Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1041/07.2BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
FALTA DE NOTIFICAÇÃO PARA ALEGAÇÕES
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
Sumário:I. No processo de impugnação judicial, as alegações previstas no artigo 120.º do CPPT destinam-se simultaneamente à discussão da matéria de facto de direito.
II. Tendo havido junção ao processo de documentos e informações oficiais com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos e do PAT), que podem ser relevantes para a decisão final, impõe-se que se conceda às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, nos termos do artigo 120º do CPPT.
III. Ao não se notificarem as partes para produzirem alegações escritas, ocorreu uma omissão suscetível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida (artigo 201.º do CPC, então vigente, que corresponde atualmente ao artigo 195º), e implica a anulação dos termos processuais subsequentes (artigo 98/3 CPPT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I - Relatório

A FAZENDA PUBLICA, não se conformando com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por T... S.A., contra o ato de liquidação do IRC (por retenção na fonte) relativo aos exercícios de 2004 e 2005, nos montantes, respetivamente, de € 4 337 815,78 e € 7 064 442,84, e ocorrida aquando da colocação à disposição dos dividendos que auferiu da sua participação na sociedade comercial anónima portuguesa P..., SGPS, S.A., dela veio recorrer para este Tribunal Central Administrativo Sul.

Pretérito aresto deste TCAS, julgou:
a. conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogando a sentença recorrida e julgar intempestiva a impugnação judicial, absolvendo a Fazenda Pública da instância;
b. condenar a recorrida nas custas em ambas as instâncias.

O que foi objeto de recurso de revista, vindo o Supremo Tribunal Administrativo a entender conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e ordenar a baixa dos autos ao Tribunal Central Administrativo Sul para conhecimento das demais questões consideradas prejudicadas pela procedência da invocada caducidade do direito de impugnar, se nada mais obstar.

Ao que é pertinente:

Nas alegações de recurso apresentadas, a Fazenda Pública, após notificação para sintetização e simplificação, formulou as seguintes conclusões:

I - Quanto à ilegitimidade da Impugnante
a) A sentença recorrida, ao considerar a impugnante parte legítima da impugnação, viola o disposto no nos n° 4 e 5 do artigo 19° da LGT, designadamente a parte final do n° 5, que condiciona o exercício dos direitos pelos não residentes, nomeadamente os de reclamação, recurso e impugnação, à designação de um representante fiscal com residência em território nacional.
Ao contrário da fundamentação utilizada pela sentença recorrida, a designação de mandatários forenses não logra só por si preencher a exigência legal de designação de um representante fiscal com residência em território nacional. Sendo certo que o representante fiscal referido no n° 4 do artigo 19° da LGT pode ser um advogado, a constituição de um mandatário forense não é necessariamente meio de executar a exigência consagrada naquela norma.
Sofre, pois, a sentença recorrida, dos vícios de violação de lei, concretamente do artigo 19° n° 4 e 5 da LGT, e de erro sobre os pressupostos de facto e de direito, por considerar preenchida a exigência do artigo 4º com a simples constituição de mandatários forenses;
b) A sentença recorrida, no seu discurso fundamentador, ao afirmar que o artigo 19º n° 4 do CPPT não pode ser interpretado no sentido de impor uma restrição ao exercício do direito à tutela jurisdicional efetiva da impugnante, bem como ao confirmar o entendimento do impugnante de que essa interpretação contende com o disposto no artigo 12° do TCE do qual resulta a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade, admite apenas o facto constante do n° 10 do probatório. Contudo, o facto documentalmente provado a fls. 185 do processo instrutor — não ter o sujeito passivo nomeado qualquer representante, com residência em território nacional, para efeitos tributários — não foi levado ao probatório.
Ora relevando esse facto para a exceção a decidir deveria integrar o probatório, uma vez que se encontra documentalmente provado (cfr. fls. 185 do processo instrutor), padecendo a sentença recorrida de insuficiente fixação de matéria de facto.
c) A imposição legal do n° 4 do artigo 19° da LGT não traduz qualquer discriminação em razão da nacionalidade, uma vez que a obrigação de constituir representante, com residência em território nacional, para efeitos tributários, impende sobre nacionais e sobre estrangeiros nas condições nele estipuladas.
A eventual compressão decorrente da restrição ao exercício do direito de impugnar imposta no n° 5 do artigo 19° da LGT é proporcional à cobertura das necessidades que visa suprir decorrentes da específica situação do universo dos sujeitos passivos abrangidos por esse dispositivo legal.
Também, nesta vertente, a sentença viola os referidos n° 4 e 5 do artigo 19° da LGT.
II - Quanto à caducidade do direito de impugnar
A reclamação graciosa apresentada pela impugnante, por ter por fundamento apenas matéria de direito, não era reclamação necessária e devia ser apresentada nos prazos gerais do artigo 70° n° 1 do CPPT e a impugnação não dependia do despacho que sobre ela recaísse, nos termos do disposto no artigo 132° n° 6 do CPPT. E
A Impugnação devia, pois, ser apresentada no prazo do artigo 102° n° 1 do CPPT e, por ter sido apresentada muito depois, revela-se intempestiva.
A sentença recorrida, ao considerá-la tempestiva, viola o disposto no n° 3 do artigo 131°, n° 6 do artigo 132° e 70° n° 1, todos do CPPT.
III - Violação do contraditório
Verifica-se que consta a fls. 257 a 269 dos autos um documento junto pela recorrida, em 06-07-2001, de cujo teor nunca a recorrente foi notificada até ter sido notificada da sentença.
Tal documento foi junto para influenciar a decisão da causa, não foi junto com a petição da impugnação - sobre o mesmo foi aposto um visto de entrada e não consta dos autos qualquer despacho de desentranhamento - e teve a sua junção admitida com desrespeito do princípio do contraditório.
A atuação judicial acima descrita é violadora do disposto no n° 3 do artigo 3º e 526° do CPC e no artigo 115° n° 1 e 4 do CPPT, e consubstancia irregularidade que, por influir na decisão da causa, produz a nulidade prevista no artigo 201° do CPC.
Deve, pois, ser anulado todo o processado posterior à junção do doc. de fls. 257 e segs. com a consequente baixa dos autos ao tribunal recorrido para realização da notificação omitida e posteriores trâmites.
IV - Omissão de notificação para alegações
Sem conceder, deve ainda ser anulado todo o processado, por falta de notificação para alegações nos termos do artigo 120° do CPPT, por a sentença recorrida ter violado o disposto nesse artigo e se tratar de irregularidade com influência na decisão da causa, quer face à complexidade da matéria em discussão nos autos, quer face a anterior omissão de notificação para pronúncia sobre documento junto pela parte contrária. Sofre a sentença da nulidade prevista no artigo 201° do CPC.
V - A sentença, ao considerar que as liquidações impugnadas padecem do vício de violação de lei, consubstanciado na violação do princípio da livre circulação de capitais, previsto no art. 56° do TCE, e 8º n° 4 da CRP, fez uma incorreta interpretação da factualidade subjacente bem como do artigo 56° do CE:
a) Desde logo porque ao caso sub judice não é aplicável a Diretiva 90/435, uma vez que a participação da impugnante não atinge o nível de participação a que se refere o n° 1 do artigo 5.° dessa Diretiva. Ademais porque a impugnante não foi objeto de tratamento menos favorável, pois tratando-se de a exigência de um representante fiscal e a retenção na fonte representam apenas um tratamento diferente de situações diferentes. E quanto à taxa do imposto, a aplicada à impugnante não é diferente da aplicada às residentes. A aplicada em 2005, pela inexistência ao tempo de convenção para evitar a dupla tributação com a Espanha foi a taxa resultante de um benefício idêntico para todas a empresas em situação idêntica, residentes ou não residentes [aplicação conjunta dos artigos 80° n° 2 al. c) do CIRC e 59° do EBC]; a de 2006 foi determinada por aplicação conjunta dos artigos 80° n° 2 al. c) do CIRC e 10° n° 1 al. b) da CEDT entre Portugal e Espanha. Não ocorreu, pois, qualquer discriminação que não se fundamentasse em tratamento igual do que é igual e diferente do que é diferente. A sentença recorrida é que beneficia a impugnante sem fundamento, garantindo-lhe assim um tratamento mais favorável do que o dado a outras entidades em situação idêntica.
b) O facto de as sociedades serem residentes ou não coloca-as, pelo regime fiscal que lhes é aplicável, em situações objetivamente diferentes, sendo certo que o crédito de imposto por dupla tributação internacional previsto no artigo 85° do CIRC exige montante de coleta suficiente à dedução, o que pode não ocorrer em muitas situações. O Tratado da CE não proíbe em absoluto a aplicação de medidas nacionais que estabeleçam diferenças entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação de residência, O artigo 58° do TCE dispõe que “o disposto no artigo 56° não prejudica o direito de os estados-membros: a) aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido”.
VI - A sentença recorrida, ao fundamentar a sua decisão no artigo 56° do tratado CE faz dele uma aplicação direta e descontextualizada, sem integrar sistematicamente a norma no conjunto do tratado, designadamente sopesando a ressalva do artigo 58° relativamente ao artigo 56°. Além de que é duvidosa a aplicação direta do artigo 56° por não ser uma norma “self-executing” e carecer de desenvolvimento em direito comunitário derivado (Diretiva ou Regulamento CE). De qualquer modo, a aplicar-se diretamente, dever-se-ia articulá-la com o artigo 58°. Como muito bem refere o TCASul no Acórdão de 2 de Fevereiro proferido no processo n° 1959/07, não existe incompatibilidade com a livre circulação de capitais, por a situação cair na exceção da al. a) do n° 1 do artigo 58° do Tratado CE Aplicando como aplicou o artigo 56° do TCE, a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 56°, violando ambas as disposições (artigos 56° e 58° do TCE).
VII - As liquidações em causa não constituem violações do disposto nos artigos 8º n° 2 da CRP e 1° n° 1 da LGT porque também não violam o primado do direito comunitário. A sentença recorrida é que, ao fazer do direito comunitário uma aplicação direta e descontextualizada, como acima se deixa dito, e desaplicar os artigos 80° n° 2 al. e) do CIRC, 59° do EBF e 10° n.2 al. b) da CEDT Portugal/Espanha sofre do vício de violação de lei, violando todas estas normas.”

A Recorrida contra-alegou, pugnando pela sua improcedência, com base no seguinte quadro conclusivo:

A) A procuração forense, enquanto instrumento que concretiza o mandato judicial deve permitir ao Tribunal e aos demais intervenientes processuais saber se o advogado que intervém nos atos processuais efetivamente pode representar o mandante por ter poderes para tal, não obedecendo contudo a quaisquer requisitos de forma específicos, impondo-se apenas que do seu conteúdo resulte, com mediana clareza, que o mandante pretendeu conferir poderes gerais para a representação na prática de atos processuais;

B) Da procuração junta aos presentes autos resulta claramente que a Recorrida T..., S.A., conferiu poderes de representação aos advogados D..., B... e P... para a prática de atos processuais nos presentes autos, incluindo a apresentação da petição de impugnação que esteve na origem dos presentes autos, pelo que não assiste mínima razão à Digna Representante da Fazenda Pública, tendo os atos processuais nos presentes autos sido efetivamente praticados por advogado, regularmente constituído como mandatário judicial, nos termos de procuração forense;

C) De qualquer modo, ainda que se considerasse, como afirma a Digna Representante da Fazenda Pública, que da referida procuração forense não resultava a atribuição de poderes de representação para a prática de atos processuais nos presentes autos - hipótese que sem conceder se admite por mero dever de patrocínio tal não determinaria a anulação da sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo mas apenas a aplicação do regime estatuído no artigo 40°, nº 1 e 2 do CPC;

D) Ao conferir mandato no presente litígio, previamente à apresentarão da reclamação graciosa, a Recorrida conferiu aos seus mandatários, tão apenas poderes de representação judicial, mas também os «especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a Administração Tributária»;

E) Os mandatários constituídos nos presentes autos e no procedimento de reclamação graciosa que o antecederam assumem assim a qualidade de seus representantes com residência em território nacional para efeitos do disposto no artigo 19°, n°4, da LGT, nada obstando a que a representação em causa tenha origem em mandato, pelo que é falso que a Recorrida não haja respeitado o disposto no artigo 19°, n.°4, da LGT, ao contrário do pretendido pela Digna Representante da Fazenda Pública;

