Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:191/12.8BEPDL
Secção:CT
Data do Acordão:01/31/2019
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:ORGANISMO DE DIREITO PÚBLICO
SUJEIÇÃO A IVA
Sumário:1) As quantias pagas por um município a uma empresa pública municipal como contrapartida pela prestação de serviços de empreitadas realizadas no âmbito de contratos programa celebrados entre as partes, correspondem a actividade subsumível no conceito de prestação de serviços a título oneroso (artigo 4.º/1, do CIVA), sujeita a tributação (artigo 1.º/1/a), do CIVA).
2) No caso, tendo, alegadamente, ocorrido erro no apuramento da base tributável, compete ao tribunal fixar no probatório os elementos necessários ao julgamento de tal asserção.
3) A falta de elementos mencionada justifica a ocorrência de défice instrutório, determinante de anulação do processado, devendo, por isso, os autos serem devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à ampliação da matéria de facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:I- Relatório
“O…. – Empresa …., , EM”, interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida a fls. 424/436, que julgou improcedente a impugnação judicial por si deduzida, contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010.
Nas alegações de recurso de fls. 443/471, a recorrente formula as conclusões seguintes:
1. «A questão principal decidenda - tendo sido esse exclusivamente o âmbito/fundamentação da Douta Sentença aqui recorrida - reporta-se à natureza (qualificação) das verbas recebidas pela O… do MLF, invocando-se erro de julgamento quanto à valoração de facto e de direito subjacente a tal questão principal.
2. Porém – e para além do exposto -, a sociedade aqui Recorrente alegou nos autos, não só tal errada qualificação das transferências do MLF para a O…, como também, ainda que a título secundário, a respetiva errada quantificação contabilística (e tributária).
3. Ora, estando em causa nos autos ‘subvenções’, como defende a Recorrente, ou ‘prestações de serviços’, como defende a IT, dado que em ambos os casos/qualificações estaremos sempre perante eventos que geram rendimentos tributáveis que foram tributados em sede de IVA, como se pode aceitar que o quantum subjacente à liquidação impugnada não é uma matéria relevante para a boa decisão da causa?
4. Dado que todos os factos alegados determinantes do referido ‘erro na quantificação’, como o próprio erro em si mesmo, nunca foram observados ou analisados nos autos a quo, sob nenhuma forma ou perspetiva, ainda que os mesmos tenham sido alegados de forma apenas secundária.
5. Tal consubstancia uma omissão de pronúncia, que aqui se peticiona, por violação do disposto n.º 2 do artigo 608.º do CPC (no sentido de que não foram resolvidas todas as questões que as partes submeteram a apreciação), nos termos e para efeitos do artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC. No processo judicial tributário o vício de omissão de pronúncia, como causa de nulidade da sentença, está previsto no artigo 125.º, n.º.1, do CPTT, no penúltimo segmento da norma, o que aqui se peticiona, para os devidos efeitos legais.
6. Apesar de o Douto Tribunal a quo ter proferido despacho a dispensar, por desnecessária, a inquirição das testemunhas arroladas, no âmbito dos seus poderes de livre apreciação, tal conduz a uma inequívoca anulabilidade da Douta Sentença a quo por erro de julgamento em face de manifesto défice instrutório, o que aqui também se peticiona.
7. O Douto Tribunal a quo não só não selecionou a questão do ‘erro na quantificação’ como sendo (também) relevante para a boa decisão da causa, como, em face do pedido expressamente formulado a esse propósito, não consignou quaisquer factos relacionados com o tema, quando os deveria ter consignado, como provados ou não provados (vd. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT).
8. Matéria que a ora Recorrente considera que poderia resultar, pelo menos em grande parte, provada da inquirição das testemunhas arroladas – valorando-se, a esse propósito, que a contabilidade da sociedade sofreu com alguma “confusão” derivada das sucessivas contabilizações e TOC’s responsáveis pelas mesmas.
9. Prova testemunhal que não foi realizada, quando o Tribunal deveria oficiosamente realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ou úteis à descoberta da verdade material relativamente ao objeto do processo, de acordo, designadamente, com o disposto nos artigos 99.º da Lei Geral Tributária e 13.º do CPPT que aqui se invocam.
10. Concluindo-se haver manifesta insuficiência da prova produzida, devendo, por isso, proceder o presente recurso, por violação do princípio do inquisitório, ordenando-se a baixa do processo para a realização da inquirição das testemunhas requerida e que foi dispensada, com vista a ‘modificabilidade da decisão de facto’, nos termos e para efeitos do artigo 662.º do CPC.
11. Todos os factos dados como provados, ou a dar como provados, após a necessária inquirição de testemunhas - e que melhor se detalham na fundamentação do presente recurso -, permitem concrecionar mais detalhadamente a verificação de cada um dos vícios imputados à Douta Sentença recorrida, nos termos das conclusões anteriores.
12. De tais factos resulta que, ao abrigo dos contratos-programa, e respetivas Adendas, celebrados entre o MLF e a ora Recorrente, foram transferidas como sendo devidas e para pagamento verbas, cujo valor total se contabilizou, na O…, de 2007 a 2010, em € 2 088 729,58.
13. Verbas que tiveram subjacentes os contratos-programa celebrados entre as Partes, ou as respetivas Adendas, para fazer face à exata medida dos custos que foram efetivamente suportados pela O…, nesses anos, na prossecução de funções/atribuições públicas que lhe foram delegadas por lei e contrato.
14. Valores que não correspondem à totalidade dos valores contratualizados entre o M…. e a O…, ao abrigo desses contratos-programa, que no valor agregado desses anos de 2007 a 2010 totalizavam € 2.498.489,03.
15. Valores contratualizados que, ainda assim, foram considerados para efeitos da base tributável de IVA pela IT e, nessa medida, alegadamente nas declarações de substituição entregues e cuja legalidade aqui se coloca em crise por manifesto excesso (erro na quantificação).
16. E tal excesso de quantificação resulta do facto de os valores contratualizados não serem verdadeiros direitos a receber que devessem ter relevância contabilística (e tributária), só o devendo ter aquando da respetiva concretização e valorimetria, a qual dependia contratual e factualmente da execução das obras ou serviços públicos delegados, bem como do concreto apuramento dos custos associados na esfera da O…..
17. A prova do manifesto ‘erro na quantificação’ resulta dos balanços refeitos pela Recorrente que foram juntos à PI, bem como do simples confronto dos valores das declarações de IVA de substituição entregues pelo TOC da O…. aquando da IT – e que são sindicadas no âmbito do presente processo e foram juntos como prova documental – que demonstram que:
· As bases tributáveis acrescidas nas declarações periódicas de substituição de IVA apresentadas (i.e, as matérias que foram registadas e consideradas ‘prestações de serviços’ pela IT) face às declarações periódicas de IVA originais, são sempre divergentes – e claramente superiores – face aos valores abstratos previstos nos contratos-programa que a IT considerou ser de tributar e, portanto, aqueles que deveriam ter sido acrescidos (?);
· O TOC - provavelmente por facilitismo -, imputou anualmente, e de uma forma praticamente “exclusiva”, a um único período de cada ano (Abril de 2007, Janeiro de 2008, 1.ºT de 2009 e 2010), o valor total das “prestações de serviços” que a IT considerou como sendo tributáveis, registo contabilístico (e fiscal) que notoriamente não reflete a atividade que foi exercida de forma continua pela sociedade nesses anos, o que prova o erro da quantificação, nem que não fosse em cada dessas declarações periódicas (i.e., na declaração de Abril 2007, de janeiro de 2008, do 1.º T de 2009 e do 1.º T de 2010);
18. Como prova de tudo isto, valore-se, em especial, a Declaração emitida, na presente data, pelo Administrador Liquidatário da O…., que atesta que a «empresa nada deve a empreiteiros ou terceiros por obras ou prestações de serviços realizadas» - ou seja, que não tem quaisquer custos por liquidar - «como nada tem a receber da Câmara Municipal Lajes das Flores, designadamente de contratos-programa assinados entre as partes».
