Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1073/18.5 BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:10/19/2023
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:COMPENSAÇÃO EQUITATIVA PARA A CÓPIA PRIVADA;
COMPETÊNCIA MATERIAL
Sumário:Os tribunais tributários não são materialmente competentes para conhecer os litígios emergentes das quantias pagas a título de compensação equitativa para a cópia privada, na medida em que não configuram relações jurídico-tributárias.
Indicações Eventuais: Subsecção tributária comum
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SUBSECÇÃO TRIBUTÁRIA COMUM DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO

Vem a S........., LDA., e W........., S.A., interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a excepção de incompetência material do tribunal para conhecer da acção administrativa instaurada contra a ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO DA CÓPIA PRIVADA (AGECOP), tendo por objecto a decisão de indeferimento que recaiu sobre os pedidos de isenção/reembolso por exportação da compensação equitativa por cópia privada, pedindo a sua anulação e a sua substituição por outra que determine o deferimento dos pedidos de reembolso e a restituição à 2.ª Autora da compensação equitativa para a cópia privada indevidamente paga no valor de € 483.182,04.


As Recorrentes, nas suas alegações, formularam conclusões nos seguintes termos:

“1.ª A douta sentença recorrida julgou procedente a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal para conhecer o mérito da ação administrativa deduzida contra a decisão de indeferimento que recaiu sobre os pedidos de indeferimento dos pedidos de isenção/reembolso da Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada (“Compensação Equitativa”) com referência a exportações, proferido pela Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP);

2.ª O Tribunal a quo declarou-se incompetente, em razão da matéria, para conhecer os pedidos formulados pelas ora Recorrentes, considerando, em síntese, que tendo em conta as características do regime jurídicos previsto na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro (Lei da Cópia Privada) e da natureza e propósito da Compensação Equitativa, e em face da matéria em causa (conexionada com o Direito de Autor e dos Direitos Conexos) e das partes envolvidas no litígio (ambas de natureza privada), não estava na presença de um litígio a dirimir no âmbito de relação jurídico-tributária, nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo1.º da LGT, passível de ser conhecida por um Tribunal Tributário;

3.ª As Recorrentes não se conformam com a sentença recorrida;

4.ª A sentença recorrida incorre em erro de julgamento da matéria de direito quanto à apreciação do pressuposto processual referente à competência material do Tribunal Tributário para dirimir o presente litígio;

5.ª Há uma errónea apreciação da matéria levada ao conhecimento do Tribunal a quo, porquanto a matéria controvertida nos presentes autos não é conexa com o Direito de Autor e com a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, e as partes envolvidas não são dotadas de natureza privada, pelo que existe, de facto, uma relação jurídico-tributária nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 1.º da LGT;

6.ª Como demonstrado pelas Recorrentes, o objeto do presente processo de ação administrativa é, de facto, deduzida contra um ato de indeferimento dos pedidos de reembolso da Compensação Equitativa que comporta, em si, uma natureza tributária à qual é conferido um tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos;

7.ª Tendo em conta a matéria debatida na petição inicial, a questão de mérito nos presentes autos está relacionada com a aferição dos pressupostos de atribuição de uma isenção de um tributo, os quais têm de ser obrigatoriamente analisados sob o prisma do direito fiscal e à luz dos princípios jurídico-constitucionais patentes no ordenamento tributário;

8.ª Efetivamente, da petição inicial resulta, pois, evidente que a causa de pedir não versa sobre a temática relacionada com o Direito de Autor e com a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, onde se poderá, eventualmente, detetar uma relação jurídico-privada;

9.ª A propósito do tratamento jurídico-tributário desta Compensação Equitativa, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a natureza jurídica desta renumeração prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, sustentando a qualificação jurídico-tributária desta compensação, e rejeitando, precisamente, o argumento de que a mesma tem adjacente uma obrigação jurídico-privada (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 616/2003, proferido no processo nº 340/999);

10.ª Na opinião do Tribunal Constitucional, e ao contrário da posição assumida pelo Tribunal a quo, a esta compensação deve ser conferido um tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos, uma vez que resulta de uma imposição coativa, no exercício do imperium estatal, e não numa obrigação do foro meramente privado (também neste sentido vai a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida no processo de intimação que correu termos sob o n.º 547/18.2BELRS, no qual as Recorrentes figuravam como Recorrentes e no qual foi peticionada certidão com a fundamentação subjacente ao ato decisório sub judice nos presentes autos);

11.ª Ora, se à Compensação Equitativa deverá ser conferido um tratamento jurídico-constitucional reservado aos impostos, a aferição dos pressupostos legais de isenções previstas no artigo 4.º da Lei da Cópia Privada também o deverão ser (no mesmo sentido vai a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa proferida no processo de intimação que correu termos sob o n.º 547/18.2BELRS);

12.ª A referida natureza tributária da remuneração é igualmente assumida pela doutrina administrativa, nomeadamente no Parecer n.º 76/98 da então Direção Geral das Contribuições e Impostos - Centro de Estudos Fiscais, o qual sofreria despacho de concordância por S. Exa. o Senhor Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (22 de dezembro de 1998) e pela doutrina de JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO (cf. «Direito Civil. Direito de Autor e Direitos Conexos», Coimbra, 2012 [reimpressão], páginas 248 e 251), DAVID COIMBRA PAULA (cf. «A cópia para uso privado e a compensação equitativa da Directiva 2001/29/CE à Lei nº 49/2015», in Revista de Direito Intelectual, nº 1 – 2017, Almedina, página 47) e SÉRGIO VASQUES (cf. Manual de Direito Fiscal, Almedina, 2.ª edição, página 206);

13.ª Acresce que, a fundamentação aduzida nos autos para sustentar a ilegalidade do procedimento da Recorrida é, também, ela conducente ao entendimento segundo o qual a isenção da Compensação Equitativa em apreço deve ser caracterizada à luz dos conceitos previstos no Estatuto dos Benefícios Fiscais, nomeadamente no artigo 5.º, n.º 1 desse diploma;