F) A representação a que alude o artigo 19° da LGT é motivada pela necessidade de assegurar um ponto de contacto entre o ausente e a Administração Tributária, sendo certo que sempre que haja a constituição de mandatários tal ponto de contacto é perfeitamente assegurado, atento o disposto no artigo 40°, n° 1, do CPPT, pelo que se toma evidente o equívoco que a posição sustentada pela Digna Representante da Fazenda Pública traduz;

G) Interpretação diversa da norma em questão resultará na violação do direito da Recorrida a uma tutela jurisdicional efetiva, consagrado nos artigos 2° e 268° da CRP, direito fundamental que se impõe à interpretação e aplicação que a Administração Tributária adote do artigo 19°, n°4, da LGT e que apenas pode ser condicionado com respeito pelo princípio da proporcionalidade, nos termos do artigo 18°, n° 2, da CRP;

H) Na hipótese de ser necessária a nomeação de um representante da ora Recorrida com residência em território nacional, para mais quando esta se encontra já representada por advogados aqui estabelecidos, para que esta pudesse aceder à justiça tributária - quer a nível administrativo quer a nível judicial - estar-se-ia perante uma exigência ao mesmo tempo inadequada, desnecessária e desproporcional à necessidade sentida de assegurar a possibilidade de contactar a ora Recorrida através de um residente em território nacional, porquanto esse contacto é imperativamente feito através dos mandatários constituídos por aquela, revelando-se semelhante exigência incompatível COMI o conteúdo do direito de fundamental acesso à justiça, tal como este se encontra configurado pelo artigo 20.°, n° 1, primeira parte da CRP.

I) Acresce que, semelhante exigência de nomeação de representante com residência em território nacional como condição de exercício dos direitos de reclamação e impugnação dos atos tributários que estão na origem dos presentes autos se apresentaria igualmente inadmissível à luz do artigo 12° do TCE, na medida em que se reconduziria a uma discriminação indireta com base na nacionalidade, como se passa a evidenciar;

J) A reclamação graciosa que precedeu os presentes autos de impugnação judicial foi apresentada tempestivamente, à luz do disposto no artigo 128°, n.°3, do CIRC, norma especial face ao artigo 132° do CPPT;

K) De qualquer modo, mesmo que se aplicasse o artigo 132.° do CPPT, a reclamação graciosa teria sido tempestivamente apresentada - dentro do prazo de dois anos previsto no n.°3 da referida disposição legal -, sendo certo que contra essa conclusão irrelevaria a possibilidade de impugnação direta dos atos tributários prevista no n° 6 do artigo 132° do CPPT, seja porque a retenção na fonte não foi efetuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela Administração Tributária - inexistentes -, seja porque mesmo em abstrato a possibilidade de impugnação direta não altera o prazo de dois anos para reclamação graciosa, apenas faz com que esta se revista, de natureza facultativa;

L) O Acórdão junto aos autos a fls. 257 a 269 não consubstancia um documento enquanto meio de prova, na medida em que não tem por finalidade a reconstituição dos factos históricos que integram a causa de pedir da ora Recorrida nos presentes autos de impugnação judicial, não demonstrando ou atestando a verificação desses factos, nem tão-pouco tem como conteúdo a valoração concreta desses mesmos factos, pelo que não lhe sendo aplicável o regime constante dos artigos 523.° e 526.° do CPC, a sua apresentação não careceu de ser notificada à Digna Representante da Fazenda Pública nos presentes autos - mas, mesmo que essa notificação tivesse que ter ocorrido, a sua omissão não acarretaria a anulação da Sentença proferida pelo Douto Tribunal a quo atento o princípio da economia processual e do aproveitamento dos atos processuais;

M) Em matéria de apresentação pelas partes de alegações escritas em 1.ª instância, o juiz pode optar, verificando-se os requisitos previstos no artigo 113°, n° 1, do CPPT, por apreciar imediatamente os autos com dispensa de apresentação de alegações nos termos do artigo 120° do CPPT, após a entrega da contestação da representante da Fazenda Pública ou do termo do prazo para o efeito;

N) Nessa medida, verificando-se nos presentes autos os pressupostos que permitem a dispensa de alegações e que o poder conferido ao juiz através do artigo 113°, n° 1, do CPPT se inclui nos normais poderes de direção do processo, a falta de notificação para apresentação de alegações nos presentes autos não é fundamento de anulação da sentença proferida pelo Tribunal a quo;

O) O artigo 56.° do TCE tem aplicabilidade direta no ordenamento jurídico interno, atenta a natureza do Direito Comunitário e o disposto no artigo 8,°, n,° 4, da CRP, pelo que é parâmetro de aferição da legalidade das normas internas que possam colidir com a liberdade de circulação de capitais, como é o caso dos artigos 90.°, n° 1, alínea c), 46.°, n° 1, 88.°, n° 3, alínea b), e 5, 80.°, n° 2, alínea c), 14.°, n°3 e 89.°, n° 1, do CIRC, tendo ademais aplicação no presente caso porquanto está em causa uma situação com um elemento de conexão transfronteiriço determina o carácter intracomunitário da situarão de facto;

P) Na medida em que, por força do regime português para eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos - constante dos artigos 90.°, n.°1, alínea c), 46.°, n.°1, 80, n.°2, alínea c), 14.°, n° 5, e 89.°, n° 1, do CIRC - a tributação dos dividendos auferidos por entidades não residentes e sem estabelecimento estável em Portugal é mais gravosa que a tributação de residentes colocados em posição análoga, tal regime consubstancia uma restrição discriminatória à liberdade de circulação de capitais postulado pelo artigo 56.° do TCE;

Q) Dado que a Recorrida se encontra numa situação comparável com a de um acionista residente e que não se verificam razões de interesse geral que justifiquem a restrição à liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 56.°, tal restrição é ilegal, pelo que se justifica plenamente, como com insigne acuidade determinou o Douto Tribunal a quo, a anulação dos atos de retenção na fonte impugnados, com a consequente restituição do imposto indevidamente retido na fonte, no montante global de EUR 11.402.258,62, acrescido de juros indemnizatórios nos termos do disposto no artigo 43°, n° 1, do CPPT;