19. Sendo inequivocamente provado nos presentes autos que, nem a Recorrente, nem o M…, consideram existir qualquer crédito em dívida entre as Partes, como nunca consideraram existir o crédito acumulado que resultou registado na conta da O…., em 2010, no valor de €789.573,00, como esse montante nunca foi solicitado ou pago, exatamente, por não ser devido, contabilisticamente registável e tributável, como erradamente o foi.
20. Pelo exposto, e independentemente da qualificação das verbas recebidas, sempre se terá que concluir que as liquidações de IVA sub judice estão feridas de ilegalidade, por terem sido liquidadas em manifesto excesso, erro na quantificação que aqui se peticiona, para os devidos efeitos de anulabilidade das mesmas, incluindo dos respetivos juros compensatórios liquidados.
21. Por fim, e quanto à qualificação das verbas recebidas do MLF, entende a ora Recorrente que, mais do que contratual, todo o enquadramento legal de tais montantes foram e só verdadeiros subsídios, e nada mais…
22. Para além de toda a matéria factual, de relevar, mais em particular, ao nível jurídico, o artigo 9.º do RJEL, em vigor à data dos factos, que determinava que:
«2 - A atribuição de subsídios ou outras transferências financeiras provenientes das entidades participantes no capital social exige a celebração de um contrato de gestão, no caso de prossecução de finalidades de interesse geral, ou de um contrato-programa, se o seu objecto se integrar no âmbito da função de desenvolvimento local ou regional.».
Estabelecendo o artigo 23.º do referido regime que as empresas encarregadas da promoção do desenvolvimento económico local ou regional devem celebrar contratos-programa onde se defina pormenorizadamente o seu objeto e missão, referindo ainda a referida lei que dos contratos-programa consta obrigatoriamente o montante das comparticipações públicas que as empresas têm o direito de receber como contrapartida das obrigações públicas assumidas.
Sendo ainda de revelar que, nos termos do n.º 3, do artigo 30.º dos Estatutos da O… resulta que «dos contratos-programa constará, obrigatoriamente, o montante dos subsídios e das indemnizações compensatórias que a empresa terá direito a receber como contrapartida das obrigações assumidas».
23. Acresce que, de acordo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, para estarmos perante um subsídio devem encontrar-se reunidos, cumulativamente, alguns pressupostos, fundamentalmente:
· Deve ser auferido por um sujeito passivo de IVA;
· Deve ter um caráter patrimonial;
· Deve ser entregue através de recurso a dinheiros de origem pública;
· A autoridade que concede a subvenção não deve ser o destinatário das operações realizadas pelo sujeito passivo, sendo o necessário o envolvimento de três partes: aquele que concede a subvenção, o sujeito passivo que a aufere e o destinatário dos bens ou serviços disponibilizados por esse sujeito passivo (relação triangular);
· A subvenção deve ser paga à entidade subvencionada para que esta, concretamente, transmita certos bens ou preste determinados serviços, apenas lhe sendo concedida caso tais operações sejam por elas efetuadas;
24. Ora, sem demais delongas é notório que factual e legalmente as verbas transferidas pelo MLF à ora Recorrente, ao abrigo dos contratos-programa celebrados não podem deixar de ser qualificadas pelo Douto Tribunal como subsídios/subvenções.
25. Sendo esse o respetivo enquadramento legal (e contratual) existente à data dos factos para ser liminarmente ultrapassado, como o foi, como se os diplomas que regulamentavam estas questões simplesmente não tivessem qualquer relevância jurídica, o que não se aceita.
26. A corroborar inequivocamente a qualificação defendida pela Recorrente, no sentido inequívoco de que as verbas transferidas pelo MLF, ao abrigo dos contratos-programa são subsídios, e não a contrapartida pela prestação de um serviço, valore ainda o Douto Tribunal o Relatório n.º 18/2010-FS/SRATC do Tribunal de Contas, aludido e citado pela Recorrente nos artigos 102 a 111 da PI, para a qual se remete para os devidos efeitos legais.
27. Resultando provado nos autos que, notoriamente, o MLF ‘não libertou’ – nem tinha que o fazer – todas as verbas previstas nos contratos programa, antes e só os valores que, em face do andamento das obras ou das prestações de serviços, a O… incorresse e, sucessivamente, solicitasse a respetiva cobertura pelo M…LF
28. E que essas verbas eram solicitadas pela O…. sem a inclusão de qualquer margem comercial associada (no sentido de pressupor qualquer contraprestação onerosa associada).
29. Verificando-se ser, essencialmente nestes últimos pontos, respeitosamente se diga, que a Douta Sentença recorrida cai em manifesto erro, uma vez que o Douto Acórdão que cita na respetiva fundamentação tem como pressuposto fáctico (i) uma ‘SA de capitais exclusivamente públicos’ que recebia todos os montantes fixos e contratualizados nos contratos-programa assinados, independentemente da realização (ou prova) da realização dos respetivos custos (recebia montantes fixos anuais, independentemente da concretização), (ii) pressupondo, por isso/além disso, existir uma contraprestação onerosa, valorações fácticas que, in casu, manifestamente não se verificam.
30. Ora, tendo em mente todo o acima exposto, e subsumindo-se aos factos que subjazem aos presentes autos, conclui-se que as subvenções subjudice não estavam sujeitas a IVA, atendendo que as verbas transferidas pelo MLF à Recorrente foram-no exclusivamente com vista à cobertura total dos custos comprovadamente incorridos na assunção das atribuições cometidas à O….
31. E não existindo uma verdadeira contrapartida onerosa subjacente a essas transferências (no sentido de existir uma remuneração de um serviço prestado pela O…. ao M…).
32. Sendo por demais manifesto que tais subsídios configuram subsídios não tributáveis em IVA atendendo que não foram atribuídos com vista à remuneração de uma prestação de serviço pela Recorrente que depois repercutiria no preço final a pagar (pelo beneficiário) pela utilização do bem/serviço público.
33. Não estando verificado, por isso, no caso concreto o requisito previsto no art.º 16.º, n.º 5, al. c) do CIVA de que as subvenções sejam diretamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.
34. Em face de todo o exposto, e após ter corrigido a contabilidade, a Recorrente apresentou novas (segundas) declarações de substituição de IVA, conforme resulta da junção das mesmas aos autos aquando da PI.
35. Nas quais regularizou o IVA liquidado indevidamente, como também o IVA que a sociedade deduziu indevidamente, dado ter concluído ser um sujeito passivo que não efetua quaisquer operações tributáveis.
36. Em face de tudo o exposto, e seja por que perspetiva se analise as questões em litígio, dever-se-á concluir serem as liquidações de IVA que subjazem aos presentes autos de anular, por errada qualificação e, ainda que assim não se admita, por errada quantificação, ao terem subjacente a incidência de IVA sobre valores que não são – nem podem ser – considerados na base tributável do imposto.
X
A fls. 486/488, a Recorrida Fazenda Pública proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.
