alcançar a quantificação dos encargos financeiros não dedutíveis em função do estabelecido pela concatenação do disposto no art. 23.º do CIRC com o art. 31.º do EBF, e efectuar a sua desconsideração no âmbito do apuramento do lucro tributável e preenchimento da declaração anual onde efectua a autoliquidação do IRC a pagar, cabe à impugnante.
E. A impugnante não efetuou a desconsideração total do custo por aplicação do disposto naquele normativo legal, impondo-se, por esse facto à AT, em sede de procedimento inspectivo no âmbito dos seus poderes-deveres, corrigir o LT apurado em virtude de este se encontrar influenciado por encargos financeiros que não eram dedutíveis nos termos do art. 23.º do CIRC e 31.º do EBF (facto não relevado no probatório).
F. A impugnante não forneceu, através da sua documentação com relevância fiscal, elementos que permitam apurar em concreto e de forma específica os custos respeitantes àqueles encargos (facto não relevado no probatório) e, assim,
G. não pode fazer-se funcionar, em sentença judicial, uma presunção de veracidade dos atos dos contribuintes, que se sabe não se verificar no caso concreto, para efeitos da anulação do ato tributário produzido, por entender que a AT não logrou demonstrar que os valores a que chegou se referem a efectivos encargos financeiros com a aquisição das participações sociais e não a outros encargos, atendendo a que a dúvida inerente à quantificação de custos, cujo ónus da prova da respectiva quantificação e dedutibilidade, para efeitos do correcto apuramento de imposto efectuado na autoliquidação, incumbia ao sujeito passivo.
H. A AT não falhou no seu encargo probatório, nem foi além do que o art. 31º/2 do EBF exigia; O RIT não merece qualquer tipo de reparo na quantificação a que fundamentadamente chegou, encontrando-se todos os cálculos devidamente evidenciados com base e suporte nos valores da Declaração Anual de Informação Contabilística e Fiscal entregue pela impugnante, no Balanço reportado a 31/12/2006, bem como em outros elementos contabilísticos obtidos ou fornecidos pela impugnante:
I. O RIT deixa perfeitamente evidenciadas quais as “informações prestadas pelo sujeito passivo”, e,
II. No apuramento do valor dos encargos financeiros a imputar às partes de capital e valor a acrescer ao lucro tributável, deixa literalmente evidenciada a proporcionalidade no apuramento do valor dos passivos remunerados imputáveis às Partes de Capital (Custo de aquisição), na imputação dos encargos financeiros aos passivos remunerados imputáveis aos restantes activos (Activos não remunerados), e na imputação às partes de capital (Custo de aquisição) dos encargos financeiros imputáveis aos passivos remunerados.
I. A regra do art. 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque e, estando a regra prevista no procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que, quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário, na medida em que a ponderação de interesses baseada nas regras da normalidade que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que deve presidir ao processo judicial, sendo o critério de repartição o mesmo como impõe a coerência valorativa e axiológica.
J. Neste seguimento, Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao art. 100º do CPPT13, prossegue, explicitando que, não se compreenderia que, com base num determinado critério sobre o ónus da prova, se levasse a AT a praticar o ato de liquidação, valorando contra o contribuinte uma situação de dúvida sobre factos por ele invocados (o que face ao art. 74º, nº 1 da LGT é legal), designadamente porque este tem o ónus de provar a dedutibilidade fiscal dos custos relevados, “para, depois, no processo judicial em que é impugnado esse acto se inverter o ónus da prova sobre os mesmos factos, levando o tribunal a decretar a anulação desse acto, por ilegalidade consubstanciada em erro sobre os pressupostos de facto, sem que sobreviesse qualquer alteração da matéria de facto”.
13 Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, Áreas Editora, Volume II, 6º Edição, 2011, Lisboa.
K. Nos termos das disposições conjugadas dos art. 17.º, 23.º e 98.º, n.º 3 a) do CIRC14 com o art. 31.º, n.º 2 do EBF, as verbas escrituradas na contabilidade da impugnante como seu custo, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer cabalmente da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do art. 31.º, n.º 2 do EBF para não concorrerem para a formação do lucro tributável.
14 Actual 123º, nº 2, a)-
L. A lei impõe um quadro sancionatório à violação destas obrigações acessórias, em função dos ponderosos interesses fiscais (e não só) tutelados pelos comandos desse calibre, vertendo-se, ao nível dos custos fiscais, a sanção, na indedutibilidade sobre o rendimento, estipulando-se que a relevância fiscal da perda pressupõe um adequado suporte documental, compelindo o sujeito passivo que a contrai à obtenção do correspondente título, ou seja, da comprovação da legalidade da sua consideração como custo a nível fiscal.
M. Competindo ao sujeito passivo, com referência a cada período de tributação, a determinação do lucro tributável, seguindo para o efeito a metodologia descrita pelo legislador fiscal, visando a tributação do rendimento real efetivo, deve este efectuar o acréscimo tendo por vista desconsiderar, como manda a lei, a totalidade dos encargos suportados com a aquisição das participações sociais, sendo certo que, se o não faz, legitima a AT a efectuar correcções ao apuramento do LT para efeitos da desconsideração dos custos suportados com a aquisição das referidas participações.
N. O contribuinte tem para com a AT o dever de lhe prestar esclarecimentos sobre a sua situação tributária, no caso, de esclarecer as razões que poderiam levar a concluir que dos custos por ele reflectidos no apuramento do LT quase nenhuns respeitavam a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais nas condições referidas no art. 31.º, n.º 2 do EBF.
O. Recaindo o ónus da prova da dedutibilidade dos custos para a formação de proveitos que contribuíram para o apuramento do LT sobre o sujeito passivo, no procedimento tributário, e não cumprindo esse dever de esclarecimento com base nos factos e documentos patentes da sua contabilidade, ou quaisquer outros, indicando quais são de entre os custos que imputou no apuramento do LT aqueles que não o deveriam influenciar nos termos da lei, não pode deixar de se considerar15 o ónus da prova acerca da alocação dos encargos financeiros incorridos que recaía sobre o contribuinte no procedimento.
15 Neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, obra citada nestas alegações, anotação 3 ao art. 100º, pag. 133.
P. Por outro lado, uma visão ou interpretação bipartida do art. 32.º do EBF, que se encontra subjacente à posição defendida pela impugnante, não nos parece aceitável face à redação do preceito, face à intenção do legislador e face à coerência das soluções pelo mesmo estabelecidas no ordenamento jurídico e, por último, face à natureza do normativo – um benefício fiscal.
Q. A intenção subjacente à criação do benefício fiscal sob análise não pode deixar de ser considerada na respectiva interpretação, não autorizando que se autonomize a primeira parte do preceito da segunda, considerando aplicável apenas aquela e não considerando aplicável esta, porquanto o preceito não contém duas partes autónomas entre si.
R. Isto porque, a desconsideração como custos fiscalmente relevantes dos encargos financeiros incorridos para obtenção da determinação do LT consagrada no n.º 2 do art. 31.º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto16.
16 De onde resulta que “se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis”.
S. Entendendo-se não ser aplicável o normativo legal, deverá ser desaplicado no seu todo, pois, de outro modo, incorre-se numa contradição intrínseca, onde, por um lado se afirma o normativo como inaplicável por inexequibilidade prática, contudo, aplica-se uma parte que destaca do referido preceito – não sendo esta destacável do todo ali estabelecido, em termos da interpretação racional ou teleológica e sistemática do normativo17.
17 Na verdade, enquanto facto impeditivo, o benefício fiscal traduz-se sempre em situações que estão sujeitas a tributação, isto é, que são subsumíveis às regras jurídicas que definem a incidência objectiva e subjectiva do imposto. E, precisamente porque o benefício fiscal constitui um facto impeditivo da tributação-regra, a sua extinção ou falta de pressupostos de aplicação tem por efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o artº.12, nº.1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr. Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, C.T.F. 359, pág.75 e seg.; Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, 1996, Editora Rei dos Livros, pág.323 e seg.)” (destacado nosso), cfr. Acórdão do TCA Sul , de 11.09.2012, no processo 04464/11, em que foi relator Joaquim Codesso, disponível em www.dgsi.pt.
T. Não se encontra controvertido que a impugnante suportou os custos em causa, o problema é que as exigências formais em sede de comprovação de custos visam propiciar à AT um eficaz controlo das relações económicas, e do cumprimento da lei, designadamente no que diz respeito aos benefícios fiscais instituídos. Por outro lado, não estamos a falar de uma prática isolada, mas de uma prática que envolve vários agentes económicos, e que pode contornar a aplicação do beneficio fiscal nos moldes em que foi instituído, não desconsiderando os encargos financeiros incorridos com a aquisição de participações socais nas condições previstas no art. 31.º, n.º 2 do EBF.