R) Ao contrário do invocado pela Digna Representante da Fazenda Pública, a existência da CEDT Portugal/Espanha em nada altera a necessidade de, à luz do artigo 56.° do TCE, constatando-se que a Recorrida, auferindo os dividendos distribuídos pela P... S.G.P.S., S.A., se encontrava numa situação comparável à de uma qualquer outra acionista portuguesa nos termos já demonstrados, aquela ser tratada de modo idêntico a um qualquer nacional nas mesmas condições - princípio do tratamento nacional -ou seja, não sofrer qualquer tributação em Portugal sobre e esses rendimentos;

S) O Acórdão desse Douto Tribunal Administrativo Sul, de 2 de Fevereiro de 2010, proferido no âmbito do processo n.°1959/07, invocado pela Digna Representante da Fazenda Pública para defender que o tratamento diferenciado entre acionistas residentes e não residentes não viola o disposto no artigo 56.° do TCE por se enquadrar na exceção prevista no artigo 58.° do TCE não transitou em julgado, tendo sido objeto de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo onde foi já proferido Acórdão submetendo questão prejudicial para o atual Tribunal de Justiça da União Europeia;

T) A jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias relativamente à interpretação dos artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58.° do TCE) - designadamente Acórdãos Verkoovjen (Processo C-35/98), Lankhorst (Processo C- 124/00), Bosal Holdings (Processo C-168/01), Saint Gobain (Processo C-307/97), Nicolas Derter (Processo C-120/95), Manninen (Processo C-319/02), ACT 4 (Processo C-374/04), FII (Processo C-446/04), Denkavit II (Processo C-170/C5), Amurta (Processo C-379/05) e Comissão/Itália (Processo C-540/C7) - reveste inteira aplicação no caso sub judice, determinando a conclusão de que os artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58.° do TCI) se opõem ao regime ínsito nos artigos 90°, n° 1, alínea c), 46°, n° 1, 80, n° 2, alínea c), 14.°, n° 3, e 89.°, n° 1, do CIRC - como adequadamente reconhecido pelo Douto Tribunal a quo;

U) Não obstante, caso esse Douto Tribunal ad quem tenha dúvidas quanto à desconformidade do regime ínsito nos artigos 90.°, n° 1, alínea c), 46.°, n° 1, 80, n° 2, alínea c), 14.°, n° 3, e 89.°, n° 1, do CIRC com os artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58.° do TCE), estando em causa uma questão de interpretação de Direito Comunitário primário que assume decisiva relevância para a questão sub judice, deterá suspender a presente instância e submeter ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do TFUE (ex-artigo 234.° do TCE) a seguinte questão prejudicial: "Os artigos 63.° e 65.° do TFUE (ex-artigos 56.° e 58° do TCE) opõem-se à legislação de um Estado-membro, como a dos artigos 90.°, n° 1, alínea c), 46.°, n° 1, 80, n° 2, alínea c), 14°, n° 3, e 89.°, n° 1, do CIRC, que, no âmbito da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, muito embora respeitando os requisitos mínimos de participação e período mínimo de detenção previstos na Diretiva n.°90/435/CEE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, não dispensa de tributação as sociedades acionistas residentes noutro Estado-membro nas mesmas circunstâncias que as sociedades acionistas residentes em Portugal, exigindo para o efeito um período mínimo de detenção maior e uma participação social mínima mais relevante, tomando nessa medida mais morosa ou inviabilizando por completo a eliminação da dupla tributação económica?";

V) No presente caso estão reunidos todos os pressupostos legais para a condenação da Administração Tributária, determinada pelo Douto Tribunal a quo, no pagamento de juros indemnizatórios previstos no artigo 43° da LGT, não tendo a Digna Representante da Fazenda Pública contestado no âmbito do seu recurso o juízo do Douto Tribunal a quo sobre a existência de um erro imputável aos serviços da Administração Tributária que determinou a condenação nesse pagamento.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, não poderá a pretensão da Digna Representante da Fazenda Pública deixar de ser desatendida, negando-se provimento ao recurso, tudo com as demais consequências legais, o que se requer.
De todo o modo, caso hajam dúvidas quanto à interpretação a dar aos artigos 63° e 65° do TFUE (ex-artigos 56° e 58° do TCE), requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que proceda ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia da questão acima formulada, em conformidade com o disposto no artigo 267° do TIUE (ex-artigo 234° do TCE).”


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: (i) se a impugnante é parte legítima nos presentes autos, por não ter nomeado representante fiscal residente em território nacional (nº 4 e 5 do artigo 19º LGT, na redação anterior à Lei nº na redação anterior à Lei nº 64-B/2011, de 30 de Dezembro); (ii) se a sentença sofre de insuficiente fixação da matéria de facto por não ter levado ao probatório que a Impugnante não nomeou representante fiscal com residência em Portugal; (iii) saber se a sentença recorrida se encontra afetada por nulidade processual, consequente da violação do princípio do contraditório, por a Fazenda Pública não ter sido notificada da junção de documento aos autos (iv) se a falta de notificação às partes para apresentarem alegações escritas constitui causa de nulidade processual; (v) por fim, e em caso de resposta negativa, se a sentença recorrida sofre de erro de julgamento na vertente da aplicação do direito aos factos apurados.


II.1- Dos Factos

O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade:

1. A Impugnante é uma sociedade comercial de Direito espanhol - revestindo a forma jurídica de sociedade anónima - cuja atividade principal tem lugar no sector das telecomunicações (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2.° da Diretiva n° 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 67 dos autos, e respetiva tradução para o português, a fls. 138-140, dos autos).

2. A Impugnante não dispõe de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais em Espanha, nos termos do artigo 4.° da "Convenção entre a República Portuguesa e o Reino de Espanha para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento e o Capital” ("CEDT Portugal/Espanha”), uma vez que é aí considerada residente pela lei fiscal espanhola e aí se encontra sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto espanhol sobre o rendimento de sociedades (“impuesto sobre sociedades”) (cf. cópia do certificado emitido pelas autoridades fiscais espanholas para efeitos de aplicação do artigo 2.° da Diretiva n° 90/435/CE, do Conselho, de 23 de Julho de 1990, relativa ao regime fiscal comum aplicável às sociedades-mães e sociedades afiliadas de Estados-membros diferentes a fls. 67 dos autos, e respetiva tradução para o português, a fls. 138-140, dos autos).

