Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:415/17.5 BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
REQUISITOS FORMAIS DAS FACTURAS.
Sumário:Os requisitos formais das facturas relevam quanto à aceitação das mesmas na medida em que permitem à Administração Fiscal o controlo da materialidade das transações tituladas.
Votação:UNANIMIDADE
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO
I- Relatório

H................ B………. E…………, Lda. (em liquidação), veio deduzir impugnação judicial contra os actos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os nºs ……………..562; ……………577; …………..584; ……………602 e ……………626, relativos, respectivamente, aos períodos de 2014/09T, 2014/12T, 2015/03T, 2015/06T e 2015/12, no valor total de €285.015,07, emitidos no seguimento da acção inspectiva e das correções propostas no Relatório elaborado pelos Serviços da Inspeção Tributária.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, por sentença datada de 03/10/2022, incorporada a fls.138 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), julgou a impugnação improcedente e, em consequência, manteve na ordem jurídica as liquidações sindicadas.

A impugnante interpôs recurso contra a sentença, tendo na sua alegação recursória, inserta a fls. 168 e ss. (numeração do processo em formato digital - sitaf), formulando as conclusões seguintes:

a) As liquidações efectuadas pela Fazenda Nacional são injustas e desproporcionais.

b) O I.V.A. incide sobre as transmissões de bens e serviços, de forma abstracta.

c) Porém, a n.º 27 do art.º 9.º do C.I.V.A. abre portas a uma isenção de operações que se destinam a trabalhos e aconselhamento no âmbito financeiro.

d) Estes foram os serviços que a impugnante prestou de facto.

e) Os documentos emitidos aos clientes identificam esses serviços.

f) O princípio declarativo do art.º 75.º da Lei Geral Tributária é imperativo.

g) O probatório existente, não permite a ilisão do n.º 1 do art.º 75.º da Lei Geral Tributária.

h) A verdade material é a que consta dos documentos da ora recorrente.

i) Toda a legislação europeia vai no sentido de isentar do I.V.A., as prestações de serviços da recorrente».
Pugna pela substituição da sentença e pela procedência da impugnação.

X
Não foram apresentadas contra-alegações.
X
A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal notificada para o efeito, emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.
X
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.
X
II- Fundamentação

2.1. De Facto.

A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

1. A Impugnante encontrou-se registada à data dos factos, com a atividade “70220- outras atividades consultoria para negócios e gestão”, tendo aberto atividade para efeitos de IVA em 4 de setembro de 2014, enquadrada no regime normal trimestral de IVA – cfr. Fls. 28 do PA apenso aos autos físicos.

2. Em 15 de setembro de 2014 foi emitida pela Impugnante a fatura n.º2014/01, com data de vencimento de 15 de setembro de 2014, dirigida a “consumidor final”, com o descritivo “serviços de apoio e consulta, relativos a operações com ações e negociações em bolsas internacionais- Serviços de “coaching”, bem como indicando o descritivo “regime de isenção nos termos do art. 9º, n.º 27 – alínea e) do CIVA” – cfr. Documento 6 junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido.

3. Em 25 de março de 2015 foi emitida pela Impugnante a fatura n.º 2015/011, com data de vencimento de 25 de março de 2015, dirigida a “consumidor final”, com o descritivo “serviços de apoio e consulta, relativos a operações com ações e negociações em bolsas internacionais - Serviços de “coaching”, bem como indicando o descritivo “regime de isenção nos termos do art. 9º, n.º 27 – alínea e) do CIVA” –cfr. Documento 7 junto com a petição inicial e que se dá por integralmente reproduzido.

4. Em 8 de junho de 2018, a Impugnante foi sujeita a ação de inspeção tributária pelos Serviço de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Faro, aos períodos de 2014 e 2015, de âmbito geral, ao abrigo das ordens de serviço n.º OI201600642 e OI201600643 – cfr. Fls. 36 e 37 do RIT junto ao processo físico;

5. Em 1 de março de 2017 foi elaborado o relatório de inspeção relativo ao procedimento de inspeção identificado em 4., do qual se retira o seguinte:

«Texto no original»
(…) - Cfr. Fls. 37 a 51 do processo físico, o qual se dá por integralmente reproduzido

6. Em 7 de março de 2017 foi emitida a liquidação n.º ………………562, relativa a IVA do período de 2014/09T, no valor de € 102.350,00 – cfr. Fls. 12 e 13 do processo físico;

7. Em 7 de março de 2017 foi emitida a liquidação n.º ……………….577, relativa a IVA do período de 2014/12T, no valor de € 35.075,00 – cfr. Fls. 14 e 15 do processo físico;

