Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:659/20.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
EFEITO INSTANTÂNEO E DURADOURO
Sumário:I-A partir da revogação do artigo 49.º, nº2, da LGT, com a Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, o aludido diploma deixou de consignar, de forma expressa, o efeito jurídico associado ao ato interruptivo, o que não sucedia até essa data.
II-Assim, para efeitos de conhecimento da prescrição, a sua análise tem de ter como vetor primacial essa sucessão de regimes legais, importando, nessa medida, aferir se o facto interruptivo foi praticado antes da aludida revogação e, mais ainda, se o processo executivo esteve parado por facto não imputável ao contribuinte por período superior a um ano, até 01 de janeiro de 2007.
III-Se a citação ocorreu em data anterior a 1 de janeiro de 2007, ter-se-á de apurar se ocorreu a paragem do processo por período superior a um ano, porquanto tendo ocorrido tal paragem antes dessa data, o efeito interruptivo da referida citação degenera em suspensivo.
IV-Após a aludida revogação, a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.
V-O reconhecimento de um duplo efeito – instantâneo e duradouro – à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não traduz qualquer violação do princípio da legalidade tributária, nem coarta quaisquer garantias dos contribuintes.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I-RELATÓRIO



J....., LDA, (doravante Recorrente) veio interpor recurso jurisdicional dirigido a este Tribunal tendo por objeto a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação que visava a anulação do despacho proferido pelo Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social I.P. (IGFSS), que indeferiu o pedido de declaração de prescrição da dívida por si formulado no âmbito dos processos de execução fiscal nºs ..... e apensos.

A Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

I. Os meios probatórios obtidos no presente processo impunham decisão oposta à ora recorrida.

II. A Recorrente considera, assim, que o ponto 1 da matéria de facto dada como não provada deveria ter sido dado como provado razão pela qual se considera que foi incorretamente julgado, impugnando-se a decisão que a esse ponto concerne.

III. Assim, o presente recurso prende-se tão só em sindicar o direito aplicado pelo tribunal a quo com repercussão na matéria relativamente ao facto 1. considerado como não provado na douta sentença.

IV. É pedra de toque do presente Recurso a análise dos efeitos da Interrupção do prazo de interrupção a prescrição relativamente ao caso sub iudice.

V. Tem sido defendido pela doutrina, acompanhada pela jurisprudência do STA e até do Tribunal Constitucional, o denominado efeito duradouro da interrupção, tratando-se inclusivamente da posição sufragada na sentença recorrida.

VI. Face ao exposto entende o douto tribunal a quo que a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa, bem como a citação em processo de execução (cf. artigo 49.º, n.º 1 da LGT) interrompem o prazo no momento em que ocorrem, mas o prazo apenas começa a correr com o fim do processo.

VII. Em resumo, é entendido que o prazo, interrompido, apenas começa a sua contagem com o trânsito em julgado da decisão respectiva.

VIII. No entanto discordamos deste entendimento, à semelhança de Sérgio Gonçalves do Cabo (ob. cit.).

IX. A interrupção, como regra, tem como efeito aquele que poderemos chamar de efeito instantâneo, ou seja, verificado o facto, o prazo de prescrição interrompe e recomeça, nesse momento, desde o início, tal como decorre do artigo 326.º, n.º 1, do CC. E não conseguimos encontrar argumentos para sustentar o contrário.

X. A reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa interrompem o prazo. Mas não conseguimos retirar na letra da norma, como defende aquela doutrina, nem tão pouco do espírito do legislador, que estes meios contenciosos provocam o efeito duradouro da interrupção.

XI. Quando a norma fala em reclamação graciosa e a ela lhe atribui efeito interruptivo, sem mais, apenas poderá estar a referir-se ao seu efeito regra (efeito instantâneo).

XII. Caso quisesse atribuir um outro efeito, naturalmente excepcional, assim o teria afirmado, como foi feito em sede de direito civil no artigo 327.º, n.º 1, do CC, por comparação como o artigo 326.º, n.º 1, do mesmo diploma.

XIII. Por outro lado, um entendimento diferente leva a uma incongruência do regime, por comparação com o efeito suspensivo previsto no artigo 49.º, n.º 4 da LGT. A suspensão deixaria de fazer sentido.

XIV. Aquela norma prevê a suspensão do prazo com a interposição de um meio contencioso, enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado e desde que determinem a suspensão da cobrança da dívida, ie, desde que seja prestada garantia ou ocorrer a sua dispensa (cf. artigo 49.º, n.º 4, al. b), da LGT e artigo 169.º do CPPT e artigo 52.º, n.º 1, 2 e 4, da LGT).

XV. Para que serviria a suspensão do prazo quando fosse interposta uma impugnação judicial, se a interrupção tiver o mesmo efeito duradouro e no mesmo período temporal? Defender-se que o artigo 49.º, n.º 1, tem por efeito a duração da interrupção até ao trânsito, seria tornar inútil a suspensão do prazo, prevista para os mesmos meios de defesa no n.º 4 do mesmo artigo.

XVI. A interpretação da lei deve assumir que o legislador se soube exprimir e procurar as soluções consentâneas com o regime em que se insere a norma, numa lógica coerente.

XVII. A mesma posição assumimos para o efeito da citação em processo de execução fiscal. Também aqui se considera que o efeito corresponde à regra geral, ou seja, o denominado efeito instantâneo. Antes de tudo, não se vislumbra por que motivo se recorre à aplicação subsidiária do artigo 327.º, n.º 1, do CC.

XVIII. Primeiro porque não existe uma lacuna que justifique o recurso ao CC.

XIX. A LGT não tem nenhuma falha na regulação do efeito da interrupção.

XX. A definição de “interrupção” para efeitos do artigo 49.º da LGT é, de facto, a que consta no Código Civil (artigo 326.º, n.º 1) mas por isso resultar das regras gerais de interpretação, aplicando o artigo 11.º, n.º 2, da LGT. Esta norma determina que os conceitos próprios de outros ramos do direito devem ser interpretados no mesmo sentido que aí têm.

Estando prevista na LGT a interrupção do prazo, a sua interpretação deve ser procurada nos termos gerais definidos, ou seja, o efeito regra do artigo 326.º, n.º 1 do CC – «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo».

XXI. É desta forma que consideramos que o conceito de interrupção na LGT mantém o seu efeito regra.

XXII. Depois, porque com isso irá buscar-se um efeito pensado e articulado para processos de natureza jurídico-privatística e muito longe do processo tributário e do processo de execução fiscal.

XXIII. Não faz sentido aplicar o disposto no artigo 327.º, n.º 1, do CC ao processo de execução fiscal (onde corre o prazo de prescrição e onde se fez a citação).

XXIV. A execução, por definição, não termina, excepto se ocorrer o pagamento da dívida ou a sua anulação (cf. artigo 176.º do CPPT).

XXV. A declaração em falhas (cf. artigo 272.º do CPPT) não é uma forma de extinção do processo de execução, pelo que não poderá ser equiparada, de todo, ao trânsito em julgado de um processo judicial. A declaração em falhas é apenas uma forma de sustar as diligências coercivas por falta de bens penhoráveis naquele momento. Se mais tarde surgirem novos bens na esfera do devedor, retomam-se as diligências coercivas.

Por aqui, não se considera que a declaração em falhas possa ser equiparada a uma causa extintiva do processo e que permita aplicar o efeito do trânsito em julgado. É por aqui que consideramos que a citação prevista no artigo 327.º, n.º 1, do CC não pode ser equiparada à citação em execução fiscal.

XXVI. A citação prevista naquela norma está pensada e articulada para processos de uma natureza específica e distinta da natureza de um processo de execução fiscal.

XXVII. Podemos também aqui apontar uma incongruência à doutrina do efeito duradouro.

XXVIII. Se efectivamente o legislador quis atribuir esse efeito à citação, para que foi atribuir efeito suspensivo à oposição (cf. artigo 49.º, n.º 4, al. b), da LGT)?

XXIX. A citação em processo de execução ocorre antes da Oposição (embora se possa admitir o inverso, mas apenas em casos excepcionais).