Formulou as conclusões seguintes:
«Entende a recorrente que o Tribunal a quo decidiu mal as questões por ela colocadas na petição inicial, referindo que deixou de se pronunciar sobre estas, tendo abordado outras em que não atendeu aos seus argumentos, tendo decidido contra si.
Relativamente às questões colocadas apenas basta citar a Douta sentença do tribunal a quo para verificar que a Recorrente carece de razão, o que por economia de meios nos escusaremos a fazer, uma vez que já foram abordadas as razões que sustentam esta tese no corpo destas alegações, concluindo apenas que:
(i) não existiu omissão de pronúncia da sentença relativamente ao que a recorrente entende ser um erro de quantificação, pois o Tribunal a quo seguiu a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, determinada no processo C174/14, de 29 de outubro de 2015, pronunciando-se expressamente sobre os aspetos focados.
(ii) os atos tributários de IVA dos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010 não estão feridos de ilegalidade, por se basearem em matéria tributável inexata, pois o Tribunal a quo entendeu que só há lugar a tributação em sede de IVA se um contrato estabelecer um conjunto de prestações recíprocas, consistindo a comparticipação acordada o contravalor do serviço prestado, inexistindo qualquer inexactidão.
(iii) não há qualquer défice instrutório gerador de anulabilidade, pois entendeu o Tribunal a quo que a matéria a decidir estava devidamente documentada, não tendo a recorrente emitido qualquer juízo aquando da dispensa de produção de prova testemunhal.
(iv) quanto aos factos que considera deverem incluir-se nos factos dados como provados, juntando documentos nesta fase de recurso, não deverão ser acrescentados mais factos à base fixada, quer por não terem relevância para a decisão, quer por não serem admitidos, bem como a junção tardia de documentos que não são supervenientes e que poderiam ter sido obtidos anteriormente não deve proceder, por inadmissibilidade, de acordo com o artigo 662.º do CPC.
(v) por último, a alegação de que os pagamentos se trata de subsídios e não de pagamentos de prestações de serviços, não deve ser acolhida, por o Tribunal a quo ter resolvido fundamentadamente essa questão quando seguiu o determinado no Acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito do processo C-174/14, de 29 de outubro de 2015, e concluiu que ocorreu um facto tributável, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a), artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 4.º, n.º 1 do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
X

A Digna Magistrada do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer (fls. 493/495), no sentido da improcedência do recurso.
X
Colhidos os vistos legais, vem o processo à conferência para decisão.
X
II- Fundamentação.
2.1.De Facto.
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
1) «A Assembleia Municipal do Município das Lajes das Flores aprovou a constituição e estatutos da sociedade O… – E.M., em 27 de novembro de 2006, tendo o contrato de sociedade da mesma sido outorgado em 19 de dezembro de 2006, nos termos constantes do anexo 3, apresentado com a petição inicial, de fls. 113 a 128 do suporte físico do processo.
2) Em 16 de janeiro de 2006, a sociedade O… – E.M., iniciou a atividade no âmbito do desenvolvimento, implementação, construção, gestão e exploração das áreas de desenvolvimento urbano prioritárias; requalificação urbana ambiental, a construção e gestão de habitação social, a construção de vias municipais, a construção, gestão e exploração de equipamentos desportivos, turísticos, culturais e de lazer, à qual corresponde o CAE 70220, estando enquadrada no regime geral, em sede de IRC, e no regime normal de periocidade mensal (até 2008, inclusive) e trimestral (a partir de 2009), para efeitos do IVA (cfr. relatório de inspeção de fls. não numeradas do processo administrativo).
3) Em 2 de abril de 2007, o Município das Lajes das Flores e a sociedade O… – E.M., elaboraram um escrito denominado “contrato-programa nº 1/2007”, nos termos constantes do anexo 4, apresentado com a petição inicial, de fls. 129 a 132 do suporte físico do processo.
4) Em 1 de outubro de 2007, o Município das Lajes das Flores e a sociedade O… – E.M., elaboraram um escrito denominado “contrato-programa nº 1/2007, Adenda, n.º 1/2007”, nos termos constantes do anexo 4, apresentado com a petição inicial, de fls. 133 do suporte físico do processo.
5) A sociedade O… – E.M., foi objeto de uma ação de fiscalização externa, desenvolvida a coberta das ordens de serviço n.º OI20110… e OI 201100…, de 25 de janeiro de 2011, de âmbito geral (quanto aos exercícios de 2007, 2008 e 2009) e âmbito parcial, em sede de IVA (quanto ao exercício de 2010) (cfr. teor de fls. 5 e 6 do relatório de inspeção, de fls. não numeradas do processo administrativo).
6) Em 9 de agosto de 2011, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças da Horta elaboram o relatório de inspeção, pelo qual se considerou em falta o IVA de 2007 (€ 82.792,44), de 2008 (€ 85.409,69), de 2009 (€ 91.160,30) e de 2010 (€75.319,27), com base nos seguintes fundamentos:
(“texto integral no original; imagem”)

A empresa foi integrada numa acção especial de sujeitos passivos que entregaram para o exercício as 2008 declarações periódicas de IVA, mas não procederam á entrega da declaração modelo 22 respeitante ao mesmo período. Contactado o sujeito passivo para que regularizasse a situação tributária, e enviasse elementos da contabilidade (balancetes e demonstrações de resultados i. verifícou-se, após envio dos mesmos, que. a O… estava a efectuar a contabilização utilizando o POCAL.
No sentido de a contabilidade respeitar o Plano Ofical de Contabilidade (POC) e o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a partir de 1 de Janeiro de 2010, foi notificado o sujeito passivo e o Sr J…., Presidente do Conselho de Administração nos termos do art. 3º e do nº 3 do art: 42º do RCPIT, para apresentar os elementos de contabilidade tal como previstos no artigo 17a do CIRC, a que se encontram obrigados nos termos do artigo 123º do mesmo diploma, e nos termos da Lei 53-F/2006. de 29 de Dezembro, que aprova o regime jurídico do sector empresarial Ices, como referem os artigos 41c e 42º do capitulo VII da mesma.
Em 2011/02/09 foram iniciadas as acções de inspecção, e foram solicitados ao TOC, que iniciou funções em 2011, e que efectuou a regularização da escrita de acordo com o POC, os elementos (balancetes analíticos e extractos das contas) e documentos de contabilidade dos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010,
No decurso das acções de inspecção efectuadas à contabilidade da empresa, efectuou-se análise aos documentos que suportam a contabilidade, verificando-se que são celebrados contratos-programa entre o Município das Lajes das Flores e a O…., nos termos do artigo 23º da Lei 53- F/2006 de 29 de Dezembro, que produzem efeitos financeiros no ano económico a que respeitam.
Estes contratos-programa são efectuados tendo como "objecto a definição das formas de participação, colaboração e apoio por parte da Câmara Municipal das Flores (...) bem como a definição do conjunto de atribuições e responsabilidades da O…. - E.M. no exercício dessas atribuições, de acordo com o estipulado na cláusula 1ª dos referidos contratos-programa.
Nos termos da cláusula 3a dos contratos - programa ‘Para cumprimento das obrigações assumidas pela O…. - EM nos contratos, que se traduzem na realização de investimentos de rentabilidade não demonstrada, a Câmara Municipal de Lajes das flores apoiará financeiramente a O… - E M., mediante transferência de verbas do seu orçamento, nos montantes previstos no Plano de Actividades.
