Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:20017/16.2 BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:MÉTODOS INDIRETOS
DEMONSTRAÇÃO DOS PRESSUPOSTOS
Sumário:I. Não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que permite o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.
Indicações Eventuais:Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A Fazenda Pública (doravante Recorrente ou FP) veio recorrer da sentença proferida a 01.06.2016, no Tribunal Tributário de Lisboa (TTL), na qual foi julgada procedente a impugnação apresentada por M. C., Lda (doravante Recorrida ou Impugnante), que teve por objeto o indeferimento da reclamação graciosa que versou sobre a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC) e a dos respetivos juros compensatórios, relativas ao exercício de 1996.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A. Na douta sentença nos presentes autos foi julgada procedente a impugnação interposta pela sociedade M. C., NIF …98, por não terem ficado demonstrados os pressupostos para utilização de métodos indirectos no apuramento da matéria colectável aqui em causa e, em consequência, o Tribunal a quo decidiu-se pela anulação completa da liquidação de IRC aqui posta em crise.

B. Salvo o devido respeito, a Fazenda Pública não se pode conformar com este entendimento por duas ordens de razões até porque, como se demonstrará, as correcções aqui em causa têm uma dupla origem.

C. Porque, se por um lado, é certo que o montante das vendas da sociedade foi apurado com recurso a métodos indirectos, também é verdade que os proveitos declarados pela Impugnante foram aceites, embora objecto de duas correcções técnicas (cfr. ponto 4 da Acta 50/2001 da Comissão de Revisão), a saber:

a) Provisões para créditos de cobrança duvidosa no valor de 21.746.218$00 (correspondente a €108.469,70) não aceites nos termos do artigo 34.° conjugado com o artigo 18.° do CIRC;

b) Amortizações do exercício de 291.550$00 (correspondente a €1.454,25) relativos a um empilhador;

D. A sentença agora produzida não teve em conta esta realidade porque ao pronunciar-se apenas sobre a utilização de métodos indirectos, que apenas foram utlizados no apuramento das receitas, deixou totalmente de fora da decisão a análise da parte dos custos, cujo apuramento, como se viu, foi feito por análise directa da contabilidade embora com correcções técnicas.

E. Na nossa opinião, andou bem a Inspecção Tributária ao limitar a aplicação dos métodos indirectos ao apuramento das receitas, apenas recorrendo a essa forma quando é estritamente necessário atendendo à natureza subsidiária da figura, preferindo a avaliação directa quando assim é possível.

F. Por isso, salvo o devido respeito, parece-nos que o Tribunal a quo, ao não se debruçar sobre as correcções técnicas efectuadas pela IT em sede de custos aqui verificadas, e até contestadas pela Impugnante, constituiu uma omissão de pronuncia, cominada com nulidade da sentença, conforme se prevê no artigo 125°, n.° 1 do CPPT (cfr. igualmente o artigo 615 °, alínea d) do C.P.Civil), cuja declaração aqui se requer.

G. Quanto à conclusão de não se encontrarem preenchidos os pressupostos de aplicação de métodos indirectos, a Inspecção Tributária constatou que (ponto 2 da Acta já referida):

i. Não existia qualquer controlo de existências, designadamente em termos de perdas;

ii. A margem bruta de vendas era substancialmente inferior à média do sector;

iii. Não era respeitada a ordem numérica da emissão dos documentos e faltam registos de documentos na conta de proveitos, designadamente as 26 cadernetas referidas no Mapa II do Relatório Final (ponto IV, fls 5), com 50 talões de venda cada, ou seja, um total de 1.300 (mil e trezentos};

H. Constatada a situação, e apenas no que diz respeito aos proveitos, pela dimensão das suas lacunas, pela multiplicidade de razões apontadas, entre as quais uma discrepância entre os seus lucros declarados e a média do sector foi considerado que esta vertente da contabilidade não oferecia credibilidade e, por isso, se partiu para o apuramento desta vertente contabilística por métodos indirectos.

I. As situações em que a matéria colectável é fixada por métodos indirectos são as taxativamente indicadas no actual artigo 87.° da L.G.T. Entre outras a “impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável de qualquer imposto" (n.° t, alínea b)

J. A este respeito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo 02956/09, datado de 15-05-2012 parece-nos particularmente esclarecedor:

1. A avaliação indirecta reveste natureza substantiva, dado que através dela se pode determinar o essencial do facto tributário, isto é, a sua quantificação. Por outro lado, a mesma avaliação indirecta tem carácter subsidiário (cfr.art°.85, n°.1, da L.G.T.), visto que o respectivo regime só se aplica em casos em que exista uma impossibilidade ou uma dificuldade grave em determinar a matéria tributável através da avaliação directa ou objectiva, não se devendo a ela recorrer sem a verificação plena desse requisito. (...)

2. O recurso ao método de avaliação indirecta só é legalmente possível quando o apuramento da matéria colectável através de correcções técnicas se revele, de todo, impraticável, pois que a fixação da matéria tributável por tais métodos deve revestir a natureza de “ultima ratio fisci" e exigir uma cuidada fundamentação quanto à opção pela sua utilização (cfr.art°.81, n°.1, da L.G. Tributária).

4. Como se constata pelas situações descritas no art°.87, da L.G.Tributária, o que releva para determinar o impedimento não é uma impossibilidade absoluta de avaliação directa da matéria tributável, mas sim a impossibilidade de tal avaliação no momento em que ela deve ser efectuada (impossibilidade relativa), assim se fazendo cessar a presunção de veracidade dos elementos declarativos e de escrita do sujeito passivo e incidindo sobre a A. Fiscal o ónus da prova de tal factualidade (cfr.art°s.74. n°,3, e 75, n°.1, da L.G.T.).

K. Como se demonstrou, a IT utilizou a avaliação directa quando essa via se mostrou possível, no caso concreto no que diz respeito aos custos e, verificada a inviabilidade de se proceder da mesma forma relativamente às receitas, foi obrigada a recorrer a métodos indirectos para estabelecer a situação, fundamentando essa decisão de forma clara e suficiente, como se demonstrou.