14.ª Resulta da argumentação aduzida nos autos que, em face da caraterização da isenção à luz das normas ordenadoras do EBF e dos princípios da legalidade e tipicidade tributária (prevista no artigo 103.º, n.º 2, e no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), não se poderá acolher o raciocínio segundo o qual é aceitável que, no uso dos seus poderes regulamentares, a AGECOP desvirtue a natureza do benefício em causa e estabeleça um procedimento de atribuição do reembolso que comprometa, na prática, a atribuição do mesmo;

15.ª Acresce que, quanto à ponderação dos objetivos e finalidades da Compensação Equitativa, à data da emissão da decisão de indeferimento dos pedidos de reembolso, já se encontrava em vigor o artigo 5.º-A da Lei da Cópia Privada, pelo que, considerando o entendimento do próprio Tribunal a quo, tal norma atribuía uma característica típica dos tributos – o financiamento de programas de incentivo à promoção de atividades culturais e à criação cultural e artística;

16.ª O entendimento do Tribunal a quo colide, ainda, com o entendimento do Tribunal Constitucional vertido acórdão n.º 616/2003, proferido no processo nº 340/999, relativamente à alocação da receita proveniente da cobrança da Compensação Equitativa, prevista no artigo 7.º da Lei da Cópia Privada, considerando que uma parte significativa das verbas da Compensação Equitativa, previstas no artigo 5.º-A e 7.º, n.º 1 da Lei n.º 62/98 de 01 de setembro, cuja alocação é exclusivamente para fins públicos, aproximam a compensação ao conceito de tributo;

17.ª Acresce que, ao contrário do entendimento propugnado pelo Tribunal a quo, a Entidade Demandada (a AGECOP) não é uma entidade que atua no exercício de liquidação, gestão e cobrança da Compensação Equitativa na qualidade de ente privado;

18.ª Decorre dos poderes conferidos pelos estatutos da AGECOP um ius imperi que permite a equiparação da AGECOP a um órgão da Administração Pública, considerando que face à natureza tributária da Compensação Equitativa, e ao disposto no artigo 1.º, n.º 3, da LGT e no artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do CPPT, outra conclusão não se extrai que não seja a que a AGECOP, enquanto entidade legalmente incumbida da liquidação e cobrança da Compensação Equitativa para a Cópia Privada – competências atribuídas pelo artigo 6.º da Lei da Cópia Privada – deve considerar-se parte integrante da administração tributária em sentido lato (a este respeito, veja-se também o acórdão n.º 616/2003 do Tribunal Constitucional e a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, no âmbito de processo de intimação que correu termos sob o n.º 547/18.2BELRS);

19.ª Demonstrada a natureza tributária da Compensação Equitativa e que a Recorrida integra a administração tributária para efeitos de apreciação da legalidade da decisão de indeferimento dos pedidos de reembolso da compensação equitativa, resulta evidente a natureza tributária do presente litígio e, por conseguinte, que não se verifica a incompetência do Tribunal Tributário de Lisboa em razão da matéria, até porque considerando-se a Recorrida competente
para decidir pedidos de reembolso da Compensação Equitativa, e uma vez evidenciada a sua natureza jurídico-tributária, não se concebe que não esteja em causa o exercício de poderes públicos de natureza tributária;

20.ª Acresce que, o facto de existir uma entidade como o IGAC cuja função é fiscalizar o cumprimento das regras previstas na Lei da Cópia Privada, bem como controlar as quantidades de aparelhos e suportes e respetivos preços que incluem a Compensação Equitativa, só reforça a conclusão que as receitas arrecadadas a título desta compensação visam uma finalidade de interesse público;

21.ª Em face da matéria em apreço, da natureza jurídico-tributária da Compensação Equitativa, da qualificação da isenção prevista no artigo 4.º, n.º 5 da Lei da Cópia Privada e da qualidade dos intervenientes processuais, deve concluir-se que, à luz do artigo 1.º, n.º 1 e artigo 49.º, n.º 1, al. a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF), o Tribunal a quo é, então, competente para conhecer da ação administrativa, apresentada nos termos dos artigos 99.º e seguintes do CPPT;

22.ª Considerando que a causa de pedir não versa sobre a temática relacionada com o Direito de Autor e com a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, antes e tão só à avaliação da conformidade desta compensação com os princípios jurídico-tributários e constitucionais, nomeadamente o princípio da igualdade fiscal, o princípio da proteção da confiança, o princípio da proporcionalidade e o princípio da legalidade tributária, deve entender-se que o Tribunal Tributário de Lisboa é competente, em razão da matéria, para apreciar o presente litígio;

23.ª Ao declarar-se incompetente em razão da matéria, o Tribunal a quo incorre não só em erro de julgamento, como a sua interpretação às normas da Lei da Cópia Privada e ao artigo 1.º, n.º 1 e n.º 2 da LGT à luz do caso em apreço, atenta contra o preceito constitucional previsto no artigo 212.º, n.º 3 da CRP;

24.ª Acresce que, a interpretação que o Tribunal a quo faz relativamente aos artigos 2.º, 4.º, n.º 5, 5.º-A, 6.º e 7.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, em conjugação com o artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 da LGT em relação ao caso em apreço, não se coaduna com o princípio constitucional do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva, vertido nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, incorrendo na sua violação, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

25.ª Efetivamente, de tudo quanto foi dito, resulta evidente que quer pela natureza da matéria em causa – manifestamente jurídico-tributária – quer pelas partes envolvidas no litígio – no caso, o caráter público de atuação da AGECOP – não subsistem dúvidas que o Tribunal a quo não poderia abster-se de conhecer o mérito da causa, já que a questão materialmente controvertida em apreço é digna da tutela jurisdicional tributária para salvaguarda os direitos das ora Recorrentes;

26.ª O direito ao acesso à justiça, expresso no artigo 20.º da CRP, não pode ser limitado em virtude de exigências e pressupostos processuais desadequados e desproporcionais sob pena de ser violado o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva;

27.ª Importa, pois, concluir que a interpretação que o Tribunal a quo efetua ao disposto aos artigos 2.º, 4.º, 5.º-A, 6.º e 7.º da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, em conjugação com o artigo 1.º, n.ºs 1 e 2 da LGT, no sentido de vedar o acesso aos meios processuais tributários, por alegada falta de competência em razão da matéria, conduz à violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado nos artigos 20.º e 268.º, n.º 4, da CRP, o que se invoca para os devidos efeitos legais;