Nos termos da cláusula 4a dos referidos contratos-programa “1- A Câmara Municipal de Lajes das Flores transferirá no ano de (…) através dos procedimentos legais e orçamentais necessários para tanto, para a O… E.M. a quantia de (...) a serem transferidos de acordo com o andamento das obras/de acordo com o desempenho das funções necessárias à prossecução das suas obrigações. "2 - Para justificação das despesas apresentadas deverá a O…. - E. M. apresentar autos de medição devidamente elaborados, contemplando obras e custos por frente de trabalho devidamente individualizados, “3 - No caso de o montante referido no número anterior se revelar insuficiente, a Câmara Municipal de Lajes das Flores poderá reforçar as referidas verbas, ate atingir o montante que se vier a apurar ser o da efectiva cobertura de todos os custos, devendo para isso ser celebrada uma adenda ao presente contrato-programa.
Como se poderá verificar existem contratos-programa cujas obrigações assumidas pela O… são o planeamento gestão e investimentos em eventos culturais, nomeadamente na organização da Festa do Emigrante. De referir que também nestes contratos a respectiva cláusula 2ª exige a apresentação de autos de medição devidamente elaborados para justificação das despesas apresentadas. Constata-se ainda a existência de contratos-programa cuja obrigação assumida pela O…. é o planeamento e gestão das despesas correntes devidamente justificadas, exigindo estes também a apresentação de autos de medição.
Face à análise efectuada aos contratos-programa, nomeadamente ao constante da cláusula 4a, foram solicitados os autos de medição que a O… estava obrigada a apresentar para justificação das despesas e consequente determinação da quantia a transferir por parte da Câmara Municipal cas Lajes das Rores, tendo-nos sido exibidos documentos com a seguinte apresentação:
(“texto integral no original; imagem”)

- O valor total do montante a transferir constante dos "autos" do triénio de 2007 a 2009, ascende a 702.227.93€, no entanto o valor das transferências da Câmara Municipal das Lajes das Flores contabilizadas ascendem a no mesmo período ascendem 1.505.969.12€.
- Os 'autos de medição", apesar de referirem que em anexo aos mesmos se encontram cópias dos documentos de suporte das despesas, da contabilidade apenas constam os referidos “autos” sem quaisquer cópias em anexo.
- Além de em anexo aos “autos” não se encontrarem quaisquer cópias de despesas, da análise dos documentos da contabilidade também não nos é possível aferir qual o custo suportado peia O… para realização de cada uma das obrigações assumidas, uma vez que também os documentos de suporte aos custos, grande parte das vezes não fazem referência a uma obra específica, não existindo da parte dos prestadores de serviços contratados pela O…. quaisquer autos de medição
- Tanto os contratos-programa como os referidos "autos de medição” não apresentem qualquer quantificação, por exemplo no caso do contrato para pavimentação das estradas do concelho não é quantificada a área a pavimentar, tal como não é quantificada nos “autos de medição".
Em suma, podemos concluir, que os documentos que nos foram exibidos denominados “autos de medição’, não são na realidade autos de medição.
Como já foi referido anteriormente a O… “tem como objecto social, o desenvolvimento, implementação, construção, gestão e exploração das áreas de desenvolvimento urbano prioritárias; a requalificação urbana e ambiental; a construção e gestão de habitação social; a construção de vias municipais; e a construção, gestão e exploração de equipamentos desportivos, turísticos, culturais e de lazer, bem como o desenvolvimento, implementação e gestão das actividades conexas.
Analisados os contratos-programa celebrados entre a O… e a Câmara Municipal das Lajes das Flores, constata-se que na sua maioria os contratos respeitam á realização de obras, entendendo-se que a Câmara é o dono de obra e a O… um prestador de serviços.
Desta forma, as operações concernentes a realização de obras são entendidas como prestações de serviços nos termos definidos no artigo 4º do CIVA, sujeitas a tributação de acordo com o disposto na alínea a) do n 0 1 do artigo 1º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 2o do CIVA (respectívamente incidência objectiva e subjectiva)
Atendendo à natureza residual e, consequentemente, ampla do conceito de prestação de serviços, consignado no nº 1 do artigo 4º dc CIVA, as operações realizadas entre a O… e a Camara Municipal das Lajes das Flores respeitantes ao planeamento, gestão e investimentos em eventos culturais, nomeadamente na organização da Festa do Emigrante, são também consideradas prestações de serviços, qualificando-se como operações sujeitas a tributação de acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 1o e na alínea a) do nº 1 do artigo 2* do CIVA.
Relativamente aos contratos-programa nos quais a Câmara Municipal das Lajes das Flores se obriga a transferir para a O… verbas para fazer face a despesas correntes devidamente justificadas em que a O... incorra para execução das suas funções, não se considera que estejamos perante uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços tal como definidas no Código do IVA, no sentido- em que não existe uma contrapartida/obrigação assumida pela O....
Nos casos em que as operações realizadas entre a O... e a Câmara Municipal das Lajes cas Flores configuram prestações de serviços, nos termos do nº 1 do artigo 4º do CIVA o valor tributável das referidas prestações de serviços é o valor da contraprestação obtida ou a obter do adquirente, conforme o disposto no n.º 1 do artigo 16º do CIVA, o que nos contratos-programa celebrados no caso em apreço corresponde ao valor da contrapartida financeira a transferir peia Câmara Municipal das Lajes das Flores para a O..., constante da cláusula 4ª dos referidos contratos.
No que concerne a IRC, nos termos do artigo 20º do respectivo código, são considerados proveitos ou ganhos a totalidade das prestações de serviços, bem como as transferêncas efectuarias para fazer face a despesas correntes, de acordo com os contratos-programa existentes, dos exercícios a que respeitam os referidos contratos, de acordo com o artigo 18.º do CIRC.
As prestações de serviços efectuadas pela O..., constantes da Cláusula 2a de cada um dos contratos, são diversas, correspondendo a cada uma delas uma contrapartida financeira (que posteriormente poderá ser rectificada por adendas aos contratos), a ser transferida de acordo com o andamento das obras, como passamos a discriminar por ano nos quadros seguintes:
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(cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).
7) Foram efetuadas as seguintes liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios:
- período de 0704, liquidação adicional n.º 11115… e liquidações de juros compensatórios n.º 11115… e 11115…, no valor global de € 96.050,13;
- período de 0709, liquidação adicional n.º 11115… e liquidação de juros compensatórios n.º 11115.., no valor global de € 3.072,77;
- período de 0801, liquidação adicional n.º 11115699 e liquidação de juros compensatórios n.º 11115…, no valor global de € 100.158,29;
- período de 0903, liquidação adicional n.º 11115… e liquidação de juros compensatórios n.º 11115…, no valor global de € 82.613,94;
- período de 0909, liquidação adicional n.º 11115703 e liquidação de juros compensatórios n.º 11115…, no valor global de € 656,05;
- período de 0912, liquidação adicional n.º 11115… e liquidação de juros compensatórios n.º 11115…, no valor global de € 16.816,72;
- período de 1003, liquidação adicional n.º 11115… e liquidação de juros compensatórios n.º 1111…, no valor global de € 83.600,35 (cfr. teor da informação constante do anexo 1, apresentado com a petição inicial, de fls. 62 do suporte físico do processo).
8) Em 17 de maio de 2012, a sociedade O... – E.M., apresentou uma reclamação graciosa contra os atos de liquidação referenciados em 7), em requerimento dirigido ao Diretor de Finanças da Horta, a qual foi tramitada com o n.º 29252012040…. (cfr. fls. não numeradas do processo administrativo).
9) Em 3 de agosto de 2012, o Diretor de Finanças da Horta decidiu indeferir a reclamação graciosa n.º 29252012040…. (cfr. anexo 1, apresentado com a petição inicial, de fls. 59 do suporte físico do processo).
