Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:380/21.4 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:10/12/2023
Relator:LINA COSTA
Descritores:PROTECÇÃO INTERNACIONAL,
RETOMA A CARGO
Sumário:- Se o requerente de protecção internacional em Portugal formulou anterior pedido em outro Estado-Membro, já indeferido, impõe-se a sua retoma a cargo do Estado-Membro que proferiu essa decisão, nos termos dos artigos 3º, nº 2, e 18.º, nº 1, alínea d), do Regulamento nº 604/2013, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho;

II – A decisão de inadmissibilidade do pedido de protecção por ser outro o Estado-Membro competente para o apreciar, obsta à apreciação do mérito deste.

Indicações Eventuais:Subsecção COMUM
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na subsecção Comum da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

M. B., devidamente identificado como Requerente nos autos de acção administrativa de impugnação, com tramitação urgente, instaurados contra o Ministério da Administração Interna, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença, proferida em 9.4.2021, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, que julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade demandada do pedido.
Nas respectivas alegações [complementares], o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
“1 -O Estado Português ao negar a pretensão ao requerente determinando o seu regresso à Alemanha onde foi perseguido e posteriormente para o seu País de Origem, Guiné, está a contribuir para que este veja prolongar-se o seu calvário, cujo sofrimento importa, por razões humanitárias, mitigar.
2 -Em toda a análise ao processo desenvolvido pelo SEF, que levou à decisão do Tribunal, não se encontram razões de fato e de direito, que possam fundamentar a decisão de não conceder o Asilo ao requerente, mostrando-se, na nossa opinião, uma deficiente interpretação da Lei em vigor ao, ao tempo, ou seja: O nº. 1, do artº.3º, da Lei nº. 27/2008, com as alterações introduzidas pela Lei nº. 26/2014, embora não pareça abranger a situação do autor, deixa implícito que outras formas de perseguição, onde se inclui a perseguição e os direitos pela pessoa humana, em que o recorrente corre o risco de vida, é impedido de ter uma vida normal, por falta de condições psicológicas e físicas, podem vir a ser um motivo a considerar para a concessão do direito de asilo, e mais,
Diz a Lei, no nº. 1 do artº. 3º - “É garantido o direito de asilo aos estrangeiros e aos apátridas perseguidos ou gravemente ameaçados de perseguição, no caso, morte, em consequência de atividade exercida no Estado da sua nacionalidade ou da sua residência habitual em favor da democracia, da libertação social e nacional, da paz entre os povos, da liberdade e dos direitos da pessoa humana”.(sublinhado nosso)
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exªs. suprirão deve;
a) O presente Recurso de Apelação ser recebido, julgado procedente e provado;
b) Ser determinada a anulação da sentença do TACL, anulando a decisão do SEF que determina o pedido de autorização de residência por proteção subsidiária infundado.”».

Notificado para o efeito, o Recorrido não contra-alegou

O Ministério Público, junto deste Tribunal, notificado nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 146º e 147°, do CPTA, não emitiu parecer.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente, o processo vem à conferência da Subsecção Administrativo Comum para julgamento.

A questão suscitada pelo Recorrente, delimitada nos termos do disposto no nº 4 do artigo 635º e nos nºs 1 a 3 do artigo 639º, do CPC ex vi nº 3 do artigo 140º do CPTA, consiste, em suma, em saber se a sentença recorrida enferma de erros de julgamento na apreciação dos factos e na aplicação do direito, determinantes da improcedência da acção.

A matéria de facto relevante é a constante da sentença recorrida, a qual, por não ter sido impugnada, aqui se dá por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 6 do artigo 663º do CPC, ex vi o nº 3 do artigo 140º do CPTA.