8. Em 7 de março de 2017 foi emitida a liquidação n.º ……………584, relativa a IVA do período de 2015/03T, no valor de € 79.782,94 – cfr. Fls. 16 e 17 do processo físico;

9. Em 7 de março de 2017 foi emitida a liquidação n.º …………..602, relativa a IVA do período de 2015/06T, no valor de € 20.930,00 – cfr. Fls. 18 e 19 do processo físico;

10. Em 7 de março de 2017 foi emitida a liquidação n.º …………626, relativa a IVA do período de 2015/12T, no valor de € 46.877,13 – cfr. Fls. 20 e 21 do processo físico».


X

«B) DOS FACTOS NÃO PROVADOS: Com interesse para a causa não se deram quais factos como não provados.

X

C) FUNDAMENTAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO: A convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos referida no probatório em relação a cada facto, na matéria de facto alegada e não contestada, e outra de conhecimento oficioso do Tribunal, dispensando a respetiva alegação, nos termos do artigo 412º do Código de Processo Civil».

X

2.2. De Direito.

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto ao correcto enquadramento jurídico da causa.

A sentença julgou improcedente a impugnação relativa às liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) com os nºs ……………..562; ………………..577; ……………….584; ………………….602 e ……………..626, relativos, respectivamente, aos períodos de 2014/09T, 2014/12T, 2015/03T, 2015/06T e 2015/12, no valor total de €285.015,07, emitidas no seguimento da acção inspectiva e das correções propostas no Relatório elaborado pelos Serviços da Inspeção Tributária.

A sentença considerou que a recorrente não logrou por em crise os pressupostos em que assentam as correcções em exame. Considerou que existe omissão de liquidação de IVA, dado que as facturas invocam norma de isenção (artigo 9.º/27/e)) não aplicável ao caso, bem como não discriminam o concreto programa informático a partir do qual foram emitidas, a localização e o cliente que terá recebido os serviços em causa, o que depõe quanto à falta de materialidade de tais facturas.

2.2.2. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, nos termos referidos.

Segundo o artigo 9.º/27/e), do CIVA, «[e]stão isentas do imposto: (…) e) [a]s operações e serviços, incluindo a negociação, mas com exclusão da simples guarda e administração ou gestão, relativos a acções, outras participações em sociedades ou associações, obrigações e demais títulos, com exclusão dos títulos representativos de mercadorias e dos títulos representativos de operações sobre bens imóveis quando efectuadas por um prazo inferior a 20 anos».

A este propósito, constitui jurisprudência fiscal assente a de que «[n]ão correspondendo a actividade da recorrente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, não pode beneficiar da isenção a que alude o artigo 9º, n.º 27, al. e) do CIVA» (1). Atento o ponto 1. do probatório, impõe-se afirmar, como na sentença recorrida, que «a Impugnante não presta uma atividade correspondente à de um intermediário remunerado para prestar um serviço a uma das partes num contrato relativo a operações financeiras sobre títulos, ou sobre operações financeiras de juros e dividendos, uma vez que está registada na atividade 70220 – Outras atividades de consultoria para negócios e gestão, o que não engloba negociação de ações ou bolsas internacionais, pelo que, assim, a atividade por si desempenhada não cabe na previsão do disposto no referido art. 9º, nº 27, al. e) do CIVA (uma vez que também não cabe na previsão do art. 135º, nº 1, al. f) da Directiva IVA)».

As correcções em exame assentam na observação seguinte (2):

«Texto no original»

As facturas em causa constam do ponto 2. e 3. e do ponto 5. do probatório.

Nos termos do artigo 36.º/5, do CIVA, devem as faturas «ser datadas, numeradas sequencialmente e conter os seguintes elementos: // a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal; // b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efectivamente transaccionadas devem ser objecto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução; // c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável; // d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido; // e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso; // f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efectuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da factura».

As menções obrigatórias das facturas ou requisitos formais das mesmas resultam da função de titulação da operação económica em presença e têm em vista garantir a neutralidade do imposto, ao permitirem a fiscalização e o cruzamento de informação, dado que apenas o imposto suportado (e todo o imposto suportado) deve poder ser deduzido pelo sujeito passivo. A indicação dos referidos requisitos formais das facturas consta também do preceito do artigo 226.º (3) da Directiva IVA.

A questão que se coloca nos autos reside em saber se facturas em presença, dado que não contém a indicação concreta dos serviços prestados, a localização dos mesmos, bem como o seu destinatário, podem servir como título válido de operações económicas que suportariam o IVA não liquidado, já que alegadamente estariam enquadradas no regime de isenção citado.