28.ª Por último, não está em causa um debate sobre a interpretação jurídica de uma norma prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, ou a matéria em causa está relacionada com a substância do Direito de Autor ou com a aplicação de disposições do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pelo que o artigo 111.º n.º 1, alínea k), da LOSJ não pode determinar a competência do Tribunal no caso em apreço;

29.ª Efetivamente, o artigo 111.º, n.º 1, alínea k), da LOSJ não pode ser interpretado no sentido de excluir do âmbito da jurisdição administrativa e fiscal este litígio, com um pedido e uma causa de pedir centrados no debate da natureza jurídico-tributária da dita Compensação Equitativa e dos pressupostos de aplicação de uma isenção dessa compensação, bem como da discussão em torno da sua conformidade com os princípios jurídicos e constitucionais orientadores do Direito Fiscal;

30.ª Acresce que, de acordo com o artigo 5.º, n.º 1 do ETAF, “A competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente”, pelo que tendo o presente processo de ação administrativa teve início em junho de 2018, ou seja, em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 55/2019, de 5 de agosto (LOSJ), o Tribunal a quo não poderia, neste caso, atender a este preceito legal e ponderado a competência material à luz desta norma legal;

31.ª Termos em que a sentença ora sob recurso deverá ser revogada e substituída por outra que aprecie o mérito da pretensão das ora Recorrentes;

32.ª Sendo anulada a decisão recorrida, como esperam as Recorrentes, e considerando esse Ilustre Tribunal que dispõe dos elementos necessários para proferir decisão sobre a questão controvertida nos presentes autos, conhecendo do objeto do processo, deve conhecer-se da ilegalidade do ato decisório tributário em apreço;

33.ª Consideram as Recorrentes que devem julgar-se como provados, para este efeito, os seguintes factos:
a. A 1.ª Recorrente é uma sociedade de direito português, a qual prossegue, no âmbito do seu objeto social, a atividade principal de comercialização de produtos elétricos e eletrónicos, incluindo acessórios, peças, software, aplicações e outros conteúdos, bem como a prestação de serviços de instalação, reparação, suporte e manutenção;
b. Nos termos da Lei n.º 62/98, de 1 de setembro (Lei da Cópia Privada), a qual regula o disposto nos termos do artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), com redação atual pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, a 1.ª Recorrente encontra-se sujeita à cobrança e entrega da “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada”;
c. Assim, em conformidade com o disposto no artigo 5.º da Lei da Cópia Privada, a 1.ª Recorrente procede trimestralmente à entrega à Entidade Demandada da “Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada”;
d. A 2.ª Recorrente é uma sociedade de direito português que prossegue, no âmbito do seu objeto social, à comercialização, distribuição, manutenção e reparação, de aparelhos eletrodomésticos, aparelhos de televisão, rádio e música, artigos diversos de decoração, todos os artigos que se destinem a equipamento do lar, equipamentos informáticos e prestação de serviços conexos, serviços de impressão, cópias e produtos similares, aluguer de equipamentos, instrumentos musicais, discos, cassetes, disquetes, dvd, videogramas, cd, jogos de computador e produtos similares e outros jogos eletrónicos ou não, nomeadamente, robots, hoverboards, drones, gadgets e produtos similares, livros, revistas e artigos de papelaria, materiais de segurança, nomeadamente, sensores e câmaras, artigos de viagem e cartões de oferta, produtos alimentares, nomeadamente, bebidas, pastilhas, chupas, rebuçados e chocolates, atividades de importação e exportação;
e. A 2.ª Recorrente é cliente da 1.ª Recorrente, procedendo à exportação de bens
adquiridos a esta última;
f. Enquanto 1.º adquirente em território nacional dos aparelhos e suportes sujeitos a compensação equitativa, a 2.ª Recorrente efetuada à 1.ª Recorrente o pagamento da referida compensação equitativa;
g. Nos termos do artigo 4.º, n.º 5, da Lei da Cópia Privada, estão isentos do pagamento da compensação equitativa os aparelhos, dispositivos e suportes destinados à exportação;
h. Nesta sequência, a 1.ª Recorrente apresentou junto da Entidade Demandada, entre 13 de janeiro e 24 de outubro de 2017, um conjunto de 40 requerimentos com vista ao reembolso da compensação equitativa paga com referência a exportações (cf. doc. n.º 4 da petição inicial);
i. Os referidos requerimentos foram instruídos com documentos destinados a fazer prova da saída dos bens do território nacional (cf. doc. n.º 4 da petição inicial);
j. Em momento posterior à submissão daqueles requerimentos, as Recorrentes foram contatadas pela Entidade Demandada com vista à junção de documentação adicional, conforme cópia dos e-mails que se juntam, exemplificativamente (cf. doc. n.º 5 da petição inicial);
k. Oportunamente, as Recorrentes procuraram corresponder às solicitações da Entidade Demandada no que respeita à documentação adicional então requerida, de que são exemplo as respostas que se juntam, exemplificativamente (cf. doc. n.º 6 da petição inicial);
l. Fruto da circunstância de alguns dos documentos exigidos não se encontrarem ao alcance das Recorrentes, mas na posse de terceiros, a que acrescem as particularidades dos negócios das Recorrentes, não foi possível apresentar todos os documentos requeridos pela AGECOP, designadamente nos prazos concedidos para o efeito;
m. Em 7 de dezembro de 2017 as Recorrentes foram notificadas de que, por referência àqueles 40 pedidos de reembolso, a Entidade Demandada se encontrava “(…) a aguardar o preenchimento da totalidade dos procedimentos e envio de elementos que há muito a AGECOP solicitou, através das notas procedimentais que criou e divulgou. (…) relativamente a pedidos de reembolso já entregues mas pendentes, em fase de apreciação, por falta de elementos comprovativos de exportação, a AGECOP aguardará até ao próximo 20 de Dezembro pelo envio de tais documentos, após o que se considerará precludido o direito a receber qualquer reembolso, sendo todos os pedidos pendentes objeto de uma decisão de indeferimento e considerados encerrados.” (cf. doc. n.º 7 da petição inicial);
n. Em 11.01.2018, as Recorrentes foram notificadas pela Entidade Demandada de que “(…) os pedidos pendentes – processos n.ºs 2017001; 2017003 a 2017028; 201705154 a 2017063 – foram objecto de uma decisão de indeferimento, encontrando-se precludido o direito a receber qualquer reembolso.” (cf. doc. n.º 1 da petição inicial);
o. As Recorrentes desconheciam aquela decisão, assim como a fundamentação em que concretamente a mesma assenta;
p. Também não constava da aludida notificação quaisquer meios de reação que pudessem ser deduzidos contra o ato notificado;
q. Deste modo, em 12.02.2018, as Recorrentes apresentaram requerimento ao abrigo do disposto no artigo 37.º do CPPT, com vista à obtenção da cópia da decisão que recaiu sobre os aludidos pedidos, assim como a sua fundamentação e a indicação dos respetivos meios de reação (cf. doc. n.º 2 junta com a petição inicial);
r. Em 16.03.2018, as Recorrentes foram notificadas da resposta ao requerimento apresentado (cf. doc. n.º 3 junta com a petição inicial);
s. Refere-se na resposta ao requerimento apresentado que “(…) as informações solicitadas foram já transmitidas a ambas as referidas sociedades em 12 de dezembro de 2017, por correio electrónico.” (cf. doc. n.º 3 junta com a petição inicial);
t. Mais se invoca naquela resposta que “Durante a instrução dos presentes processos, foram solicitados diversos elementos às referidas sociedades, em Abril de 2017, e ainda em Julho e Setembro de 2017, para os processos com numeração até 2017028, e em Novembro de 2017, para os processos com numeração entre 2017051 e 2017063. Nos pedidos em causa, foram, nas referidas datas, solicitados os seguintes elementos, a saber: i) Guias de transporte da mercadoria, devidamente discriminadas, que justifiquem a entrega da mercadoria constante nas facturas emitidas pela S……. à W……; ii) CMR com assinatura de expedição e assinatura de recepção no destino; iii) Registo do Intrastat relativo à transmissão intracomunitária efectuada pela W……. à B. – França e restantes clientes; iv) Registo do Intrastat relativo à aquisição por parte da B. – França e restantes clientes pela aquisição intracomunitária de mercadorias; v) Lista dos IMEI – International Mobile Equipment Identity dos equipamentos exportados; vi) Declarações recapitulativas de IVA dos períodos em questão, assim como os documentos de suporte das referidas declarações; vii) Explicação do facto dos pagamentos serem efectuados pela B. Portugal, quando as facturas são emitidas em nome da B. França; viii) Relativamente aos pagamentos, enviar documentos bancários, recibos e explicação dos valores pagos, com identificação das facturas liquidadas; ix) Facturas das empresas transportadoras” (cf. doc. n.º 3 junta com a petição inicial)”;
u. Por fim, menciona-se na referida decisão, ainda com referência à fundamentação da decisão de indeferimento, que “(…) a decisão oportunamente comunicada teve em consideração a Nota Procedimental para Pedidos de Isenção nas Exportações e Transmissões Intracomunitárias” (cf. doc. n.º 3 junta com a petição inicial);
v. Efetivamente, é do conhecimento das Recorrentes que, enquanto entidade responsável pela cobrança e gestão da compensação equitativa para a cópia privada, a AGECOP tem vindo a emitir diversas orientações destinadas a regular o processo de cobrança e entrega da compensação equitativa para a cópia privada, assim como o direito à isenção ou reembolso da compensação equitativa em caso de aparelhos, dispositivos e suportes destinados à exportação;
w. São exemplo de tais orientações dois documentos disponíveis no sítio informático da AGECOP (www.agecop.pt), designados de “Nota Procedimental para Pedidos de Reembolso/Isenção nas Exportações e Transmissões Intracomunitárias” e “Guia Prático para o cumprimento das obrigações estabelecidas na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 50/2004, de 24 de agosto, pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho e pelo Decreto-Lei n.º 100/2017, de 23 de agosto” (cf. doc. n.º 8 junto com a petição inicial);
x. Por não se conformar com aquela decisão de indeferimento dos 40 pedidos de
reembolso, nem com os fundamentos que a sustentam, as Recorrentes deduziram a 18.06.2018 a presente ação administrativa.

