Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:259/07.2 BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:11/02/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:QUEBRAS
SINISTROS
DETERIORAÇÃO DE ARTIGOS
PROBLEMAS DE QUALIDADE
Sumário:I - A quebra de origem conhecida ou desconhecida é um fenómeno caraterizador do comércio a retalho, com maior expressão em superfícies comerciais de grande dimensão.

II - O à época art.º 80.º do CIVA visava situações de evidentes discrepâncias entre inventários contabilísticos e as existências que a AT verificava existirem efetivamente.

III - Estando mensuradas as quebras relativas a sinistros, deterioração de artigos ou problemas de qualidade, quebras essas suportadas em documentação interna correspondente, e estando provada a existência de um mecanismo de controlo interno sólido, designadamente no tocante à sua identificação e destruição, a sua efetividade está demonstrada.

Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 22.11.2021, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por P…., S. A. (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto a liquidação adicional de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e a dos respetivos juros compensatórios, atinentes ao ano de 2002.

Nas suas alegações, concluiu nos seguintes termos:

“I) Visa o presente recurso reagir, ainda que parcialmente, contra a douta sentença que declarou procedente a Impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IVA n.° 06201447, no valor de € 636.137,38 e respectiva liquidação adicional de juros compensatórios n.° 06201448, no valor de € 89.965,51, referentes ao exercício de 2002.

II) A presente correção insere-se no âmbito de uma ação inspetiva que, relativamente ao IVA, logrou levar a cabo um conjunto de correções referentes a Quebras nas Existências de Produtos Não Alimentares, as quais, se não as podermos qualificar e quantificar como tal, é justo presumir à luz do art. 80º do CIVA que as mesmas foram transmitidas – e liquidado o IVA correspondente.

III) Entre os motivos esgrimidos na sentença recorrida para julgar procedente a presente Impugnação está o facto de se afirmar que a Administração Fiscal não questionou a ocorrência das quebras, afirmando-se no RIT que o Sujeito Passivo não logrou provar as causas que subjazem às “Quebras nas Existências” por si invocadas. Quebras originadas por vários motivos, nomeadamente:

- Deterioração/Problemas de Qualidade

- Roubo/Furto identificado

- Sinistro e

- Diferenças de Inventário.

IV) Entre os fundamentos que estão na base da correção, saliente-se, porém, a circunstância da Impugnante:

- Não ter apresentado elementos justificativos do destino dado às quebras nas suas existências, por motivos de deterioração, roubo identificado ou sinistro, para o período em análise

- Não ter formulado quaisquer queixas junto das entidades policiais para os bens objeto de roubo identificado;

- Não ter formulado quaisquer participações junto das companhias de seguros para os bens objeto de sinistro

- Não procedido, para os restantes bens, a qualquer prévia comunicação aos serviços de finanças aquando da ocorrência de quebras motivadas pela deterioração ou manuseamento dos funcionários/clientes, a fim de o agentes de fiscalização poderem, caso assim o entendessem, exercer o devido controlo para queda não alimentar

- E não ter procedido igualmente para os bens abatidos e de acordo com as justificações apresentadas, perfeitamente identificados, à elaboração e conservação de qualquer auto de destruição ou inutilização dos bens objeto da quebra, testemunhado por pessoas estranhas ou não, à empresa.

V) Sem descurar o entendimento vertido no Parecer nº 63/92 do Centro de Estudos Fiscais, e na Informação Vinculativa sufragada no despacho de 29-06-2009 processo A509209009 proferido pela Direção Geral dos Impostos e que cita uma informação do IRC reportada a quebras anormais de existências, nem menosprezar a jurisprudência que tem vindo a ser expendida quer pelo Colendo STA quer por este Venerando TCA Sul e a relevância que as mesmas possam assumir relativamente aos termos em que a presunção da transmissão dos bens pode ser ilidida – só será de aceitar os juízos expendidos, se, em concreto, podermos confirmar a factualidade subjacente.

VI) Não nos convencemos da legalidade com que o Tribunal a quo anulou a correção referente - Deterioração/Problemas de Qualidade e Sinistros, no montante de € 185.198,00 e € 54.953,00 (Anexo 9 ao RIT, fls. 9/27), respetivamente, por se tratar de alegadas Quebras sobre a qual é preciso assegurar se os bens ainda são suscetíveis de serem colocados no circuito de venda, ainda que com desconto face ao defeito, ou, num circuito de utilização por parte do sujeito passivo (pequenos eletrodomésticos – facto provado J), ou, ainda, se deverão ser alvo de abate/destruição.