XXX. Se a interrupção provocada com a citação durar até ao momento da declaração em falhas da execução, para que foi então o legislador atribuir efeito suspensivo à oposição à execução, se nesse momento o prazo não estaria a correr? (Como aponta a Conselheira ANA PAULA LOBO em voto de vencida no Acórdão de 23-11-2016, proc. n.º 01121/16, posição analisada em seguida).

XXXI. Como referimos, não tem sido este o entendimento maioritário do STA (Ac. TC n.º 122/2015, proferido no proc. n.º 179/2013).

XXXII. Contudo, foi já assumida uma posição diferente pela Conselheira ANA PAULA LOBO. Em voto de vencida no Acórdão de 23-11-2016, proc. n.º 01121/16, a Conselheira manifestou a sua discordância e defendeu que a interrupção deve manter no artigo 49.º da LGT o seu efeito geral, não aceitando a aplicação analógica do artigo 327.º, n.º 1, do CC.

XXXIII. Aponta, entre outros argumentos, o facto de a matéria da prescrição estar sujeita ao princípio da legalidade, não sendo possível adoptar interpretações que, sem apoio na letra da norma (cf. artigo 9.º, n.º 2 do CC) criem efeitos suspensivos do prazo de prescrição importados do direito civil, sem que para eles haja remissão expressa ou lacuna a preencher.

XXXIV. O regime da prescrição e as suas causas suspensivas do prazo constituem uma garantia dos contribuintes, pelo que estão inseridas na reserva relativa da Assembleia da República e estritamente subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal (cfr. artigo 266º da CRP e 3º do CPA).

XXXV. Por tudo o que ficou exposto, consideramos que todos os factos interruptivos previstos no artigo 49.º da LGT têm por efeito interromper a contagem do prazo, reiniciando-se desde o seu início, nesse mesmo momento ou na letra do artigo 326.º, n.º 1, do CC, «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.»

XXXVI. Em conclusão, a sentença recorrida deveria ter efectuado uma diferente interpretação das normas legais aplicáveis ao caso vertente, nos termos supra expostos, não tendo conferido uma efeito duradouro à interrupção da prescrição (após a citação), pelo que ao seguir a interpretação que o tribunal a quo faz dos preceitos legais supra invocados não realiza adequadamente a justiça material que o caso reclama dado que instituirá que as dívidas à Segurança Social e Fisco nunca prescreverão premiando a inércia na sua cobrança o que é sinónimo de uma completa perversão do instituto jurídico da prescrição.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exa. mui doutamente suprirá, deverá o presente Recurso ser admitido e julgado procedente e, em consequência deverá a douta decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, aplicando o efeito instantâneo ao facto interruptivo da prescrição, julgue prescritas todas as obrigações em execução nos processos de execução fiscal n.ºs ..... e respetivos apensos, consequentemente ordenando o respetivo arquivamento quanto à Recorrente.”


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A Recorrida não apresentou contra-alegações.

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A Digna Magistrada do Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Com dispensa de vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, vêm os autos à conferência para decisão.

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II-FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A decisão recorrida fixou a seguinte factualidade:

“Com relevância para a decisão da causa, encontram-se provados por documento os seguintes factos:


A)

Em 26/03/2002 a Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS instaurou contra a ora Reclamante o processo de execução fiscal n.º ..... por divida de contribuições do período 05-1998, 10-2000, 11-2000, 04-2001, 05-2001 e 06-2001, com a quantia exequenda de € 57.005,11. – (cfr. fls. 34, 36 e 37 dos autos).

B)

Com data de 26/03/2002, a Secção de Processo Executivo de Leiria emitiu em nome da ora Reclamante, oficio de citação, com a indicação de “registada com aviso de receção”, para o processo de execução fiscal identificado na alínea antecedente, com a quantia exequenda de € 62.936,08. – (cfr. fls. 35 a 37 dos autos).

C)

Em 29/04/2002 a Reclamante dirigiu ao Presidente do Conselho Diretivo do IGFSS pedido de pagamento em prestações da divida de € 150,111,87, dos quais € 62.936,08 respeitantes ao processo identificado em A). – (cfr. fls. 53 dos autos).

D)

Em 14/05/2002 a Secção de Processo de Leiria instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º ....., por divida de contribuições do período de 07-2001 a 11-2001, com a quantia exequenda de € 94.446,02. – (fr. fls. 66 a 68 dos autos).

E)

Na mesma data a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu em nome da Reclamante carta de citação, a efetuar por registo com aviso de receção, para o processo de execução fiscal identificado na alínea que antecede, no valor total de € 102.467,83, rececionada em 16/05/2002. – (cfr. fls. 71 e 75 dos autos).

F)

Ainda na mesma data a Secção de Processo de Leiria procedeu à apensação do processo de execução fiscal n.º .....ao processo identificado em A). – (fr. fls. 59 dos autos).

G)

Em 06/06/2002 o IGFSS autorizou o pagamento da divida referida na alínea precedente em 36 prestações mensais iguais e sucessivas. – (cf. fls. 37 a 39 dos autos).

H)

Em 17/06/2002 a Secção de Processo de Leiria do IGFSS endereçou à Reclamante oficio de notificação do teor da decisão de deferimento do pedido de pagamento prestacional, com inicio em 01/07/2002, sendo cada prestação no montante de € 4.206,98. – (cfr. fls. 57 dos autos).

I)

Em 19/12/2003 a Secção de Processo de Leiria do IGFSS instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º ....., por divida de contribuições dos períodos de 12-2001, 01-2002 e 03-2002 a 05-2003, no montante de € 260.632,07 e do período de 06-2003 a 10-2003 no montante de € 69.362,26, e de cotizações dos períodos de 12-2001, 01-2002 e 03-2002 a 05-2003 na quantia de € 123.893,83 e do período de 06-2003 a 10-2003 na quantia de € 32.578,99, perfazendo a quantia exequenda de € 486.467,15. – (cfr. fls. 76 a 84 dos autos).

J)

Com a mesma data a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu em nome da Reclamante carta de citação, mediante registo com aviso de receção, para o processo de execução fiscal identificado na alínea que antecede, rececionada em 23/12/2003. – (cfr. fls. 90 a 92 dos autos).

K)

Em 19/01/2004 a Reclamante dirigiu ao Presidente do Conselho Diretivo do IGFSS requerimento a solicitar o pagamento em prestações da divida respeitante ao processo de execução fiscal n.º ..... em 60 prestações mensais. – (cfr. fls. 93 a 96 dos autos).

L)

Em 20/10/2004 a Secção de Processo Executivo do IGFSS instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º .....por divida de contribuições do período de 11-2003 a 07-2004 no valor de € 126.729,46 e cotizações do mesmo período no valor de € 59.024,52, sendo a quantia exequenda de € 185.753,98. – (cfr. fls. 116 a 120 dos autos).

M)

Com a mesma data a Secção de Processo de Leiria do IGFSS remeteu em nome da Reclamante carta de citação, mediante registo com aviso de receção, para o processo de execução fiscal identificado na alínea que antecede, rececionada em 26/10/2004. – (cfr. fls. 124 a 126 dos autos).

N)

Em 28/04/2006 a Secção de Processo Executivo do IGFSS instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º .....por divida de cotizações no valor de € 75.203,50. – (cfr. fls. 116 a 120 dos autos).

O)

Em 05/04/2007 a Secção de Processo Executivo do IGFSS instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º .....por divida de cotizações no valor de € 11.638,35. – (cfr. fls. 168 dos autos).

P)

Em 24/10/2007 a Secção de Processo de Leiria do IGFSS citou a ora Reclamante, mediante carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º .....e apensos, instaurado por divida de cotizações do período de 01-2007 a 05-2007 no montante de € 13.949,60 e contribuições do mesmo período no valor de € 29.711,37, com a quantia exequenda de € 43.660,97, rececionada em 24/10/2007. – (cfr. fls. 136 a 140 dos autos).