U. No contexto apontado, decidir no sentido exarado na sentença recorrida, seria fazer tábua rasa das obrigações que impendem sobre os contribuintes e relativas ao ónus da prova atinente à dedutibilidade fiscal dos custos relevados na contabilidade e, ao mesmo tempo, convidar ao não cumprimento do estipulado nas normas legais, no caso concreto no art. 31.º, n.º 2 do EBF (actual 32.º), os múltiplos agentes económicos que o legislador pretendeu visar com a instituição do normativo em causa.
V. No âmbito do funcionamento da AT, sendo a complexidade do ordenamento jurídico-tributário reconhecida por todos, torna-se necessária a existência de instruções de carácter interpretativo, e o interesse público subjacente a estas instruções é relevante, dado que são instrumentos de uniformização da actuação da AT nas relações que estabelece com os contribuintes.
W. Se para os agentes da AT é obrigatória estrita observância das normas e conteúdo das referidas instruções, para os contribuintes tal já não sucede, pese embora o seu interesse para estes não saia diminuído, porquanto ao conhecê-las, dispõem de uma orientação de actuação, e torna-se previsível o comportamento da AT para cada caso concreto.
X. A atuação da AT decorreu do normativo legal já largamente referido, socorrendo-se da circular n.º 7/2004, de 30/03, da Direcção de Serviços do IRC, apenas para aferir do método de cálculo, sem que por esta via fosse beliscado o âmbito da incidência real legalmente estabelecido, nem desvirtuado o texto legal, não desconsiderando a natureza efectiva dos encargos nem o momento em que são incorridos, nem restringindo a aplicação da lei fiscal, considerando sempre o objectivo último prosseguido pelo legislador ao estabelecer a não dedutibilidade dos encargos em questão, pelo que não ofende o princípio da legalidade (e da tipicidade).
Y. Os critérios e método propostos para efeitos de determinação dos encargos financeiros, caracterizam-se pela objetividade, proporcionalidade, adequação e razoabilidade face às dificuldades que a adoção de um método de afectação directa e específica traria aos sujeitos passivos, como expressamente se refere no ponto 7 da Circular 7/2004.
Z. Considerando que os princípios da capacidade contributiva e da tributação pelo lucro real não são absolutos, tendo como limites outros valores constitucionalmente protegidos, e que o princípio da justiça não cobre situações em que, numa ponderação global dos interesses em presença, mediada pelo princípio da proporcionalidade, deve dar-se prevalência à protecção do interesse público no combate à fuga e evasão fiscal, subjacente às exigências de natureza formal, entende-se que a atuação da AT é conforme àqueles princípios.
AA. A douta Sentença recorrida incorreu em violação do preceituado nas disposições legais supra referidas, designadamente, dos artigos 17º, 23º, 98º, nº 3, al. a) do C.I.R.C., 31º, nº 2 do E.B.F. e 11º e 74º, nº 1 da LGT, assim como em erro de julgamento na valoração da prova produzida nos autos, nos termos descritos, não podendo manter-se na ordem jurídica.
Termos em que,
Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida na parte que ora se recorre, com as legais consequências.»

1.2. A Recorrida (M., S.A.), notificada da apresentação do presente recurso, apresentou contra-alegações, que concluiu da seguinte forma:
«(a) O presente recurso vem interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pela M., SGPS contra o acto tributário de liquidação com o número 891002987120091217, relativo ao exercício de 2006, no qual se encontram reflectidos os efeitos de uma correcção, no valor de € 3.096.748,95, efectuada ao nível dos encargos financeiros deduzidos pela aqui recorrida, por aplicação da norma contida no nº 2 do artigo 31º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) e da Circular nº 7/2004, de 30 de Março, da Direcção dos Serviços do IRC (DSIRC).
(b) As correcções efectuadas pela AT padecem dos vícios de violação da Constituição da República Portuguesa (CRP) e da lei, por desconsiderarem uma apreciação concreta dos níveis de endividamento e de investimento realizados pela Impugnante.
(c) A M., SGPS é uma Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), que tem como objecto legal a gestão de participações noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividade económica, constituída de acordo com o DL nº 495/88, de 30 de Dezembro.
(d) Com efeito, a M., SGPS exerce unicamente uma actividade económica indirecta, através da gestão das sociedades suas participadas: não prossegue, assim, nenhum interesse próprio que seta distinto dos interesses específicos dessas participadas.
(e) Não se limita, contudo, a M. SGPS, a uma função de mero controlo ou de simples detenção de participações sociais, exercendo antes, de forma proactiva, reiterada e remunerada, uma actividade de prestação de serviços às sociedades operacionais que detém, em domínios do respectivo interesse.
(f) Entre esses serviços contam-se o apoio directo às actividades operacionais – designadamente, ao nível do seu financiamento –, mas também o apoio de natureza mais estratégica, como é o caso do planeamento e da gestão das condições de prossecução de negócio no domínio do sector em que se inserem.
(g) Para tal, a M., SGPS necessita ela própria, frequentemente, de recorrer a linhas de crédito em conta corrente ou em regime de descoberto bancário.
(h) É por isso natural que, nas contas da M. SGPS, entre os proveitos figurem receitas de financiamentos – de curto prazo, destinados a apoio de tesouraria das sociedades por si participadas ou de médio e longo prazo, a titulo de suprimentos, destinados a suprir necessidades de fundos estruturais –, na modalidade de juros, enquanto que, no plano dos custos, se encontrem fundamentalmente encargos financeiros cobrados por instituições financeiros ou encargos financeiros associados à captação de excedentes de tesouraria ao nível das sociedades por si participadas.
(i) A actividade financeira da M. não é verdadeiramente independente, algo que a Impugnante suporte por si só, com o propósito exclusivo da aquisição de participações financeiras.
(j) Pelo contrário, conforme acontece habitualmente na generalidade das estruturas plurissocietárias de natureza e/ou dimensão semelhantes, tal actividade enquadra-se na própria actividade/função financeira de todo o Grupo, encabeçado pela aqui Impugnante, que em última análise centraliza e coordena o sentido, o montante, a oportunidade e as condições dos fluxos financeiros.
(k) Daí muitas vezes acontecer que determinados fundos, por esta contratados e garantidos junto das instituições financeiras supra identificadas, sejam por esta orientados em sentido descendente, precisamente correspondendo este, pois, ao seu destino final, de tal forma que, em muitos casos, não é possível estabelecer uma utilidade esperada para cada linha de crédito criada e utilizada.
(l) Durante o exercício de 2006, os empréstimos contraídos pela recorrida assumiram os seguintes valores:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(m) Por seu turno, do lado dos empréstimos concedidos, a recorrida apresentou os seguintes saldos:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(n) Finalmente, no tocante aos encargos financeiros, designadamente os juros derivados dos referidos financiamentos, a recorrida suportou, nesse ano, os seguintes montantes:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(o) Deste total de encargos financeiros, a recorrida acresceu aos seus lucros tributáveis o montante de € 1.157.833,09, de acordo com os cálculos constantes dos quadros anexos à petição inicial como documento n.º 4, realizados com base no critério de afectação real ou directa (duodecimal) dos referidos custos às respectivas participações sociais.
(p) O cálculo que esteve subjacente a este apuramento teve em conta, naturalmente, que, em 2006, dos € 225.589.715,01 suportados com a aquisição de participações sociais, € 204.574.526,59 tiveram origem em capitais próprios e apenas € 21.015.188,42 em capitais alheios remunerados, o que facilmente se percepciona no quadro que seguidamente se reproduz:
[imagem que aqui se dá por reproduzida]

(q) Sendo certo que, para o efeito, não pode ser ignorado que as participações financeiras relativas às sociedades M., S.A. e M., SGPS, S.A., nos valores de € 200.414.100,72 e € 4.160.425,87, não foram adquiridas com recurso a financiamento externo, devendo, por isso, ser automaticamente expurgadas deste considerando.
(r) Com efeito, como resulta de informação pública, disponível e oportunamente disponibilizada à AT, a realização do capital da sociedade M., S.A., originariamente designada M., tem na sua origem na operação de Oferta Pública de Aquisição lançada pelos accionistas do Grupo M. sobre o capital da E. – SOCIEDADE GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS, S.A. e concretizada no exercício de 2000.
(s) Na sequência desta operação de Oferta Pública de Aquisição, a M. SGPS procedeu a um reforço do seu capital social em € 190.171.284,00 (o capital social passou de € 80.309.454,00 para € 204.635.693,00 e o prémio de emissão passou de € 21.410.990,00 para € 87.256.033), mediante a utilização de prémios de emissão (na medida de € 193.544,00) e a realização em espécie de acções de M. (na proporção de € 124.132.695,00).