VII) É dado por provado verifica-se que os procedimentos ainda estavam a ser implementados

VIII) Verifica-se da prova recolhida que não só não há evidência dos bens objetos de abate foram efetivamente abatidos por parte da referida empresa, como também não se extrai da documentação presente nos autos quais os bens que concretamente foram objeto de transporte para esse efeito

IX) Há um registo interno da quebra dos bens que não está identificado numérica e sequencialmente

X) Desconhece-se se, depois disso, os bens não regressam ao circuito de venda nas condições supra descritas ou se se destinaram à utilização por parte da empresa, pois que, a guia não é de transporte, a guia reporta-se à saída da mercadoria que a própria certifica destinar-se à utilização livre. É isso que está lá evidenciado

XI) Inexistindo guia de transporte, a guia de saída (quando há – Facto V) não permite identificar o registo da quebra nem, consequentemente, o bem alvo de registo. Desconhece-se se o bem da guia de saída é o bem registado como quebra

XII) A empresa que procede ao abate também não identifica nem certifica, respetivamente, os bens objeto de destruição e que o abate tenha ocorrido sobre os bens registados como quebras. O que foi apresentado foi uma Guia de Pesagem que nada prova

XIII) Verifica-se ainda que os depoimentos prestados pelas testemunhas mais não são senão factos gerais sobre os procedimentos (isso mesmo é levado ao probatório) mas que não confirmam nem poderiam confirmar concreta e circunstanciadamente e com conhecimento direto que as Quebras das Existências ali em causa foram objeto de abate.

XIV) Não podem assegurar que aqueles bens foram efetivamente transportados (o que há é a determinação do peso e o recurso a medidas de unidade (contentores) pela empresa contratada para o efeito

XV) Nestas circunstâncias, e, tendo sido dado por provado que não foram elaborados de autos de destruição e de abate às Existências, a Fazenda Pública entende que a Impugnante não logrou ilidir a presunção que decorre do art. 80º, do CIVA, no montante € 240.151,00

XVI) Está em causa o seguinte erro de julgamento:

- Incorreta apreciação da prova, nomeadamente, face à fundamentação que decorre do Relatório de Inspeção Tributária, a qual não foi abalada pelos elementos apresentados pelo Sujeito Passivo no sentido de ilidir a presunção prevista no outrora art. 80º, do CIVA

XVII) Mostra-se violado o disposto nos arts. 74º, da LGT; art. 80º, do CIVA na redação dada à data dos factos; 607º, nº 5, do CPC e 396º do CC.

Termos em que, deverá ser considerado totalmente procedente o recurso ora apresentado, revogando-se a douta sentença recorrida na parte objeto de recurso, anulando-se o ato tributário impugnado em função dos segmentos da correção julgados procedentes com os quais a Fazenda Pública se conformou, retificando-se o decaimento.

V/Exas, porém, decidindo, não deixarão de fazer habitual justiça”.

A Recorrida contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

“a. Através do presente recurso pretendeu a AT reagir contra a douta decisão que julgou totalmente procedente a Impugnação Judicial deduzida contra o ato tributário de liquidação nº 06201447 (0212), no valor de € 636.137,38, relativo a IVA, e, bem assim, o ato tributário de liquidação com o nº 06201448, no valor de € 89.965,51, relativo a juros compensatórios (cfr. doc. nº 1 junto com a petição inicial), aqui impugnados, em resultado de uma inspeção tributária levada a cabo pela Autoridade Tributária e Aduaneira («AT») ao exercício de 2002.

b. A recorrente imputa à sentença recorrida um erro na interpretação da matéria de facto e um erro na interpretação da matéria de direito, erros estes que, contudo, na perspetiva da recorrida, não se verificam de todo.

c. Na verdade, o Tribunal a quo foi colocado perante uma significativa densidade factual, toda ela suportada documentalmente e corroborada por via de depoimentos testemunhais, considerados credíveis e convenientemente contextualizados. No capítulo que dedicou à factualidade provada, o Tribunal a quo fez uma ponderação adequada da mesma, tendo nela sumariado os aspetos que considerou de maior pertinência para os efeitos da sua aplicação ao direito mobilizável.

d. À recorrida afigura-se correta e suficiente essa ponderação, sobretudo tendo em conta a matéria de direito para que a mesma foi convocada e os objetivos probatórios para que a mesma se mostra concretizada.

e. Nestes termos, é razoável considerar que o Tribunal foi influenciado, na sua decisão de direito, pelos factos que as partes aportaram aos autos, sendo a sua demonstração feita por ausência de contraditório, por via documental e por via probatória testemunhal, conforme se expos desenvolvida e circunstanciadamente.