Q)

Em 02-06-2008 a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º .....e apensos, com a quantia exequenda de € 91.198,49, rececionada em 08/06/2008. – (cfr. fls. 174 a 176 dos autos).

R)

Em 21/12/2008 a Secção de Processo Executivo de Leiria instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º ..... por divida de juros do período de 03-2008 a 06-2008, no valor de € 962,35. – (cfr. fls. 181 e 182 dos autos).

S)

Em 31/12/2008, no âmbito de procedimento extrajudicial de conciliação n.º 1128, em que foi requerente a aqui Reclamante, foi lavrada ata final com o seguinte teor:

“No âmbito e para os efeitos previstos no Decreto-Lei n.º 316/98, de 20 de Outubro, alterado pelo Decreto-Lei 201/04 de 18 de Agosto, os senhores F..... e A..... em representação da Sociedade L....., Lda., o senhor Dr. J....., Presidente do Conselho Directivo do INSTITUTO DE GESTÃO FNANCEIRA DA SEGURANÇA SOCIAL, a DGCI - DIRECÇÃO GERAL DOS MPOSTOS e os Senhores A..... e L....., entidades credoras indicadas pela Requerente, tomaram conhecimento pelo IAPMEI, que o departamento Técnico para o PEC daquele Instituto, após análise efectuada às contas históricas da empresa e das previsionais, e na base dos pressupostos nela reflectidos, formulou um parecer, nos termos do qual, aquela empresa, através da implementação do acordo previsto, a celebrar no âmbito do Procedimento Extra Judicial de Conciliação, especialmente através da adopção das medidas de consolidação financeira insertas, verá facilitadas as condições da sua viabilidade económica e financeira, nomeadamente assegurando a obtenção, no final da execução das referidas medidas, de um nível de autonomia financeira superior a 30% e de uma cobertura do imobilizado por capitais permanentes com um grau de liquidez geral superior a 1,1 em qualquer dos indicadores.

O senhor Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, subscreve, no interesse das partes envolvidas no procedimento, as condições de regularização da dívida da Sociedade L....., Lda. à Segurança Social, autorizadas por despacho de 19 de Setembro de 2008 do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, os quais fazem parte integrante da presente Acta (Anexo I).

Pelo representante da Fazenda Nacional foi comunicada a autorização de regularização das dívidas fiscais em PEC, nos precisos termos do despacho datado de 11 de Março de 2008, do Exmo Senhor Subdirector - Geral dos Impostos para a área da Justiça Tributária da DGCI, transcrito no oficio n.º .....de 12 de Março de 2008 da Direcção de Serviços de Justiça Tributária, anexo à acta (Anexo II).

Pelos Sócios Credores A.....  e L....., foi declarado a aceitação da regularização dos valores em crédito, de acordo com os seguintes termos;

a) Valores em dívida à data: € 22.948,21 e € 18.931,71, respectivamente;

b) Perdão de 5% do valor total;

c) Pagamento dos 95% em 120 Prestações mensais.

À presente acta é ainda incluída a Declaração do Credor BPI - Banco Português do Investimento, concordando com a proposta de regularização da dívida e aceite pela L....., Lda., no âmbito do presente Procedimento Extra Judicial de Conciliação (Anexo III). (…).”. – (cfr. fls. 141 a 160 dos autos).


T)

Em 10/01/2009 a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º .....e apensos, instaurado por divida de cotizações do período de 07-2008 e 08-2008 no montante de € 9.359,14 e do período de 01-2009 a 07-2009 no valor de € 18.656,00, com a quantia exequenda de € 32.094,89, rececionada em 20/10/2009. – (cfr. fls. 163 a 167 dos autos).

U)

Em 30/01/2009 a Secção de Processo de Leiria instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º ....., por divida de cotizações do período de 09-2008 a 12-2008, na quantia de € 14.774,24. – (cfr. fls. 184 e 185 dos autos).

V)

Em 30/01/2009 a Secção de Processo de Leiria instaurou em nome da Reclamante o processo de execução fiscal n.º ....., por divida do período de 09-2008 a 12-2008, na quantia de € 31.413,23. – (cfr. fls. 186 e 187 dos autos).

W)

Com data de 17/03/2009, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º .....e apensos, com a quantia exequenda de € 46.187,47, rececionada em 29/03/2009. – (cfr. fls. 188 a 190 dos autos).

X)

Em 24/11/2009, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º .....e apensos, instaurado por divida de contribuições de 01-2009 a 07-2009, no valor de € 39.736,77, e cotizações do período de 08-2009 a 12-2009, no valor de € 17.407,13, com a quantia exequenda de € 58.392,77, rececionada em 03/12/2009. – (cfr. fls. 191 a 195 dos autos).

Y)

Em 14/02/2010, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de cotizações de 08-2009 a 12-2009, no valor de € 17.407,13, e contribuições do período 08-2009 a 12-2009, no valor de 37.037,53 com a quantia exequenda de € 54.444,66, rececionada em 24/02/2010. – (cfr. fls. 186 a 190 dos autos).

Z)

Em 16/03/2010, por decisão proferida no processo n.º 400/10.8TBMGR do 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande a sociedade J....., Lda., foi declarada insolvente. – (cfr. fls. 202 e 203 dos autos).

AA)

Em 09/03/2012, foi determinado o encerramento do processo de insolvência identificado na alínea precedente. – (cf. fls. 205 dos autos).

BB)

Em 20/03/2012, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de contribuições do período de 01-2010 a 01-2012, no valor de € 95.431,34, e cotizações do mesmo período no valor de 44.394,99 com a quantia exequenda de € 139.826,33, rececionada em 24/02/2010. – (cfr. fls. 186 a 190 dos autos).

CC)

Em 24/08/2012, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de contribuições do período de 02-2012, 04-2012 e 05-2012, no valor de € 13.624,54, e cotizações do mesmo período no valor de € 6.302,65 com a quantia exequenda de € 19.927,19, rececionada em 03/09/2012. – (cfr. fls. 280 a 283 dos autos).

DD)

Em 16/10/2012, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de contribuições do período de 06-2012 a 08-2012, no valor de € 18.792,10, e cotizações do mesmo período no valor de € 8.693,50 com a quantia exequenda de € 27.485,60, rececionada em 22/10/2012. – (cfr. fls. 284 a 287 dos autos).

EE)

Em 29/10/2012 o Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS, no processo de execução fiscal identificado em A) e apensos, lavrou anúncio de citação de credores e venda por proposta em carta fechada de bens da sociedade ora Reclamante. – (cfr. fls. 290 e 291 dos autos).

FF)

Em data não apurada, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS, endereçou à Reclamante notificação da penhora de bens e que a venda ocorreria em 14/12/2012, pelas 15 horas. – (cf. fls. 302 e 303 dos autos).

GG)

Em 14/12/2012 o Coordenador da Secção de Processo de Leiria do IGFSS proferiu despacho de adiamento da data da abertura das propostas para o dia 08/03/2013, pelas 15 horas, disso notificando a Reclamante. – (cfr. fls. 319 a 323 dos autos).

HH)

Em 08/03/2013 o Coordenador da Secção de Processo de Leiria do IGFSS proferiu despacho de adiamento da data da abertura das propostas para o dia 28/06/2013, pelas 15 horas, disso notificando a Reclamante. – (cfr. fls. 319 a 323 dos autos).

II)

Em 17/04/2013, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS emitiu oficio de citação dirigida à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de cotizações do período de 06-2012, 12-2012 e 01-2013, no valor de € 13.080,94, e contribuições do mesmo período no valor de € 28.254,00 com a quantia exequenda de € 41.334,94, rececionada em 23/04/2013. – (cfr. fls. 340 a 343 dos autos).

JJ)

Em 21/06/2013, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS endereçou oficio de citação à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de cotizações do período de 02-2013 a 04-2013 no valor de € 6.043,00, e contribuições do mesmo período no valor de € 13.047,38, com a quantia exequenda de € 19.090,38, rececionada em 02/07/2013. – (cfr. fls. 344 a 347 dos autos).