L. Pelo que, salvo melhor opinião, a liquidação aqui em causa, também relativamente ao lado das receitas, é legal e deverá permanecer na ordem jurídica.

Pelo exposto, vem a Fazenda Pública requer a este Venerando Tribunal que declare a nulidade da sentença por omissão de pronuncia e, se porventura assim não for entendido, por erro dos pressupostos de facto e de direito em que assenta, devendo manter-se na ordem jurídica a liquidação aqui impugnada.

Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve conceder-se integral provimento ao presente recurso, com o que se fará, serena, sã e objectiva, JUSTIÇA”.

A Recorrida contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:

“1. Por não se conformar com a douta sentença, a Autoridade Impugnada veio dela interpor recurso, apresentando, em suma, os seguintes fundamentos:

a. Omissão de pronúncia:

"Por isso, salvo o devido respeito, parece-nos que o Tribunal a quo, não se debruçar sobre as correcções técnicas efectuadas peia TT em sede de custos aqui verificadas, e até contestadas peia Impugnante, constitui uma omissão de pronúncia, cominada com nulidade da sentença, conforme se prevê no artigo 125°, n.° 1 do CPPT(Cfr. igualmente o artigo 615°, alínea d) do CP.Civil)."

b. Erro de Julgamento:

Pelo que, na nossa opinião, o recurso aos métodos indirectos para apuramento das receitas se justificou plenamente, uma vez que as omissões contabilísticas eram de tal modo significativas que o apuramento directo da situação se tornou impossível".

2. No que diz respeito à alegada omissão de pronúncia e, salvo o devido respeito entendemos que não assiste razão ao Exmo. Representante da Fazenda Pública, pois

a. Autoridade Recorrida nunca alegou, nem fundamentou, as correcções realizadas à Impugnante, como meramente correcções técnicas;

b. O Ilustre Tribunal a quo pronunciou-se expressamente sobre todos fundamentos invocados pela Autoridade Recorrente para justificar a aplicação de métodos indirectos de correcção da matéria tributável, onde se incluíram os relativos às (i) provisões para cobrança duvidosa e às (ii) amortizações - vd. página 26 da douta sentença.

3. No que diz respeito ao alegado erro de julgamento quanto à ilegalidade do recurso aos métodos indirectos para apuramento da matéria colectável da Impugnante, também nesta parte não pode proceder a intenção da Recorrente, na medida em que, com os factos e fundamentos trazidos ao processo pelas partes, andou bem o Ilustre Tribunal a quo ao anular a liquidação adicionai de IRC a que foi indevida e injustamente sujeita a Impugnante, ora Recorrida.

4. O artigo 75.° da LGT, estabelece a presunção de veracidade, quer das declarações dos contribuintes apresentadas nos termos legais, quer dos elementos constantes da sua contabilidade ou escrita, desde que esta se encontre organizada de acordo com a legislação comercial e fiscal em vigor.

5. Da presunção de verdade das declarações dos contribuintes resulta a vinculação da Administração Tributária à realização da liquidação com base nos elementos declarados. Apenas perante a impossibilidade efectiva e irremediável de comprovação exacta e directa da matéria colectável dos sujeitos passivos poderá a Administração Tributária socorrer-se de métodos de quantificação indirecta da sua matéria colectável tributando um rendimento presumido e não o rendimento efectivo ou real,

6. Ora, não são quaisquer erros ou omissões ou inexactidões que podem contribuir para o levantamento da presunção de veracidade das declarações e da contabilidade dos sujeitos.

7. Ora, conforme ficou demonstrado à saciedade em sede de Impugnação Judicial os fundamentos em que se baseou a Administração Tributária para legitimar o recurso a métodos indirectos acima elencados não possuem qualquer base material ou justributária.

a) "Não existia qualquer controlo de existências, designadamente em termos de perdas;

8. Andou bem a sentença quanto a este ponto ao considerar que a Autoridade Tributária não logrou demonstrar os motivos impeditivos para a pelos quais não procedeu à correcção aritmética do controlo das existências, uma vez que teve acesso a informação relevante e suficiente para o fazer.

9. Ora, considerando o princípio da presunção de verdade das declarações e da sua contabilidade ou escrita dos contribuintes incumbia à Administração o ónus demonstrar e comprovar que o controlo de existências não era adequado e impedia a realização de correcções meramente aritméticas, o que, manifestamente não fez. Pelo que este argumento não pode proceder

b) A margem bruta de vendas era substancialmente inferior à média do sector;

10. Assim, andou bem a Sentença ao referir que,

"Todavia o relatório não assinala nem analisa (para eventualmente afastar a sua relevância) as especificidades da actividade da impugnante e antes refere, de forma genérica, a média do sector para o mesmo exercício, expressão que não contem em si a base técnico-cientifica necessária para operar a substituição da margem constante da contabilidade da impugnante.

11. Ora, a margem bruta de comercialização da ora Recorrida é de 6,44%, conforme se pode claramente comprovar pelos documentos junto aos autos, tendo a mesma sido confirmada em audiência pela Testemunha Senhor Á. B..

12. A diferença entre a margem média de comercialização para o sector de actividade relativamente a 1996 e a margem de comercialização da ora Recorrida resultou quer (i) do alto volume de quebras decorrentes da deterioração e/ou desaproveitamento comercial dos produtos em causa, quer (ii) das características intrínsecas a este sector de actividade.

c) Não era respeitada a ordem numérica da emissão dos documentos e faltam registos de documentos na conta de proveitos, designadamente as 26 cadernetas referidas no Mapa II do Relatório Finai (ponto IV, fls 5), com 50 talões de venda cada, ou seja, um total de 1.300 (mii e trezentos);

13. Ora, conforme ficou amplamente demonstrado em sede de Impugnação Judicial, as vendas efectivamente realizadas pela ora Recorrida no exercício de 1996 foram devidamente contabilizadas em conformidade com os princípios contabilísticos e fiscais em vigor, mormente o princípio da especialização dos exercícios ou periodização do lucro tributável, previsto no Plano Oficial de Contabilidade e, bem assim, no n.° 1 do artigo 18° do Código do IRC.