Após referência à legislação nacional e comunitária aplicável – mormente, a Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, com as alterações introduzidas pela Lei nº26/2014, de 5 de Maio, e o Regulamento (UE) 604/2013 do PE e do Conselho, de 26 de Junho (Regulamento Dublin) -, o juiz a quo expendeu na fundamentação da decisão proferida, designadamente, o seguinte:
«Volvendo ao caso dos autos, e como se alcança do probatório, o Autor, em 10/12/2020, apresentou um pedido de protecção internacional junto das autoridades portuguesas, tendo, no entanto, formulado, em momento anterior, idêntico pedido junto da Alemanha e do Estado Francês.
Por esse motivo, o SEF, verificando que a competência para a análise do pedido de protecção internacional apresentado pelo Autor não pertencia ao Estado Português, em face dos critérios previstos no Regulamento de Dublin, deu início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido, no âmbito do qual formulou um pedido de retoma a cargo do ora Autor às autoridades alemãs, por considerar ser esse o Estado responsável pela análise do pedido, à luz do mencionado Regulamento.
Tendo a Alemanha, em 11/02/2021, comunicado ao SEF a sua decisão de aceitação do pedido que lhe havia sido dirigido pelo Estado Português, desse modo aceitando expressamente a sua responsabilidade pela retoma a cargo do requerente de protecção – cfr. pontos 5) e 6) do probatório.
Razão pela qual, desde já se observa que manifestamente não assiste razão ao Autor quando alega, nos presentes autos, que não consta comprovado que a Alemanha aceitou o pedido de retoma. Estando tal aceitação demonstrada no procedimento e nos presentes autos, como se viu.
Assim, tendo o ora Autor formulado um pedido de protecção internacional junto das autoridades nacionais, o Estado Português, considerando que a responsabilidade pela análise do referido pedido pertence a outro Estado-Membro, não procedeu à sua apreciação, tendo dado início ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional, em conformidade com o disposto nos arts. 36º e seguintes da Lei de Asilo.
Nesta sequência, a Entidade Demandada proferiu a decisão impugnada, no sentido da inadmissibilidade do pedido do Autor e da sua transferência para a Alemanha, nos termos dos arts. 19º-A, nº 1, al. a), e 37º, nº 2, da Lei de Asilo, situação em que, em conformidade com o disposto no art. 19º-A, n.º 2, deste último diploma, se prescinde da análise das condições de que depende a concessão do estatuto de beneficiário de protecção internacional.
Ora, não se analisando, no âmbito deste procedimento, as condições de que depende a concessão de asilo ou protecção subsidiária, não impendia sobre o SEF, no caso sub judice, questionar o requerente de protecção, com maior detalhe, acerca das circunstâncias que fundamentam o pedido e, por conseguinte, sobre as consequências de regressar ao país de origem, como pretende o Autor na presente acção, na medida em que, tendo-se apurado a responsabilidade de outro Estado-Membro pela análise do pedido de protecção internacional apresentado pelo Autor, o qual aceitou a retoma a cargo, não compete à Entidade Demandada proceder à análise e ponderação das declarações do Autor no que respeita aos motivos que fundamentam o pedido de protecção internacional, subjacentes à saída do país de origem, pois que, reitere-se, atenta a fase do procedimento em que o acto impugnado foi proferido, não se impunha tal apreciação por parte da Entidade Demandada.
(…)
No entanto, e como já ficou dito, cabe ao Estado responsável pela análise do pedido de protecção internacional formulado pelo requerente a competência para analisar e decidir se o interessado preenche os requisitos de que depende a concessão de asilo ou protecção subsidiária, assim como, ponderar a aplicação do princípio de não repulsão, em face das concretas circunstâncias do requerente.