3. Em 27 de Maio de 2005, e em 19 de Maio de 2006, a ora impugnante detinha uma participação direta na “P..., SGPS, S.A.” correspondente a 8,78% do respetivo capital social, bem como uma participação indireta, através da “A... HOLDING, D.V.”, correspondente a 0,47% do mesmo (cf. cópias da movimentação do dossier de títulos emitida pelo B..., S.A. dos comprovativos das ordens de compra e do documento emitido pelo Banco B... Portugal, a fls. 69-78, 80 e 82, e respetiva tradução certificada para português, a fls. 142-168, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

4. A participação referida no ponto anterior foi constituída ao longo do período compreendido entre 14 de Outubro de 1997 e 17 de Maio de 2004, tendo a impugnante adquirido ao todo 90.632.629 ações representativas do capital social da “P..., SGPS, S.A.” pelo valor de aquisição global de EUR 763.803.900,74, aquisição discriminada da seguinte forma (cf. cópias da movimentação do dossier de títulos emitida pelo B..., S.A. dos comprovativos das ordens de compra e do documento emitido pelo Banco B... Portugal, a fls. 69-78, 80 e 82, e respetiva tradução certificada para português, a fls. 142-168, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):




5. No período compreendido entre 22 de junho de 2004 e 18 de abril de 2005, a impugnante efetuou aquisições e vendas de ações representativas do capital social da "P..., SGPS, S.A.” da seguinte forma (cf. documento a fls. 82, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):


6. 6.Em 27 de Maio de 2005 e 19 de Maio de 2006, a impugnante auferiu dividendos da sua participação na "P..., SGPS, S.A.” respetivamente, nos montantes de EUR 34.702.526,25 e EUR 47.096.285,63 (cf. cópias de avisos de crédito emitidos pelo B… e pelo B…, a fls. 84, 86, 88 e 90, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

7. Os dividendos distribuídos em 2005 foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a 12,5% dos mesmos, no montante de EUR 4.337,815,78, sido objeto de retenção na fonte a título de IRC, em resultado da aplicação conjunta dos artigos artigo 80°, n° 2, alínea c), do CIRC e 59.° do Estatuto dos Benefícios Fiscais ("EBF”) (cf. documentos a fls. 84 e 86, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

8. Os dividendos distribuídos em 2006 foram sujeitos a tributação em Portugal, tendo uma importância correspondente a 15% dos mesmos, no montante de EUR 7.064,442,84, sido objeto de retenção na fonte a título de IRC, em resultado da aplicação conjunta dos artigos 80.°, n.° 2, alínea c), do CIRC e 10.° n.° 2, alínea b), da CEDT Portugal/Espanha (cf. documentos de fls. 86, 88, e 90 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9. Os dividendos distribuídos pela "P..., SGPS, S.A.” e colocados à disposição da Impugnante, em 27 de Maio de 2005 e 19 de Maio de 2006, foram sujeitos a retenção na fonte em Portugal a título de IRC nos seguintes termos (cf. documentos de fls. 86, 88, e 90 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):


10. Em 3 de Abril de 2007 a impugnante emitiu uma procuração a favor de D..., B... e P..., conferindo aos mesmos "com os de substabelecer, os mais amplos poderes em direito permitidos, incluindo os de confessar, desistir e transigir bem como os especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a Administração pública”, aqui se dando o respetivo teor por integralmente reproduzido (cf. original a fls. 43, do segundo volume do PAT, e cópia certificada a fls. 63, dos autos).

11. Em 17 de Maio de 2007, por não se conformar com as liquidações de imposto por retenção na fonte acima referidas, a impugnante apresentou perante a Administração tributária reclamação graciosa das mesmas, em sede da qual requereu o reembolso dos montantes retidos na fonte - EUR 11.402,258,62 - com fundamento numa discriminação injustificada entre acionistas residentes e não residentes em Portugal, e concomitante violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.° do Tratado da Comunidade Europeia e, consequentemente, do primado do direito comunitário sobre o direito ordinário interno, consagrado no artigo 8.°, n.° 4, da Constituição da República Portuguesa (cf. cópia do RI da reclamação a fls. 24-134, dos autos, e a fls. 2-72, do PAT, 2.° volume, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

12. A PI da presente impugnação deu entrada no Tribunal tributário de Lisboa em 18 de dezembro de 2007 (cf. carimbo aposto a fls. 1, dos autos).


Quanto a factos não provados, na sentença exarou-se o seguinte:
Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.


E quanto à Motivação da Decisão de Facto, consigna-se:
A decisão da matéria de facto efetuou-se com base no exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos, e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada.

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, ao abrigo do preceituado no artigo 662/1, do Código de Processo Civil (CPC) ex vi artigo 281º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), adita-se ao probatório os seguintes factos:


13. Em 29.01.12, foi proferido despacho constante de fls. 255 do processo (doc. nº 003046715 registado em 12-01-2009 às 18:45:11), que aqui se dá como integralmente reproduzido, com o seguinte teor:

Vão os autos com vista ao Digno Magistrado do Ministério Público, para parecer, nos termos do disposto no art. 113.º, n.º 1, do CPPT.

14. Em 2010.02.10, foi aberta conclusão nos autos.

15. Em 2010.07.06, foi junto ao processo requerimento constante de fls. 296 (doc. nº 003046718 registado em 06-07-2010 às 10:48:50), e que aqui se dá como integralmente reproduzido, acompanhado de cópia do Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias proferido no processo nº C-487/08;

16. Em 2010.10.22, nos presentes autos, foi proferida a sentença recorrida.


II.2 Do Direito

II.2.1 - Da legitimidade da Impugnante.

A Impugnante, ora Recorrida, é uma sociedade comercial de direito espanhol, que não tem sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais em Espanha.