Pelo que,

14. Mais uma vez andou bem o douto Tribunal, que bem entendeu que, "Outro lado, sendo embora deficiente o controlo das existências, verifica-se que o <x> relatório refere haver facturas, documentos de venda a dinheiro, talões de caixa registadora e lançamentos, não descrevendo razões concretas justificativas da impossibilidade de analisar todos esses documentos e, com base neles e noutros elementos da empresa, efectuar um cálculo directo da matéria tributável.

Ou seja, não refere a inspecção os motivos pelos quais, atendendo à pequena amostragem de que se serviu para concluir da impossibilidade da comprovação directa, dos elementos em que se baseou, ou referiu a origem da margem por si indicada para o sector, nem o local onde o contribuinte pudesse proceder à sua consulta e verificação."

d) A conta dos sócios regista vários lançamentos sem suporte documental:

15. Os lançamentos a crédito referidos no ponto IV do Relatório de Inspecção, referem- se a empréstimos realizados pelos sócios para fazer face a situações de insolvência momentânea de caixa. Efectivamente, os sócios da sociedade, quando necessário face a uma situação de iliquidez momentânea e esporádica da sociedade, realizavam empréstimos a curto prazo, sem quaisquer contrapartidas, sendo que, resolvida a situação de liquidez financeira, esses empréstimos eram devolvidos aos sócios pelo mesmo valor com que tinha sido realizados.

16. Ora, estes empréstimos dos sócios encontram-se devidamente documentados contabilisticamente, conforme cópia do documento interno de movimento de caixa, junto como documento n.° 6 na p.i. de Impugnação e confirmado testemunhalmente em sede de audiência.

17. Considerando o acima exposto e o facto de a determinação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos ser um método subsidiário e excepcional, o qual deverá ser reservado apenas para os casos em que exista uma impossibilidade de avaliação directa da matéria tributável, é manifesto que no presente caso não estão reunidos os respectivos pressupostos.

Motivo pelo qual,

18. O douto Tribunal a quo fez uma correcta apreciação da matéria de facto não existindo qualquer erro de julgamento quanto à ilegalidade do recurso a métodos indirectos para a determinação d matéria colectável da ora Recorrida.

"Conclui-se assim, que não ficaram demonstrados os fundamentos legais para a utilização do método presuntivo utilizado peia Inspecção Tributária, para o apuramento da matéria tributável relativa ao exercício de 1996, não podendo as correcções efectuadas manter-se na ordem jurídica."

TERMOS EM QUE,

E nos mais de Direito aplicáveis, deve o presente recurso improceder, mantendo-se a douta decisão recorrida, com as legais consequências.

Só assim se decidindo,

SERÁ CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA”.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) A sentença recorrida padece de nulidade, por omissão de pronúncia?

b) Verifica-se erro de julgamento, dado que foram demonstrados os pressupostos de recurso a métodos indiretos de determinação da matéria coletável?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“ A)

A impugnante é uma sociedade que exerce a atividade de armazenista de produtos frutícolas e legumes, possuindo um armazém no sítio da sua sede, equipado com meios de frio, dois postos de venda, um no mercado do Rego, e outro, em Castanheira do Ribatejo;

(cfr. fls. 73 do PA junto aos autos)


B)

Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 92397 de 19.05.1999, a impugnante foi alvo de uma ação de inspeção tributária levada a efeito pela Divisão III, Equipa 83 da 2.ª Direção de Finanças de Lisboa;

(cfr. fls. 72 do PA junto aos autos)


C)

Os serviços de inspeção tributária, no âmbito da ação de inspeção, apuraram a matéria coletável para o exercício de 1996, com recurso a métodos indiretos, conforme consta das conclusões do relatório inspetivo donde se retira:

«(…)

IV. Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indiretos

O SP exerce a actividade de armazenista de produtos frutícolas e legumes, para tal, no exercício em análise, possuía um armazém, sito na sede da firma, equipado com os necessários meio de frio, dois postos de venda no mercado do Rego e outro em Castanheira do Ribatejo.

Cumulativamente, possuía um lugar de venda ao público denominado “frutaria”, onde também eram comercializados produtos diferentes dos respeitantes à actividade nuclear da firma (artigos comercializáveis em mini-mercados), o qual se encontra encerrado.

As compras, tanto no mercado nacional, como no comunitário ou em países terceiros, são efectuadas pela sede, não existindo documentos de transferência para os postos de venda, incluindo a “frutaria”.

Neste ano, não possuía qualquer sistema de controlo das existências, tais como registos das entradas e saídas de mercadorias em quantidade, incluindo os eventuais desperdícios que este género de actividade acarreta.

Para os seus clientes principais as vendas eram efectuadas através das respectivas facturas, para os clientes dos postos de venda, eram efectuadas a coberto de documentos de “venda a dinheiro” enquanto, que, na “frutaria” eram efectuadas por taIões da caixa registadora.

A empresa comercializa mais de 500 variedades de produtos (produto em si mesmo género, origem, categoria e calibre), além desta imensa variedade ainda há o preço, que, para o mesmo artigo, pode variar diversas vezes num curto período de tempo.

A unidade de venda é o kg, enquanto, que, na compra, a unidade além do kg, pode também ser a “caixa”, como acontece com alguns produtos adquiridos em Espanha, não sendo uniforme, em alguns artigos, o peso líquido da mercadoria em cada caixa.

Pelo que foi dito: organização da empresa e produtos comercializados, não nos foi possível testar com segurança a margem média de lucro bruto aplicada pelo SP.