KK)

Em 19/10/2013, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS endereçou oficio de citação à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de contribuições do período de 05-2013 a 07-2013 no valor de € 13.209,54, e cotizações do mesmo período no valor de € 6.118,10, com a quantia exequenda de € 19.327,64, rececionada em 30/10/2013. – (cfr. fls. 361 a 364 dos autos).

LL)

Em 27/04/2014, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS endereçou oficio de citação à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de cotizações do período de 08-2013 a 12-2013 no valor de € 14.650,93, rececionada em 07/05/2014. – (cfr. fls. 372 a 374 dos autos).

MM)

Em 24/08/2014, a Secção de Processo de Leiria do IGFSS endereçou oficio de citação à Reclamante, através de carta registada com aviso de receção, para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos, instaurado por divida de contribuições do período de 01-2014 a 03-2014 no montante de € 14.439,33, e cotizações do mesmo período no valor de € 6.687,69, com a quantia exequenda de € 28.389,62, rececionada em 29/08/2014. – (cfr. fls. 420 a 423 dos autos).

NN)

Em 19/01/2018 a Secção de Processo Executivo de Leiria emitiu em nome da reclamante notificação dos valores em dívida, no montante de € 2.119.144,66, cujo teor é o que consta de fls. 462 a 473 dos autos.

OO)

Em 19/03/2018 a Em 19/03/2018 a Reclamante constituiu, unilateralmente, a favor do IGFSS penhor mercantil. – (cf. fl. 605 e 606 dos autos).

PP)

Em 08/05/2018 a Secção de Processo Executivo de Leiria do IGFSS, no processo de execução fiscal n.º .....e apensos, lavraram auto de penhora do estabelecimento comercial da Reclamante correspondente à sua sede, para pagamento da quantia exequenda de € 1.804.914,80 e acréscimos legais. – (cfr. fls. 527 a 529 dos autos).

QQ)

Em 17/07/2020 o Coordenador da Secção de Processo Executivo de Leiria proferiu despacho de concordância com a seguinte informação:




















RR)

Em 29/07/2020 foi remetida à Secção de Processo Executivo de Leiria, sob correio registado, a petição inicial da presente reclamação. – (cfr. fls. 20 dos autos).

***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada o seguinte:

“Não se encontra provado nos autos que a Reclamante tenha sido citada para os processos de execução fiscal n.º .....bem como para todos os restantes que são indicados pela Reclamante na petição inicial e que não constam do despacho impugnado.

Inexistem factos cuja não prova releve para a decisão da causa.”


***

Consta como motivação da matéria de facto o seguinte:

“A decisão da matéria de facto provada fundou-se na análise crítica de toda a prova produzida nos autos, designadamente, na cópia do processo de execução fiscal n.º ..... e respetivos apensos, conforme remissão feita a propósito de cada alínea do probatório.

Quanto à não prova da citação em vários processos, no que respeita aos expressamente identificados nos factos não provados, pese embora o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer, tenha corroborado a data de citação indicada no despacho aqui sindicado, remetendo para cópias de avisos de receção constantes dos autos, visto o teor dos mesmos, não é possível extrair tal conclusão. Isto porque no aviso de receção não consta qualquer menção ao processo a que respeita e não consta dos autos o teor da carta de citação por forma a efetuar-se a respetiva correspondência com o número do registo postal. Assim, como se disse, não é possível considerar que, naqueles processos, foi realizada a citação da Reclamante.

Quanto aos demais processos indicados pela Reclamante, conforme resulta do probatório, não constam do despacho impugnado, desconhecendo o Tribunal de que processos se tratam, apenas constando dos autos um oficio de citação para o processo de execução fiscal n.º ..... e apensos. De todo o modo, apesar de a Entidade Exequente não ter apresentado resposta nem ter feito qualquer esclarecimento a respeito do alegado pela Reclamante na informação prestada antes de fazer subir os autos, são processos que não constam do despacho impugnado e do teor do documento de notificação dos valores em dívida que o acompanha e, nessa medida, não respeitam a dividas que estejam a ser exigidas. Ademais, a Reclamante não cuidou de juntar quaisquer elementos probatórios.”


***


III-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, a Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente o pedido de declaração de prescrição das dívidas cobradas coercivamente nos processos de execução fiscal nº .....e respetivos apensos.

Cumpre, desde já, relevar que em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
Ø Se a decisão recorrida padece de erro de julgamento de facto, por errada valoração e fixação da factualidade constante nos autos, aquilatando do cumprimento dos requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC.
Ø Estabilizada a matéria de facto, importa apreciar se a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento de direito, competindo para o efeito analisar:
o Se o Tribunal a quo errou ao considerar que as dívidas objeto de cobrança coerciva nos processos de execução fiscal nº ..... e respetivos apensos, não se encontram prescritas, avaliando, para o efeito, se a citação incorrida no processo de execução tem efeito duradouro como ajuizado pelo Tribunal a quo, ou efeito instantâneo como propugnado pela Recorrente.

Vejamos, então.

Comecemos por analisar o erro de julgamento de facto.

Para o efeito importa, desde já, convocar o teor do artigo 640.º do CPC, aplicável ex vi artigo 281.º do CPPT.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de primeira Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Tem, por isso, de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida ou o aditamento de novos factos ao acervo probatório dos autos[1].

No caso vertente, transpondo os ensinamentos supra expendidos e atentando no teor das conclusões da Recorrente coadjuvadas com o corpo das suas alegações conclui-se que não se encontram reunidos os aludidos pressupostos de impugnação da matéria de facto.

Com efeito, a Recorrente sindica o facto não provado número um, porém não explica porque motivo o mesmo se encontra incorretamente julgado, não evidenciando, outrossim, qual o meio probatório que permite inferir esse erro de julgamento, o que, como já evidenciado anteriormente, é predicado para a análise da impugnação da matéria de facto.

Note-se que, não são permitidos recursos genéricos contra a matéria de facto assente pelo tribunal recorrido: o recurso não pode ser genérico atacando a matéria de facto no seu conjunto sem precisar os pontos concretos, nem pode ser genérico apontando para a prova em geral produzida no processo[2].

Sem embargo do exposto, afigura-se que no caso vertente a arguição do erro de julgamento de facto ter-se-á consubstanciado num lapso, não só porque essa factualidade não provada-no tocante a todos os processos que integram o ato reclamado e que, portanto, constituem o objeto da lide- é-lhe favorável, como se atentarmos no teor integral das suas alegações não se retira qualquer impugnação da matéria de facto, nem tão-pouco o, genericamente, alvitrado nas conclusões I) a III).

Assim, face ao supra aludido, por falta de cumprimento dos requisitos legais   rejeita-se o recurso da impugnação da matéria de facto.

Vejamos, então, se assiste razão na aludida impugnação da matéria de facto.


***

Assim, estabilizada a matéria de facto que releva para os presentes autos, vejamos, ora, o erro de julgamento de direito.

Cumpre, assim, aferir se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito quando decidiu que as dívidas exequendas objeto de cobrança coerciva nos processos de execução nº ..... e respetivos apensos não se encontravam prescritas.

Conforme a Recorrente, expressamente, o evidencia nas suas alegações de recurso a questão decidenda, coaduna-se, tão-só, com a análise dos efeitos da interrupção do prazo de prescrição relativamente ao caso sub judice, evidenciando, inequivocamente, que a questão de fundo “[p]rende-se tão só com a aplicação ao caso sub iudice, por parte do Tribunal a quo, dos artigos 326º, nº1 e 327.º, nº1 ambos do Código Civil com fundamento nestes serem subsidiariamente aplicáveis por força do artigo 2.º, alínea d) da LGT”.

Razão pela qual, em termos de delimitação da lide, importa, desde já, evidenciar que carece de qualquer relevância para o caso em apreço o aludido em X) a XVI), porquanto se reportam a extrapolações teóricas e genéricas sem aplicação ao caso vertente. Com efeito, a Recorrente não alegou qualquer causa interruptiva concatenada com tais meios graciosos e contenciosos de discussão da legalidade da dívida, nem, tão-pouco, resulta do probatório qualquer factualidade que a eles respeite.