f. Com efeito, tendo por base o enquadramento fáctico exposto – e que o Tribunal a quo não deixou, na sua medida, de considerar na respetiva fundamentação –, não pode a análise de direito deixar de revestir o sentido que a sentença recorrida lhe atribui. Um diferente sentido para o decidido estaria em frontal oposição com a realidade factual acima retratada e nunca oportunamente negada ou contraditada pela aqui recorrente.

g. Assim, a propósito da matéria de direito colocada à apreciação do Tribunal, e antes mesmo de mais desenvolvimentos, continua implícito no espírito da recorrente a ideia – aos olhos da recorrida, inaceitável – segundo a qual pode ser presumida a venda de existências que bem se reconhece terem sido objeto de inutilização, por força de um fenómeno absolutamente reconhecido e comummente admitido no setor de atividade sobre que nos detemos.

h. É, pois, evidente que os argumentos em que a recorrente entende poder continuar a sustentar a liquidação aqui impugnada, são manifestamente insuficientes – dir-se-ia mesmo, manifestamente forçados – para permitir presumir a transmissão onerosa dos bens adquiridos que não se encontrem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade, o que se traduz num vício de fundamentação imputável aos serviços, extensível agora às alegações que dão suporte ao recurso interposto.

i. Assim: os atos impugnados fizeram impender uma obrigação sobre a recorrida, apesar de deles não ser possível retirar, concludente e fundadamente, os motivos da liquidação ou as disposições legais que se consideram violadas: o Relatório de Conclusões da Ação Inspetiva, em que assentam os atos impugnados, limita-se a mencionar que o sujeito passivo deveria ter tomado as providências necessárias à comprovação inequívoca do destino dado aos bens; não o tendo feito, presumem-se, conclui a AT, transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrem na empresa; em sede de recurso, por seu turno, a recorrente entende, unicamente a respeito das quebras de produtos não alimentares por deterioração ou problemas de qualidade e sinistro, que não ficou demonstrado que os mesmos não foram, não obstante essas causas, colocados novamente no circuito de venda, ainda que com desconto face ao defeito, ou afetos à sua utilização própria.

j. Esta suposta justificação, não só não é suficiente, como não é clara nem congruente, além de pouco estável na sua formulação: a AT admite, quanto às restantes causas de quebra, que a explicação dada a respeito dos procedimentos adotados pela recorrida nesta matéria e que a prova documental e testemunhal produzida nesse domínio, são suficientes para ilidir a presunção que fez recair sobre os produtos que se encontram nessas circunstâncias; já a respeito de um tipo específico de causa de quebra, a recorrente entende agora poder impor uma prova de sentido negativo, volvidos que estão vinte anos da sua verificação.

k. É flagrante que esta exigência é excessiva e de difícil – para não dizer impossível – cumprimento, mas a mesma torna-se verdadeiramente excêntrica se notarmos que, a seu respeito e como seu pressuposto, não vem convocada qualquer explicação, qualquer dúvida fundada em elementos concretos, qualquer irregularidade a cuja arguição não tivesse sido dada uma cabal resposta por parte da recorrida.

l. A recorrida está, assim, em crer que a alegação apresentada pela recorrente como fundamento para o presente meio de reação contra a sentença produzida pelo Tribunal de primeira instância está insuficientemente fundamentada, além de acrescentar um ónus de demonstração, que – sendo impossível, porque baseado num dever de prova negativa – é evidentemente extemporâneo, na perspetiva em que nunca antes havia sido suscitado em termos que pudessem ser convenientemente contraditados.

m. Seja como for e sem prejuízo do que vem de ser dito, a verdade é que só por erro pode a recorrente insistir na tese de que ao caso pode e deve ser aplicado o disposto no artigo 80.º do CIVA, sem que, insista-se, tivesse recorrido ao regime próprio dos métodos indiretos. É que o artigo 80º do CIVA estabelece que “salvo prova em contrário, presumem-se (…) transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se encontrarem em qualquer desses locais” (o sublinhado é nosso) e a determinação do lucro tributável por métodos indiretos corresponde precisamente a um processo excecional de fixação por presunções que, para o efeito, parte de determinados elementos conhecidos, para, através deles, concluir ou indiciar um determinado valor que se tornou impossível de apurar pelos mecanismos normais consagrados na lei.

n. Trata-se de uma forma de superar as situações resultantes do incumprimento, por ação ou omissão, pelo contribuinte e/ou por terceiros de certas obrigações que, se observadas, forneceriam os dados necessários à determinação correta daqueles valores.