Defende a Recorrente que a Impugnante, ora Recorrida, ao não nomear representante fiscal com domicílio em Portugal, estava limitada no exercício dos seus direitos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação.

Com efeito, a Lei Geral Tributária, nos números 4 e 5 do artigo 19º, na redação anterior à Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro e na redação da Lei nº 55-B/2004, de 30 de dezembro ao nº 4 deste artigo, impunha aos sujeitos passivos residentes no estrangeiro o dever de designar um representante com residência em território nacional.

A exceção de ilegitimidade da Impugnante arguida pela Fazenda Pública foi julgada improcedente, julgamento com o qual não se conforma agora. Quanto a esta questão escreveu-se na sentença recorrida:

Assim, e quanto à questão da alegada “ilegitimidade” por falta de representação da impugnante nos termos do disposto no art. 19.°, n.° 4, da LGT, a mesma improcede, pois a impugnante é parte legítima, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 26.°, do CPC, aplicável ex vi do art. 2.°, alínea e), do CPPT, e por outro lado, encontra-se devidamente representada através dos mandatários a quem foram expressa e regulamente conferidos “os mais amplos poderes em direito permitidos, incluindo os de confessar, desistir e transigir bem como os especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a Administração pública” (cf. ponto 11, da fundamentação de facto).
O art. 19.°, n.° 4, do CPPT não pode ser interpretado no sentido de impor uma restrição ao exercício do direito à tutela jurisdicional efectiva da impugnante, uma vez que se encontra devidamente representada através de mandatário com poderes conferidos para o efeito (cf. art. 268.°, n.° 4, da CRP, versão 2005), sendo certo que, por outro lado, tal interpretação contenderia, como alega e bem a impugnante, com o disposto no art. 12.°, do TCE, actual art. 18.° do Tratado de Lisboa (TLx), do qual resulta a proibição de toda e qualquer discriminação em razão da nacionalidade.

Desde já adiantaremos que a sentença não merece a censura que lhe foi feita pela Recorrente.

Com efeito, a interpretação do artigo 19º da LGT, no sentido de condicionar o direito de ação da Impugnante, ora Recorrida, à nomeação de representante fiscal em território nacional, sempre se traduziria numa compressão ilegítima do princípio da tutela jurisdicional efetiva, em violação do disposto nos artigos 20/1 e 268/4 da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Mesmo para efeitos de procedimento fiscal foi reconhecido já que esta exigência feita às entidades não residentes, de nomeação de representante com residência em Portugal, viola o direito comunitário.

Nesse sentido, veja-se o acórdão do TJUE, proferido no processo nº C-267/09, de 5 de maio, disponível em https://eur-lex.europa.eu/, em ação instaurada pela Comissão Europeia contra a República Portuguesa, em que se declarou, de forma clara, a incompatibilidade com o direito comunitário da legislação que previa a obrigatoriedade da nomeação de representante fiscal em território nacional.

No citado acórdão decidiu-se: Pelo facto de ter aprovado e de manter em vigor o artigo 130° do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, que impõe aos contribuintes não residentes a obrigação de designar um representante fiscal em Portugal, quando obtenham rendimentos em relação aos quais é exigida a apresentação de uma declaração fiscal, a República Portuguesa não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 56.° CE.

Na sequência deste acórdão a Lei nº 64-B/2011, de 30 de dezembro (LOE), alterou quer o artigo 130º CIRS como o artigo 19º da LGT, no que respeita aos residentes na União Europeia, o que, nas palavras do Ac. STA de 2014.10.29, Proc. nº 01502/12 (disponível em www.dgsi.pt), sendo tal alteração um elemento interpretativo decisivo, por constituir a prova inequívoca da desconformidade da exigência de nomeação de representante fiscal anteriormente constante do ordenamento jurídico nacional.

Mais além, e na linha do defendido no Ac. STA citado, sendo o sujeito passivo não residente em território nacional, aqui não tendo sede, direção efetiva ou estabelecimento estável e, como tal, detendo a qualidade de substituída tributária na retenção suportada em Portugal sobre os dividendos que lhe foram pagos, dispõe de inequívoca legitimidade para impugnar judicialmente esses atos tributários de retenção à luz da norma contida no artigo 132º do CPPT, dado que estes têm carácter definitivo (artigo 81º do CIRC).

Não tem, pois, razão a Recorrente quanto a esta questão, sendo de manter o julgado no que a este tema se refere.

Em face da conclusão a que se chegou perde relevância a segunda questão suscitada pela Recorrente, relativa a não ter sido levada à factualidade dada como provada, de não ter a Impugnante, ora Recorrida, nomeado representante fiscal em território nacional.

De todo o modo, vejamos ainda:


II.2.2 – Do erro de julgamento de facto

O recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem por objeto, para além do mais, a reapreciação da matéria de facto.

Ora, quando se impugna a matéria de facto, a Recorrente tem de cumprir os ónus que sobre si impendem, sob pena de rejeição do recurso [artigo 640º, n.º 1, alíneas a) a c) e n.º 2, alínea a) do CPC], cabendo à Recorrente especificar:
a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas quanto aos indicados pontos da matéria de facto;
d) com exatidão, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.

A Recorrente, nas alegações de recurso, indica as folhas do documento em que está contida a matéria cujo aditamento pretende, pelo que se considera cumprida esta obrigação que sobre si recaía.

Todavia, no que concerne à decisão da matéria de facto, a mesma não deverá conter formulações genéricas, de direito ou conclusivas. Na seleção dos factos, e na decisão sobre a matéria de facto deve o Juiz só factos, direito e conclusão, e acolher apenas o facto cru, despido de conceitos de direito e de conclusões, afastando, pois, conceitos, proposições normativas ou juízos jurídico-conclusivos.

Contudo, considerando que foi fixado no ponto 10) do probatório que a Impugnante constituiu mandatário a quem passou procuração forense com poderes forenses gerais e ainda os especiais para deduzir quaisquer petições, reclamações ou exposições perante a Administração pública, o que inclui a Administração Tributária, facilmente se conclui que o aditamento proposto pela Fazenda Pública, formula um juízo conclusivo e nela está contida matéria que se integra no thema decidendum do pleito.