Nesta conformidade, tendo as autoridades portuguesas solicitado a retoma a cargo do ora Autor e uma vez aceite tal pedido por parte da Alemanha, deve o SEF emitir a decisão de transferência.
(…)
O Estado ao qual compete executar a transferência do requerente de protecção apenas deve abster-se de o fazer, prosseguindo com a análise do pedido, quando disponha de elementos sérios para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante, na acepção do art. 4º da CDFUE, de acordo com o estabelecido no art. 3º, nº 2, do Regulamento nº 604/2013.
(…)
Compulsada a matéria de facto provada, resulta do teor da entrevista realizada no procedimento e, por conseguinte, das declarações prestadas pelo Autor nesse âmbito, que saiu do país de origem em 2017, tendo chegado à Alemanha em Fevereiro de 2019, onde solicitou protecção internacional e permaneceu cerca de 1 ano e 6 meses. Mais declarou o requerente que saiu da Alemanha, com destino a França, na sequência da recusa do seu pedido de protecção internacional.
Ora, relembrando, estabelece o art. 3º, nº 2, do Regulamento nº 604/2013, o seguinte: “Caso seja impossível transferir um requerente para o Estado-Membro inicialmente designado responsável por existirem motivos válidos para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes nesse Estado-Membro, que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na aceção do artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, o Estado-Membro que procede à determinação do Estado-Membro responsável prossegue a análise dos critérios estabelecidos no Capítulo III a fim de decidir se algum desses critérios permite que outro Estado-Membro seja designado responsável.” (itálico nosso).
Por sua vez, pode ler-se no art. 4º da CDFUE, que “Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas desumanos ou degradantes.”.
A este propósito, e como explicita o TJUE, “O artigo 4.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia deve ser interpretado no sentido de que: - mesmo não havendo razões sérias para crer na existência de falhas sistémicas no Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, a transferência de um requerente de asilo no âmbito do Regulamento n.º 604/2013 só pode ser feita em condições que excluam que essa transferência implique um risco real e comprovado de o interessado sofrer tratos desumanos ou degradantes, na aceção desse artigo (…).” (itálico nosso) – cfr. acórdão do Tribunal de Justiça de 16/02/2017, proferido no proc. nº C-578/16 PPU (disponível em www.curia.europa.eu).
(…)
Na verdade, da alegação do Autor produzida nos presentes autos não resulta que o Autor haja sido submetido, na Alemanha, a qualquer tratamento que atinja o referido grau de gravidade (desumano ou degradante), não invocando quaisquer factos concretos, designadamente vividos durante a estadia na Alemanha, demonstrativos de um eventual risco de sujeição do Autor a esse tipo de tratamentos, por parte das autoridades alemãs, em caso de transferência para esse país, como se impunha.
Também não resultando das declarações produzidas no procedimento, a invocação, pelo Autor, de quaisquer circunstâncias demonstrativas desse risco. Não tendo, de resto, o Autor justificado a sua saída da Alemanha com o tipo de tratamento ou condições a que esteve sujeito durante a sua permanência em território alemão, sendo possível extrair do seu relato que apenas saiu da Alemanha, por sua iniciativa, após o pedido de asilo ter sido recusado nesse Estado-Membro e com o intuito de evitar a execução dessa decisão negativa.
Há, ainda, que sublinhar que no que respeita às condições de acolhimento no Estado-Membro responsável, este está vinculado pela Directiva 2013/33/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho de 2013, que estabelece normas em matéria de acolhimento dos requerentes de protecção internacional.