o. Ora, tal nunca serviu – e continua a não servir – de fundamento à posição adotada pela recorrente, como, aliás, não poderia servir atenta a veracidade das declarações da recorrida e, bem assim, a idoneidade da respetiva contabilidade. Com efeito, como vem provado nos autos, todas as mercadorias identificadas como quebra, foram conduzidas para locais próprios onde se procede ao seu depósito como lixo, acompanhados dos necessários Documentos de Saída de Mercadorias para Sucata e Guias de Acompanhamento de Resíduos, dos quais consta a informação quanto à natureza e quantidade total dos bens conduzidos para depósito como lixo e sucata.
p. Da inquirição das testemunhas arroladas resultou clarividente que, em todos os casos, são adotados procedimentos – prévios ao referido depósito – atinentes à completa destruição das existências e procedimentos de verificação da sua absoluta inutilização para quaisquer efeitos que não a condução para locais apropriados de tratamento e reciclagem.

q. Acontece, pois, que só é possível efetuar uma presunção a partir de um facto conhecido. Sendo certo que o facto conhecido que serve de base à presunção tem de ser sempre provado e firmado. Para eliminar a presunção basta comprovar que o facto-base não se verificou nos termos invocados – sublata causa cassat effectus. Bem lembrava o autor Virgílio Pires, segundo o qual “o facto conhecido ou base da presunção legal tem, pois, de ser sempre e necessariamente objecto de prova directa, para sobre ela (e por causa dela), se estabelecer a presunção que há-de conduzir ao facto desconhecido, presumido ou principal” (cfr. As Presunções no Direito Fiscal, Bol. CTF 223/225, págs. 55 a 109).

r. No caso sub judice, porém, não só não ficou provada a existência do tal facto conhecido que permitia firmar o facto desconhecido, como não ficou provada a necessidade de recorrer a presunções atentos os seguintes fatores: (a) a existência de uma contabilidade idónea; (b) a exibição de todas as declarações e informações requeridas; (c) a colocação à disposição de todo o acervo documental suscetível de permitir controlar a classificação das mercadorias impróprias para vendas como quebras e a saída das mesmas para o respetivo depósito em lixeiras e sucatas; (d) e, finalmente, a inexistência de um mercado interno suscetível de absorver os bens deteriorados ou com defeitos de qualidade.

s. Estes fatores comprovam a debilidade com que a recorrente alegou e indiciou as razões suscetíveis de conduzir ao uso de presunções. A sua utilização, em clara ofensa dos preceitos legais que lhe reservam um regime excecional, balizado pelos pressupostos de ordem formal e material próprios do recurso a métodos indiretos, inquina definitivamente os atos impugnados do vício de violação da lei que determina a nulidade ou, pelo menos, a anulabilidade dos atos postos em crise.

t. Acresce ao exposto que é a própria AT quem, através de despacho proferido, em 15 de Junho de 2009, pelo substituto legal do Diretor-geral dos Impostos, reconhece, afinal, que é de aceitar como “elidida a presunção do artigo 86º do CIVA quando os bens considerados perdidos, por razões desconhecidas, preencham os critérios adotados para efeitos de IRC, através, nomeadamente, de uma análise casuística e cinscunstancial de cada empresa, dentro de limites razoáveis para o sector de atividade e desde que seja elaborado um documento de inventário com as diferenças de stock” (cfr. doc. nº 1, junto com requerimento apresentado em 06.07.2009). Para tal, esclarece a AT que “a análise das circunstâncias concretas engloba “a verificação da existência de sistemas de controlo implementados (sistemas de rádio anti roubo, CCTV, segurança privada e locais de venda assistida), para assegurar a minimização dos furtos, bem como a existência de um sistema devidamente organizado de registo informático de quebras de existências e de controlo interno”. Ora, de tudo isto foi feita devida prova em sede de inquirição testemunhal, pelo que à mesma deve ser dada a necessária e devida atenção, com vista aos referidos efeitos.

u. Com efeito, ainda que não fosse já suficiente a arguição da falta de demonstração, por parte da recorrente, dos pressupostos de que dependeria a legitima utilização, in casu, da presunção em referência, estaria agora definitivamente fragilizada – dir-se-á mesmo prejudicada – a sua utilização, porquanto o fenómeno das quebras é agora expressamente reconhecido como um fenómeno normal da atividade, verificado de facto e de um modo absolutamente previsível.

v. Seja como for, e não obstante, a prova por presunção, excetuando o caso das presunções juris et de jure, admite contraprova e, por maioria de razão, prova do contrário. É essa prova do contrário que a P…. realiza, na própria petição inicial de impugnação judicial, através da prova documental que produz, e nas instâncias subsequentes, através da prova testemunhal QUE OFERECE, CONFORME O TRIBUNAL A QUO (BEM!) RECONHECE.