Feita esta delimitação vejamos, então, se assiste razão à Recorrente.

A Recorrente começa por defender que o regime da prescrição e as causas suspensivas do prazo constituem uma garantia dos contribuintes, pelo que estão inseridas na reserva relativa da Assembleia da República e estritamente subordinadas ao princípio da legalidade tributária de reserva de lei formal (cfr. artigo 266º da CRP e 3º do CPA).

Mais aduz que, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, todos os factos interruptivos previstos no artigo 49.º da LGT têm por efeito interromper a contagem do prazo, reiniciando-se desde o seu início, nesse mesmo momento ou na letra do artigo 326.º, n.º 1, do CC, “a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo.”

Não se vislumbrando na sua ótica de raciocínio porque motivo se recorre à aplicação subsidiária do artigo 327.º do CC, porquanto não existe lacuna que justifique o recurso ao CC, uma vez que a LGT não tem nenhuma falha de regulação do efeito da interrupção.

Ademais, a citação prevista no artigo 327.º do CC não pode ser equiparada à citação em processo de execução fiscal, desde logo porque a declaração em falhas não é uma forma de extinção do processo executivo.

E por assim ser, a decisão recorrida deveria ter efetuado uma diferente interpretação das normas legais aplicáveis ao caso vertente, nos termos supra expostos, não tendo conferido um efeito duradouro à interrupção da prescrição (após a citação), sendo que tal interpretação não realiza adequadamente a justiça material que o caso reclama dado que instituirá que as dívidas à Segurança Social e Fisco nunca prescreverão premiando a inércia na sua cobrança o que é sinónimo de uma completa perversão do instituto jurídico da prescrição.

Vejamos, então.

Para aquilatar do acerto do entendimento do Tribunal a quo, comecemos por atentar na fundamentação que esteou a improcedência do pedido de reconhecimento de prescrição das dívidas exequendas e que infra se transcreve na parte que para os autos se reputa relevante:
“Em causa nos autos estão dívidas de cotizações e contribuições da Segurança Social, sendo a mais antiga relativa ao mês abril do ano de 2001.
(…)
No que respeita à Segurança Social, a entrada em vigor em 4 de fevereiro de 2001 (180 dias após a sua publicação - cfr. o seu art.º 119.º) da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto veio encurtar de 10 para 5 anos (cfr. art.º 63.º) o prazo de prescrição das cotizações e contribuições devidas à segurança social, prazo que foi mantido com a publicação da Lei n.º 32/2002 de 20 de dezembro (Lei de Bases da Segurança Social) e com a Lei n.º 4/2007 de 16 de janeiro, bem como pela Lei n.º 110/2009 de 16 de setembro que aprovou o Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social (CRCSPSS).
Assim, sobre o prazo de prescrição e forma da sua contagem inicial haverá que observar o disposto no art.º 60.º, n.º 3 da Lei n.º 4/2007, de 16-01, em conjugação com o preceituado no art.º 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/99, de 8-07 e os artigos 187.º e 43.º da Lei n.º 110/2009, de 16-09, que estabelecem, para o efeito, o referido prazo de 5 anos contado a partir da data em que a obrigação deveria ter sido cumprida, ou seja, desde o período compreendido entre 10 a 20 do mês seguinte àquele a que disser respeito.
Importa ainda ter presente que este regime de prescrição de dívidas à Segurança Social regula apenas alguns dos pontos relativos à prescrição, a saber, o prazo, (ficando afastado o prazo subsidiário de oito anos previsto no art.º 48.º, n.º 1, da LGT), o início da contagem do prazo, que é a data em que obrigação deveria ter sido cumprida e os factos interruptivos da prescrição, que são, quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança coerciva.
Somente no que não se encontra especialmente regulado pelas mencionadas Leis serão de aplicar as regras dos artigos 48.º e 49.º da LGT, atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico tributárias, e, por não haver regras especiais, as causas de suspensão da prescrição previstas no n.º 3 do art.º 49.º da LGT, na redação inicial.
Por isso são aplicáveis a tais dívidas os efeitos da interrupção da prescrição, sendo certo que são coisas diferentes os factos interruptivos e os efeitos desses factos e só aqueles são regulados especialmente pelas referidas Leis. Assim, quanto a estes, os efeitos instantâneo ou duradouro podem ser colhidos no Código Civil, atenta a circunstância de a legislação da Segurança Social nada dispor sobre esta questão e, por outro lado, a LGT também não conter, atualmente, essa definição (após a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12).
Como se referiu, neste regime especial de prescrição são atos interruptivos quaisquer diligências administrativas, realizadas com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducentes à liquidação ou à cobrança da dívida, sendo este o momento em que ocorre a interrupção da prescrição.
(…)
Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/01/2008 (Proc.º 0661/08), “Diligências administrativas, para este efeito, serão todas as que ocorram nos processos administrativos de liquidação e nos processos de execução fiscal, conducentes à liquidação e cobrança da dívida, de que venha a ser dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do acto que a decide”.
Do art.º 60.º da Lei de Bases do Segurança Social, conjugado com o n.º 1 do art.º 49.º da LGT, aplicado subsidiariamente por força do art.º 3.º do CRCSPSS, resulta, como vimos, que “a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo são causas da interrupção da prescrição.”
Por conseguinte, o prazo de prescrição não se conta ininterruptamente, havendo que atender às ocorrências que podem contender com o seu decurso, designadamente a existência de efeitos interruptivos ou suspensivos.
Assim, terão efeito interruptivo não só os atos praticados no processo de liquidação de que seja dado conhecimento ao devedor mas também os atos praticados no processo de execução fiscal de que é dado conhecimento ao devedor (como a citação, a penhora, a notificação do responsável subsidiário para se pronunciar sobre a possibilidade de reversão e a notificação do ato de reversão).
(…)
Entretanto, com a entrada em vigor a Lei n.º 53-A/2006, de 29/12 (Orçamento de Estado para 2007) foi conferida nova redação ao art.º 49.º da LGT que passou a estabelecer o seguinte:
“1. A citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição.
2. (Revogado)
3. Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
4. O prazo de prescrição legal suspende-se em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.”.
Nos termos do art.º 91.º da mencionada Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, «A revogação do n.º 2 do artigo 49.º da LGT aplica-se a todos os prazos de prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo.»
Como se escreveu no sumário do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10/04/2019 (Processo n.º 01437/18.4BEBRG), “I - Constitui facto interruptivo do prazo legal de prescrição de dívidas à Segurança Social a citação para a execução fiscal, o qual tem não só um efeito jurídico instantâneo (de inutilizar todo o prazo anteriormente decorrido) como, também, um efeito jurídico duradouro, isto é, um efeito interruptivo que permanece até ao termo do processo executivo, em conformidade com o disposto no art.º 327º nº 1 do Código Civil, norma cuja aplicação se deve ao facto de o diploma que define o regime das contribuições à Segurança Social e a actual Lei Geral Tributária nada disporem sobre a matéria.
II - Relativamente a dívidas tributárias, as regras que disciplinam o instituto geral da prescrição e que encontram previsão no Código Civil só podem ter aplicação quando não haja regulação especial (na LGT ou em diploma próprio) sobre a matéria.”.
Como se explicitou no sobredito Acórdão, “(…)
“[q]uanto aos efeitos ou eficácia jurídica destes factos interruptivos, eles terão de ser os previstos no Código Civil, uma vez que, como se disse, nem o diploma que define o regime das contribuições à Segurança Social nem a actual LGT dispõem sobre a matéria.
Com efeito, ao contrário do que constava do Código de Processo Tributário e da própria LGT até à revogação do nº 2 do seu art.º 49º pela Lei nº 53-A/2006, esta Lei Geral nada dispõe actualmente sobre os efeitos jurídicos da interrupção do prazo de prescrição, isto é, se os factos interruptivos têm efeito instantâneo ou duradouro, havendo, portanto, que aplicar o regime que, para a generalidade das obrigações, o legislador consagrou no Código Civil nos artigos 326º e 327º.
Neste contexto, não há, em princípio, suporte para afirmar que as "diligências administrativas", enquanto factos interruptivos, têm efeito duradouro; tais diligências determinam, em princípio, o imediato início de novo prazo prescricional, por aplicação da regra geral contida no art.º 326º do C. Civil, segundo o qual «a interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo, sem prejuízo do disposto nos n.ºs 1 e 3 do artigo seguinte».
Esta é, pois, a regra geral, do efeito instantâneo da interrupção, que só admite como excepção (efeito duradouro) a situação prevista no art.º 327º do C.Civil. Efectivamente, por força da parte final do art.º 326º do C.Civil, o acto interruptivo passa a ter efeito duradouro quando esteja em causa um acto de citação, sabido que o nº 1 do art.º 327º dispõe que «Se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo».
(…)
Por conseguinte, no caso de o prazo de prescrição ter sido interrompido pela citação para acção judicial (ainda que de natureza executiva), a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, embora, como se deixou já explicitado em acórdãos desta Secção, designadamente no proferido em 5/04/2017, no proc. nº 0304/17, deva equipar-se a essa decisão aquela que declare em falhas a execução fiscal.
Termos em que, mais uma vez, se reitera a jurisprudência desta Secção do STA, vertida, designadamente, nos acórdãos de 20/05/2015, no proc. nº 01500/14, de 29/01/2014, no proc. nº 01941/13, de 12/10/2016, no proc. nº 0984/16, de 31/03/2016, no proc. nº 0184/16, de 6/12/2017, no proc. nº 01300/17, e de 17/02/2018, no proc. nº 01463/17, no sentido de que não se descortina razão para, na ausência de disposição expressa do legislador fiscal, não atribuir ao acto de citação na execução fiscal a mesma eficácia duradoura que o acto de citação produz no processo executivo comum.”.
Feito este enquadramento legal e jurisprudencial, no qual nos revemos, vejamos o caso dos autos.
(…)
Com efeito, como se disse, na determinação dos factos interruptivos, não há que aplicar supletivamente as normas do Código Civil, porquanto as leis tributárias prevêem quais os factos a que é atribuído o efeito interruptivo. No entanto, quanto aos efeitos da interrupção da prescrição, essa aplicação subsidiária é necessária, pois estes não se encontram regulados nas leis tributárias.
Assim, são aplicáveis ao processo tributário as normas do Código Civil que regulam os efeitos da interrupção da prescrição, designadamente o disposto no art.º 327.º, n.º 1, que dispõe que nos casos aí previstos, nos quais se inclui a citação, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.
Em conclusão, interrompido o prazo de prescrição pela citação, fica inutilizado todo prazo decorrido anteriormente (art.º 326.º, n.º 1 do Código Civil) sendo que o novo prazo de prescrição de 5 anos não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo de execução fiscal (art.º 327.º, n.º 1 do Código Civil).
Deste modo, é manifesto que as dívidas em causa, devidamente citadas à Reclamante, não se encontram prescritas.
Ademais, como refere o Digno Magistrado do Ministério Público no seu parecer “(…) apesar da existência de algumas causas de suspensão, motivadas pelos acordos para pagamento em prestações (fls. 59/60; 103/104 e 371) e pela declaração de insolvência da reclamante (fls. 161) e outras de interrupção, como as notificações das penhoras e das vendas dos bens penhorados (fls. 73/74, 229, 254, 272, 338, 474/475), aquelas posteriores às citações não interferem na contagem do prazo, dado que não se pode suspender ou interromper o que já está definitivamente interrompido.”.