10) A atividade da sociedade O... – E.M., consistia em planear e gerir o investimento/despesa corrente, nos termos constantes dos contratos- programa.
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Inexistem factos não provados da instrução da causa.»
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Em sede de fundamentação da matéria de facto, consignou-se:
«O Tribunal fundou a sua convicção com base nos documentos juntos ao processo administrativo apenso e ao suporte físico do processo, nos termos especificados.
A matéria em 10) resulta do alegado pela impugnante nos pontos 131º e 132 da petição inicial e do 8º parágrafo do ponto “VI – Regularizações efetuadas pelo S.P. no decurso da Acção Inspectiva”, do relatório de inspeção.»
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Com vista a garantir a inteligibilidade da matéria de facto assente (n.º 6), repete-se o ponto “VI – Regularizações efectuadas pelo SP no decurso da acção inspectiva”:
«A empresa foi integrada numa acção especial de sujeitos passivos que entregaram para o exercicio as 2008 declarações periódicas do IVA, mas não procederam á entrega da declaração modelo 22 respeitante ao mesmo período. Contactado o sujeito passivo para que regularizasse a situação tributária, e enviasse elementos da contabilidade (balancetes e demonstrações de resultados, verificou-se, após envio dos mesmos, que. a O... estava a efectuar a contabilização utilizando o POCAL.
No sentido de a contabilidade respeitar o Plano Oficial de Contabilidade (POC) e o Sistema de Normalização Contabilística (SNC), a partir de 1 de Janeiro de 2010, foi notificado o sujeito passivo e o Sr. João António Vieira Lourenço, Presidente do Conselho de Administração nos termos do art. 3º e do nº3 do art. 42º do RCPIT, para apresentar os elementos de contabilidade tal como previstos no artigo 17º do CIRC, a que se encontram obrigados nos termos do artigo 123º do mesmo diploma, e nos termos da Lei 53-F/2006, de 29 de Dezembro, que aprova o regime jurídico do sector empresarial local, como referem os artigos 41º e 42º do capitulo VII da mesma.
Em 2011/02/09 foram iniciadas as acções de inspecção, e foram solicitados ao TOC, que iniciou funções em 2011, e que efectuou a regularização da escrita de acordo com o POC, os elementos (balancetes analíticos e extractos das contas) e documentos de contabilidade dos exercícios de 2007, 2008, 2009 e 2010.
No decurso das acções de inspecção efectuadas à contabilidade da empresa, efectuou-se análise aos documentos que suportam a contabilidade, verificando-se que são celebrados contratos-programa entre o Município das Lajes das Flores e a O…, nos termos do artigo 23 da Lei 53- F/2006 de 29 de Dezembro, que produzem efeitos financeiros no ano económico a que respeitam.
Estes contratos-programa são efectuados tendo como "objecto a definição das formas de participação, colaboração e apoio por parte da Câmara Municipal das Flores (...) bem como a definição do conjunto de atribuições e responsabilidades da O... - E.M., no exercício dessas atribuições,”, de acordo com o estipulado na cláusula 1ª dos referidos contratos-programa.
Nos termos da cláusula 3a dos contratos – programa, ‘Para cumprimento das obrigações assumidas pela O... - EM nos contratos, que se traduzem na realização de investimentos de rentabilidade não demonstrada, a Câmara Municipal de Lajes das Flores apoiará financeiramente a O... - E M., mediante transferência de verbas do seu orçamento, nos montantes previstos no Plano de Actividades.
Nos termos da cláusula 4a dos referidos contratos-programa “1. A Câmara Municipal de Lajes das Flores transferirá no ano de (…) através dos procedimentos legais e orçamentais necessários para tanto, para a O... E.M. a quantia de (...) a serem transferidos de acordo com o andamento das obras/de acordo com o desempenho das funções necessárias à prossecução das suas obrigações”. "2 - Para justificação das despesas apresentadas deverá a O... - E. M. apresentar autos de medição devidamente elaborados, contemplando obras e custos por frente de trabalho devidamente individualizados, “3 - No caso de o montante referido no número anterior se revelar insuficiente, a Câmara Municipal de Lajes das Flores poderá reforçar as referidas verbas, até atingir o montante que se vier a apurar ser o da efectiva cobertura de todos os custos, devendo para isso ser celebrada uma adenda ao presente contrato-programa.
Como se poderá verificar existem contratos-programa cujas obrigações assumidas pela O... são o planeamento, gestão e investimentos em eventos culturais, nomeadamente na organização da Festa do Emigrante. De referir que também nestes contratos a respectiva cláusula 4ª exige a apresentação de autos de medição devidamente elaborados para justificação das despesas apresentadas. Constata-se ainda a existência de contratos-programa cuja obrigação assumida pela O... é o planeamento e gestão das despesas correntes devidamente justificadas, exigindo estes também a apresentação de autos de medição.
Face à análise efectuada aos contratos-programa, nomeadamente ao constante da cláusula 4a, foram solicitados os autos de medição que a O... estava obrigada a apresentar para justificação das despesas e consequente determinação da quantia a transferir por parte da Câmara Municipal das Lajes das Flores, tendo-nos sido exibidos documentos com a seguinte apresentação: (…)»
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Ao abrigo do disposto no artigo 662.º/1, do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto:
11) Na cláusula 2ª do contrato referido no ponto 3) do probatório consta o seguinte: «A O..., EM, assegurará o planeamento, gestão e manutenção dos espaços verdes, ruas e arruamentos no Concelho de Lajes das Flores, nomeadamente arranjos de capeados das ruas e estradas municipais».
12) Na cláusula 3ª do contrato referido no ponto 3) do probatório consta o seguinte: «Para cumprimento das obrigações assumidas pela O..., EM, neste contrato, que se traduzem na realização de um investimento de rentabilidade não demonstrada, a Câmara Municipal de Lajes das Flores apoiará financeiramente a O..., EM, mediante transferência de verbas do seu orçamento, nos montantes previstos no Plano de Actividades anexo».
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2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida a fls. 424/436, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IVA referentes aos anos de 2007, 2008, 2009 e 2010.
2.2.2. Uma vez que a recorrente juntou documentos com as alegações de recurso, impõe-se aferir da admissibilidade dos mesmos.
A recorrente juntou os documentos seguintes:
1) Extracto retirado do portal das Finanças para demonstrar que «a sociedade não iniciou a sua actividade em 16 de Janeiro de 2006, conforme referido no ponto 2) do elenco dos factos provados da sentença» – doc. 1.
2) Declaração emitida em Abril de 2018, pelo Administrador Liquidatário da O..., que atesta que a «empresa nada deve a empreiteiros ou terceiros por obras ou prestações de serviços realizadas», ou seja, que não tem quaisquer custos por liquidar - «como nada tem a receber da Câmara Municipal Lajes das Flores, designadamente, de contratos-programa assinados entre as partes» - doc. 2.
3) Extrato da conta da O... na contabilidade do MLF, desde a data da constituição da sociedade (Dezembro de 2006, com a transferência do valor do respectivo capital social) até que o MLF deixou de transferir quaisquer verbas para a O..., no ano de 2014, e que atesta que o MLF não se reconhece devedor de quaisquer montantes à recorrente, incluindo, para o que aqui importa verificar, os acima referidos €789.573,00».
Vejamos.
Estão em causa documentos que contendem com a causa de pedir da presente impugnação, concretamente, com a quantificação da base tributável. A presente questão justifica, no ponto 2.2.6., da presente fundamentação, a anulação da sentença, nesta parte, por défice instrutório. De onde resulta que a admissibilidade da junção dos documentos e a sua pertinência deve ser apreciada pelo tribunal recorrido, tendo em conta o estabelecido no ponto 2.2.6.