(t) Olhando a realidade dos valores inscritos nos documentos contabilísticos que serviram de suporte à correcção impugnada, ela apenas seria inapta a funcionar como prova bastante, na medida em que fosse ou pudesse ser descredibilizada pela AT, caso em que estaria derrubada a presunção de veracidade de que goza a contabilidade de uma sociedade, bem como todos os documentos que lhe dão suporte e dela fazem parte integrante.
(u) O que vem dito tem por finalidade demonstrar que estes factos sempre foram susceptíveis de análise/interpretação por parte da inspecção fiscal e sempre estiveram disponíveis para verificação. Eles dão clara nota de que a análise preconizada pela Administração é uma análise simplista, desligada das circunstâncias concretas da recorrida, e insensível às suas especificidades.
(v) Indo mais longe, eles são, de per se, a prova acabada de que os valores dos encargos acrescidos ao lucro tributável da aqui recorrida não respeitam, pelo menos na dimensão que lhes é atribuída pela AT, a aquisições de partes de capital a que tenha sido atribuída uma exclusão de tributação em sede de IRC, não devendo, por isso, ser-lhes negada a dedutibilidade fiscal, assegurada, por princípio, a todos os decaimentos patrimoniais indispensáveis à formação dos proveitos e manutenção da fonte produtora.
(w) Por outro lado, a M., SGPS não concorda com a aplicação pela AT dos critérios da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, em virtude de esta ter considerado que o novo regime relativo aos encargos financeiros é aplicável independentemente da realização de mais-valias ou menos-valias com a transmissão onerosa da participação social adquirida com o recurso a capitais alheios e que originou os referidos encargos.
(x) No que respeita ao momento em que deve realizar-se o acréscimo dos encargos financeiros, a M., SGPS defende que os encargos financeiros só não serão custo fiscal em caso de realização de mais-valias ou menos-valias com a transmissão onerosa da participação social adquirida com o recurso a capitais alheios e que originou os referidos encargos.
(y) Já quanto ao método de cálculo dos encargos financeiros não dedutíveis, não deve ser considerado procedente na medida em que o apuramento do montante de encargos financeiros considerados não dedutíveis foi efectuado por mera remissão para a fórmula de cálculo estabelecida por Circular, a qual vem desenvolver o conteúdo de norma de incidência tributária, criando métodos de determinação indirecta da matéria colectável que consubstanciam o estabelecimento de presunções inilidíveis, em manifesta violação do princípio da legalidade tributária e da tributação segundo o lucro real.
(z) A M., SGPS não aceita a fórmula de cálculo utilizada pela AT, de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (conforme a Circular n.º 7/2004), defendendo que esse deve ser um método de afectação directa ou específica.
(aa) Não pode ignorar-se que, ainda que a utilização do método de rateio em causa decorresse de norma legal expressa, a verdade é que à mesma sempre se imporia o mínimo de rigor casuístico e justiça material. E a utilização do método proposto pela Circular é apto a provocar resultados inconsistentes e absurdos.
(bb) A Circular defende a aplicação do método de rateio em referência a uma realidade que crê cristalizada num determinado momento, supondo ser essa realidade capaz de traduzir, para os efeitos de correcção e liquidação propostos, toda a realidade verificada ao longo dos 365 dias do mesmo período.
(cc) Por outro lado, a M., SGPS defende que, a ser admissível a utilização do método de rateio proposto pela Administração fiscal na Circular em referência, seria desta e não dos contribuintes o ónus de demonstrar a dificuldade extrema de afectação real no caso concreto, sob pena de violação do princípio da fundamentação coerente e suficiente dos actos administrativos.
(dd) No sentido do que vem defendido pela recorrida, pronunciou-se já o CAAD – Centro de Arbitragem Administrativo, no Acórdão n.º 24/2012-T, de 21 de Dezembro de 2012.
(ee) O Tribunal a quo não incorre em qualquer erro de julgamento da matéria de facto ou de direito: a prova documental foi considerada e ponderada e a matéria de direito foi correctamente interpretada.
(ff) Não é o Tribunal a quo, mas a AT que incorre num vício de violação de lei, designadamente da norma do artigo 32º do EBF, interpretando-a de um modo desconforme com o princípio da determinabilidade da base tributável, da tributação do lucro real e da tutela da confiança plasmados nos artigos 103.º e 104.º da CRP.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO IMPRODCEDENTE, POR NÃO PROVADO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, DESIGNADAMENTE A MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA.»

1.3. O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer a fls. 509 SITAF, no sentido da procedência do recurso, nos seguintes termos:
«INTRODUÇÃO
A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 16 de dezembro de 2016, que julgou procedente a impugnação deduzida por M., SGPS, SA. do indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2006, no valor global de €851.605,96 (cf. fls. 229 a 273 do processo, em suporte físico, doravante designado por processo fiscal).
Ora é unânime na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação dos recorrentes, não podendo o tribunal ad quem conhecer da matéria nelas não inserida, ressalvados os casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº s 5 a 7,do CPPT e 634º, nº 5,do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi o artigo 281º, do CPPT.
Ora, analisadas as conclusões da Recorrente na motivação do presente recurso jurisdicional em apreço, constata-se que a mesmo veio atacar a douta sentença recorrida, quer no seu segmento fáctico quer, ainda, na interpretação e na aplicação do direito.
Cumpre-nos, pois, emitir parecer, o que faremos de imediato.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE FACTO.
Analisadas, quer a motivação em apreço, quer as respectivas conclusões, ressalta, para nós, que a Recorrente não invoca onde radica a deficiente apreciação e valoração da matéria factual, que, a nosso ver, resulta da Conclusão A das alegações.
Na verdade, a mesma não especifica quais os factos que, no seu entender, não deveriam ter sido dado como provados ou os que, tendo-o sido, não deveriam ter sido incluídos na concreta decisão da matéria fáctica.
Trata-se, pois, aqui, de uma alegação desgarrada e inconsistente, já que não se mostra minimamente fundamentada.
Com efeito, compulsadas as alegações do recurso em análise, constata-se que a Recorrente não veio assacar à sentença recorrida, quanto ao seu segmento fáctico, qualquer erro de julgamento.
Em adição, não veio atacar a factualidade dada como assente, nomeadamente pugnado pela sua alteração, seja mediante aditamento ou eliminação de qualquer um dos factos provados.
Em suma, a Recorrente, pura e simplesmente, incumpriu o ónus de especificação a que alude o artigo 640º, do CPC, ónus que sobre ela impendia, por força da alegada impugnação da decisão de facto.
Todavia, face à clareza e linearidade da factualidade apurada e elencada e, ainda, à total sintonia entre a mesma e o material probatório recolhido, afigura-se-nos desnecessária a correcção do assinalado vício formal das conclusões de recurso.
Destarte, nesta sede, não vislumbramos relevância neste segmento recursivo, razão pela qual se nos afigura, que a douta sentença recorrida não merece reparo, quanto a esta parte.
ERRO DE JULGAMENTO DA MATÉRIA DE DIREITO
Neste âmbito, a única questão a equacionar e, subsequentemente, a decidir por este Tribunal ad quem, consiste em apurar se ocorre in casu o invocado erro de julgamento quanto à matéria de direito, designadamente, sobre se verifica a imputada violação dos artigos 17º, 23º e 98º, nº 3, alínea a), todos do CIRC, 31º, nº 2, do EBF e 11º e 74º, da LGT.
Prima facie, diremos que compulsadas as conclusões das alegações em apreço, se constata que a Recorrente, nesta sede recursiva, insiste na invocação dos argumentos e repisa nas questões já suscitadas perante-e resolvidas pelo-tribunal a quo.
Acresce que a Recorrente, no âmbito da motivação do recurso em apreço, não logrou derrubar a argumentação avançada pelo tribunal a quo quanto à interpretação das normas legais convocadas para a solução do caso vertente.
Nesta conformidade, na nossa óptica, carece de todo e qualquer fundamento a imputação à douta decisão recorrida da violação da legalidade e, muito especificamente, das disposições legais acima citadas.
Destarte, porque assim o entendemos, também nesta parte, deverá ser negado provimento ao recurso.
CONCLUSÃO
Nos termos e com os fundamentos acima expostos, somos do parecer de que deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente, a douta sentença recorrida.»

1.4. Com dispensa dos vistos legais dos Exmos. Desembargadores Adjuntos (cfr. art. 657º, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), submete-se desde já à conferência o julgamento do presente recurso.