Assim, e em conformidade com a confiança mútua entre os Estados-Membros no âmbito do SECA, existe uma forte presunção de que as condições materiais de acolhimento oferecidas aos requerentes de protecção internacional nos Estados-Membros serão adequadas, com respeito pelo Direito da União e pelos direitos fundamentais. Neste sentido, vejam-se as considerações expendidas no acórdão do Tribunal de Justiça, de 21/12/2011, proferido nos processos apensos nºs C411/10 e C493/10 (disponível em www.curia.europa.eu).
(…)
Revertendo ao caso dos autos, a factualidade provada, reitere-se, não indicia, no caso sub judice, a existência de razões sérias para crer que há falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Alemanha, que impliquem, para o Autor, o risco de tratamento desumano/degradante ou de repulsão.
Verificando-se que o contexto fáctico apresentado pelo Autor não indicia, minimamente, a existência de elementos objectivos que permitam concluir que a transferência do mesmo para a Alemanha o colocaria numa situação de privação material extrema, que não lhe permita fazer face às suas necessidades mais básicas e que atente contra a sua saúde física ou mental ou o coloque num estado de degradação incompatível com a dignidade humana.
De igual modo, não invocou o Autor a existência de qualquer circunstância excepcional que lhe fosse própria e que implicasse que, em caso de transferência para o Estado-Membro responsável pela análise do seu pedido, seria colocado, independentemente da sua vontade e das suas escolhas pessoais, numa situação de privação material extrema.
(…)
Revertendo ao caso sub judice, forçoso é concluir que o ora Autor não invocou, nem em sede procedimental, nem no âmbito dos presentes autos, quaisquer factos concretos que permitissem concluir pela existência de um risco sério e real de aquele vir a ser sujeito a tratamentos desumanos ou degradantes em caso de transferência para a Alemanha, razão pela qual não se impõe, no caso concreto, a ponderação da cláusula de salvaguarda vertida no art. 3º, nº 2, do Regulamento nº 604/2013.
Cumpre, por fim, salientar que a decisão impugnada também não padece de deficiente instrução pelo facto de, segundo alega o Autor na petição inicial, nada ter sido apurado quanto ao estado do pedido de protecção internacional que o interessado admitiu ter formulado junto do Estado Francês. Na verdade, considerando que a responsabilidade pela retoma a cargo pertencia, à luz dos critérios previstos no Regulamento de Dublin, à Alemanha e não ao Estado Francês (o que o Autor nem põe em causa nos presentes autos, não invocando uma errada aplicação desses critérios nem demonstrando que fosse França e não a Alemanha o país responsável pela análise do seu pedido), não se impunha ao SEF a realização de qualquer diligência instrutória no que respeita ao pedido efectuado em França. Ademais, a alegação feita pelo requerente de protecção nestes autos é contraditada pelo teor das suas próprias declarações no procedimento, nas quais revelou estar bem ciente do desfecho que o seu pedido de protecção mereceu em França, tendo sido o próprio Autor a esclarecer, no seu relato, que tal pedido havia sido recusado precisamente pela circunstância de existir um pedido anteriormente formulado na Alemanha – vide ponto 4) do probatório.
Face ao que antecede, considerando o princípio segundo o qual os pedidos são analisados por um único Estado-Membro, determinado em função dos critérios enunciados no capítulo III do Regulamento nº 604/2013, não estão reunidos os pressupostos legais para que o pedido de protecção internacional formulado pelo Autor possa ser apreciado pelo Estado Português, como decidiu a Entidade Demandada, não cabendo, pois, às autoridades portuguesas proferir decisão de mérito acerca desse pedido, por ser entidade responsável o Estado Alemão, que aceitou essa responsabilidade, não havendo, assim, lugar à análise das condições a preencher pelo Autor para beneficiar do estatuto de protecção internacional.
(…).».