Termos em que se decide não apreciar a admissibilidade da junção dos documentos em causa.
2.2.3. A presente intenção recursória assenta nos fundamentos seguintes:
i) Nulidade por omissão de pronúncia, quanto ao vício relativo ao erro na quantificação da matéria colectável [pontos 1) a 5)].
ii) Erro de julgamento, por alegado défice instrutório, porquanto «o Tribunal a quo não só não selecionou a questão do ‘erro na quantificação’ como sendo (também) relevante para a boa decisão da causa, como, em face do pedido expressamente formulado a esse propósito, não consignou quaisquer factos relacionados com o tema, quando os deveria ter consignado, como provados ou não provados (vd. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT). // Matéria que a ora Recorrente considera que poderia resultar, pelo menos em grande parte, provada da inquirição das testemunhas arroladas – valorando-se, a esse propósito, que a contabilidade da sociedade sofreu com alguma “confusão” derivada das sucessivas contabilizações e TOC’s responsáveis pelas mesmas» [pontos 6) a 10)].
iii) Erro de julgamento de facto, na medida em que os valores considerados em sede de liquidação (declarações de substituição) mostram-se excessivos em relação aos valores efectivamente recebidos pela recorrente, porquanto «[da matéria de facto alegada] resulta que, ao abrigo dos contratos-programa, e respetivas Adendas, celebrados entre o MLF e a ora Recorrente, foram transferidas como sendo devidas e para pagamento verbas, cujo valor total se contabilizou, na O..., de 2007 a 2010, em € 2 088 729,58», valor inferior à base tributária, objecto de liquidação [pontos 11) a 20)].
iv) Erro de julgamento quanto à qualificação da prestação financeira em causa, porquanto «as subvenções subjudice não estavam sujeitas a IVA, atendendo que as verbas transferidas pelo MLF à Recorrente foram-no exclusivamente com vista à cobertura total dos custos comprovadamente incorridos na assunção das atribuições cometidas à O...; [e que] tais subsídios configuram subsídios não tributáveis em IVA atendendo que não foram atribuídos com vista à remuneração de uma prestação de serviço pela Recorrente que depois repercutiria no preço final a pagar (pelo beneficiário) pela utilização do bem/serviço público; // Não estando verificado, por isso, no caso concreto o requisito previsto no art.º 16.º, n.º 5, al. c) do CIVA de que as subvenções sejam diretamente conexas com o preço de cada operação» [pontos 21) a 36)].
2.2.4. No que respeita à invocada nulidade por omissão de pronúncia, a recorrente invoca que a sentença não apreciou a questão do erro na quantificação da base tributária, a qual terá sido originada por errada quantificação contabilística.
Vejamos.
A omissão de pronúncia sobre questões de que devesse tomar conhecimento é fundamento da nulidade da sentença (artigo 615.º/1/d), CPC). «O conceito de questões abrange tudo quanto diga respeito à concludência ou inconcludência das excepções e da causa de pedir e às controvérsias que as partes sobre elas suscitem»(1).
A este propósito, na sentença consignou-se o seguinte:
«Por último, a Administração Tributária teve em conta, na tarefa de “retificação” das verbas que foram atribuídas à impugnante, o respetivo “reforço” e “retirada” de importâncias protocoladas, como se constata dos quadros constantes do ponto VI do relatório, referenciado em 6). // A impugnante nem sequer impugna os valores constantes de tais tabelas. // Ante o exposto, também não colhe o alegado pela impugnante, quando refere que houve tributação de valores não efetivamente recebidos».
Do exposto se extrai que a sentença apreciou a questão do alegado excesso na quantificação da base tributária. Pelo que não se mostra comprovada a alegada omissão de pronúncia.
Motivo porque se rejeita a presente argumentação.
2.2.5. No que respeita ao erro de julgamento, por alegado erro na qualificação dos subsídios em causa.
A recorrente alega nos termos seguintes.
i) «é notório que factual e legalmente as verbas transferidas pelo MLF à ora Recorrente, ao abrigo dos contratos-programa celebrados não podem deixar de ser qualificadas pelo Douto Tribunal como subsídios/subvenções».
ii) «[A]s subvenções subjudice não estavam sujeitas a IVA, atendendo que as verbas transferidas pelo MLF à Recorrente foram-no exclusivamente com vista à cobertura total dos custos comprovadamente incorridos na assunção das atribuições cometidas à O...».
iii) «[T]ais subsídios configuram subsídios não tributáveis em IVA atendendo que não foram atribuídos com vista à remuneração de uma prestação de serviço pela Recorrente que depois repercutiria no preço final a pagar (pelo beneficiário) pela utilização do bem/serviço público».
A este propósito, consta da sentença recorrida o seguinte:
«No relatório de inspeção constatou-se que o Município das Lajes transferiu verbas para a impugnante, verbas estas que tinham como causa justificativa os contratos-programa de realização de obras e planeamento, gestão e investimento em eventos culturais.
A Administração Tributária entendeu que as operações desenvolvidas pela impugnante eram verdadeiras prestações de serviço, pelo que as contrapartidas recebidas estavam sujeitas e não isentas de IVA (ao contrário das importâncias destinadas as suportar despesas correntes devidamente justificadas, que se consideraram como não sujeitas).
Os montantes atribuídos pelo Município estavam previstos nas cláusulas n.º 4 dos referidos contratos-programa e respetivas adendas, sendo que totalizavam € 585.319,54 (em 2007), € 602.500,00 (em 2008), € 722.169,49 (em 2009) e € 588.500,00 (em 2010)).
Ora, como se disse, só há lugar a tributação em sede de IVA se um contrato estabelecer um conjunto de prestações recíprocas, consistindo a comparticipação acordada o contravalor do serviço prestado.
Analisando as operações desenvolvidas pela impugnante, em concreto, não pode deixar de relevar a matéria constante em 10) da fundamentação de facto, visto que ela mesma admite que geriu e planificou os investimentos ou despesas confiados pelo Município das Lajes das Flores, de acordo com os referidos acordos.
Assim, apesar de alguma imprecisão na descrição das “tarefas” cometidas através de tais contrato-programa (como bem nota a Administração Tributária), a impugnante empregou o seu know-how na realização das mesmas, por forma que ocorreu um facto tributável, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, alínea a) e, artigo 2.º, n.º 1, alínea a) e artigo 4.º, n.º 1 do Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado.
O facto de esses valores serem pagos em função da demonstração dos custos comprovadamente suportados e de acordo com o andamento das obras (o que o Município averiguará através de ações de fiscalização), é ilustrativo do nexo direto entre o serviço prestado pela impugnante e a contrapartida devida pela execução dos referidos contratos-programa.
Acresce que a circunstância de o Município só ter transferido as importâncias protocoladas em função da demonstração dos custos comprovadamente suportados, tal tem que ver com o apuramento do quantum da prestação e respetiva exigibilidade, não pondo em causa a existência do nexo».
Vejamos.
Determina o artigo 16.º/5/c), do CIVA (“Valor tributável nas transacções internas”), que: «O valor tributável das transmissões de bens e das prestações de serviços sujeitas a imposto incluirá: // c) As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número e unidades transmitidas ou do volume do serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações».