Vista a posição da Recorrente e o entendimento propugnado pelo Tribunal a quo,  vejamos, então, se assiste razão ao erro de julgamento que é assacado à decisão recorrida.

In casu, conforme já devidamente evidenciado anteriormente, não foi impugnada a matéria de facto, sendo que não é, de todo, questionada a data em que ocorreram os atos de citação, nem questionado o prazo legal de prescrição tido por aplicável, nem a data do seu termo inicial ou, sequer, que os atos de citação constituem factos interruptivos do prazo de prescrição destas dívidas.

Com efeito, conforme a mesma, expressamente, reconhece nas suas alegações de recurso o que, ora, é sindicado é o efeito jurídico atribuído a esse facto interruptivo, o qual na sua esteira de entendimento não pode ser duradouro, mas apenas instantâneo, porquanto o regime contido no artigo 327.º, nº 1, do CC não tem aplicação no processo tributário, por existirem normas na LGT cuja aplicação se impõe em razão da relação de especialidade.

E a verdade é que, se conforme bem evidenciou o Tribunal a quo, a partir da revogação do artigo 49.º, nº2, da LGT, com a Lei nº 53-A/2006, de 29 de dezembro, a LGT deixou de consignar, de forma expressa, o efeito jurídico associado ao ato interruptivo, o mesmo não sucedia até essa data.

E por assim ser, a questão decidenda tem de ter como vetor primacial de análise essa sucessão de regimes legais, importando, nessa medida, aferir se o facto interruptivo foi praticado antes da aludida revogação e, mais ainda, se o processo executivo esteve parado por facto não imputável ao contribuinte por mais de um ano, até 01 de janeiro de 2007[3].

Como claramente doutrina Jorge Lopes de Sousa[4], no atinente ao regime especial da prescrição das obrigações de contribuições para a Segurança Social:
 “ No que não está especialmente regulado serão de aplicar as regras dos arts. 48.º e 49.º da LGT, atenta a vocação desta Lei para regular a generalidade das relações jurídico-tributárias, afirmada no seu art. 1º. Com efeito, não há qualquer suporte normativo para afirmar que se está perante conceitos diferentes de prescrição ou que os efeitos das causas interruptivas são diferentes dos previstos para a generalidade das obrigações das obrigações tributárias.
Isto significa que é aplicável aos referidos créditos da segurança social o que se referiu sobre os efeitos da interrupção da prescrição, inclusivamente a eliminação do tempo decorrido anteriormente e o que se estabelece no nº2 do art. 49.º da LGT, na redacção inicial, sobre a paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo fazer cessar o efeito interruptivo, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à autuação do processo.  [Este nº 2 do art. 49.º da LGT fo revogado pela Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro, mas, por força do disposto no seu art. 91.º, a cessação do efeito interruptivo continua a ser aplicável em relação aos prazos em que a cessação já tinha ocorrido quando esta Lei entrou em vigor, em 1-1-2007] (…)
Com efeito, são coisas diferentes os factos interruptivos e os efeitos desses factos e só aqueles são regulados especialmente pelas Leis nºs 17/2000, 32/2002 e 4/2007. Por isso, deverá aplicar-se, subsidiariamente, sobre os efeitos dos factos interruptivos previstos nestas Leis, o que constava do art. 49.º, nº2, da LGT (antes da sua revogação pela Lei nº 53-A/2006), por ser um regime próprio para as obrigações tributárias, em vez de aplicar o regime que, para a generalidade das obrigações, resulta dos arts. 326.º e 327.º do CC.”

Esclarecendo, neste âmbito, o Acórdão do STA, prolatado no processo nº 0623/08, de 10 de dezembro de 2008, quanto aos efeitos dos factos interruptivos, aplicáveis à Segurança Social, que “[a] verificação desse facto reveste eficácia interruptiva por forma a eliminar para efeito de prescrição todo o tempo posteriormente decorrido e obstar ao decurso do prazo de prescrição até ao termo do processo de execução fiscal, salvo no caso de paragem do processo por mais de um ano ocorrida até 01/01/07, por facto não imputável ao contribuinte (cfr. Artigos 91.º e 92.º da Lei n.º 53-A/2006, o primeiro dos quais revogou o n.º 2 do artigo 49.º da LGT).” (destaque e sublinhado nosso).