w. MAIS: AINDA QUE SE CONSIDERE ADEQUADO O USO DE PRESUNÇÕES NO PRESENTE CASO – O QUE MAIS SE ADMITE como exercício académico do que como possibilidade real – sempre se terá de concluir que existe uma clara e inequívoca divergência entre a realidade de facto e a matéria de facto utilizada como pressuposto na prática dos atos ora impugnados.

x. Com efeito, não ocorre, no caso concreto, qualquer transmissão onerosa de bens suscetível de tributação em sede de IVA. O que acontece, como vimos e se prova, é exatamente o contrário: no caso concreto, ocorre uma desafetação de determinadas mercadorias à finalidade de venda (a) por as mesmas se encontram deterioradas (por mau acondicionamento no transporte, por deficiente manuseamento por parte de clientes, fornecedores e funcionários internos ou por sinistro) ou por revelam problemas de qualidade – caso em que são totalmente destruídas e conduzidas para locais próprios onde se procede ao seu depósito como lixo, ou à sua reciclagem ou tratamento, através dos diferentes canais existentes para o efeito, (b) por as mesmas terem sido furtadas e (c) por as mesmas não constarem da inventariação física final (real) das existências (por terem sido furtadas sem que o furto tivesse sido detetado, por terem ocorrido erros nas contagens físicas – inicial e final – das existências, por terem ocorrido situações de deficiente classificação das mercadorias, etc.).

y. Em concreto, com respeito às causa de quebra em causa no presente recurso – artigo deteriorado/problemas de qualidade e sinistro –, a recorrente parece insinuar que o sujeito passivo deveria ter procedido ao armazenamento e inventariação dos artigos abatidos e, bem assim, à elaboração do correspondente auto de destruição, devendo esta ser testemunhada por pessoas estranhas ou não à empresa. Para além disso, nos casos em que os bens deteriorados ainda se encontram em condições de cumprir o fim para que foram produzidos, deveria o sujeito passivo provar que não procedeu à venda dos mesmos a desconto, ainda que em lojas outlet ou a comerciantes de venda ambulante.

z. Ora, em relação a este ponto da argumentação, os comentários expendidos pela recorrente merecem as seguintes correções: desde logo, não é verdade que a P ….. não tenha por procedimento armazenar, inventariar e documentar as ocorrências de quebra por deterioração ou problemas de qualidade. De tal facto foi feita irrecusável prova em sede de inquirição testemunhal. Com efeito, ficou nesta sede provado, que, assim que a deterioração ou perda de qualidade em determinado produto se torna percetível é imediatamente ordenada a abertura de um processo de inventário específico para efeitos do seu registo e documentação, designado internamente por processo de registo de Quebra Identificada (cfr. doc. nº 7, junto com a petição inicial). Tal processo supõe o preenchimento de dois formulários, que identificam a causa da quebra e atestam a retirada do bem de stock para destruição/sucata e que se designa internamente por Documento de Saída de Mercadorias. Os referidos documentos são preenchidos e verificados presencialmente por um conjunto de, pelo menos, dois colaboradores (em regra, o gerente de Departamento e o respetivo Chefe de Secção), os quais assumem o compromisso de os assinar, validar e reportar. O cumprimento destes procedimentos é permanentemente auditado e as infrações detetadas sujeitas à aplicação de medidas disciplinares sobre os respetivos autores.

aa. Para além do exposto, e no que diz respeito às questões suscitadas, pela recorrente, acerca do destino dado aos bens objeto de quebra nos casos em que ainda se encontram em condições de cumprir o fim para que foram produzidos, dir-se-á que, ao contrário do que supõe, não existe nenhum caso em que o bem classificado como quebra, mantenha a sua aptidão para venda, ainda que a preço de desconto ou através do comércio ambulante.

bb. Conforme ficou demonstrado em sede de inquirição testemunhal, a consideração contabilística de uma perda de existências pressupõe justamente o juízo definitivo e inquestionável a respeito da sua inaptidão para a venda; nos casos em que este juízo não é final, a quebra não chega a verificar-se. Ora, é exatamente porque os bens objeto de quebra não são suscetíveis de venda, que a recorrida os retira do circuito comercial (procedendo à sua integral destruição, nos casos em que tal se revele necessário), conduzindo-os invariavelmente para locais próprios, onde procede ao respetivo depósito como lixo ou à sua triagem para reciclagem, através dos diferentes canais existentes para o efeito. Neste sentido, está afastada a venda a preço de desconto como um meio possível de ressarcimento dos danos provocados pelas quebras.