No caso em exame, estão em causa as quantias pagas pelo Município de Lajes da Flores à O..., como contrapartida pelas prestações realizadas no âmbito de contratos-programa celebrados entre as duas entidades, com vista à realização de obras no âmbito do objecto social da recorrente, o qual consiste no «desenvolvimento, implementação, construção, gestão e exploração das áreas de desenvolvimento urbano prioritárias; a requalificação urbana e ambiental; a construção e gestão de habitação social; a construção de vias municipais; e a construção, gestão e exploração de equipamentos desportivos, turísticos, culturais e de lazer, bem como o desenvolvimento, implementação e gestão das actividades conexas»(2).
Recorde-se que, com base nos elementos referidos, a AT concluiu no sentido de que «as operações concernentes à realização de obras são entendidas como prestações de serviços nos termos definidos no artigo 4º do CIVA, sujeitas a tributação de acordo com o disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 1º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 2o do CIVA (respectivamente incidência objectiva e subjectiva)».
Asserção cujo acerto for confirmado por parte da sentença sob escrutínio e que vem colocada sob censura através do presente esteio de recurso.
A recorrente/impugnante é uma empresa pública local, o seu regime jurídico decorria à data dos factos da Lei n.º 53-F/2006, de 29 de Dezembro. Nos termos do artigo 6.º da Lei citada, «As empresas regem-se pela presente lei, pelos respectivos estatutos e, subsidiariamente, pelo regime do sector empresarial do Estado e pelas normas aplicáveis às sociedades comerciais».
Por seu turno, o artigo 7.º do regime jurídico do sector empresarial do Estado (Decreto-Lei n.º 557/99, de 17 de Dezembro, determinava o seguinte:
«1 - Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável às empresas públicas regionais, intermunicipais e municipais, as empresas públicas regem-se pelo direito privado, salvo no que estiver disposto no presente diploma e nos diplomas que tenham aprovado os respectivos estatutos. // 2 - As empresas públicas estão sujeitas a tributação directa e indirecta, nos termos gerais».
A propósito da aplicação do artigo 13.º da Sexta Directiva (“Isenções de Organismos de Direito Público”),o TJUE teve ocasião de sublinhar [Acórdão de 26.03.1987, P. C-235/85, §21) que:
«A análise desta norma à luz dos objectivos da directiva põe em evidência que duas condições devem estar cumulativamente preenchidas para que a isenção ocorra: o exercício de actividades por um organismo público e o exercício de actividades na qualidade de autoridade pública. O que significa, por um lado, que os organismos de direito público não estão automaticamente isentos relativamente a todas as actividades que desenvolvem, mas apenas relativamente àquelas que se enquadram na sua missão específica de autoridade pública (…) e, por outro, que uma actividade exercida por um particular não está isenta de IVA pelo simples facto de consistir na prática de actos que constituem prerrogativas da autoridade pública».
O TJUE teve também ocasião de sublinhar [Acórdão de 03.03.1994, P. C-16/93, §§12 a 14] que:
«Convém verificar, em segundo lugar, que o Tribunal de Justiça decidiu já, a propósito do conceito de prestação de serviços efectuada a título oneroso, utilizada pelo artigo 2. , alínea a), da Segunda Directiva, cuja redacção é semelhante à do artigo 2. , ponto 1, da Sexta Directiva, que as operações tributáveis pressupõem, no âmbito do sistema do IVA, a existência de uma transacção entre as partes com a estipulação de um preço ou de um contravalor. Daí o Tribunal de Justiça deduziu que, quando a actividade de um prestador consiste em fornecer exclusivamente prestações sem contrapartida directa, não existe matéria colectável não estando, portanto, estas prestações sujeitas ao IVA (…).
Nos acórdãos de 5 de Fevereiro de 1981, Coeoperatieve Aardappelenbewaarplaats (154/80, Recueil, p. 445, n. 12), e de 23 de Novembro de 1988, Naturally Yours Cosmetics (230/87, Colect., p. 6365, n. 11), o Tribunal de Justiça esclareceu a este respeito que a matéria colectável de uma prestação de serviços é constituída por tudo o que é recebido em contrapartida do serviço prestado e que, deste modo, uma prestação de serviços só é tributável se existir um nexo directo entre o serviço prestado e a contrapartida recebida (…).
Do que precede resulta que uma prestação de serviços só é efectuada "a título oneroso", na acepção do artigo 2., ponto 1, da Sexta Directiva, e só é assim tributável, se existir entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica durante a qual são transaccionadas prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário».
A propósito de uma sociedade anónima de capitais públicos, encarregada da prestação de serviços de planeamento e gestão do Serviço de Saúde da Região Autónoma dos Açores, o TJUE teve ocasião de sublinhar o seguinte:
«Atendendo ao caráter permanente e contínuo das prestações de planeamento e de gestão fornecidas pela S…, o facto de essa compensação ser fixada não em função de prestações individualizadas mas sob a forma de montantes fixos anuais para cobrir os custos de funcionamento desta sociedade não é, em si mesmo, suscetível de afetar o nexo direto existente entre a prestação de serviços efetuada e a contrapartida recebida, cujo montante é determinado antecipadamente e segundo critérios bem determinados (…)»(3).
«A possibilidade de qualificar uma prestação de serviços como operação a título oneroso pressupõe unicamente a existência de um nexo direto entre essa prestação e uma contrapartida realmente recebida pelo sujeito passivo. Tal nexo direto é demonstrado quando exista entre o prestador e o beneficiário uma relação jurídica no quadro da qual se trocam prestações recíprocas, constituindo a retribuição recebida pelo prestador o contravalor efetivo do serviço fornecido ao beneficiário (…)»(4).
Na jurisprudência nacional, no Acórdão deste TCAS de 13.10.2017, P. 06623/13, já se se referiu o seguinte:
«A atribuição de poderes de autoridade a uma pessoa colectiva só assume relevância decisiva para efeitos de aplicação do regime de não tributação consagrado na 1ª parte, do n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, se esses poderes forem determinantes para a própria concretização das operações tributáveis.
A questão da existência de distorção de concorrência está umbilicalmente ligada à noção de concorrência e, consequentemente, à ideia de mercado e ao princípio de prestação de serviço: o acto de concorrência é um acto de afirmação no mercado por um operador económico sujeito aos factores de comparação a que estão subordinados os demais operadores actuando no mesmo mercado.
Desenvolvendo a EP - Estradas de Portugal, S.A., no território português, uma actividade económica idêntica à que é desenvolvida por outras entidades privadas no mesmo território, à luz, no essencial, dos mesmos poderes, haverá distorção significativa de concorrência se, do não reconhecimento apenas àquela do direito a deduzir o IVA suportado nos inputs afectos às infra-estruturas rodoviárias que integram o objecto da sua concessão, resultarem evidentes prejuízos em termos de actuação no mercado, sem que exista qualquer justificação para que lhe seja aplicado um regime fiscal distinto do aplicado às demais entidades privadas.
Originando distorção de concorrência a não sujeição a IVA da EP SA, deve ser-lhe reconhecida a qualidade de sujeito passivo desse imposto (cfr. 2ª parte do nº 2 do art. 2º e 1.do CIVA)».
No caso em exame, resulta do probatório que a O..., EM assegura «o desenvolvimento, implementação, construção, gestão e exploração das áreas de desenvolvimento urbano prioritárias; requalificação urbana ambiental, a construção e gestão de habitação social, a construção de vias municipais, a construção, gestão e exploração de equipamentos desportivos, turísticos, culturais e de lazer»(5). Através da celebração de contratos-programa, a O..., EM realizou a sua actividade no concelho de Lajes das Flores(6), no âmbito de contrato celebrado entre o Município de Lajes das Flores e a O..., EM(7); esta última é o prestador de serviços, com relevância económica(8). O primeiro transferiu quantias para a segunda, como contrapartida pelos serviços prestados(9).