34.ª A Compensação Equitativa cujo reembolso foi requerido pelas Recorrentes e indeferido pela AGECOP, é uma figura dotada de natureza jurídico-tributária, sujeita ao princípio da legalidade, verificando-se, no caso em apreço, a manifesta desconformidade do seu regime legal com o correspondente quadro constitucional e legal;

35.ª Resulta evidenciado que a isenção que se encontra prevista para os equipamentos que se destinam a exportação ou reexportação, prevista no artigo 4.º, n.º 1, alíneas a) e b) do DecretoLei n.º 62/98, de 1 de setembro, não carece de ser reconhecida, configurando uma isenção automática, i.e. sem necessidade de nenhum despacho de intermediação, caso a caso (cf. conceito previsto no n.º 1 do artigo 5.º do EBF);

36.ª Daqui decorre que não se pode verificar que, no uso dos seus poderes regulamentares, a AGECOP desvirtue a natureza do benefício em causa e estabeleça um procedimento de atribuição do reembolso que comprometa, na prática, a atribuição do mesmo, o que sucede no caso em apreço porquanto a atuação da AGECOP consubstancia a introdução de um excesso de formalismos que impede, na prática, que as Recorrentes recebam o reembolso a que têm direito, quando na verdade, o mesmo lhes assiste;

37.ª Sem prejuízo do acima exposto, ainda que se entendesse que a decisão da AGECOP se poderia fundar única e exclusivamente na “Nota Procedimental para Pedidos de Reembolso/Isenção nas Exportações e Transmissões Intracomunitárias”, sempre se concluiria pela ilegalidade da decisão sub judice por aplicação de norma inconstitucional, em virtude de aquela “Nota Procedimental para Pedidos de Reembolso/Isenção nas Exportações e Transmissões Intracomunitárias” violar o disposto nos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP;

38.ª Face ao princípio da legalidade e tipicidade tributária, previsto no artigo 103.º, n.º 2, e no artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP, uma mera orientação administrativa como a presente “Nota Procedimental para Pedidos de Reembolso/Isenção nas Exportações e Transmissões Intracomunitárias” não pode contrariar o disposto num ato legislativo, sob pena de inconstitucionalidade;