No entanto, dado que a referida margem resultante dos elementos de escrita é de 6%, como a média do sector para o mesmo exercício foi, neste ano, de 12% resolvemos testar alguns dos produtos comercializados, pelo que, dentro do mesmo período. Verificámos algumas facturas de compra e de venda, resultando o seguinte:




Também testámos os documentos de venda utilizados nos respectivos postos, tendo verificado que esses talões estão incorporados em cadernetas de 50 unidades, ficando uma cópia para o SP, a quaI serve de apoio à contabilização do proveito.

Verificamos que a utilização dessas cadernetas não obedece a qualquer ordem numérica, consequência, segundo nos afirmaram, da existência dos diversos postos de venda.

Ao testarmos o registo das vendas efectuadas através dessas cadernetas, verificámos que as cadernetas referidas no quadro abaixo não têm qualquer talão registado nas respectivas contas de proveitos “711121105” e “71112117”.




Mapa II- Fonte: Registo das contas: 71112105 e 71112117 e respetivos documentos de apoio

Ainda neste âmbito, mas no que respeita à caderneta iniciada com o talão de venda a dinheiro n.º 38001, só se encontram registados e arquivados nos documentos contabilísticos do ano de 1996, os talões até ao número 38001, inclusive, e no mês de Julho.

Quanto à “Frutaria”, foi-nos possível individualizar os seguintes valores:

O mapa realça uma margem de lucro bruto negativa, que seria bem mais negativa se fossem considerados os custos das mercadorias transferidas do armazém, as quais Io a razão da existência deste posto de venda.

Não existe, nem nos foi referida, qualquer razão para o facto atrás descrito, a não ser a existência de vendas não registadas e/ou autoconsumo.

Na conta “Sócios” verificamos empréstimos à firma sem que existam documentos comprovativos desses movimentos, tais como:

Lançamentos a crédito de M. C., L. C. e M. Z., respectivamente de 8.700.000$. 100.000$ e 497.105$, com o fim de liquidar importâncias anteriormente postas à disposição, sem que esses valores se encontrassem em débito nas respectivas contas e exista comprovativo desses movimentos (cheques);

Empréstimos dos sócios à firma, para solvência de caixa, no valor total de 30.000.000$, sem que existam documentos comprovativos (cheques) do pagamento desses valores.

Pelo que atrás se relata constata-se a que os elementos escriturados não oferecem a necessária credibilidade para considerarmos o lucro tributável declarado como correcto, encontrando-se assim reunidos os pressupostos previstos na alínea d) do artigo 56.º do CIRC, com a redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88., de 30 de Novembro, aplicável ao exercício em análise, para se determinar o referido lucro através dos métodos indiciários.

V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos

IRC

A. Proveitos

Para determinar o lucro tributável pele método indiciário socorremo-nos da alínea a) do artigo 52° do CIRC, aplicando ao custo das mercadorias vendidas resultante dos elementos contabilísticos, a margem deste ano para o sector de actividade, de 12%, resultando deste modo o valor das vendas em:

701.635.941$00 x 1.12=785.832.254$00

B. Custos

Quanto aos custos, aceitamos os contabilizados pelo SP, com as seguintes correcções:

1. Provisões para créditos de cobrança duvidosa

O SP contabilizou e considerou como custos fiscais a importância de 21.746.218$. por não nos ter sido devidamente esclarecido, já que os elementos contabilísticos o não fazem, a formação das dívidas, quanto ao tempo e a origem e, ainda, as diligências efectuadas para a sua cobrança, analisaremos, de seguida, cada uma das provisões para créditos de cobrança duvidosa que não se enquadram nos preceitos previstos no CIRC, com relevância para o art.º 34.º.

a) “F. C. I. e E. LDA.”, Provisão no valor de 10.743.224$ - Esta provisão teve origem no saldo de 10.743.224$3 à data de 02/06/1993 sem que o SP, anteriormente a 1996, tenha procedido a qualquer provisão, pelo que, nos termos do artigo 18.º do CIRC, dentro dos critérios da especialização do exercício, não a consideramos fiscalmente correcta;

b) “A. A.”, provisão no valor de 2.777.401$ - Esta provisão teve origem nos saldos de 03/12/1992, na importância de 1.283.002$. e de 26/05/1993, na importância de 1.417.401$, faltando a justificação para 77.000$, pelo que, pelos mesmos motivos invocados no parágrafo anterior, não a considerámos fiscalmente correcta;

c) “S., Lda.”, provisão de 781.767$ - Esta provisão teve origem numa venda a dinheiro efectuada em 10/01/1995, na importância de 136.793$5 25937) e em dívidas anteriores, cujos únicos elementos que me foram exibidos foram as fotocópias de dois cheques nas importâncias de 416.368$ e 228.426$ datados de 1 0/01/1995 e 20 do mesmo mês, respectivamente, pelo que, dentro dos argumentos invocados nos parágrafos anteriores, só considerámos como custo fiscal, no exercício em análise, 500/0 do valor da venda a dinheiro – 68.397$. correspondente à mora entre 12 e 14 meses;

d) “M. O.”, provisão de 47.776$ - Esta provisão teve origem em dívida anterior a 08/1 1/1989, conforme cheque justificativo passado nessa data, pelo que, pelos mesmos motivos que têm vindo a ser invocados e pela inexistência de provas de que tenham sido efectuadas diligências para o seu recebimento. Não a consideramos fiscalmente correcta;

e) “J. L.”, provisão de 295.375$ - O único documento que consta na contabilidade, justificativo da divida que originou a presente provisão, são fotocópias de dois cheques cujas importâncias são 96.615$ e 198.760$, datados, respectivamente, de 23 e 19 de Junho de 1995. Pelo que, pelos motivos já invocados não considerámos a provisão fiscalmente correcta:

f) “I.” provisão de 5.713.000$ - Os documentos que nos foram exibidos como justificativos da divida, são a fotocópia de uma letra, de valor idêntico ao da provisão, e a fotocópia do extracto de uma conta corrente, cujo saldo pelo que, pelos motivos já anteriormente invocados, acrescidos da falta de clareza na origem da dívida, não aceitamos esta provisão como custo;

g) “C. E.”, provisão de 282.700$ - O único documento justificativo a dívida, que nos foi presente foi a fotocópia de um cheque de valor idêntico ao da provisão datado de 27/06/1994, pelo que pelos motivos já invocados, não a consideramos como custo fiscal;

h) “M. S.”, provisão de 785.800$, os documentos exibidos como justificativos da dívida são uma fotocópia de quatro cheques, cujos valores são 181.500$, 79.800$, 376.000$ e 148.500$ datados respectivamente de 27/11/1995, 24/11/1995, 04/12/1995 e 25/12/1995, pelo que, dentro dos condicionalismos anteriormente descritos, não consideramos esta provisão como custo fiscal;

Totalizam as provisões não aceites como custo fiscal no exercício de 1996 a importância de 21.358.646S00

2. Amortizações do exercício

O SP reintegrou no exercício um empilhador que alienou no mesmo ano e o qual tinha adquirido e iniciado a utilização em Janeiro de 1992, conforme consta no respectivo mapa entregue com a declaração modelo 22.

Tal procedimento levou a que considerasse como custo erradamente a importância de 291.550$, a qual será corrigida.

Assim, e em resumo, o total dos custos corrigidos e consequentemente não aceites:

Resultando o seguinte lucro tributável por nós determinado por métodos indiciários:

(cfr. fls. 72 a 78 do PA junto aos autos)


D)

Pelo ofício n.º 07010 de 07.03.2001, a impugnante foi notificada da fixação do lucro tributável, apurado com recurso à utilização de métodos indiretos no montante de 67.405.476$00 e dos respetivos meios de defesa, em 13.03.2001;

(cfr. fls. 118 e 119 do PA junto aos autos)


E)

Em 12.04.2001 a impugnante deu entrada na 2.ª Direção de Finanças de Lisboa do pedido de revisão da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, cujo teor se dá por reproduzido;

(cfr. doc.1 junto com a PI)


F)

Do resultado da reunião da Comissão de Revisão, foi elaborada a Ata n.º 50/2001, onde o Director de Finanças Adjunto, por despacho, manteve a fixação da matéria tributável em 67.405.476$00, para o exercício de 1996;

(cfr. fls. 126 a 140 do PA junto aos autos)


G)

Da matéria tributável fixada por utilização de métodos indiretos, resultou a liquidação de IRC, referente ao exercício de 1996, n.º 8310010820 de 08.08.2001, no montante de 32.174.987$00, €160.488,16;

(cfr. doc.1 junto com a reclamação junto aos autos)


H)

Em 30.08.2002 a impugnante deu entrada de reclamação graciosa na 2.ª Direção de Finanças de Lisboa com fundamento em preterição de formalidades essenciais;

(cfr. doc.3 junto com a PI)


I)

Através do ofício n.º 19824 de 16.07.2003, a impugnante foi notificada do indeferimento expresso da reclamação graciosa;

(cfr. fls. 239 do Processo de reclamação junto aos autos)


J)

O mercado de fruta espanhol só aceitava que o pagamento fosse efetuado em dinheiro;

(cfr. depoimento da testemunha Á. B.)


K)

A margem bruta de comercialização apurada contabilisticamente pela impugnante atende à natureza da atividade exercida em concreto;

(cfr. depoimento da testemunha Á. B.)


L)

Os livros de faturas eram usados indiscriminadamente por qualquer membro da família;

(cfr. depoimento das testemunhas Á. B. e G. R.)


M)

Os empréstimos eram efetuados pelo Sr. C. à empresa, quando necessitava de dinheiro para comprar fruta em Espanha;

(cfr. depoimento da testemunha Á. B.)


N)

Dos dois empilhadores que a empresa tinha, um foi alienado e apuradas as respectivas mais-valias;

(cfr. depoimento da testemunha Á. B.)


O)

O ponto de venda era uma mercearia em Chelas que também vendia fruta adquirida no mercado do Rego;

(cfr. depoimento das testemunhas Á. B. e G. R.)


P)

As vendas eram todas facturadas e as vendas registadas num documento designado por “Venda a Dinheiro” (VD), e eram entregues na contabilidade;

(cfr. depoimento das testemunhas Á. B. e G. R.)


Q)

Os produtos, Banana, couve-flor, laranja, manga e quiabo representam apenas 16,8% do universo de vendas da empresa, de que o mês de Outubro de 1996 é exemplo;

(cfr. depoimento da testemunha Á. B.)


R)

A fruta tem uma quebra de pesa cerca de 10% quando entra e sai do frio;

(cfr. depoimento da testemunha Á. B.)


S)

As dívidas contabilizadas como provisão resultam da solicitação para a sua cobrança aos devedores, bem como os cheques que se encontravam em tribunal;

(cfr. depoimento da testemunha Á. B.)


T)

A impugnante suportou encargos com a prestação da garantia no montante de €8.694,58, conforme documentos de fls. 572 a 580 dos autos”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Não se provaram outros factos, com relevância para a presente decisão”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram bem como da prova testemunhal produzida nos autos.

A testemunha, Á. B., técnico de contas da empresa, desde Setembro de 1996 afirmou ao tribunal que a ação de inspeção foi efetuada no seu gabinete, externo à empresa, tendo facultado todos os documentos solicitados pelo inspector. Afirmou que foi perito da empresa na reunião da revisão da matéria tributável na Comissão de Revisão.

Confirmou que nunca foi notificado do resultado da Comissão de Revisão.