cc. Além disso, resulta da factualidade provada, quer em sede testemunhal quer em sede documental, que a P… tem, além do mais, procurado obter, junto de alguns dos seus principais fornecedores, uma solução de partilha de responsabilidade por determinadas circunstâncias a eles (pelo menos, indiretamente) imputáveis, através da celebração de acordos (cfr. doc. nº 4, junto com a petição inicial e prova testemunhal produzida). A celebração de tais acordos permite, pois, à P….. obter uma compensação (ainda que parcial) dos valores registados a título de quebras (no exercício de 2002, a P….. registou € 1.914.000,00 a título de comparticipações recebidas de fornecedores, cfr. doc. nº 5, junto com a petição inicial), minimizando o impacto das mesmas ao nível dos respetivos custos de exploração.

dd. Foi este também o entendimento do Tribunal a quo, que, na opinião da aqui recorrida, bem andou na análise que fez, quer da matéria de facto, conforme se arguiu supra, quer da matéria de direito, nos termos acabados de expor.

Termos em que deve o presente recurso ser julgado improcedente, por não provado, com todas as consequências legais, designadamente a manutenção da sentença recorrida”.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do art.º 288.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

É a seguinte a questão a decidir:

a) Há erro de julgamento, quanto ao decidido em torno das quebras de existências motivadas por deterioração/problemas de qualidade e sinistros, porquanto a Impugnante não cumpriu com o seu ónus da prova?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“A. A Impugnante exerce a actividade de comércio a retalho em supermercados e hipermercados (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fls. 79 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

B. Ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI200500165, de 22 de Março de 2005, foi realizada uma acção de inspecção externa à Impugnante, que incidiu sobre o exercício de 2002, podendo, entre o mais, ler-se no Relatório de Inspecção Tributária (RIT) respectivo, elaborado em 30 de Junho de 2006 (cf. doc. 2, junto com a p. i. a fls. 79 e segs.):

«Imagem em texto no original»

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C. Dá-se por integralmente reproduzido o teor dos Anexos 1 a 18 ao RIT, designadamente do Anexo 9 (“IRC – Custos não Aceites – Quebras de Existências – Bens não Alimentares”), a fls. 150 e segs.;

D. Foi emitida, em nome da Impugnante, a liquidação adicional de IVA n.° 06201447, no valor de € 636.137,38 e respectiva liquidação adicional de juros compensatórios n.° 06201448, no valor de € 89.965,51, referentes ao exercício de 2002 (cf. doc. 1, junto com a p. i. a fls. 74 e segs.);

E. A p. i. da presente impugnação foi enviada a juízo, via correio postal registado, em 2 de Fevereiro de 2007 (cf. carimbo dos CTT aposto no envelope respectivo, a fl. 464, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

F. Na actividade da Impugnante, é normal e inevitável existirem quebras nas existências, que se traduzem na diferença entre o stock teórico e o stock físico (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

G. As quebras nas existências de bens afectos ao sector não alimentar têm subjacentes diversas causas, como a deterioração ou perda de qualidade dos bens, os furtos, os sinistros e as diferenças de inventário (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

H. No caso dos bens pessoais, as quebras ocorrem sobretudo ao nível dos artigos de perfumaria e de outros artigos de pequena dimensão (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

I. O furto constitui, relativamente a este tipo de bens, a principal causa das quebras (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

J. Em relação aos (pequenos) electrodomésticos, os mesmos são muitas vezes deteriorados por acção do seu deficiente e repetido manuseamento por parte dos clientes (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

K. As quebras nas existências são uma das principais preocupações de gestão da Impugnante (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

L. Têm vindo a ser implementados diversos procedimentos, como o incentivo à colocação de etiquetas de segurança invioláveis pelo fornecedor, a negociação, junto dos fornecedores, de alterações ao nível da concepção das embalagens de certos bens, a colocação de etiquetas de rádio-frequência em certos bens, a inserção de certos bens em invólucros de plástico fechados protegidos por alarme e o acondicionamento de certos bens em local próprio (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

M. Apenas os furtos detectados e impedidos são sujeitos a documentação no momento da sua ocorrência (cf. doc. 6, junto com a p. i. a fls. 255 e segs., cujo teor se dá por intergalmente reproduzido);

N. Nos casos de quebra identificada, é efectuado o seu registo e documentação, com indicação da causa respectiva, sendo o documento assinado por duas pessoas, que são, em regra, o gerente de loja e o respectivo chefe de secção (cf. doc. 7, junto com a p. i. a fls. 263 e segs., cujo teor se dá por intergalmente reproduzido e depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