39.ª Acresce que, tendo presente os procedimentos de reembolso estabelecidos pela AGECOP, não é possível outra conclusão senão a que os mesmos representam uma desconformidade constitucional por expressa incompatibilidade com o Princípio da Proteção da Confiança, enquanto expressão de um mais amplo Princípio de Estado de Direito Democrático, ínsito ao artigo 2.º da CRP;

40.ª De facto, em função das prerrogativas que assistem aos sujeitos passivos em matéria de segurança jurídica, igualmente aplicáveis em matéria fiscal, delas deriva o direito subjetivo dos contribuintes, no caso de beneficiarem de uma isenção com carácter automático e preencherem os pressupostos de facto do benefício em causa, de não serem surpreendidos com a adoção de um procedimento que afasta na prática um direito que lhes assistia, por via do artigo 4.º da Lei da Cópia Privada, como o que está em causa nos presentes autos;

41.ª Aquela decisão encerra igualmente uma desconformidade constitucional em face do Princípio da Proporcionalidade, tal como expressamente enunciado no número 2 do artigo 18.º da CRP e aplicável ao exercício da atividade legislativa;

42.ª Contrariamente ao que seria exigível, o regime de reembolso instituído pela AGECOP não repousa sobre qualquer fundamento sólido e compatível com as normais exigências de proporcionalidade e, sobretudo, de proibição do excesso, incutidas à legislação fiscal;

43.ª Efetivamente, estando em causa uma isenção automaticamente atribuída por Lei, a qual não prevê qualquer requisito especial de prova, é manifestamente inadequada e desnecessária para a prova da isenção a exigibilidade, por parte da AGECOP, de todos os documentos elencados naquelas orientações internas e a não aceitação, como meios de prova alternativos, de quaisquer outros documentos;

44.ª Acresce que tal procedimento é igualmente suscetível de violar o princípio a igualdade, nos termos do artigo 13.º da CRP, pois irá redundar no tratamento desigual de situações idênticas, em resultado apenas, da obtenção ou não de toda a documentação requerida pela AGECOP;

45.ª A presente decisão incorre, ainda, em inconstitucionalidade por violação do princípio do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrado no artigo 20.º da CRP, porquanto assiste-se ao indeferimento dos pedidos de reembolso formulados pelos fabricantes/exportadores, sem qualquer garantia de tutela jurisdicional dos direitos dos fabricantes e exportadores;

46.ª Por fim, sempre cumpre invocar que a interpretação sufragada pela Entidade Demandada ao normativo da Lei da Cópia Privada e, em particular, da disposição normativa referente à isenção nas exportações, é suscetível de incorrer em violação da Diretiva n.º 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do Direito de Autor e dos Direitos Conexos na sociedade da informação;

47.ª Resulta, assim, evidente que, ao condicionar o direito ao reembolso, a interpretação normativa do artigo 4.º, n.º 5, da Lei da Cópia Privada, no sentido de todos os documentos serem exigidos como elemento de prova, sob pena de indeferimento do pedido de reembolso, encerra uma violação da citada Diretiva Comunitária;

48.ª Caso assim não se entenda e estando em causa uma questão de interpretação de Direito da União Europeia que suscita dúvidas e assume relevância para a questão decidenda, deverá submeter-se a respetiva interpretação ao TJUE competente para decidir a título prejudicial sobre a interpretação do Direito da União Europeia, ao abrigo do disposto no artigo 267.° do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), sendo esse reenvio obrigatório quando o órgão jurisdicional nacional decide em última instância (cf. artigo 267.º do TFUE).
A questão a interpretar pelo TJUE é a seguinte:
i) É compatível com a Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, a interpretação e aplicação do artigo 4.º, n.º 5, da Lei da Cópia Privada, no sentido de que, para o reembolso da compensação equitativa relativa a aparelhos destinados a exportação, é exigível a apresentação impreterível de todos os documentos constantes da “Nota Procedimental para Pedidos de Reembolso/Isenção nas Exportações e Transmissões Intracomunitárias” elaborada pela Entidade Gestora?

49.ª Termos em que se conclui, assim, pela ilegalidade do ato ora impugnado, por vício de lei consubstanciado na violação da Diretiva, impondo-se a sua anulação.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida e, nessa medida, emitindo-se uma nova decisão que julgue a ação administrativa procedente nos termos peticionados, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Sendo o valor da ação superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja o Recorrente dispensado do pagamento da taxa de justiça remanescente, ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.”.

* *
A Recorrida apresentou contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:

“A. Por sentença de 2 de novembro de 2022, o Douto Tribunal a quo fez a sua costumada Justiça julgando «procedente a excepção dilatória de incompetência material deste Tribunal para conhecer do mérito da causa suscitada pela R. na contestação e, consequentemente, absolve-se a mesma R. da instância» (cit.).

B. O presente Recurso deverá ser declarado improcedente por incompetência absoluta da jurisdição administrativa e fiscal, tal como julgado pela decisão recorrida, devendo este Venerando Tribunal abster-se de conhecer o mérito da causa e, consequentemente, absolvendo a Ré da instância, não promovendo a subida dos Autos ao Tribunal ad quem.

Caso assim V. Exa. não o entenda, o que só se admite a título de hipótese académica, e sempre sem conceder, veja-se que:
I. DA PERFEIÇÃO DA SENTENÇA A QUO POR INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA E INSUPRÍVEL DO TRIBUNAL ‘A QUO’ EM RAZÃO DA MATÉRIA

C. As Recorrentes com a sua impugnação peticionaram, em largas dezenas de páginas, diretamente contra o regime jurídico da cópia privada, o que se demonstra cabalmente pela invocação de inconstitucionalidade do próprio regime da cópia privada.

D. É facto assente que a Associação é um ente privado, uma associação privada sem fins lucrativos, criada de acordo com os ditames da Lei Civil e por força da Lei que determinou a necessidade dessa sua criação, tal como decorre dos documentos juntos a quo, e assente por acordo e por ser facto público por resultante de publicação em Diário da República!