Com efeito, alega a Fazenda Pública a Impugnante, ora Recorrida, ao não nomear representante fiscal com domicílio em Portugal, estava limitada no exercício dos seus direitos perante a administração tributária, incluindo os de reclamação, recurso ou impugnação. Tema que já analisamos supra em II.2.1, embora em sentido desfavorável à pretensão da Recorrente.

Termos em que se indefere o requerido aditamento ao probatório.


II.2.3 – Das nulidades processuais

Alega a Recorrente ter sido junto aos autos documento pela Impugnante, ora Recorrida, documento esse que lhe não foi notificado ou mandado desentranhar, em claro desrespeito pelo princípio do contraditórios e ainda que deve ser anulado todo o processado, por falta de notificação para alegações nos termos do artigo 120° do CPPT, por a sentença recorrida ter violado o disposto nesse artigo e se tratar de irregularidade com influência na decisão da causa, quer face à complexidade da matéria em discussão nos autos, quer face a anterior omissão de notificação para pronúncia sobre documento junto pela parte contrária. Sofre a sentença da nulidade prevista no artigo 201° do CPC (cf. conclusões III e IV).

Em causa está a ocorrência de uma eventual nulidade secundária, praticada em data anterior à sentença, que segundo a Recorrente se traduz na violação do direito ao contraditório, por o tribunal recorrido não ter ordenado a notificação do documento junto pela Recorrida e por ter sido omitida a notificação para alegações escritas, configurando, qualquer delas, uma nulidade processual nos termos do atual artigo 195/1 CPC (artigo 201º CPC de 1961).

Nas alegações de recurso a Recorrida defende que considerando o conceito normativo de documento para efeitos de aplicação das normas sobre produção documental, pode concluir-se que o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que fez juntar aos autos, não reveste as caraterísticas de documento enquanto meio de prova, na medida em que não tem por finalidade a reconstituição dos factos históricos que integram a causa de pedir da Recorrida, não demonstrando ou atestando a verificação desses factos, não tendo como conteúdo a valoração concreta desses mesmos factos, não lhes sendo, pois, aplicável o regime constante dos artigos 523º e 526º do anterior CPC, pelo que não careciam de ser notificados à Fazenda Pública (cf. artigo 87º das contra-alegações).

Vejamos, então:

É inquestionável que todos têm direito a um processo justo e equitativo (due processo of law), enquanto corolário direto da ideia de Estado de direito democrático. É, pois, um subprincípio da tutela jurisdicional efetiva, sendo absolutamente estruturante na construção e aplicação do direito processual ou adjetivo.

Uma das manifestações do due process of law é precisamente o direito ao contraditório, materializado no artigo 3/3 CPC. Assim, o Juiz deve observar e fazer cumprir ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.

O princípio do contraditório, é um princípio fundamental do direito processual, que assegura não só a igualdade das partes, como uma «garantia de participação efetiva das partes em todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que, em qualquer fase do processo, apareçam como potencialmente relevantes para a decisão» (Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 4.ª Edição, Gestlegal, Coimbra, 2017, p. 127) (1).

Com efeito, os Juízes estão vinculados à obrigação de garantir, ao longo de toda a lide, uma verdadeira e efetiva igualdade substancial das partes.

Salvo em casos excecionais, o tribunal não pode decidir sem que todas as partes tenham tido a possibilidade de se pronunciarem sobre a questão, devendo cada uma das partes ser chamada a deduzir as suas razões, a oferecer as suas provas, a controlar as provas do adversário e a discretear sobre o valor e os resultados de umas e outras (2) e que a omissão de uma formalidade que a lei prescreva produz nulidade quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa (cf. artigo 195º do CPC).
As nulidades processuais são, pois, quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder - embora não de modo expresso - uma invalidade mais ou menos extensa de atos processuais (3).

As nulidades processuais, atípicas ou inominadas, estão atualmente previstas no artigo 195º CPC (que corresponde ao artigo 201/1, CPC de 1961), estando a sua arguição sujeita ao regime previsto nos artigos 196º e 197º do mesmo diploma legal (artigos 202.º e 205.º CPC de 1961).

Diz o artigo 195/1 CPC:
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

No caso em análise foi junto um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeia, cuja junção não foi notificada à Recorrente, embora tenha sido referenciado na sentença recorrida, e omitida a notificação às partes para alegações escritas, de facto e de direito.

A inobservância destas formalidades processuais importa a nulidade processual prevista no artigo 195º do CPC, não integrando as causas de nulidade de sentença, taxativamente previstas no artigo 615/1 do CPC, devendo o desvio ao ritualismo processual imposto ser reclamado no prazo de 10 dias após a notificação da decisão, sob cominação de sanação.

Compulsados os autos, constata-se que malgrado terem sido juntos documentos, bem como o processo administrativo, as partes não foram notificadas para alegarem, nem apresentaram alegações de facto e de direito. Verifica-se antes que findos os articulados, foi ordenada a remessa dos autos para parecer final do Ministério Público e, após, foi proferida a sentença recorrida.

Importa reter aqui que é entendimento jurisprudencial que nos casos em que ocorre uma omissão e é proferida uma decisão judicial em momento em que poderia ser ordenada a prática do ato em falta, é a própria decisão judicial que dá cobertura à falta cometida, pois apenas com a sua prolação se consuma a falta/desvio.

Relativamente às nulidades processuais que se consumam com a prolação da sentença, como a omissão de atos que deveriam ser praticados antes dela, o STA tem vindo a entender que, embora se trate de nulidades processuais, a respetiva arguição pode ser efetuada nas alegações do recurso jurisdicional que for interposto da sentença, como, efetivamente, ocorreu no caso em apreço. (Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo de 2001.10.02, Proc. n.º 42385 e Acórdãos da Secção do Contencioso Tributário de 2002.12.04, Proc n.º 1314/02, de 2002.07.10, Proc n.º 25998, de 2009.03.11, Proc. nº 01032/08, de 2010.0602, Proc nº 026/10).

De onde se conclui que a nulidade arguida foi atempadamente suscitada.

E a questão que agora se coloca é a de saber se ao omitir tal notificação, o tribunal recorrido praticou a nulidade processual que vem invocada pela Recorrente.