Explicou, afirmando que, a margem de comercialização registada ana contabilidade era de 6,44%, apurada através do POC da seguinte forma: Existências iniciais, mais compras, mais ou menos regularizações menos existências finais igual margem bruta. A margem bruta teve a ver com a atividade em concreto. Porque o que se vende em distribuição e, na altura no mercado, são 5% e 15% uma e outra, tendo em conta os grandes prejuízos por causa da conservação em frio que quebra normalmente 10% do seu peso, quando principalmente a fruta, entra e sai dos frigoríficos. Afirmou que quando a impugnante importa a fruta, ao chegar à empresa já vem com menos peso do que quando foi adquirida. E, depois de sair do frio outra vez ainda fica com menos. A fruta de um dia para o outro, estraga-se. Informou o tribunal que a impugnante entregava muita fruta no J. Z. que, não se sabendo que era preciso, nunca pediu documentos comprovativos.

A margem real da empresa é o que resulta da contabilidade. Confirmou que, em relação aos livros, sendo uma firma familiar, cada membro mexia em qualquer livro. Afirmou ao tribunal que conseguiu provar à inspeção que não existe a fuga de uma factura sequer que seja, pelo que os proveitos são reais e são os que efetivamente constam da contabilidade.

Afirmou que o estabelecimento no armazém era uma mercearia e não frutaria.

Esclareceu tribunal que os produtos seleccionados pela inspeção tributária (Banana, couve flor, laranja, manga, quiabo) representam apenas 16,8% do universo de vendas do mês de Outubro de 1996, conforme pode demonstrar ao tribunal.

Afirmou que, quando o sócio ia a Espanha comprar fruta, tinha de levar dinheiro em mão porque os cheques portugueses não eram aceites. A empresa não tinha dinheiro. O filho do Sr. C. informa-o dos montantes de dinheiro o pai tinha gasto pela empresa. O documento de caixa era feito e contabilizado como prestações suplementares de capitais o que significava igualmente um aumento de capital, e depois as respetivas facturas das compras efetuadas, referentes àquele dinheiro.

Confirmou que o fundamento das provisões eram os documentos da contabilidade que, depois de ter solicitado a sua cobrança aos devedores, os cheques estavam todos em tribunal. Havia, porém uma regularização que não estava correta, e tinha de ser corrigida, mas existem documentos na contabilidade. Confirmou ainda ao tribunal que havia dois empilhadores e um foi alienado e foram apuradas as mais-valias correspondentes.

A testemunha G. R. funcionária da empresa desde 1992, fazia o trabalho de escritório da empresa relativamente ao mercado do Rego e Castanheira.

Afirmou que o ponto de venda era uma Mercearia em Chelas e também vendia fruta mas era fornecida pela “M.” e pelo “R.”. Confirmou que a fruta era comprada no mercado do Rego, onde ia com a D. A., esposa do Sr. C., porque tinha carta de condução e a levava às compras. As vendas a dinheiro eram registadas num documento designada “VD”. Afirmou ainda que todas as vendas eram facturadas e entregues na contabilidade.

O depoimento das testemunhas revelou-se claro e consistente, tendo revelado conhecimento direto dos factos a que foram inquiridas, respondendo sem hesitações e com convicção das afirmações proferidas, o que logrou convencer o tribunal da sua veracidade”.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da omissão de pronúncia

Entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em omissão de pronúncia, porquanto deixou de fora da decisão a análise da parte dos custos cujo apuramento foi feito por análise direta da contabilidade, com correções técnicas.

Vejamos.

Nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

In casu, como resulta da petição inicial, é posta em causa a fixação da matéria coletável por métodos indiretos, seguindo todos os pontos do relatório de inspeção tributária (RIT).

Trata-se, pois, de impugnação em linha com o que resulta do RIT, no âmbito do qual a análise de custos é configurada em termos de quantificação da matéria coletável, efetuada no âmbito da aplicação de métodos indiretos.

Da sentença recorrida decorre, ao contrário do que refere a FP, que o constante do RIT sobre os mencionados custos foi objeto de expressa pronúncia – não só as provisões e amortizações, referidas pela FP, mas também os empréstimos e adiantamentos aos sócios e pelos sócios (cfr. fls. 25 e 26 da sentença recorrida).

Ou seja, o Tribunal a quo pronunciou-se sobre tudo o alegado pela Impugnante, seguindo a linha de raciocínio constante do RIT, pronúncia essa à qual não é imputado pela Recorrente qualquer erro de julgamento.

Como tal, não se verifica qualquer omissão de pronúncia.

III.B. Do erro de julgamento, no tocante aos métodos indiretos

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, por se verificarem os pressupostos para recurso a métodos indiretos de fixação da matéria coletável.

Cumpre, antes de mais, referir em que situações é legítimo lançar mão a tais métodos.

É desiderato constitucionalmente consagrado o de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real (cfr. art.º 104.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – CRP).

Com efeito, nos termos do art.º 104.º, n.ºs 1 e 2, da CRP:

“1. O imposto sobre o rendimento pessoal visa a diminuição das desigualdades e será único e progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar.

2. A tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

O princípio da igualdade, evidenciado, desde logo, nos n.ºs 1 e 2 do supracitado art.º 104.º da CRP, abrange quer a vertente da igualdade perante a lei fiscal, no sentido de não haver discriminação dos cidadãos face à referida lei, quer a vertente da igualdade tributária ou igualdade de sacrifícios; esta encontra-se estreitamente ligada ao princípio da capacidade contributiva, enquanto reflexo da igualdade material.

Como referido no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 127/2004, de 03.03.2004:

“A tributação segundo o rendimento real é, numa certa dimensão, uma decorrência necessária do princípio da capacidade contributiva. É ele que justifica que a Constituição estabeleça que o sistema fiscal não pode deixar de assegurar “uma repartição justa dos rendimentos e da riqueza” (art.º 103º, n.º 1) e que especifique, posteriormente, que os impostos devem ter em conta as “necessidades e os rendimentos [concretos] do [de cada] agregado familiar” e, finalmente, que a “tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real”.