E. A receita da Compensação Equitativa é entregue a particulares — autores, artistas, intérpretes e executantes, produtores de fonogramas e de videogramas e editores — sem nenhuma relação com a Administração Pública tendo uma natureza de mecanismo de ressarcimento entre privados.

F. Isto significa que a causa de pedir das Recorrentes é o Regime Jurídico da Cópia Privada, o que, nos termos da alínea k) do n.º 1 do artigo 111.º da LOSJ é competência do Tribunal da Propriedade Intelectual.

G. Pelo que não nos encontramos sequer perante uma modalidade de contencioso por natureza dos Tribunais Administrativos, quanto mais nos Fiscais.

H. Tanto assim é que a Recorrente W…… pediu efetivamente, junto dos Tribunais Comuns que essa competência fosse reconhecida, em Processo igual sobre períodos distintos.

I. A Recorrente W…… efetivamente obteve provimento desse Recurso junto do Tribunal da Relação de Lisboa e mantém a sua litigância do Tribunal da Propriedade Intelectual no Processo n.º 168/22.5YHLSB – Juiz 2.

J. Não podem as Recorrentes continuar a peticionar em ambas as jurisdições quando 2 Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa já aceitaram a competência do TPI; e 7 Decisões do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra partilharam dessa mesma opinião absolvendo a Associação da Instância.

A NATUREZA DA ASSOCIAÇÃO
K. A Associação foi constituída, para cumprir os imperativos do artigo 6.º da Lei nº 62/98, de 1 de setembro, sob forma associativa, sob a alçada do direito privado, dotada de utilidade pública, sem fins lucrativos.

L. A Lei n.º 62/98, de 1 de setembro não passa de um instrumento de regulação das relações entre particulares.

M. A Associação é composta pelas entidades de gestão coletiva que, em Portugal, representam os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas e os editores.

N. A missão da Associação consiste em gerir e distribuir as quantias devidas aos titulares de direitos mediante a aplicação da Lei da Cópia Privada, nos termos do artigo 6.º das referidas Leis e do artigo 82.º do CDADC.

O. A Associação não é ‘dotada de natureza pública’, nem de poderes conotados com o exercício de ius imperi, com a coercibilidade e possibilidade de aplicação contraordenacional.

II. EXCEÇÃO DILATÓRIA – NULIDADE DO PROCESSO POR INEPTIDÃO DA PI PELA INEXISTÊNCIA DA DEMONSTRAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR

P. As Recorrentes vêm solicitar a substituição do indeferimento do pedido de reembolso por outra decisão que determine o deferimento desse mesmo reembolso sem procederem à exposição dos factos essenciais de cada pedido que conduziu ao indeferimento.

Q. A Associação não se opõe a reconhecer o Direito a Reembolso por Exportação, mas, para isso, tem de ser provada a respetiva exportação.

R. Nem sequer os valores das Compensações Equitativas se encontram devidamente expressos e discriminados na p.i. apresentada a quo pelas ora Recorrentes.

S. Tudo motivos pelos quais se deveria ter reconhecido a INEPTIDÃO DA P.I. submetida pelas então impugnantes (ora Recorrentes), sendo o presente Recurso NULO, absolvendo a Associação da instância, como decorre da aplicação do direito processual.

III. DA EXCEÇÃO DILATÓRIA DA LITISPENDÊNCIA OU, PELO MENOS, DA RELAÇÃO PREJUDICIAL E NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA

T. As Recorrentes pretendem que lhes seja reembolsado um valor referente a Compensações Equitativas cuja entrega foi impugnada pela S. – vide processos n.os 1056/16.0BESNT, 1192/16.2BESNT, 1513/16.8BESNT, 322/17.1BESNT, 1631/17.5BESNT que correm termos no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra e neste Venerando Tribunal Central Administrativo Sul.

U. Quer no presente processo, quer nos acima citados, o efeito jurídico pretendido pelas Recorrentes é o mesmo, ainda que com diferente fundamento: a devolução do valor das Compensações Equitativas entregues.

V. Pelo que estamos perante um caso de litispendência, nos termos do artigo 580.º e 581.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.

W. De resto, a presente ação é a ação que foi proposta em segundo lugar, pelo que é nesta sede que a litispendência deve ser deduzida a título de exceção dilatória, nos termos do artigo 582.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, e artigo 89.º, n.º 4, alínea l) do CPTA.

IV. DO PEDIDO DE CONHECIMENTO DO OBJETO DO PROCESSO PELAS RECORRENTES E DA VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 640.º DO CPC QUANTO AO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

X. As Recorrentes pretendem a anulação da douta sentença recorrida e, bem assim, que seja conhecido o que apelida de «objeto do processo» — cf. pp. 21 das suas Alegações (cit.).

Y. As Recorrentes violam o disposto no artigo 640.º do CPC na medida em que não preenchem nem cumprem o seu ónus de impugnação da decisão recorrida em relação à matéria de facto.

Z. As Recorrentes incumprem e falham no seu ónus de especificar quais os concretos pontos de facto que consideram incorretamente julgados.

AA. As Recorrentes incumprem e falham no seu ónus de especificar os concretos meios probatórios que (alegadamente) impunham uma decisão diferente sobre matéria de facto.

BB. Termos em que se requer a rejeição, com todos os efeitos legais, da impugnação da matéria de facto (não assumida pelas Recorrentes, mas implícita nas suas Alegações), bem como do aditamento dos factos.

V. DA NECESSÁRIA FIXAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO QUANTO AO OBJETO DO RECURSO E INDISPENSABILIDADE DE REALIZAÇÃO DE INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS ARROLADAS NA CONTESTAÇÃO

CC. A Associação na sua Contestação requereu a inquirição de testemunhas, por si desde logo arroladas, não tendo existido qualquer dispensa da sua inquirição.

DD. Caso se venha a discutir o objeto da ação, torna-se indispensável tal inquirição, tanto mais que a omissão de tal diligência de prova iria afetar o julgamento da matéria de facto e acarretar um défice instrutório, suscetível até de eventual posterior anulação da sentença.