Dos elementos colhidos nos autos resulta que as quantias pagas pelo Município de Lajes da Flores à O... - E. M. constituem a contrapartida pela prestação de serviços de empreitadas realizadas no âmbito dos contratos programas em referência, assumindo com a realização de tais prestações um nexo de correspectividade, o que torna a actividade em causa subsumível no conceito de prestações de serviços a título oneroso (artigo 4.º/1, do CIVA), sujeita a tributação (artigo 1.º/1/a), do CIVA).
Os montantes pecuniários pagos pelo Município de Lajes da Flores à O... - E. M. não assumem a natureza de subvenções ou de indemnizações. «Não assumem a natureza de subvenções, porquanto o organismo de direito público que efectua os pagamentos [Município de Lajes da Flores] é, ele próprio o destinatário das operações tributáveis realizadas pela entidade que recebe os pagamentos [O... - E. M.], sendo certo que, para que se estivesse perante uma subvenção, seria necessário o envolvimento de três partes, a saber: o organismo de direito público que efectua o pagamento; o sujeito passivo que o recebe; e uma terceira entidade, destinatária das operações tributáveis realizadas por aquele sujeito passivo. Por outro lado, os pagamentos em referência não assumem a natureza de indemnizações, uma vez que não têm como objectivo a reparação de um prejuízo causado à [O... - E. M.], nomeadamente, em razão do incumprimento, ou do deficiente cumprimento, de uma obrigação [do Município de Lajes da Flores] ou de outras circunstâncias geradoras de responsabilidade civil»(10).
Do exposto se conclui que se trata um conjunto de prestações recíprocas, consistindo a comparticipação acordada entre as partes o contravalor do serviço prestado, sujeita à tributação em IVA.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não merece censura, pelo que deve ser mantida na ordem jurídica, nesta parte.
Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.
2.2.6. No que respeita ao esteio do recurso relativo ao alegado défice instrutório, a recorrente alega nos termos seguintes:
i) «O Douto Tribunal a quo não só não selecionou a questão do ‘erro na quantificação’ como sendo (também) relevante para a boa decisão da causa, como, em face do pedido expressamente formulado a esse propósito, não consignou quaisquer factos relacionados com o tema, quando os deveria ter consignado, como provados ou não provados (vd. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT).
Matéria que a ora Recorrente considera que poderia resultar, pelo menos em grande parte, provada da inquirição das testemunhas arroladas – valorando-se, a esse propósito, que a contabilidade da sociedade sofreu com alguma “confusão” derivada das sucessivas contabilizações e TOC’s responsáveis pelas mesmas -.
Prova testemunhal que não foi realizada, quando o Tribunal deveria oficiosamente realizar ou ordenar todas as diligências necessárias ou úteis à descoberta da verdade material relativamente ao objeto do processo, de acordo, designadamente, com o disposto nos artigos 99.º da Lei Geral Tributária e 13.º do CPPT que aqui se invocam;
ii) «[Os] valores contratualizados que, ainda assim, foram considerados para efeitos da base tributável de IVA pela IT e, nessa medida, alegadamente nas declarações de substituição entregues e cuja legalidade aqui se coloca em crise por manifesto excesso (erro na quantificação). // E tal excesso de quantificação resulta do facto de os valores contratualizados não serem verdadeiros direitos a receber que devessem ter relevância contabilística (e tributária), só o devendo ter aquando da respetiva concretização e valorimetria, a qual dependia contratual e factualmente da execução das obras ou serviços públicos delegados, bem como do concreto apuramento dos custos associados na esfera da O...».
Vejamos.
Compulsada a matéria de facto assente, verifica-se que, no que respeita ao quesito do alegado excesso na quantificação da base tributável, a sentença não contem elementos suficientes que permitam aferir da aderência à realidade do invocado vício. Tal matéria deve ser apurada e levada ao probatório, através do cruzamento dos vários meios de prova, seja através da prova testemunhal requerida, seja através da prova documental junta, designadamente, através da conciliação da contabilidade da impugnante com a contabilidade do Município de Lajes das Flores, entidade beneficiária da prestação de serviço em causa e pagadora dos serviços em apreço, seja através de prova que o tribunal entenda ser necessário realizar. Recorde-se que a matéria em causa é contestada pela recorrente, na petição inicial. Com efeito, nos artigos 42.º a 82.º, a recorrente invoca que ocorreram sucessivos erros na contabilização das remunerações percebidas e que terão levado ao empolamento das mesmas, sendo que o RIT atendeu apenas aos valores inscritos nos contratos-programa e nos autos de medição, os quais não corresponderão à realidade do rendimento percebido, na tese da recorrente.
A presente matéria exige esclarecimento, o qual ultrapassa a mera consulta dos documentos juntos aos autos, sendo necessária a inquirição das testemunhas arroladas, as quais correspondem ao TOC e a funcionários da empresa, com conhecimento sobre o modo de contabilização dos proveitos em causa. Existe dissenso entre as partes quanto aos documentos a ter em conta para aferir do quantum exacto dos montantes percebidos pela recorrente (existem documentos internos à recorrente e existem documentos outorgados entre as partes do contrato, tidos em consideração pelo RIT, e os valores não coincidem). Pelo que importa, aferir, com certo grau de certeza, sobre os valores em presença.
Nos termos do artigo 662.º/2/c), do CPC, «[o tribunal ad quem] deve, mesmo oficiosamente, anular a decisão proferida em 1.ª instância, quando não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto ou quando considere indispensável a ampliação desta». O que sucede, no caso em exame, com a falta de elementos que permitam sindicar o alegado excesso da base tributável.
No caso, a falta de elementos mencionada justifica a ocorrência de défice instrutório, determinante de anulação do processado, ao abrigo do disposto no artigo 662.º/2/c), do CPC, devendo, por isso, os autos serem devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à ampliação da matéria de facto.
Em face do exposto fica prejudicado o conhecimento das demais conclusões de recurso.
DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul no seguinte:
1) Não emitir pronúncia sobre a junção aos autos dos documentos referidos em 2.2.2.
2) Negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, na parte referida em 2.2.5.
3) Conceder provimento ao recurso jurisdicional e, em consequência, anular a sentença recorrida, na parte referida em 2.2.6., determinando a baixa dos autos à 1.ª instância para a realização das diligências supra referidas e posterior prolacção de decisão em face dos elementos apurados.

Custas pela recorrente e pela recorrida, sendo 1/3 para a primeira e 2/3, para segunda.
Registe.
Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)


(1º. Adjunto)



(2º. Adjunto)


(1) Jorge Lopes Sousa, CPPT Anotado, 6.º Ed., vol. II, p. 363.

(2) N.ºs 6, 10 a 12, do probatório.

(3) Acórdão do TJUE, de 29.10.2015, P. C-174/14, §§31 e 32.
(4) Acórdão do TJUE, de 29.10.2015, P. C-174/14, § 32.

(5) N.º 2 do probatório.
(6) N.ºs 3, 4, 6 (ponto VI do RIT), 11 e 12, do probatório.
(7) N.ºs 3, 4 do probatório.
(8) Quadros anexos ao ponto VI do RIT.
(9) N.ºs 6 (ponto VI do RIT), 11 e 12, do probatório

(10) Rui Laires, O IVA português no Tribunal de Justiça da União Europeia, Cadernos IDEFF, n.º 22, Almedina, 2016, p. 115.