Mas o rendimento real fiscalmente relevante não é, em si próprio, uma realidade de valor fisicamente apreensível, mas antes um conceito normativamente modelado e contabilisticamente mensurável, sendo constituído, simpliciter, “pela soma algébrica do resultado líquido do exercício e das variações patrimoniais positivas e negativas [previstas na lei e] verificadas no mesmo período” (…) - o saldo entre os proveitos ou ganhos provenientes das mais diversas fontes, como vendas, bónus, comissões, rendimentos de imóveis, rendimentos de carácter financeiro, prestações de serviços, mais-valias realizadas, subsídios, etc., menos os custos ou perdas, como os encargos relativos à produção, distribuição e venda, encargos de natureza financeira e de natureza administrativa, encargos fiscais e parafiscais, reintegrações e amortizações, etc., acrescido das variações patrimoniais positivas ou diminuído das variações patrimoniais negativas, previstas na lei”.
O princípio da tributação pelo rendimento real admite, no entanto, exceções ou desvios (veja-se que o n.º 2 do art.º 104.º da CRP utiliza o advérbio “fundamentalmente”), devidamente fundados e justificados. (1)

Reflexo do respeito pelo princípio da tributação pelo rendimento real é a circunstância de o recurso à aplicação de métodos indiretos de avaliação da matéria coletável ser subsidiária em relação à avaliação direta (cfr. art.º 85.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária – LGT).

A este propósito, e para melhor densificação dos termos em que se admite o recurso a um ou outro método de determinação da matéria coletável, há que apelar, desde logo, ao art.º 81.º da LGT, nos termos do qual:

“1 - A matéria tributável é avaliada ou calculada diretamente segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indireta nos casos e condições expressamente previstos na lei”.

Por seu turno, o art.º 83.º do mesmo diploma determina que:

“1 - A avaliação direta visa a determinação do valor real dos rendimentos ou bens sujeitos a tributação.

2 - A avaliação indireta visa a determinação do valor dos rendimentos ou bens tributáveis a partir de indícios, presunções ou outros elementos de que a administração tributária disponha”.

A avaliação direta tem como ponto de partida as declarações dos contribuintes e/ou os dados apurados na sua contabilidade, que se presumem verdadeiros – cfr. o art.º 75.º, n.º 1, da LGT. No entanto, como decorre do mesmo art.º 75.º, mas do seu n.º 2, a presunção de veracidade da contabilidade cessa quando revelar “… omissões, erros, inexatidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.

Veja-se, não obstante, que não é qualquer omissão, erro ou inexatidão das declarações ou da contabilidade do sujeito passivo que justifica o recurso a métodos indiretos de avaliação da matéria coletável, sendo exigido que tais irregularidades sejam de tal forma relevantes que tornem inviável a quantificação direta.

Assim, se, apesar de haver irregularidades contabilísticas, for possível quantificar diretamente a matéria coletável, deve-se lançar mão de métodos diretos. Ou seja, sendo certo que a avaliação direta parte das declarações dos contribuintes ou dos dados constantes da contabilidade, pode fundar-se noutros elementos objetivos, desde que os mesmos permitam, com segurança, concluir no sentido da ocorrência do facto tributário e da sua quantificação concreta.
A aplicação de métodos diretos de avaliação da matéria coletável redunda nas chamadas correções técnicas ou meramente aritméticas. (2)
Apelando às palavras de Casalta Nabais, (3) “as correcções técnicas, são as correcções que a administração tributária faz à matéria tributável determinada no âmbito da avaliação directa, como a correcção concretizada, por exemplo, na não consideração de determinadas verbas como custos fiscais assim qualificadas na declaração de rendimentos (…) [;] (…) as correcções aritméticas ou correcções meramente aritméticas, têm lugar quando a administração tributária se limita a corrigir erros de cálculo das declarações-liquidações”.

Já a avaliação indireta deverá ocorrer apenas nos casos previstos nos art.ºs 87.º a 89.º da LGT.
Para que seja legítimo o recurso à tributação por via dos métodos indiretos, cabe à administração tributária (AT) o ónus da prova de que se reúnem os pressupostos da sua aplicação, consubstanciando­-se tal ónus probatório na demonstração da existência de situações fáticas, designadamente irregularidades contabilísticas, que assumam alcance tal que impossibilitam o recurso a métodos diretos de avaliação. (4)

Assim, nos termos do art.º 87.º da LGT (redação à época):

“A avaliação indireta só pode efetuar-se em caso de:

(…) b) Impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável”.

A situação prevista na alínea b) supratranscrita remete-nos para o art.º 88.º da LGT, nos termos do qual:

“A impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata da matéria tributável para efeitos da aplicação de métodos indiretos, referida na alínea b) do artigo anterior, pode resultar das seguintes anomalias e incorreções quando inviabilizem o apuramento da matéria tributável:

a) Inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade ou declaração, falta ou atraso de escrituração dos livros e registos ou irregularidades na sua organização ou execução quando não supridas no prazo legal, mesmo quando a ausência desses elementos se deva a razões acidentais”.

Inerente às próprias caraterísticas da avaliação indireta, o legislador criou um procedimento próprio de reação à mesma, como resulta do disposto no art.º 86.º da LGT. Assim, se as liquidações de imposto decorrentes da avaliação direta são suscetíveis de impugnação direta (cfr. art.º 86.º, n.º 1, da LGT), já quando haja recurso a métodos indiretos a situação é distinta. Com efeito, estando em causa o erro na quantificação ou nos pressupostos, é exigido que se desencadeie o procedimento de revisão previsto no art.º 91.º da LGT, procedimento esse de cariz sobretudo pericial.
Logo, quando se verificarem os pressupostos de recurso à avaliação indireta é possível o recurso a métodos presuntivos de determinação da matéria coletável, surgindo como mecanismo de reação contra a fraude e evasão fiscal, dando resposta, por esta via, à incumbência do Estado, prevista no art.º 81.º, al. b), da CRP. (5) [segundo o qual “[i]ncumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social: (…) b) Promover a justiça social, assegurar a igualdade de oportunidades e operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento, nomeadamente através da política fiscal”].