EE. Termos em que, caso se considere a procedência do recurso ou não se mantenha sã e vigente no ordenamento jurídico a decisão a quo, se requer que os presentes Autos sejam remetidos ao Tribunal a quo para a fixação da factualidade relevante ao objeto do recurso, nomeadamente para a realização de diligência de inquirição das testemunhas arroladas pela Associação na sua Contestação, tanto mais que tal diligência nunca foi
dispensada a quo.

VI. DA IMPUGNAÇÃO DOS FACTOS ILEGALMENTE ADITADOS PELA RECORRENTE E DA NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA

FF. As Recorrentes vêm — cf. a pp. 21 a 25 da sua Alegação — procurar proceder ao aditamento de matéria de facto de forma não coincidente ao que tinham mencionado na sua p.i..

GG. O facto referido na alínea a) da p. 21 das Alegações das Recorrentes, quanto à sua atividade, encontra-se já assente na matéria de facto dada como provada na decisão a quo identificado no parágrafo 2 da p. 3 da sentença recorrida, acrescentando-se na p. 4 que «Com interesse para a decisão a proferir, consideram-se provados os factos referidos no ponto I supra e, bem assim, os seguintes factos» (cit.) pelo que a pretensa da sua inclusão não só é ilegal (como vimos no capítulo supra) como desnecessária.

HH. O facto referido na alínea b) da p. 21 da Alegação da Recorrente é FALSO e IMPUGNA-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, aspeto tanto mais grave quando
insinua-se refugiar-se na letra da lei, o que não é verdade… Ao invés, o artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos dispõe sobre a «inclusão» no preço de venda da Compensação e não sobre a sujeição ao pagamento pelos fabricantes/importadores, como seja a S. (ora Recorrida);

II. O facto referido na alínea d) da p. 22 da Alegação da Recorrente é FALSO e IMPUGNA-SE também PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, posto que a S. procedeu à mera entrega de valores cobrados aos seus clientes, e não (nem nunca) ao pagamento do referido montante por sua conta;

JJ. Os factos referidos nas alíneas i) a x) da p. 23 a 25 das Alegações das Recorrentes são FALSOS e IMPUGNAM-SE PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS, posto que:

KK. As Recorrentes não demonstram que destinam e afetam os bens em causa (que foram adquiridos pela W….. à S…..) à exportação;

LL. Os documentos apresentados pelas Recorrentes não fazem prova da entrega efetiva do valor das Compensações e não fazem prova de em causa se tratar de aparelhos, dispositivos e suportes destinados à exportação, que recaiam no âmbito da norma do n.º 5 do artigo 4.º da Lei da Cópia Privada.
— Comprovativos de pagamento de entidade localizada em território português que não comprovam a efetividade de exportação

MM. Das supostas aquisições de bens pela sociedade francesa B….. SARL constata-se que quem suporta o custo/preço de aquisição é uma entidade portuguesa através de uma conta bancária junto da C. G. D..

NN. Esse facto invalida a prova de que o bem se destina à exportação sem apresentação de outros documentos de prova (exemplos: fls. 89, 120, 144, 173, 196, 222, 237, 259, 261, 265, 280, 309, 312, 329, 335, 338, 351 e 358, todas dos Autos).

OO. Quanto aos comprovativos de pagamento das vendas feitas à B......... SARL e pagos pela B…….. Lda., os valores transferidos não coincidem com o valor das faturas.

— Identificação errónea do número de fatura de exportação no comprovativo de pagamento

PP. Verificam-se situações de duplicação de comprovativo de pagamento de exportação, p.e. com o comprovativo de pagamento pela sociedade C….. (a fls. 425-verso) que se refere à mesma fatura que a declaração de exportação da B…… (fls. 422) que afirma ter pagado.

QQ. Não foi provada a exportação dos bens que integram os pedidos de reembolso em crise.

— Falta de entrega de documentos essenciais na posse das sociedades Recorrentes

RR. A Recorrente W….. não entregou em tempo útil a sua declaração Intrastat, da mesma forma que as Recorrentes também não entregaram (em nenhum dos 40 pedidos que efetuaram) as necessárias Declarações Recapitulativas de IVA da W….. relativas aos períodos em causa.

SS. A Recorrente W…… desconsidera a necessidade de validação do registo de transmissão intracomunitária, sobretudo num caso como o presente em que os pagamentos são feitos, na sua maioria, por uma entidade portuguesa.

TT. Neste contexto, torna-se impossível à Associação validar que bens estão a ser efetivamente exportados, por forma a evitar duplicações e pedidos de reembolso indevidos.

— Documentos comprovativos de transporte indevidamente preenchidos e falta de guias de remessa ou de transporte

UU. As próprias Declarações de Expedição Internacional – CMR juntas ao processo se encontram indevidamente preenchidas, não contendo sequer a data de emissão nem a assinatura no destino.

— Junção de faturas correspondentes a trimestres indevidos

VV. A fls. 333 e seguintes (documento n.º 4 – Parte IV), referente a um pedido de reembolso respeitante ao 3.º Trimestre de 2015, as Recorrentes anexam faturas do 4.º Trimestre de 2015.

WW. A fls. 340 e seguintes, referente a outro pedido de reembolso respeitante ao mesmo 3.º Trimestre de 2015, as Recorrentes anexam novamente faturas do 4.º Trimestre de 2015.

XX. O documento n.º 4 Parte VI (com início a fls. 438), cujo requerimento de reembolso (fls. 439) identifica ser também referente ao 3.º Trimestre de 2015, mas que, indevidamente, apresenta apenas uma lista de faturas de outubro de 2015 (fls. 438-verso).

— Aquisição de bens posterior à suposta exportação dos mesmos e ilegibilidade

YY. A fls. 455 verso que a W…… procede à venda para exportação a 3 de novembro de 2015, mas os bens foram adquiridos à S. em data posterior(!) a 6 de novembro de 2015 – vide fls. 467 verso.

ZZ. A fls. 894 que a W…… procede à venda para exportação a 30 de junho de 2016, mas, novamente, os bens foram adquiridos à S. em data posterior(!) a 11 de julho desse ano de 2016 – vide fls. 912 verso.

— A posição da Associação perante os pedidos de reembolso em causa

AAA. A impossibilidade de comprovação dos requisitos necessários ao deferimento, levou a Associação a indeferir os respetivos pedidos de reembolso.