Questões a decidir:
As questões sob recurso e que importam decidir, suscitadas e delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, são as seguintes:
Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto - deficiente valoração e apreciação da matéria factual.
Ø Se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quanto à matéria de direito, designadamente, sobre se se verifica a imputada violação dos artigos 17º, 23º e 98º, nº 3, alínea a), todos do CIRC, 31º, nº 2, do EBF e 11º e 74º, da LGT e de direito – artigos 74.º da LGT e 19.º, n.º 3, do CIVA.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. De facto
2.1.1. Matéria de facto dada como provada na 1ª instância e respectiva fundamentação:
«Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
1. Ao abrigo da ordem de serviço n.º OI200802871, a Divisão de Inspecção V da Direcção de Finanças do Porto efectuou uma análise interna à declaração periódica de IRC da Impugnante referente ao exercício de 2006, a qual ficou concluída em 09/12/2009 (cfr. relatório de inspecção tributária, a fls. 34 a 38 do processo administrativo apenso aos presentes autos);
2. Do relatório final de correcções da análise interna referida no ponto anterior consta, além do mais, o seguinte:
“(...)
Em resultado da análise do referido Processo de Documentação Fiscal, e dos pedidos de esclarecimentos efectuados ao sujeito passivo, resultam as seguintes correcções ao lucro tributável declarado.
(...)
Da análise efectuada ao Dossier fiscal, verificamos que foram suportados os seguintes encargos financeiros relacionados com empréstimos obtidos remunerados:
ContaDescriçãoValor
68110Juros – Empréstimos bancários de curto prazo155.557,37
68111Juros – Empréstimos bancários médio e longo2.125.886,1
68120Juros – Empréstimos bancários obrigacionista4.258.147,0
68130Juros – Outros empréstimos obtidos1.196.305,74
68190Outros juros18.760,00
68840Comissões e IS Financiamento Curto Prazo21.758,107
68841Comissões e IS Financiamento ML Prazo1.498.140,3
TOTAL9.274.554,8
O valor dos encargos financeiros acrescido ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, em resultado da imputação dos encargos financeiros às partes de capital foi de € 1.157.834 (campo 225 do quadro 07 da DR), no entanto, da aplicação do normativo atrás referido constatamos que o valor dos encargos financeiros a imputar às partes de capital é de € 4.254.582,95, conforme passamos a demonstrar.
De acordo com o Balanço em 2006-12-31, o valor dos activos e passivos a utilizar para aplicação da fórmula de cálculo dos encargos financeiros a imputar, são os seguintes:
Valores Activos:
DescriçãoValorNotas
Total do activo bruto a 31/12/2006422.726.694,0(1)
Activos remunerados58.824.233,48(2)
Partes de capital - Valor de aquisição225.589.715,0(3)
Equivalência Patrimonial22.562.819,30(4)
Outros activos115.749.926,2(5)=(1)-(2)-(3)-(
Total dos Activos não remunerados341.339.641,2(6)=(3)+(5)
(1) Informação extraída do Balanço.
(2) Informação prestada pelo sujeito passivo (Conta 25212).
(3) Informação prestada pelo sujeito passivo.
(4) Conta 4111 + conta 4113 – valor de aquisição das partes de capital = (247.596.513,72 + 556.020,62 – 225.589.715).
(5) Outros Activos = Total do Activo – Activos remunerados – Custo de aquisição das partes de capital – Equivalência Patrimonial;
(6) Activos não Remunerados = Outros Activos + Custo de aquisição das partes de capital
Valores Passivos:
DescriçãoValorNotas Explicativas
Empréstimos obtidos remunerados (Passivos192.308.254,00(7)
Passivos remunerados imputáveis aos concedidos remunerados58.824.233,48(8)=(2)
Passivos remunerados imputáveis aos133.484.020,52(9)=(7)-(8)
Passivos remunerados imputáveis às partes88.218.942,40(10)=(9)*((3)/(6))
(7) Informação prestada pelo sujeito passivo. (Contas 12+23);
(8) De acordo com a Circular 7/2004 o 1º passo do método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais é imputar os passivos remunerados das SGPS aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas aos outros investimentos geradores de juros, pelo que no caso em análise os passivos remunerados imputáveis aos empréstimos concedidos remunerados ascendem a € 58.824.233,48;
(9) O valor dos passivos remunerados imputáveis aos activos não remunerados obtém-se por subtracção ao total dos passivos remunerados do valor imputado anteriormente aos activos remunerados;
(10) Após obter o valor dos passivos remunerados imputáveis aos restantes activos (Activos não remunerados) apuramos de forma proporcional o valor dos passivos remunerados imputáveis às Partes de Capital (Custo de Aquisição).
Afectação dos Encargos Financeiros:
DescriçãoValor de referênciaValor dos financeirosNotas
Passivos remunerados totais192.308.254,9.274.554,8(11)
Passivos remunerados imputáveis aos restantes activos133.484.020,526.437.606,51(12) = ((9)/(7))*(1
Passivos remunerados imputáveis às partes de capital88.218.942,404.254.582,95(13) = «10)/(9»*(1
(11) Somatório do saldo das contas «68110», «68111», «68120», «68130», «68190», «68840» «68841»;
(120) Imputação proporcional dos encargos financeiros aos passivos remunerados imputáveis aos restantes activos (Activos não remunerados);
(13) Imputação proporcional às partes de capital (Custo de aquisição), dos encargos financeiros imputáveis aos passivos remunerados.
Face ao exposto, concluímos que o valor dos encargos financeiros a imputar às partes de capital é de € 4.254.582,95.
Dado que o valor acrescido ao quadro 07 foi de apenas € 1.157.834,00, impõe-se uma correcção de € 3.096.748,95.
2- No quadro seguinte sintetiza-se o apuramento do lucro tributável corrigido.
Quadro 07 CamposAPURAMENTO DO LUCRO TRIBUTÁVEL
DescriçãoValores declaradoCorrecçõesValores corrigido
201Resultado líquido do30.357.506,4 30.357.506,4
202Variações patrimoniais27.230.000,0 27.230.000,0
s
203Variações patrimoniais478.177,68 478.177,682
204SOMA57.109.328,7 57.109.328,70
205 a 225A acrescer5.956.107,003.096.748,959.052.855,95
227 a 237A deduzir65.021.997,9 65.021.997,94
239Prejuízo fiscal1.956.562,25 0
240Lucro Tributável0 1.140.186,709
309Prejuízos fiscais dedutíveis01.140186,701.140.186,70
311Matéria colectável0 0
(...)
4- Como consequência das faltas referidas no ponto 1, foram praticadas omissões na declaração de rendimentos modelo 22, referida na alínea b) do n.º 1 artigo 109º do Código do IRC, sendo esta falta punida pelo artigo 119º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
5- Em 2008-11-09, foi enviada notificação nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária e 60º do Regime Complementar de Inspecção Tributária para o sujeito passivo poder exercer o direito de audição no prazo de quinze dias.
O direito de audição não foi exercido.
(...)”
(cfr. relatório de inspecção tributária de fls. 34 a 38 do processo administrativo apenso aos presentes autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido);
3. Em 09/12/2009, a Administração Fiscal procedeu ao apuramento da matéria colectável da Impugnante referente ao ano de 2006 e, acrescendo as correcções meramente aritméticas apuradas em sede inspetiva no valor de € 3.096.748,95 ao prejuízo fiscal declarado pela Impugnante naquele exercício, no valor de € 1.956.562,25, apurou um lucro tributável corrigido de € 1.140.186,70 [cfr. documento n.º 2 junto aos autos com a petição inicial (fls. 117 do suporte físico dos autos), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido];
4. Ainda em 09/12/2009, a Administração Tributária fixou a matéria colectável referente ao ano de 2006 em “zero” pela dedução dos prejuízos fiscais referentes aos anos de 2001 a 2005 ao lucro tributável corrigido mencionado no ponto anterior [cfr. documento n.º 2 junto aos autos com a petição inicial (fls. 117 do suporte físico dos autos), cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido];
5. Em 14/12/2009, a Impugnante foi notificada, pelo ofício n.º 84468/0500, datado de 10/12/2009 e expedido por correio registado com aviso de recepção, “das notificações meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável e/ou imposto, sem recurso a avaliação indirecta, cujos fundamentos constam do referido Relatório” (cfr. documentos de fls. 32 e 33 do processo administrativo apenso aos autos);
6. Em 17/12/2009, a Administração Fiscal emitiu a liquidação de IRC n.º 2009 8910029871, referente ao ano de 2006, a qual não deu origem a qualquer valor a pagar (cfr. documentos de fls. 47 a 50 do processo administrativo apenso aos autos);
7. Em 14/10/2010, a ora Impugnante deu entrada de um requerimento no Serviço de Finanças do Porto-1 pelo qual solicitou, “ao abrigo dos n.os 1 e 2 do artigo 78º da Lei Geral Tributária (...) a promoção da revisão do acto tributário de liquidação de IRC com o n.º 8910029871 de 2009-12-17, relativo ao seu exercício de 2006” (cfr. documento de fls. 70 a 108 do processo administrativo apenso aos autos);
8. Do montante global de € 225.589.715,01 referente às participações financeiras que a Impugnante detém sobre as sociedades “M., S.A.” e “M., SGPS, S.A.”, EUR 204.574.526,59 tiveram origem em capitais próprios e EUR 21.015.188,42 tiveram origem em financiamento externo remunerado;
9. No ano de 2006 o financiamento externo obtido pela Impugnante, no montante de € 192.379.229,00 foi utilizado, em parte, para financiamento das suas participadas “M., S.A.” e “M., SGPS, S.A.”, o qual foi efectuado mediante suprimentos e prestações suplementares de capital;
10. No ano de 2006 a Impugnante não registou qualquer mais-valia decorrente da alienação de participações sociais;
11. A petição inicial que deu origem aos presentes autos deu entrada em juízo em 02/05/2011 (cfr. documento de fls. 55 do suporte físico dos presentes autos).