O recurso a estes meios de avaliação não é discricionário, como se conclui do que viemos expondo: estão legalmente definidas, de forma circunscrita, as situações em que é admissível à AT a sua utilização. Ademais, a presunção de rendimento que venha a funcionar é ilidível, podendo o contribuinte, desde logo, demonstrar o excesso na quantificação. (6)

Portanto, e em suma, o nosso ordenamento prevê que a avaliação da matéria tributável se possa realizar direta ou indiretamente, sendo que o recurso à avaliação indireta funciona como ultima ratio, só podendo ocorrer quando se revele impossível o recurso à avaliação direta. (7) Posto isto, o recurso a uma ou outra das formas de avaliação não é uma opção arbitrária da AT: ou se verificam condições para a avaliação direta ou, não existindo, nos termos já assinalados supra, é possível recorrer à avaliação indireta.

Feito este introito, cumpre apreciar.

In casu, considerando o RIT e a decisão proferida em sede de procedimento de revisão, extrai-se o seguinte:

a) Não havia sistema de controlo de existências;

b) As vendas para os principais clientes eram tituladas por faturas;

c) Nos postos de venda ou na frutaria eram tituladas por documentos de venda a dinheiro ou talões da caixa registadora;

d) A Impugnante comercializava mais de 500 variedades de produtos, havendo flutuações de preço em curtos períodos de tempo;

e) Na venda a unidade era o quilograma, na compra podia ser o quilograma ou a caixa;

f) A AT considerou que não foi possível testar com segurança a margem média de lucro bruto aplicada pela ora Recorrida;

g) A referida margem resultante dos elementos de escrita era de 6%; como a média do sector para o mesmo exercício foi de 12%, a AT decidiu testar alguns produtos, num total de cinco;

h) As cadernetas de documentos de venda não obedeciam a qualquer ordem numérica, consequência da existência dos diversos postos de venda;

i) Num teste a algumas cadernetas, a AT verificou que não havia registo nas contas de proveitos;

j) A frutaria tinha margem de lucro bruto negativa, por motivo que a AT não descortinou;

k) Havia empréstimos aos sócios registados na contabilidade sem documentos de suporte.

A este respeito é de salientar que ficou provado, e isso não foi impugnado, que as vendas efetuadas eram todas faturadas e registadas em documento designado por venda a dinheiro [cfr. facto O)], que os produtos analisados pela AT representavam 16,8% do universo das vendas da empresa [cfr. facto Q)] e que a fruta tinha quebra de cerca de 10%, quando entra e sai do frio [cfr. facto R)].

Desde já se adiante que não assiste razão à Recorrente.

É certo que foram identificadas algumas lacunas na contabilidade da Recorrida. No entanto, não basta a existência de lacunas na contabilidade para que esteja legitimado o recurso a métodos indiretos, sendo exigido que a AT demonstre que as lacunas são de tal monta que impedem o recurso a métodos diretos, como já referimos supra.

Ora, essa impossibilidade não resulta evidenciada no RIT.

Por um lado, em relação às vendas, acaba por decorrer do RIT que as mesmas se encontravam registadas em faturas ou outro tipo de documentação, quando estávamos perante vendas a dinheiro ou perante vendas na frutaria, o que, caso houvesse lacunas no respetivo registo na contabilidade, possibilitaria sempre a sua mensuração – relembre-se que ficou provado que todas as vendas estavam documentadas.

Quanto ao controlo de existências, apesar de ser dito que não havia um sistema de controlo das mesmas, nada é referido sobre a documentação das compras efetuadas, sendo, aliás, referido que as mesmas eram todas efetuadas pela sede.

Ou seja, não ficou claro por que motivo não foi possível testar a margem média de lucro bruto, sendo certo que os testes, a 5 de 500 produtos, com representatividade de 16,8%, não são suficientes para extrair qualquer conclusão segura.

O referido quanto à conta de sócios não é suficiente para pôr em causa a globalidade da contabilidade, sendo que, como refere o Tribunal a quo e não foi posto em causa, não houve quaisquer diligências por parte da AT, que lhe seriam exigíveis, para chegar a conclusões sustentadas.

Como tal, e em consequência, não assiste razão à Recorrente.

Vencida a Recorrente seria a mesma responsável pelas custas do recurso. No entanto, há que ter em conta que, nos processos instaurados até 01.01.2004 (como é o caso), a FP se encontrava isenta do pagamento de custas, atento o disposto no art.º 3.º, n.º 1, al. a), do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, aprovado pelo DL n.º 29/98, de 11 de fevereiro (cfr. os art.ºs 14.º, n.º 1, e 15.º, n.º 2, ambos do DL n.º 324/2003, de 27 de dezembro, bem como o art.º 18.º do DL n.º 324/2003, de 29 de dezembro).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na Subsecção Tributária Comum da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Negar provimento ao recurso;

b) Sem custas;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 19 de outubro de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Ana Cristina Carvalho)

























1) V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
2) Para uma noção de correções meramente aritméticas, v. o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 13.09.2013 (Processo: 00120/03 – Porto).
3) Direito Fiscal, 5.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2009, p.389.
4) Neste sentido, v., exemplificativamente, os Acórdãos deste TCAS de 17.10.2019 (Processo: 487/11.6BECTB), de 25.05.2017 (Processo: 06473/13), de 17.03.2016 (Processo: 06556/13) e de 13.03.2014 (Processo: 07216/13).
5) V. a este propósito o Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 84/2003, de 12.02.2003.
6) Cfr. a este respeito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 12.07.2000 (Processo: 022428).
7) V. a esse respeito José Maria Fernandes Pires (Coord), Maria João Menezes, José Ramos Vidal e Gonçalo Bulcão, Lei Geral Tributária Comentada e Anotada, Almedina, Coimbra, 2015, pp. 867 e 888.