A doutrina e a jurisprudência (quer nacional, quer do Tribunal de Justiça da União Europeia – TJUE) têm sublinhado o carácter flexível dos requisitos formais da facturas, tendo em conta o objectivo da exigência de tais requisitos formais: «garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efectivamente tenha suportado o pagamento do imposto» (4). No entanto, tal carácter flexível não pode ir ao ponto de precludir o poder-dever de fiscalização das operações económicas declaradas através das facturas em presença. O que sucede no caso em exame, data a falta de precisão e de concretização das prestações em presença, associada à falta de identificação dos beneficiários das mesmas. A impossibilidade de cruzamento de informação por parte da Administração Fiscal, associada à ausência de esclarecimentos complementares sobre a substância as operações em apreço, bem assim como a invocação de uma actividade económica para a qual a impugnante não está inscrita no cadastro fiscal sustentam a asserção de falta de aderência à realidade do enquadramento, nas mesmas proposto, e a consequente liquidação do IVA devido.

Mais se refere que tais facturas não garantem o direito à dedução ou ao reembolso do imposto suportado pelo destinatário das mesmas. Como se resulta do Acórdão do TJUE, P. C-271/12, de 08/05/2013, «[o] princípio da neutralidade fiscal não se opõe a que a Administração Fiscal recuse a restituição do imposto sobre o valor acrescentado pago por uma sociedade prestadora de serviços quando o exercício do direito a dedução do imposto sobre o valor acrescentado que onerou estes serviços tenha sido recusado às sociedades destinatárias dos referidos serviços devido a irregularidades constatadas nas faturas emitidas pela referida sociedade prestadora de serviços» (5) Acórdão do TJUE, P. C-271/12, de 08/05/2013.. O que corresponde ao caso em exame, na medida em que as facturas em exame, pelo seu teor, não asseguram o exercício do direito à dedução/reembolso do imposto suportado (ou a suportar) pelo seu destinatário.

Ao decidir no sentido apontado, a sentença sob recurso não merece censura, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica.

X
Dispositivo

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da subsecção do juízo comum da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)

(1.ª Adjunta – Tânia Meireles da Cunha)

(2.ª Adjunta – Luísa Soares)


(1) Acórdão do STA, de 09-05-2018, P. 01261/16; no mesmo sentido, v. Acórdão do STA, de 03-05-2018, P. 01236/16

(2) N.º 5 do probatório.

(3) «Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente directiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas facturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º são as seguintes: 1) A data de emissão da factura; // 2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a factura de forma unívoca; 3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.o, ao abrigo do qual o sujeito passivo efectuou a entrega de bens ou a prestação de serviços; 4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.o, ao abrigo do qual foi efectuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º; 5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário; 6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados; 7) A data em que foi efectuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efectuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.o, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da factura; 8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário; 9) A taxa do IVA aplicável; 10) O montante do IVA a pagar, salvo em caso de aplicação de um regime especial para o qual a presente directiva exclua esse tipo de menção; 11) Em caso de isenção, ou quando o adquirente ou o destinatário for devedor do imposto, a referência à disposição aplicável da presente directiva, ou à disposição nacional correspondente, ou qualquer outra menção indicando que a entrega de bens ou a prestação de serviços beneficia de isenção ou está sujeita a autoliquidação; 12) Em caso de entrega de um meio de transporte novo, efectuada nas condições previstas no n.o 1 e na alínea a) do n.o 2 do artigo 138.o, os dados elencados na alínea b) do n.o 2 do artigo 2.o; 13) Em caso de aplicação do regime especial das agências de viagens, a referência ao artigo 306.o, ou às disposições nacionais correspondentes, ou qualquer outra menção indicando que foi aplicado este regime; 14) Em caso de aplicação de um dos regimes especiais aplicáveis no domínio dos bens em segunda mão, dos objectos de arte e de colecção e das antiguidades, a referência ao artigo 313.o, 326.o ou 333.o, ou às disposições nacionais correspondentes, ou qualquer outra menção indicando que foi aplicado um destes regimes; 15) Quando o devedor do imposto for um representante fiscal nos termos do artigo 204.o, o número de identificação para efeitos do IVA desse representante fiscal, referido no artigo 214.o, acompanhado do respectivo nome completo e endereço».
(4) Sérgio Vasques, O Imposto sobre o valor acrescentado, Almedina, 2015, p. 345.
(5) Acórdão do TJUE, P. C-271/12, de 08/05/2013.