*
Factos não provados
Inexistem quaisquer factos relevantes para a decisão a proferir que se tenham considerado não provados.
*
Motivação da matéria de facto:
A convicção do Tribunal quanto à matéria de facto resulta da análise do teor dos documentos juntos aos autos e constantes do processo administrativo apenso também aos presentes autos, designadamente aqueles que foram sendo indicados nos respectivos pontos do probatório, considerando, desde logo, que tais documentos não foram impugnados.
No que concerne à prova testemunhal, foram inquiridas duas testemunhas: S. e A..
Quanto à testemunha S. – directora de fiscalidade da Impugnante, onde trabalha desde 1997, sendo, à data do exercício em causa nos presentes autos, técnica oficial de contas da mesma –, esta prestou um depoimento seguro e convicto, demonstrando conhecimentos aprofundados da realidade societária e fiscal do grupo a que pertence – e que lidera, enquanto “holding de topo” – a Impugnante, tendo suportado a prova dos factos constantes dos pontos 8. a 10. do probatório.
Relatou esta testemunha que a Impugnante resulta da agregação de dois grandes grupos do sector da construção: a “M.” e a “E.”. Relatou também que no ano 2000 foi efectuado um aumento de capital na ordem dos duzentos milhões de euros na Impugnante, à época ainda denominada “E., SGPS”, no âmbito do qual foi entregue a totalidade das acções da sociedade “M.”. Pelo que, refere, a aquisição da “M.” pela Impugnante decorreu do seu próprio aumento de capital, não tendo entrado dinheiro, mas sim acções.
Referiu que as participações sociais que a Impugnante detém são em sociedades operacionais, de diversos sectores de actividade (prestação de serviços, construção, gestão de portos, etc.).
Relatou ainda que o financiamento externo contraído pela Impugnante no ano de 2006 teve, no essencial, por destino o financiamento das suas participadas, nomeadamente a “M. , S.A.” e a “M.-E. , SGPS, S.A.”, o que, em parte, foi efectuado através de suprimentos e, noutra parte, através de prestações suplementares de capital.
Por fim, referiu que em 2006 a Impugnante não registou qualquer mais-valia relacionada com alienação de participações sociais.
No que concerne à testemunha A. – inspector tributário da Direcção de Finanças do Porto e autor do relatório de inspecção tributária no qual foram apuradas as correcções ao lucro tributável da Impugnante em causa nos presentes autos – este prestou o seu depoimento de forma sucinta e redundante, referindo apenas que o método utilizado para o apuramento daquelas correcções foi o constante da Circular n.º 7/2014 da Direcção de Serviços de IRC, pouco acrescentando de relevante para a decisão da causa. Razão pela qual o seu depoimento não suporta a prova de qualquer facto assente no probatório. Contudo, saliente-se a referência que fez ao facto de ter tido conhecimento de que determinadas operações de aquisição de participações sociais por parte da Impugnante não tiveram associado financiamento externo, pese embora não tenha relevado tal facto no relatório de inspecção pelo motivo de que apenas seguiu o método definido na Circular n.º 7/2004.»

2.2. De direito
A Fazenda Pública interpôs recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 16 de dezembro de 2016, que julgou procedente a impugnação deduzida por M., SGPS, SA. do indeferimento tácito do pedido de revisão do acto tributário de liquidação de IRC e respectivos juros compensatórios, do exercício de 2006, no valor global de €851.605,96.
A sentença, enunciou como questões a decidir, as que se prendem com saber se ocorre (i) a caducidade do direito de acção (excepção suscitada pela FP) (ii) das ilegalidades imputadas às correcções, nomeadamente, - errónea quantificação e qualificação das correcções efectuadas ao exercício de 2005;– violação de lei por errada interpretação do artigo 32º do EBF; – inconstitucionalidade e ilegalidade da Circular n° 7/2004, de 30 de Março; - erro nos pressupostos de facto, viria a considerar e concluir, no que ora importa em sede recursória, em síntese o sequente:
“(…) Desta forma, a Circular n.º 7/2004, ao fixar critérios e métodos, através dos quais se verifica a incidência de imposto, é, na medida em que a sua aplicação reveste eficácia externa, nomeadamente em liquidações correctivas de imposto – como in casu se verifica –, inconstitucional, por violação do princípio da legalidade plasmado no artigo 103º, e da reserva de lei formal constante do artigo 165º, n.º 1, alínea i), ambos da CRP, assim como ilegal, por violação, ao nível infraconstitucional, do art. 8º da LGT.
A Administração Tributária tem o dever de fazer cumprir as normas tributárias, mas não de as concretizar. Muito menos, de, por via da integração analógica ou da interpretação extensiva, densificar normas de incidência fiscal, sob o argumento de tornar efectivo o seu cumprimento.
É, assim, ilegítima e ilegal a regulação da incidência de imposto operada pela Circular n.º 7/2004 porque, de uma forma abusiva e no uso do seu poder que é administrativo, e não legislativo, a Administração Tributária densifica a estatuição do artigo 31º, n.º 2 do EBF, impondo-a, com eficácia externa e vinculativa, aos contribuintes.
Conclui-se, portanto, que a Circular n.º 7/2004, de 30 de março, emitida pela Direcção de Serviços de IRC da Autoridade Tributária e Aduaneira, padece do vício de inconstitucionalidade formal, violando o princípio da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrados nos arts. 103º, n.º 2 e 165º, n.º 1, alínea i) da CRP e no art. 8º, n.º 1 da LGT.
(…) Pelo que, baseando-se a fundamentação do acto de liquidação na aplicação do entendimento vertido na Circular n.º 7/2004, que interpreta extensivamente a norma ínsita no n.º 2 do art. 31º do EBF, e tendo sido determinada a correcção do lucro tributável do exercício de 2006 que deu origem à liquidação sub judice através da aplicação da metodologia ilegal constante daquela mesma Circular, padece aquele acto tributário de vício de violação de lei, por ofensa dos princípios da legalidade, consagrado, constitucionalmente, no art. 103º, n.º 2 da CRP e, infraconstitucionalmente, no n.º 1 do art. 8º da LGT, e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrado no art. 165º, n.º 1, alínea i) da CRP.
Mas à conclusão de que a liquidação de IRC sub judice é ilegal e, por isso, carece de ser anulada, é possível chegar por outra via, desta feita pela conclusão de que a Administração Tributária não logrou provar o seu direito à tributação e de que a correcção operada pelo relatório de inspecção tributária, por força da aplicação da metodologia constante da Circular n.º 7/2004, viola o próprio normativo ínsito no n.º 2 do art. 31º do EBF que aquela procura interpretar e concretizar.
(…) Em suma, impõe-se concluir que a Administração Tributária falhou, por completo, o cumprimento do seu ónus probatório relativamente ao seu direito à tributação daqueles encargos. Pelo que, não comprova a reunião dos pressupostos necessários à tributação, utilizando inclusivamente um método de quantificação errado.
Com efeito, a Administração Tributária não reúne no seu relatório inspectivo o acervo probatório que suportasse o invocado direito à tributação nos termos do art. 31º, n.º 2 do EBF e também não demonstra ter existido alienação de participações sociais naquele período por banda da Impugnante nem qual o montante do financiamento utilizado na sua aquisição.