Vejamos o que nos dizem os artigos 113/1 e 120º CPPT:

Artigo 113º - Conhecimento imediato do pedido
1. Junta a posição do representante da Fazenda Pública ou decorrido o respetivo prazo, o juiz, após vista ao Ministério Público, conhecerá logo o pedido se a questão for apenas de direito ou, sendo também de facto, o processo fornecer os elementos necessários.
2. (…)

Artigo 120º - Notificação para alegações
Finda a produção da prova, ordenar-se-á a notificação dos interessados para alegarem por escrito no prazo fixado pelo juiz, que não será superior a 30 dias.

Em resposta a esta questão, o Supremo Tribunal Administrativo (Pleno), no seu acórdão de 8 de maio de 2013, Processo 01230/12, firmou jurisprudência sobre esta matéria, à qual aderimos, sem reserva, e que por isso nos limitamos a transcrever do citado acórdão:

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Tendo havido junção ao processo de documentos com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos pela impugnante e do PAT), os quais relevaram para a especificação da matéria de facto julgada provada, impunha-se que se concedesse às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, não só sobre a relevância factual que podem ter os elementos em questão, mas também sobre as ilações jurídicas que daí se podem retirar. É que, por um lado, e ao invés do entendimento apontado no acórdão recorrido, não vemos razões legais para limitar as alegações aos casos de produção de prova testemunhal. Mas, por outro lado e como, igualmente, se diz no acórdão fundamento, «O facto de cada uma das partes ter tido oportunidade de se pronunciar sobre os documentos apresentados pela parte contrária, não dispensa as alegações, designadamente porque, enquanto o prazo legal para as partes se pronunciarem sobre documentos apresentados pela parte contrária é o prazo geral de 10 dias [art. 153º, nº 1, do CPC, aplicável por força do disposto no art. 2º, alínea e), do CPPT], o prazo para alegações é fixado pelo juiz, podendo estender-se até 30 dias, nos termos do transcrito art. 120º»
Também nos acórdãos desta Secção do STA, de 11/3/2009 e de 28/3/2012, respetivamente, nos procs. nº 01032/08 e nº 062/12, ficou consignado que «a junção do processo administrativo impõe que, em regra, se tenha de passar à fase das alegações, não podendo haver conhecimento imediato do pedido, sob pena de violação do princípio do contraditório e da igualdade dos meios processuais ao dispor das partes (artigos 3º, nº 3, do CPC e 98º do CPPT)».
E o Cons. Jorge Lopes de Sousa igualmente salienta que «No caso de se estar perante uma situação em que deva ocorrer o conhecimento imediato, designadamente se forem juntos documentos pelas partes após a contestação, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações, a fim de se poderem pronunciar sobre a relevância desses documentos para a decisão da causa.
Mesmo que, na sequência da junção de documentos por cada uma das partes, a parte contrária tenha sido notificada da junção e se tenha pronunciado, não pode dispensar-se a notificação das partes para alegações …». Aliás, o mesmo autor também acrescenta que, nos casos em que o representante da Fazenda Pública contestar, sendo obrigatória a junção do processo administrativo, que deverá conter informações oficiais [arts. 111º, nº 2, alíneas a) e b), do CPPT], que são um meio de prova (art. 115º, nº 2), em regra não poderá haver conhecimento imediato do pedido, tendo de passar-se à fase de alegações, mesmo que não haja outra prova a produzir, por imperativo do princípio do contraditório (art. 3º, nº 3, do CPC), pois só assim se torna possível evitar que a administração tributária usufrua de um privilégio probatório especial na instrução do processo e se confere aos princípios do contraditório e da igualdade dos meios processuais uma verdadeira dimensão substantiva (art. 98º da LGT).”

A doutrina que dimana deste acórdão é clara, pelo que nos dispensamos de mais fundamentar.

Em face do exposto, podemos, pois, concluir que foi preterida formalidade legal, por violação do princípio do contraditório, determinante de nulidade na medida em que suscetível de influir na decisão da causa [artigos 3/3 e 195/1 CPC, aplicáveis ex vi artigo 2.e) CPPT].

Esta nulidade tem como consequência a anulação dos termos processuais subsequentes, incluindo a sentença impugnada (artigo 98/3 CPPT).

Em consequência da solução da questão da nulidade suscitada, impõe-se concluir pela procedência do recurso, resultando assim prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas [artigo 608/2 CPC aplicável ex vi artigo 2.e) CPPT].


Sumário/Conclusões:

I. No processo de impugnação judicial, as alegações previstas no artigo 120.º do CPPT destinam-se simultaneamente à discussão da matéria de facto de direito.
II. Tendo havido junção ao processo de documentos e informações oficiais com relevo probatório (como é o caso dos documentos juntos e do PAT), que podem ser relevantes para a decisão final, impõe-se que se conceda às partes a possibilidade de alegarem sobre esta matéria, nos termos do artigo 120º do CPPT.
III. Ao não se notificarem as partes para produzirem alegações escritas, ocorreu uma omissão suscetível de influir no exame e na decisão da causa, a qual determina a anulação da sentença recorrida (artigo 201.º do CPC, então vigente, que corresponde atualmente ao artigo 195º), e implica a anulação dos termos processuais subsequentes (artigo 98/3 CPPT).

III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento ao recurso e anular os termos processuais subsequentes à formalidade legal preterida, incluindo a sentença recorrida e determinar a baixa dos autos ao Tribunal Tributário de Lisboa, a fim de as partes serem notificadas para alegar, no prazo que vier a ser fixado, seguindo-se os ulteriores termos do processo, se a tal nada mais obstar.

Sem custas.

[Nos termos e para os efeitos do artigo 15º-A do DL nº10-A/2020, de 13 de março, o Relator atesta que os Juízes Adjuntos - Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares - têm voto de conformidade.]

Lisboa, 11 de fevereiro de 2021
SUSANA BARRETO

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(1) In Ac. TC Proc n.º 675/2018, publicado no Diário da República n.º 16/2019, Série I de 2019-01-23
(2) ANDRADE, Manuel de, NOÇÕES ELEMENTARES DE PROCESSO CIVIL, 1979, pág. 379
(3) ANDRADE, Manuel de, Op. Cit., pág. 379