O. A documentação das quebras ocorre em momentos distintos: ou no momento da verificação da causa respectiva (nos casos de sinistro), ou no momento da sua detecção (nos casos de deficiente acomodação, armazenagem ou transporte ou nos casos de furto identificado), ou no momento da inventariação periódica dos bens (nos casos de furto não perceptível ou identificado) - cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante;

P. O cumprimento dos procedimentos referidos é auditado e as infracções verificadas são puníveis como infracção disciplinar (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

Q. Diferente é o procedimento instituído para o registo das quebras de natureza não identificada, detectadas no momento da inventariação periódica dos bens (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

R. Nestas situações, as diferenças positivas entre as quantidades de bens registadas e as quantidades de bens reais são verificadas pela equipa responsável pelo processo de inventariação, constituída pelo controller, pelo director de loja, pelo gerente de departamento e pelo chefe de sector (cf. doc. 8, junto a fls. 537 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

S. Na maior parte dos casos, as quebras detectadas no momento da inventariação periódica de bens são originadas pela ocorrência de furtos não identificados (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

T. Após o registo contabilístico da quebra identificada, os bens são retirados do circuito de venda e verificados pelo responsável de loja, que os acomoda em contentores de resíduos para recolha (cf. depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

Y. Por Ofício de 22 de Junho de 2009, foi a APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição notificada nos seguintes termos essenciais (cf. doc. 19, junto com a p. i. a fls. 423 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. junto a fls. 532 e segs., cujo teor se dá igualmente por integralmente reproduzido):

U. Por forma a agilizar o procedimento de recolha e encaminhamento dos bens para inutilização e abate, a Impugnante contratou com a sociedade IPODEC — Portugal, Gestão de Resíduos, Lda. - a prestação do correspondente serviço (cf. doc. 10, junto com a p. i. a fls. 304 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante);

V. Em regra, o transporte dos bens para inutilização e abate é acompanhado por um documento interno, designado de “Documento de Saída de Mercadorias para Sucata de stock de livre utilização” (cf. doc. 12, junto com a p. i. a fls. 385 e segs, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

W. E, bem assim, por um formulário, disponibilizado pelo Ministério do Ambiente, designado de “Modelo A - Guia de Acompanhamento de Resíduos” (cf. doc. 13, junto com a p. i. a fls. 388 e segs, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

X. O fenómeno das quebras é transversal a todas as empresas do sector do comércio a retalho, quer a nível nacional, quer a nível internacional (cf. docs. 14, 15, 16, 17 e 18, juntos com a p. i. a fls. 388 e segs., 401 e segs., 420, 421 e 422, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

Y. Por Ofício de 22 de Junho de 2009, foi a APED – Associação Portuguesa de Empresas de Distribuição notificada nos seguintes termos essenciais (cf. doc. 19, junto com a p. i. a fls. 423 e segs., cujo teor se dá por integralmente reproduzido e doc. junto a fls. 532 e segs., cujo teor se dá igualmente por integralmente reproduzido):

”.

II.B. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“Assenta a convicção do tribunal nos documentos constantes dos autos e do PAT apenso, atenta a fé que merecem e o facto de não terem sido impugnados e nos depoimentos das testemunhas arroladas pela Impugnante, que confirmaram, sem hesitações e revelando conhecimento directo dos factos, dadas as funções que exerciam à data (cf. acta referida no ponto I supra), o invocado pela Impugnante na p. i. a respeito dos motivos inerentes às quebras registadas, dos procedimentos de controlo e documentação das mesmas, da assinatura dos documentos pelos seus órgãos de gestão e dos procedimentos de contentorização, recolha e encaminhamento dos bens para inutilização e abate, isto tudo num quadro de quebras inerentes à sua actividade, tal como referido em cada letra do probatório. O depoimento da última testemunha inquirida, arrolada pela Fazenda Pública, apenas teve em vista a interpretação da prova documental existente nos autos e no PAT apenso”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Do erro de julgamento

Alega a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, na medida em que, quanto ao decidido em torno das quebras de existências motivadas por deterioração / problemas de qualidade e sinistros, a Recorrida não cumpriu com o seu ónus da prova.

Vejamos.

Nos termos do então art.º 80.º do Código do IVA (CIVA):

“Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos os bens que se encontrarem em qualquer dos locais em que o contribuinte exerce a sua atividade e presumem-se transmitidos os bens adquiridos, importados ou produzidos que se não encontrarem em qualquer desses locais” (sublinhado nosso).