Mais evidenciando o Aresto do STA, proferido no processo nº 01207/19, de 04 de março de 2020, cujo sumário se extrata:

“I - Para o conhecimento da prescrição, se a citação ocorreu em data anterior a 1-1-2007, em que entrou em vigor a Lei 53-A/2006, de 29/12, que revogou o n.º 2 do art. 49.º da L.G.T., importar que seja verificado se não ocorreu a paragem do processo por período superior a um ano, conforme anteriormente nesse n.º2.

II - Com efeito, no caso de ter ocorrido tal paragem antes de 1-1-2007, o efeito interruptivo da referida citação degenerou em suspensivo.

III - A aplicação do novo regime nesse caso redunda em retroatividade, a qual se encontra constitucionalmente proibida, e provoca a violação dos princípios da segurança e certeza jurídicas.”[5]” (destaque e sublinhado nosso).

Ora, transpondo os entendimentos doutrinais e jurisprudenciais supra expendidos, ter-se-á de fazer uma análise bipartida do caso vertente, ou seja, para o conhecimento da prescrição, importa, desde logo, aquilatar da data da citação, ou seja, se a mesma ocorreu depois de 1 de janeiro de 2007, ou antes de 1 de janeiro de 2007.

Comecemos, então, pela situação mais linear e que se concatena com a citação dos processos de execução fiscal nºs .....  e respetivos apensos, que ocorreu em data posterior a 01 de janeiro de 2007.

Relevando, desde já, que nenhuma censura pode ser assacada ao juízo de entendimento do Tribunal a quo, relativamente aos aludidos processos de execução fiscal, porquanto à data das suas citações, já não é aplicável o regime contemplado no artigo 49.º, nº2 da LGT, donde, inequivocamente, as dívidas não se encontram prescritas.

E isto porque, nessa situação, a interrupção da prescrição tem sempre o efeito próprio de inutilizar o tempo já decorrido e esse efeito não é destruído por eventual paragem do processo por mais de um ano por facto não imputável ao contribuinte[6].

Com efeito, é jurisprudência consolidada do STA, e bem assim dos TCA´s[7] que, se reitera, no sentido de que a interrupção decorrente da citação do executado inutiliza todo o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo e obsta ao início da contagem do novo prazo enquanto o processo executivo não findar.

Neste particular, convoque-se o Aresto do STA, proferido no processo nº01437/18.4 de 10 de abril de 2019, o qual convocando a ampla jurisprudência nesse sentido esclarece, de forma clara e a que se adere que:

“[n]o caso de o prazo de prescrição ter sido interrompido pela citação para acção judicial (ainda que de natureza executiva), a cessação da eficácia do facto interruptivo é diferida para a data da decisão que ponha termo ao processo, embora, como se deixou já explicitado em acórdãos desta Secção, designadamente no proferido em 5/04/2017, no proc. nº 0304/17, deva equipar-se a essa decisão aquela que declare em falhas a execução fiscal.

Termos em que, mais uma vez, se reitera a jurisprudência desta Secção do STA, vertida, designadamente, nos acórdãos de 20/05/2015, no proc. nº 01500/14, de 29/01/2014, no proc. nº 01941/13, de 12/10/2016, no proc. nº 0984/16, de 31/03/2016, no proc. nº 0184/16, de 6/12/2017, no proc. nº 01300/17, e de 17/02/2018, no proc. nº 01463/17, no sentido de que não se descortina razão para, na ausência de disposição expressa do legislador fiscal, não atribuir ao acto de citação na execução fiscal a mesma eficácia duradoura que o acto de citação produz no processo executivo comum.” (destaques e sublinhados nossos).

É certo que a Recorrente aduz que tal entendimento viola o princípio da reserva de lei e que tal interpretação coarta direitos, porém, na esteira da ampla e consolidada jurisprudência, assim o não entendemos.

Neste particular socorremo-nos do que vem expendido, designadamente, no Aresto do STA, proferido no processo nº 0537/18, de 20 de junho de 2018, a cuja fundamentação se adere, e do qual se extrai na parte que para os autos releva, designadamente, o seguinte:

“Sustenta a recorrente que a prescrição tributária deve ser entendida como uma garantia dos contribuintes, sujeita ao princípio da legalidade em todos os seus elementos: prazo e suas vicissitudes, efeitos jurídicos, e modo de produção dos seus efeitos.

Acrescenta que estando toda esta matéria submetida ao princípio da reserva de lei formal, serão quanto a ela proibidas todas as formas de aplicação analógica do direito, que conduzam à formulação de normas, achadas pelo julgador na decisão do caso concreto, e que não tenham na letra da lei uma correspondência estrita e que não se pode recorrer ao art.º 327.º do CC, para determinar os efeitos de nenhum dos atos interruptivos da prescrição fiscal, inclusive da citação.
Esta questão foi já apreciada no ponto anterior tendo-se aí referido o seguinte:
“Importa lembrar que a Lei Geral Tributária não regula o instituto da prescrição – que é um instituto de direito comum –, na sua completude, antes apenas os aspectos que, atenta a natureza tributária da dívida, merecem normação especial em face do direito comum, a saber, em especial, o respectivo prazo, o termo inicial da sua contagem, os factos interruptivos e suspensivos do prazo, o conhecimento oficioso da prescrição.

Não contém a lei tributária uma definição de prescrição, como nada diz quanto aos efeitos dos factos interruptivos e suspensivos do respectivo prazo, porquanto em tal matéria pressupõe a aplicação do direito comum, atenta a unidade do sistema jurídico.
Não se vê, pois, … que o reconhecimento de um duplo efeito – instantâneo e duradouro – à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, viole o princípio da legalidade tributária ou as garantias dos contribuintes, não se descortinando razão atendível para defender, sem expressa disposição do legislador nesse sentido, que a citação no processo executivo comum interrompe o prazo de prescrição e obsta a que comece a correr novo prazo até ao termo do processo executivo e assim não seja no processo de execução fiscal.
Acompanharemos, pois, a jurisprudência consolidada deste STA … no sentido de que a interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não apenas inutiliza para a prescrição o tempo decorrido até à data em que se verificou o facto interruptivo (artigo 326.º, n.º 1 do Código Civil), como obsta ao início da contagem do novo prazo de prescrição enquanto o processo executivo não findar (artigo 327.º, n.º 1 do Código Civil)
.” (destaques e sublinhados nossos).

Mais importa ter presente que o Tribunal Constitucional, no âmbito do Acórdão 122/2015, de 12 de fevereiro de 2015, já se pronunciou no sentido de que a interpretação que, ora, se propugna não traduz qualquer inconstitucionalidade, evidenciando para o efeito, designadamente, que:

“Em qualquer caso, não se vislumbra de que modo a interpretação normativa questionada – quanto aos efeitos duradouros da interrupção da prescrição das dívidas tributárias, considerando-se que o prazo prescricional apenas se reinicia após o termo do processo de execução fiscal – possa ofender os direitos em causa
Sendo o instituto da prescrição especificamente determinado por princípios e valores objetivos de segurança e certeza jurídicas, certo é que o âmbito de proteção dos direitos de acesso ao direito e aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva não compreende um direito à prescrição das dívidas fiscais, enquanto alegado direito dos contribuintes, pelo que não ocorre a violação daqueles direitos.(…)”

Pelo exposto, bem andou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, no tocante aos aludidos processos executivos, ao reconhecer esse efeito duradouro ao ato interruptivo de citação e, por consequência, ao julgar que, por esse motivo, não ocorrera ainda a prescrição das dívidas em cobrança, uma vez que, como já evidenciado e, ora, se reitera na data em que ocorreu a interrupção da prescrição, operada pela citação, não estava já em vigor a norma que transformava o efeito interruptivo em suspensivo por força da paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao executado[8].

E por assim ser, contrariamente ao defendido pela Recorrente, o reconhecimento deste duplo efeito - instantâneo e duradouro - à interrupção da prescrição decorrente da citação do executado, não viola o princípio da legalidade tributária ou as garantias dos contribuintes, não denegando, por isso, qualquer justiça.