(…) Em suma, padecendo o acto de liquidação de IRC n.º 2009 8910029871 de vício de violação de lei, quer por ofensa do princípio da legalidade – por aplicação de critérios e métodos estipulados numa Circular que, ao densificar e interpretar extensivamente a norma legal constante do n.º 2 do art. 31º do EBF, é formalmente inconstitucional – quer por ofensa da própria norma de incidência tributária plasmada no n.º 2 do art. 31º do EBF, deve a presente impugnação ser julgada totalmente procedente, anulando-se, em consequência, o referido acto tributário.”
E tendo considerado, com base nesta fundamentação, serem ilegais as correcções questionadas, a sentença recorrida concluiu pela procedência da impugnação, julgando, consequentemente, prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas pela impugnante.
Ora é unânime na doutrina e na jurisprudência que o âmbito do recurso se encontra delimitado pelas conclusões extraídas da motivação de quem recorre, não podendo o tribunal ad quem conhecer da matéria nelas não inserida, ressalvados os casos em que se impõe o seu conhecimento oficioso, de harmonia com as disposições conjugadas dos artigos 282º, nº s 5 a 7, do CPPT e 634º, nº 5,do CPC, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho, aqui aplicável ex. vi o artigo 281º, do CPPT.
Ora, analisadas as conclusões da Recorrente na motivação do presente recurso jurisdicional em apreço, constata-se que a mesmo veio atacar a douta sentença recorrida, quer no seu segmento fáctico quer, ainda, na interpretação e na aplicação do direito.
Cumpre, pois, apreciar e decidir.
A Fazenda Pública não se conforma com a sentença recorrida que julgou parcialmente procedente a presente impugnação judicial, cingindo o seu recurso à parte da decisão que anulou a liquidação respeitante a correcções relativas aos encargos financeiros com a aquisição de participações sociais, no exercício de 2005, abandonando nesta sede recursória, a excepção da caducidade do direito à acção que havia excepcionado.
Do erro de facto
No que concerne ao julgamento da matéria de facto, importa ter presente que o poder de cognição deste Tribunal sobre a matéria de facto ou a intendência sobre a decisão de facto prolatada pelo tribunal a quo não alcança uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto – cfr. artigo 640.º do Código de Processo Civil (CPC) – dado que, por um lado, tal possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto da parte que recorre considere incorrectamente julgados e desde que esta cumpra os pressupostos elencados no artigo 640.º do CPC, e, por outro lado, a reapreciação de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade (neste sentido Abrantes Geraldes in “Temas da Reforma do Processo Civil”, vol. II, págs. 250 e segs.).
Assim sendo, sobre o recorrente impende um especial ónus de alegação quando pretenda efectuar impugnação com aquele âmbito mais vasto, impondo-se-lhe, por conseguinte, dar plena satisfação às regras previstas no artigo 640.º do CPC.
É que ao Tribunal Central assiste o poder de alterar a decisão de facto fixada pelo tribunal a quo desde que ocorram os pressupostos vertidos no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, incumbindo-lhe, nessa medida, reapreciar as provas em que assentou a decisão impugnada objecto de controvérsia, bem como apreciar oficiosamente outros elementos probatórios que hajam servido de fundamento à decisão sobre aqueles pontos da factualidade controvertidos.
Para legitimar o Tribunal ad quem a corrigir a matéria de facto dada como provada na primeira instância, por erro de apreciação das provas, seria necessário que os meios de prova indicados determinassem decisão diversa da que foi proferida.
Nos termos do n.º 5 do artigo 607.º do CPC, as provas estão submetidas à livre apreciação pelo tribunal recorrido, sendo que o princípio da livre apreciação da prova só cede perante situações de prova legal que fundamentalmente se verifica nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, por certos documentos particulares e por presunções legais (artigos 350.º, n.º 1, 358.º, 371.º e 376.º, todos do Código Civil).
Analisadas as conclusões (vide conclusão E. e. F) e alegações de recurso constata-se que a Recorrente não preenche o ónus de impugnação da matéria de facto, que sobre ela recaía, não indicando com exactidão os meios de prova, os documentos ou a falta deles e as passagens concretas da gravação dos depoimentos das testemunhas, que impunham uma decisão da matéria de facto diferente.
A modificação da decisão da matéria de facto, sem embargo das modificações que podem ser oficiosamente introduzidas, está dependente da iniciativa da Recorrente e deve limitar-se aos pontos de facto especificamente indicados nas respectivas alegações, que circunscrevem o objecto do recurso.
Não basta à Recorrente invocar que a decisão sob recurso incorreu em erro de julgamento da matéria de facto por não ter feito uma correcta apreciação da prova.
Ora, evidente do exposto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, o que significa que o recorrente tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão, sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida, sendo que a Recorrente, in casu, não cumpre com o referido ónus, quedando-se pela interpretação que a própria faz da prova produzida, mas esta não é manifestamente a forma de alterar a matéria de facto, com base em erro de julgamento; rejeitando-se, pois, o recurso nesta parte.
Do error in judicando o direito
A Recorrente insurge-se contra a sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, na parte que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de IRC, do ano de 2006, por entender que a mesma incorreu em erro na aplicação do direito, ao considerar que o acto de liquidação de IRC n.º 2009 8910029871 padecia de vício de violação de lei, quer por ofensa do princípio da legalidade – por aplicação de critérios e métodos estipulados na Circular 7/2004 quer por ofensa da própria norma de incidência tributária plasmada no n.º 2 do art. 31º do EBF.
Invoca a Recorrente que a regra do art. 74º, nº 1 da LGT, em que se estabelece que o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque e, estando a regra prevista no procedimento tributário, o seu conteúdo deve ser transposto para o processo judicial que se lhe seguir, por forma a que, quem tinha o ónus da prova de certos factos no procedimento tributário tenha o respectivo ónus no processo judicial tributário, na medida em que a ponderação de interesses baseada nas regras da normalidade que justifica a repartição do ónus da prova no procedimento tributário é a mesma que deve presidir ao processo judicial, sendo o critério de repartição o mesmo como impõe a coerência valorativa e axiológica.
E que, nos termos das disposições conjugadas dos art. 17.º, 23.º e 98.º, n.º 3 a) do CIRC com o art. 31.º, n.º 2 do EBF, as verbas escrituradas na contabilidade da impugnante como seu custo, não se encontravam suportadas por documentos bastantes para dar a conhecer cabalmente da sua existência, causa e indispensabilidade de realização para a obtenção dos proveitos, que autorizasse a sua qualificação como custos ao nível fiscal, na medida em que não exteriorizavam nem permitiam a alocação dos empréstimos contraídos aos fins a que os mesmos se destinam, especificamente, aqueles cujo produto foi aplicado na aquisição de partes de capital que reúnem as condições do art. 31.º, n.º 2 do EBF para não concorrerem para a formação do lucro tributável.
Sendo que, a atuação da AT decorreu do normativo legal já largamente referido, socorrendo-se da circular n.º 7/2004, de 30/03, da Direcção de Serviços do IRC, apenas para aferir do método de cálculo, sem que por esta via fosse beliscado o âmbito da incidência real legalmente estabelecido, nem desvirtuado o texto legal, não desconsiderando a natureza efectiva dos encargos nem o momento em que são incorridos, nem restringindo a aplicação da lei fiscal, considerando sempre o objectivo último prosseguido pelo legislador ao estabelecer a não dedutibilidade dos encargos em questão, pelo que não ofende o princípio da legalidade (e da tipicidade).
Em suma, imputa à sentença recorrida erro de julgamento, na aplicação do disposto neste artigo 31.º, n.º 2 do EBF (actual 32º) e 11º e 74º, n.º 1 da LGT.
Qui iuris?
Como se infere do exposto, a Recorrente sustenta que, no caso concreto, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova da dedutibilidade dos questionados custos para a formação de proveitos que contribuíram para o apuramento do lucro tributável, na medida em que o contribuinte tem para com a AT o dever de lhe prestar esclarecimentos sobre a sua situação tributária, devendo aqui esclarecer as razões que poderiam levar a concluir que aqueles custos em concreto por ele reflectidos no apuramento do lucro tributável não respeitavam a encargos financeiros com a aquisição de participações sociais nas condições referidas no art. 31°, n° 2 do EBF.