A presunção aqui prevista é uma presunção iuris tantum, ou seja, ilidível, pela produção de prova em contrário [cfr., v.g., os Acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul, de 14.02.2007 (Processo:01484/06) e de 09.02.2017 (Processo: 885/07.0BELSB); v. ainda Patrícia Noiret da Cunha, Código do IVA, Instituto Superior de Gestão, Coimbra, 2004, pp. 478 e 479].

Considerando o relatório de inspeção tributária (RIT), no qual reside a fundamentação da correção em apreço, no mesmo são distinguidas as quatro situações contabilizadas como quebras de existências, sendo que a FP se conformou com a decisão atinente às quebras por roubo identificado e diferenças de inventário, pondo em causa no presente recurso apenas a parte da correção atinente a quebra por artigo deteriorado / problemas de qualidade e sinistro.

Atentando na sentença recorrida, na mesma afirma-se:

“[A] discrepância subjacente ao artigo 80.º do CIVA pressupõe a inventariação dos bens, para daí se concluir que faltam (fisicamente) bens em face dos registos contabilísticos.

Esta decorrência directa da inventariação de bens era absolutamente clara no artigo 79.º, n.º 1, do CIVA, em vigor à data dos factos, nos termos do qual “Sempre que necessário, poderão os funcionários encarregados da fiscalização proceder à inventariação das existências físicas de qualquer estabelecimento”.

No caso vertente, não vem evidenciada qualquer discrepância entre a inventariação física dos bens e os registos contabilísticos que permita à AT concluir que faltam (fisicamente) bens e daí extrapolar para presumir a sua transmissão.

Pelo contrário, o que se verifica é que a Impugnante, ao proceder ao registo de um custo, como se verificou, cuidou de espelhar na contabilidade que o montante de € 3.346.661,20 respeita a bens não alimentares que, em resultado de quebras, não foram transmitidos.

Sendo que, os serviços de inspecção tributária nunca colocaram em causa a contabilidade da Impugnante, presumindo-se a sua veracidade nos termos do artigo 75.º da LGT.

Por conseguinte, a presunção que decorre do artigo 80.º do CIVA não poderia aqui operar”.

Ora, este entendimento do Tribunal a quo não vem posto em causa, o que oblitera, per se, a pretensão da Recorrente.

Ademais, acrescente-se que, de um lado, o RIT na verdade não põe em causa de forma substancial a realidade subjacente às quebras em causa.

Com efeito, e no tocante aos artigos deteriorados ou com problemas de qualidade e aos sinistros, no próprio RIT é aceite que tal respeita a mercadorias com perda de qualidades físicas e sem condições para venda, no primeiro caso, ou a situações de danos provocados por acidente, documentadas para efeitos internos, “constituindo esta documentação suporte aos acordos existentes com fornecedores nos termos dos quais estes comparticipam parte da perda de valor”.

O que a administração tributária (AT) considerou foi que o procedimento a seguir pela Recorrida devia ser distinto do seguido, mas sem que o tivesse posto em causa, sendo certo que ficou provado, de forma suficiente (não tendo sido impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto), que a quebra identificada, como é o caso, é registada com documentação assinada por duas pessoas, tratando-se, aliás, de procedimentos auditados internamente. Esta documentação de suporte à contabilidade nunca foi posta em causa, pelo que a posição da AT carece de sustentação (sendo que tudo o que em sede de conclusões é mencionado que não encontra reflexo no RIT carece de pertinência). Ficou ainda provado que “[a]pós o registo contabilístico da quebra identificada, os bens são retirados do circuito de venda e verificados pelo responsável de loja, que os acomoda em contentores de resíduos para recolha” e que foi contratada uma empresa, para efeitos de recolha e encaminhamento de bens para inutilização e abate, com acompanhamento dos bens remetidos de documentação m.i. nos factos U. e V.

Portanto, não só a FP não pôs em causa a falta de reunião dos pressupostos de recurso ao disposto no art.º 80.º do CIVA, mas também a Recorrida cabalmente explanou as situações subjacentes às correções em causa.

Como tal, não assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrente é a mesma responsável pelas custas (art.º 527.º do CPC).

Nos termos do art.º 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), “[n]as causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento”.

No caso, considerando quer a conduta das partes, que se revelou sem mácula, quer a complexidade das questões, entende-se dever haver lugar à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, prevista no art.º 6.º, n.º 7, do RCP.

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Custas pela Recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte em que exceda os 275.000,00 Eur.;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 2 de novembro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Vital Lopes)

(Susana Barreto)