E o assim bem fundamentado e decidido é para manter, porquanto o Recorrente limita-se a discordar, alegando, de forma genérica, que: a sentença recorrida efectuou errada interpretação da prova produzida e, consequentemente, das normas jurídicas aplicáveis; relatou ao SEF toda a sua odisseia até entrar em Portugal, em busca de uma vida melhor; este aplicou de forma simplista a Lei do Asilo, concluindo ser a Alemanha, que o expulsou do seu território, que deve prosseguir a análise do processo de asilo; tratando-o como uma “coisa” que pode ser transportada de um país para outro; apenas procura a paz e protecção que o seu país de origem não lhe pode assegurar; declarou que teme ser morto na Guiné por ser perseguido por uma pessoa da família e por um militar, pelo que, nem que seja por razões humanitárias, Portugal deve conceder-lhe protecção; até porque se encontra num processo de integração na sociedade portuguesa; ao determinar o seu regresso para a Alemanha e para a Guiné, está a contribuir para prolongar o seu calvário.
Nada do alegado e concluído no recurso permite infirmar a apreciação e decisão de improcedência efectuada pelo tribunal recorrido.
Com efeito, do regime legal consagrado na Lei nº Lei nº 27/2008, de 30 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 26/2014, de 5 de Maio e no Regulamento (EU) nº 604/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Junho [doravante apenas Lei do Asilo e Regulamento, respectivamente], resulta que, tendo o SEF constatado na análise do pedido de protecção internacional do Recorrente que o mesmo formulou pedido anterior noutro Estado-Membro, que o indeferiu, ficou, primeiro, sujeito ao procedimento especial de determinação do Estado responsável pela sua análise, previsto no capítulo IV, artigos 36º a 40º, da Lei do Asilo (procedimento administrativo especial dentro do procedimento inicial que a proceder implica o termo deste), de acordo com o disposto nos artigos 3º, nº 2, e 18º, nº 1, alínea d), do Regulamento, e, segundo, uma vez aceite a retoma pelo Estado tido como responsável, obrigado a considerar o pedido em apreciação inadmissível [cfr. artigo 19º-A, nº 1, alínea a) da Lei do Asilo], sem ter o dever de conhecer do respectivo mérito ou verificar do regular funcionamento do sistema de acolhimento dos requerentes de protecção nesse Estado.
O mesmo é dizer que o Recorrido não apreciou em sede de procedimento administrativo as razões declaradas pelo Requerente para fundamentar o respectivo pedido de protecção internacional.
Consequentemente, na acção o juiz a quo apenas podia conhecer dos fundamentos de impugnação da decisão de inadmissibilidade do pedido, invocados na petição inicial. Sendo que, se os julgasse procedentes e anulasse o acto impugnado, a consequência, na reconstituição da situação legal hipotética que existiria se tal acto não tivesse sido praticado, seria o SEF ter de retomar o procedimento especial de determinação do Estado-Membro competente no momento anterior ao da prática dos vícios verificados. E não prosseguir com a apreciação do pedido de protecção.
Donde, o tribunal ad quem também não pode apreciar o que vem alegado no recurso relativamente ao mérito do pedido de protecção, nem dar relevância à invocada vontade do Recorrente de permanecer em Portugal, país acolhedor onde iniciou um processo de integração e conta melhorar o seu nível de vida – que nada tem a ver quer com o regime do procedimento especial de determinação do Estado responsável quer com o do pedido de protecção, mesmo que por razões humanitárias.
Assim,
Não resultando da factualidade assente que o Requerente/recorrente tenha sido expulso do território alemão ou que aí tenha sido perseguido [como alega, mas antes que saiu de lá voluntariamente quando soube que o seu pedido de protecção tinha sido recusado], ou quaisquer outros factos declarados que pudessem indiciar a existência de falhas sistémicas no procedimento de asilo e nas condições de acolhimento dos requerentes na Alemanha que impliquem o risco de tratamento desumano ou degradante na acepção do artigo 4º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
Encontrando-se o Recorrente de boa saúde,
Estando a Alemanha obrigada a cumprir as normas de direito europeu e de direito internacional que proíbem a repulsão (artigos 33º nº 1 da Convenção de Genebra Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, 78º nº 1 do TFUE, 19º nº 2 da CDFUE e 21º nº 1 da Directiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13.12.2011),
Não se encontra fundamento para pôr em causa a legalidade da decisão que considerou o pedido de protecção do Requerente inadmissível e determinou a transferência para a Alemanha, nem o acerto da sentença recorrida que o manteve na ordem jurídica.
Por fim, uma vez que já recusaram a protecção internacional ao Recorrente, as autoridades alemãs só o irão transferir para o seu país de origem se tiverem verificado que a sua vida ou liberdade aí não serão ameaçados em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou opiniões políticas [v. princípio da não repulsão enunciado na alínea aa) do nº 1 do artigo 2º da Lei do Asilo].
Face ao que o presente recurso não pode proceder.

Nos termos do artigo 84º da Lei nº 27/2008, de 20 de Junho, o presente processo é gratuito, não havendo lugar a custas.

Por tudo quanto vem exposto acordam os Juízes da Subsecção Administrativo Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a sentença recorrida na ordem jurídica.

Sem custas.

Registe e Notifique.

Lisboa, 12 de Outubro de 2023.

(Lina Costa – relatora)

(Ricardo Ferreira Leite)

(Ana Paula Adão Martins)