Mais sustenta a AT que o Orçamento de Estado para 2003 (Lei n° 32-B/2002, 30/12), alterou o regime de tributação das mais-valias das SGPS (excluindo da tributação as mais-valias decorrentes da alienação de participações sociais detidas há mais de um ano e não considerando dedutíveis para efeitos fiscais nem as perdas sofridas em virtude da alienação de partes sociais em idênticas condições, nem os encargos financeiros suportados para a aquisição de activos da mesma natureza) e, decorrente das dúvidas suscitadas sobre a aplicação desse novo regime fiscal aplicável às Sociedades Gestoras de Participação Sociais (SGPS) e às Sociedades de Capitais de Risco (SCR), veio a ser emitida, por via da Circular n° 7/2004, de 3º de março, da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC), o entendimento da AT sobre esta matéria, bem como o método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.
Vejamos.
Esta Circular n° 7/2004 explicita, no tocante à aplicação temporal do regime e, concretamente, no que respeita aos encargos financeiros, que o mesmo é aplicável aos suportados nos períodos de tributação iniciados após 01.01.2003, ainda que sejam relativos a financiamentos contraídos antes daquela data; refere que a desconsideração para efeitos fiscais deve ocorrer no exercício a que respeitam os encargos financeiros, desde que suportados com a aquisição de participações que sejam susceptíveis de vir a beneficiar do regime especial de tributação das mais-valias, independentemente de se encontrarem já reunidas todas as condições para a sua aplicação; admite, no caso de vir a verificar-se a inaplicabilidade do regime, a possibilidade de tais encargos serem considerados como custos fiscais no exercício da alienação das participações; e especifica um método a utilizar para efeitos de imputação dos encargos financeiros às participações sociais.
Por outro lado a desconsideração como custos fiscalmente relevantes dos encargos financeiros incorridos para obtenção da determinação do lucro tributável consagrada no n° 2 do art. 31º do EBF consubstancia um corolário do princípio geral da indispensabilidade dos custos segundo o qual a dedução fiscal dos custos é condicionada à sua conexão com a obtenção de proveitos sujeitos a imposto e do qual resulta que se determinados custos estão relacionados com proveitos não sujeitos a imposto, não são fiscalmente dedutíveis.
Temos por assente, que no exercício da sua competência fiscalizadora da conformidade da actuação dos contribuintes com a lei, a AT actua no uso de poderes vinculados e, por isso, submetida ao princípio da legalidade, o que significa que lhe cabe o ónus de prova da verificação dos pressupostos que a determinaram a efectuar quaisquer correcções técnicas.
Assim sendo, se a AT pretende corrigir encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, deve demonstrar, como é óbvio, que os encargos que corrige estão relacionados com a efectiva aquisição de participações sociais, não competindo ao sujeito passivo qualquer obrigação de fazer a prova de facto negativo: que os encargos em causa não foram suportados com a aquisição de participações sociais.
Nesta medida, importa sublinhar que é a AT que acresce valor aos encargos financeiros que considera suportados com a aquisição de partes de capital, sem identificar os respectivos financiamentos nem, tampouco, as partes de capital supostamente adquiridas por recurso aos mesmos, sendo de importância capital o facto de a AT não ter colocado em crise a falta de verificação dos pressupostos de que, nos termos do artigo 23º do CIRC, depende a dedutibilidade dos custos, limitando-se a encontrar apoio “… nos activos e passivos resultantes do Balanço a 31.12.2006,– Cfr. ponto 2 da matéria de facto provada, nomeadamente o ponto (8), (9) e (10) do relatório final de Correcções (fls. 34 a 38 do processo administrativo apenso).
Na verdade, extrai-se daquele RIT, nomeadamente da descrição dos factos e fundamentos (ponto 1- e 2- do RIT) a este respeito o seguinte: « O valor dos encargos financeiros acrescido ao quadro 07 da declaração de rendimentos modelo 22, em resultado da imputação dos encargos financeiros às partes de capital foi de € 1.157.834 (campo 225 do quadro 07 da DR), no entanto, da aplicação do normativo atrás referido constatamos que o valor dos encargos financeiros a imputar às partes de capital é de € 4.254.582,95, conforme passamos a demonstrar.
De acordo com o Balanço em 2006-12-31, o valor dos activos e passivos a utilizar para aplicação da fórmula de cálculo dos encargos financeiros a imputar (…)»
Decorre do RIT, que a AT reduziu a sua actividade à analise do Dossier fiscal e balanços a 31 de Dezembro de 2006, e recorrendo a fórmula aritmética fornecida pela Circular 7/2004, que redunda na aplicação de um método indirecto determinou o valor dos encargos financeiros acrescer aos inicialmente apresentados pelo sujeito passivo na sua declaração de rendimentos modelo 22, que “supostamente” foram suportados com a aquisição de partes de capital, pelo que, não pode proceder a tese desenhada a propósito do ónus da prova, impondo-se então analisar a conduta da AT em função dos elementos recolhidos e vertidos no RIT e que fundamentam as correcções descritas nos autos.
Cumpre assim, entrar na apreciação da questão nuclear e sobejamente tratada na jurisprudência fiscal, quer dos Tribunais Centrais, quer do Supremo Tribunal Administrativo, qual seja, a de indagar da bondade da decisão recorrida que julgou procedente a impugnação judicial por considerar ilegal a implementação do método preconizado na circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, no que tange à afetação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, na medida em que a AT não demonstrou a impossibilidade de aplicação de um método de afetação directa.
Perante o carácter assertivo da sentença sob recurso que vai de encontro ao entendimento jurisprudencial, porque concordamos integralmente com o que ali ficou decidido e respectivos fundamentos, sem olvidar o disposto no n.º 3 do art. 8.º do Código Civil, resta apenas expor por transcrição o consignado no arresto de 16.09.2020 do STA, proferido no âmbito do proc. n.º 462/13 e, bem assim à ampla jurisprudência nele mencionado, na certeza que as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que decorre da jurisprudência transcrita e da ali elencada.
«Desde logo, importa notar que, tal como se aponta no Ac. deste Tribunal de 31-01-2018, Proc. nº 01157/17, www.dgsi.pt, (Ac. de 08-03-2017, Proc. nº 0227/16) … Da leitura atenta que se faz daquele ponto 7, cuja legalidade vem questionada nos presentes autos, pode-se surpreender com facilidade que o método escolhido pela AT se assume como um método indirecto de afectação dos encargos, em contraposição a um método directo, motivado pela dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e pela possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria.
Ou seja, a AT, face às dificuldades sentidas de integração do disposto naquele artigo 32º do EBF, desinteressou-se pela obtenção da verdade dos factos, pilar da tributação sobre o rendimento real, cfr. artigo 104º, n,º 2 da CRP, e assumiu como único método aceitável o que parte de uma presunção de que os passivos remunerados das SGPS e SCR devem ser afectos liminarmente e de forma prioritária a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente, aos demais activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
Portanto, a recorrente ao seguir as orientações genéricas da AT, a que não estava obrigada, lançou mão de um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros, mas como bem refere a própria AT na decisão do recurso hierárquico, de nada lhe valeria (à recorrente) fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes, cfr. pág. 39 dos autos, parágrafo 2º.
Aliás, seguindo os contribuintes as orientações da AT, desde que conformes à lei, nas suas autoliquidações, evitam posteriormente dissabores e incómodos no tocante à regularização da sua situação tributária.
Na situação dos autos não vem concretamente explicada a razão pela qual (não) se poderia efectuar a afectação dos encargos financeiros por outro modo (directo), diferente daquele que foi efectivamente utilizado (indirecto), não o explica a recorrente, nem o explica a AT, ambas se limitam a referir que o método utilizado é o determinado pela Circular em questão. E a sentença bastou-se com o facto de a recorrente na autoliquidação ter seguido o método que para si não era obrigatório.
Tratando-se a avaliação indirecta de uma operação sem correspondência com a verdade dos factos, precisamente porque estes não são possíveis de determinar com segurança e certeza, ou porque há indícios muito fortes (a quase certeza) de que os factos evidenciados pelo contribuinte, e que devem servir de fundamento à determinação da matéria tributável, não são verdadeiros, previu o legislador, de forma taxativa, as concretas situações em que é possível o recurso a tais métodos indirectos nos artigos 87º a 90º da LGT.
Portanto, a “norma” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com uma concreta situação de determinado contribuinte, como se tratando de método de afectação ilegal e proibido; se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a respectiva afectação, mas se não se verificarem tais razões, trata-se de método inadequado de proceder a essa mesma afectação.
Já vimos que no caso dos autos nada se diz a esse respeito, isto é, nada se diz da possibilidade ou impossibilidade de aplicação de um método de afectação directo, tem-se por bom o método de afectação indirecto, de forma acrítica e sem conexão íntima com a situação concreta da contribuinte.
Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.
É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.
Temos, assim, que concluir pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele n.º 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.