Destarte, considerando que à data em que a Recorrente foi citada no âmbito dos processos de execução fiscal nº ..... , as dívidas exequendas não se encontravam já prescritas, tendo-se interrompido o prazo de prescrição e mantendo-se o efeito duradouro da interrupção, então, operada, as dívidas exequendas não se encontram, efetivamente, prescritas.

Improcede, assim, o alegado pelo Recorrente quanto aos aludidos processos executivos.


***

Subsiste, então, por analisar do erro de julgamento relativamente aos processos de execução fiscal nº ..... (e apenso .....), ....., e ......

Como decorre da factualidade assente, as citações no âmbito dos aludidos processos de execução fiscal ocorreram em 16 de maio de 2002, 23 de dezembro de 2003 e 26 de outubro de 2004, logo contrariamente ao que fez o Tribunal a quo, teria de ser aferida a aplicação do regime constante do artigo 49.º, nº2 da LGT, anterior à aludida revogação que vimos dando a devida nota e nessa medida, ponderar todos os factos suspensivos e interruptivos, e mais ainda aferir se ocorreu a paragem do processo de execução fiscal por período superior a um ano,[9] até 01 de janeiro de 2007, situação em que se terá de valorar e apreciar, casuisticamente, da conversão do efeito interruptivo em efeito suspensivo.

Mas a verdade é que para aferição de tal erro de julgamento encontramo-nos perante um deficit instrutório, porquanto o Tribunal ad quem não está na posse de todos os elementos atinentes para o efeito, desde logo, porque o processo de execução fiscal apenso não se afigura completo e na sua versão integral, não contemplando todos os elementos que relevam para cabal apreciação da prescrição, ou seja, que permitam concluir não ter ocorrido paragem do processo executivo por período superior a um ano por facto não imputável ao contribuinte no seguimento das aludidas citações, constatando-se, outrossim, a necessidade de esclarecimentos e diligências instrutórias adicionais.

Senão vejamos.

Do probatório infere-se que terão existidos pedidos de pagamentos prestacionais, mas não se perceciona, nem o processo executivo permite tal esclarecimento, se foram pagas quaisquer prestações e bem assim se foi prestada garantia idónea e em montante suficiente para suspender os processos executivos.

Importando, outrossim, aquilatar se houve suspensão, desde que data e, sendo caso disso, quando é que terminou, apurando-se, designadamente, se houve lugar a um incumprimento e ulterior resolução do plano de pagamentos.

Mais se retira da consulta do processo de execução fiscal que existiram autos de penhoras de bens móveis e bem assim constituição de hipoteca sobre bens imóveis, porém não se perceciona em que processo executivo e quais os apensos que, em concreto, agregam, sendo, inclusive, de primacial importância indagar das, concretas, datas de apensações dos respetivos processos executivos.

Não sendo, outrossim, possível aferir se após a concretização de tais atos de penhora, e constituição de hipoteca, os processos executivos estiveram parados por período superior a um ano, o que atenta a data da prática dos factos tributários reveste primacial acuidade, note-se, designadamente, que no âmbito do processo de execução fiscal nº ..... e apenso, encontramo-nos perante a cobrança coerciva de dívidas cujo período mais recente data de novembro de 2001.

Por outro lado, do probatório resulta que existiu um procedimento extrajudicial de conciliação, porém desse acervo fático e bem assim do processo de execução fiscal apenso, não se retira quais os processos executivos que o mesmo englobou, e as concretas diligências que foram realizadas nesse e para este efeito.

De salientar, neste particular que, não obstante se retire do probatório que após o encerramento do processo de insolvência existiu um procedimento de venda de bens, o mesmo não consta do processo executivo apenso, o qual se afigura relevante para efeitos de densificação de diligências administrativas visando a cobrança da dívida e, mais ainda, da cognoscibilidade por parte da Executada, ora Recorrente.

É certo que o Tribunal a quo, reconhece, in fine, que terão existido algumas causas suspensivas e interruptivas, mormente, penhoras e vendas de bens penhorados, porém entende que as mesmas não relevam, porquanto, a citação teve o efeito duradouro, porém, como visto e sem mais, não se pode retirar tal conclusão.

Assim, a factualidade pertinente para a decisão da prescrição no âmbito dos aludidos processos executivos carece de esclarecimentos junto do órgão exequente, da junção de cópia integral certificada de todo o processo executivo, e diligências instrutórias que permitam aferir, de forma inequívoca, todos os atos suspensivos e interruptivos e da concreta aferição da paragem do processo por período superior a um ano.

Razão por que se impõe a baixa dos autos ao Tribunal a quo para ampliação da matéria de facto com vista a obter todos os elementos que suportem uma esclarecida e substanciada decisão sobre a prescrição no âmbito dos processos de execução fiscal nº ..... e apenso, ....., e .....[10].

E por assim ser, e sem necessidade de mais considerações o presente recurso só, em parte, merece provimento.


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Resta apreciar, ex officio, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, nº 7 do RCP.

Com efeito, no Aresto do STA, proferido no processo nº 01953/13, de 07 de maio de 2014, doutrina-se, de forma inequívoca, que: “A norma constante do nº7 do art. 6º do RCP deve ser interpretada em termos de ao juiz, ser lícito, mesmo a título oficioso, dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida a final, pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de €275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação concreta (utilidade económica da causa, complexidade do processado e comportamento das partes), iluminada pelos princípios da proporcionalidade e da igualdade”.

No caso sub judice, considera-se que o valor de taxa de justiça devida a final, calculado nos termos do tabela I.B., do RCP, é excessivo. Porquanto, ponderadas as circunstâncias do caso vertente à luz dos critérios escolhidos pelo legislador, em especial, o comportamento processual das partes litigantes, sem qualquer reparo negativo a apontar, a complexidade do processo – atendendo a que as questões decidendas, embora respeitantes a matéria específica, não exigiram do julgador especiais e diversos conhecimentos técnicos e jurídicos, antes se mantiveram dentro de parâmetros normais e comuns encontra-se preenchido o circunstancialismo do n.º 7, do artigo 6.º do RCP, decretando-se a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO:
Ø Confirmar a decisão recorrida quanto ao julgamento de improcedência atinente aos processos de execução fiscal nº .....  e respetivos apensos, por os mesmos não se encontrarem prescritos.
Ø Anular a decisão recorrida na parte respeitante aos processos de execução fiscal nº ....., ....., e ....., e determinar a baixa dos autos à 1ª instância para as finalidades supra referidas e posterior decisão.

Custas a cargo da Recorrente na parte que em decaiu [71%], com a dispensa do remanescente da taxa de justiça na parte em que exceda 275.000,00 Euros e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário, e sem custas no demais.

Registe. Notifique.


Lisboa, 11 de fevereiro de 2021

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Susana Barreto e Vital Lopes]


Patrícia Manuel Pires

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[1] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[2] Vide Acórdão do TCA Norte, proferido no processo nº 02324/04.9 BEPRT, datado de 31 de maio de 2012 e bem assim Aresto do TCA Sul, proferido no processo nº 618/10.3 BELRS de 07 de junho de 2018.
[3] Vide, designadamente, o processo nº 0125/11, de 02.03.2011.
[4] In Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Global, 2008, pp.118 e 119.
[5] No mesmo sentido, vide Acórdãos dos STA, proferidos nos processos nº 0367/14, de 09.04.2014, 02491/18, de 06.02.2019 e 0534/20, de 15.07.2020. 
[6] Vide, Acórdão do STA, proferido no processo nº 01207/19, de 04.03.2020.
[7] Vide o recente Aresto deste Tribunal, proferido no processo nº469/19.4, de 14.01.2020, proferido pela presente Relatora.
[8] Vide, Acórdão do STA, proferido no processo nº 01111/19, de 11.09.2019.
[9] Quanto ao conceito de paragem do processo executivo vide o Aresto do STA, proferido no processo nº 0740/12, de 11.07.2012.
[10] Vide, designadamente, os Acórdãos do STA, proferidos nos processos nº 01207/19, de 04.03.2020, 0534/20, de 15.07.2020 e do TCAN, proferido no processo nº 00982/04, de 01.06.2017