De resto, o facto de a própria recorrente ter procedido à autoliquidação do imposto, segundo as regras estabelecidas pela AT, não implica que tal seja admissível ou lhe seja oponível, desde logo porque aos contribuintes não assiste o direito de apresentar as suas declarações de rendimentos lançando mão de métodos indirectos que não tenham uma correspondência directa e imediata com a sua realidade contabilística, o que se impõe por força dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, todos, e cada um, contribuirão coactivamente para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, cfr. artigo 103º, n.º 1 da CRP.
E já vimos que, o uso de tais métodos indirectos, apenas é consentido à AT nas situações enumeradas na lei e segundo os parâmetros legalmente estabelecidos, neste caso, para salvaguarda da receita do Estado, assim se conseguindo a distribuição do sacrifício, na medida do possível, por todos os contribuintes.»
Por tal motivo, encontra-se decisivamente inquinada a determinação da matéria tributável que suporta o acto de autoliquidação impugnado. …”.
Nesta sequência, diga-se que este Supremo Tribunal tem desenvolvido este tipo de análise, até porque a Recorrente tem insistido nesta matéria, o que nos remete para o Ac. deste Tribunal de 25-09-2019, Proc. nº 0708/13.0BEAVR, www.dgsi.pt, onde se ponderou, com referência ao elemento posto em destaque pela Recorrente, que: “… Salvo o devido respeito, o que a Impugnante pretende é que seja anulada a autoliquidação de IRC do ano de 2006, na parte referente aos encargos financeiros com aquisições de participações sociais, pretensão que deduziu judicialmente depois de ter visto indeferidos, sucessivamente, a reclamação graciosa e o recurso hierárquico que interpôs.
Na verdade, na declaração de rendimentos que apresentou relativamente àquele ano, a impugnação, ora Reclamada, seguiu as instruções veiculadas pela AT através da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços do IRC (DSIRC), designadamente o ponto 7 da Circular n.º 7/2004, que instituiu um método indirecto, presuntivo, de cálculo dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.
É certo que, como afirma a Reclamante, a sociedade ora reclamada não estava obrigada a seguir as orientações genéricas veiculadas pela Circular n.º 7/2004, pois é sabido que apenas os serviços da AT a elas ficam vinculados, nos termos do n.º 1 do art. 68.º-A da Lei Geral Tributária (LGT), que dispõe: «A administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».
A doutrina administrativa assim veiculada, sendo obrigatória para os serviços da AT, não é vinculativa para os tribunais nem para os sujeitos passivos. Na verdade, as ordens internas da AT, seja qual for a forma que revistam – “despachos genéricos”, instruções, circulares ou outra – não são fontes de Direito Fiscal «porquanto a força vinculativa de tais diplomas se acha circunscrita a um sector da ordem administrativa. E essa mesma força vinculativa resulta tão-somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm, e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem» (SOARES MARTÍNEZ, Direito Fiscal, Almedina, 7.ª edição, pág. 111.). A doutrina nelas veiculada apenas poderá convencer de que fazem a melhor interpretação da lei em razão da sua fundamentação.
Apesar da sua natureza não vinculativa para os sujeitos passivos, se estes não as seguirem serão confrontados com os posteriores dissabores e incómodos decorrentes da correcção a que AT sempre estaria obrigada – em função dos princípios da igualdade e da boa fé (cf. art. 55.º da LGT) – pela referida Circular. Assim, como impressivamente ficou dito no acórdão de 8 de Março de 2017, proferido no processo com o n.º 227/16 (…)), «de nada lhe valeria [ao sujeito passivo] fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes»
Serve este intróito para salientar que mal se compreende e causa até alguma perplexidade que seja a AT a vir agora sustentar que o sujeito passivo não deveria ter seguido a doutrina administrativa por ela veiculada no ponto 7 da Circular n.º 7/2004.
Seja como for, como se deixou dito na decisão singular ora reclamada, apesar de ter sido a sociedade ora reclamada quem efectuou a liquidação ao abrigo da referida Circular, a AT recusou razão à Contribuinte quando esta, em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, pôs em causa a legalidade da doutrina por aquela veiculada e, consequentemente, do acto de autoliquidação na parte correspondente. E bem poderia a AT, nessa fase, ter pedido à sociedade para «vir apresentar prova do valor a quantificar (procedendo à sua afectação real) referente a encargos financeiros resultantes da aquisição de participações sociais e que de acordo com o seu acto declarativo, são enquadráveis nos termos do n.º 2 do art. 32.º do EBF, e consequentemente, declarados como custos não aceites fiscalmente a acrescer ao lucro tributável, no sentido, de ser posteriormente rectificado o valor a considerar», pedido esse que agora quer que seja o tribunal a fazer, quando não ignora que os poderes judiciais são de mera sindicância da legalidade do acto tributário.
Mas, dizíamos, não o fez e, pelo contrário, “administrativizou” o acto de autoliquidação praticado pela sociedade (Neste sentido, CASALTA NABAIS, Direito Fiscal, 5.ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, págs. 300/401.). Como ficou dito na decisão sumária reclamada, apesar de ter sido a sociedade quem efectuou a liquidação ao abrigo da referida Circular (ou, como alega a Reclamante, «estamos perante uma liquidação da iniciativa do contribuinte e não da AT, atendendo a que a autoliquidação é a liquidação de um tributo que não é realizada por aquela, mas pelo sujeito passivo, ainda que seguindo as orientações vertidas numa determinada circular, à qual não deve, porém, qualquer tipo de obediência»), a AT recusou razão à Contribuinte quando esta, em sede de reclamação graciosa e de recurso hierárquico, pôs em causa a legalidade da doutrina por aquela veiculada; ora, só era possível à AT manter o acto de autoliquidação caso se demonstrasse a legalidade do recurso ao método indirecto previsto na Circular 7/2004, o que implicava que a AT fizesse prova da inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. arts. 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe compete (cfr. art. 74.º, n.º 3, da LGT).
Mal se compreende, pois, a alegação de que a decisão sumária não conheceu da questão do ónus da prova. …”.
Com este pano de fundo, resta apenas dizer que a questão suscitada pela Recorrente já foi amplamente debatida no Supremo Tribunal Administrativo, tendo sido uniformizado entendimento no sentido de que é sobre a administração tributária que recai o ónus de prova da impossibilidade de determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais e que, consequentemente, padece de ilegalidade o apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante no ponto 7 da Circular n.º 7/2004, de 30-03, da Direcção de Serviços do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, que não seja precedido daquela demonstração - ver os Acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal de 2018/09/26 e de 11-12-2019 (Processos n.ºs 0406/18.9BALSB e 0333/18.0BALSB), www.dgsi.pt.» (Fim de transcrição do acórdão de 16.09.2020, proferido no processo n.º 462/13)
Perante a bondade do que fica exposto e que representa o tratamento Superior da matéria questionada pela Recorrente, tem de entender-se que a decisão recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento.
Daí que na improcedência das conclusões de recurso, se impõe, nos termos acima expostos, confirmar a decisão aqui sindicada, com todas as legais consequências.
Improcede, por conseguinte, o presente recurso jurisdicional.
2.3. Nesta instância, tudo ponderado e perante a possibilidade de graduação casuística e prudencial do montante da taxa de justiça devida a final, não perdendo de vista que deve existir correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, de acordo com o princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), atendendo ainda ao direito de acesso à justiça acolhido no artigo 20.º igualmente da CRP e a questão de direito ter vindo a ser resolvida de forma uniforme pelos tribunais superiores, alcançamos razões válidas e ponderosas para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça devida a final, nos termos do n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais, atendendo aos valores de taxa de justiça pagos pelas partes, a circunstância do valor de taxa de justiça correspondente às causas com valor entre €250.000,00 e €275.000,00 se revelar ajustado à complexidade da causa e a questão colocada no recurso interposto
Na sequência do exposto, deverá a conta de custas a elaborar desconsiderar o remanescente da taxa de justiça.

2.4. Conclusões
I. Padece de ilegalidade a correcção efectuada pela AT para efeitos de apuramento do lucro tributável em obediência à orientação constante da Circular n.º 7/2004, de 30 de Março, da Direcção de Serviços de IRC, se, antes de recorrer ao método indirecto aí previsto, a AT não logrou demonstrar a inviabilidade da determinação directa dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais [cfr. artigos 85.º, n.º 1 e 87.º, n.º 1, alínea b), da LGT], como lhe competia (cfr. artigo 74.º, n.º 3, da LGT).


3. DECISÃO
Em face do exposto, acordam, em conferência, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Norte em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmar na ordem jurídica a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Porto, 20 de janeiro de 2022

Irene Isabel das Neves
Ana Paula Santos
Margarida Reis