BBB. A 5 de dezembro de 2017, a Associação remeteu à S…… uma carta informando-a que aguardava o envio da documentação em falta.

CCC. Só mais de um mês depois do envio dessa carta, e perante a não entrega de nenhum documento adicional por parte da S….. ou da W….., é que a Associação indeferiu os pedidos de reembolso.

VII. DOS ALEGADOS (E INEXISTENTES) VÍCIOS NÃO JULGADOS PELO TRIBUNAL ‘A QUO’ DA CONFORMIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA E DA VALIDADE DO REGIME DA COMPENSAÇÃO EQUITATIVA

VII.I DOS BENS DESTINADOS À EXPORTAÇÃO

DDD. De acordo com o n.º 5 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 5.º, ambos da Lei da Cópia Privada, os bens que se destinem à exportação ou reexportação podem beneficiar de isenção de Compensação Equitativa.

EEE. Para esse efeito, terão os Requerentes desses pedidos de isenção provar a exportação dos bens.

FFF. As Recorrentes pretendem usufruir de um mecanismo de reembolso (de resto, não previsto expressamente na Lei), sem, contudo, demonstrar à Associação que os bens adquiridos se destinavam à exportação.

GGG. A prova do destino dos bens à exportação exige não apenas a documentação do exportador, mas também a prova do seu pagamento e da sua saída efetiva do território português, sob pena de se defraudar a própria Lei.

VII.II DA ISENÇÃO / NÃO-SUJEIÇÃO À COMPENSAÇÃO EQUITATIVA DOS BENS DESTINADOS À EXPORTAÇÃO

HHH. Encontramo-nos perante uma não-sujeição de pagamento de Compensação Equitativa ou, por outras palavras, trata-se de uma delimitação negativa da incidência, ainda que a Lei mencione ‘isenção’ de bens destinados à exportação de modo mais abrangente.

III. Para distinguir entre uma delimitação negativa e uma isenção, há que atender ao facto de a primeira representar o elemento negativo do tipo e a segunda o facto impeditivo.

JJJ. Nesse sentido, ao contrário do que alegam as Recorrentes, não pode ser aplicada a letra do EFB visto que estamos perante uma questão de não sujeição.

KKK. O artigo 4.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais determina que as situações de não sujeição tributária não são benefícios fiscais, acrescentando ainda que as não sujeições tributárias são medidas fiscais estruturais de carácter normativo que estabelecem delimitações negativas expressas da incidência.

VII.III DA NÃO VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DA PROPORCIONALIDADE, DA IGUALDADE, DO ACESSO AO DIREITO E DA TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA

LLL. Nos artigos 135.º e seguintes da p.i. e nas páginas 36.º e ss. das Alegações de Recurso, as Recorrentes invocam a (inexistente) violação do Princípio da Proteção da Confiança, enquanto expressão de um mais amplo Princípio de Estado de Direito Democrático, ínsito no artigo 2.º da Constituição.

MMM. As Recorrentes apresentaram vários pedidos de reembolso, por referência a bens vendidos pela S…. à W….., com base em faturas emitidas em 2015 e 2016:
27 pedidos entre 13 de janeiro de 2017 e 9 de fevereiro de 2017; e
13 pedidos entre 16 e 24 de outubro de 2017.

NNN. Anteriormente a Recorrente S…… já reclamava para si esses valores nos Processos n.º 1056/16.0BESNT; 1192/16.2BESNT; 1513/16.8BESNT; 322/17.1BESNT; 1631/17.5BESNT.

OOO. Não existe nenhum impedimento à confiança ou de tutela jurisdicional efetiva como bem se vê pelo número de ações intentado pelas Recorrentes sobre as mesmas quantias, quer nos tribunais administrativos e fiscais como nos tribunais comuns.

VII.IV DA NÃO VIOLAÇÃO DA DIRECTIVA N.º 2001/29/CE

PPP. Não se suscitam quaisquer dúvidas quanto à conformidade e compatibilidade do n.º 5 do artigo 4.º da Lei da Cópia Privada com a Diretiva 2001/29/CE.

QQQ. Ao contrário do que alegam as Recorrentes, a Associação não condiciona o reembolso à entrega da totalidade dos documentos solicitados, mas apenas à prova de exportação.

RRR. À luz da citada Diretiva, as situações que podem justificar um reembolso dependem da verificação da efetiva operação de exportação, sob pena de ser a própria ratio da Diretiva a ficar defraudada e, nessa medida, sob pena de violação do Direito da União Europeia.

VII.V — DA SUPOSTA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTECÇÃO DA CONFIANÇA E DA PROPORCIONALIDADE: A DENOMINADA «PROIBIÇÃO DO EXCESSO»

SSS. A Lei da Cópia Privada é uma lei vigente e válida, devidamente aprovada pela Assembleia da República, no seguimento da transposição da Diretiva n.º 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001.

TTT. Não estamos sequer perante uma alteração legislativa da qual resultasse substancialmente a alteração do regime comprometendo a expectativa dos compradores dos equipamentos.

UUU. O pagamento da Compensação Equitativa não qualifica como sacrifício, nem tão pouco como sacrifício incomportável, como procura sustentar a tese peregrina das Recorrentes, atendendo ao número ilimitado de cópias privadas que o seu utilizador poderá realizar.

VVV. Pelo exposto, deverá, também quanto a esta alegação, o recurso ser julgado IMPROCEDENTE, atendendo à conformidade da Lei da Cópia Privada com os Princípios da Proteção da Confiança, Proporcionalidade e Proibição do Excesso, bem como o disposto na Diretiva n.º 2001/29/CE.

PEDIDO
Tudo termos em que solicita a V. Exas. que mantenham a decisão a quo no sentido da incompetência absoluta do Tribunal ou, caso assim não se entenda, o que por mero dever de patrocínio se equaciona sem conceder, que julguem o recurso totalmente improcedente com base no acima exposto, e no que demais entenderem por conveniente.”.
* *
O Exmº. Magistrado do Ministério Público teve vista nos autos.

* *
Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II – DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635°, n.° 4 e artigo 639°, n.°s 1 e 2, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente.

Assim, delimitado o objecto do recurso pelas conclusões das alegações das Recorrentes, a questão controvertida consiste em aferir se a sentença enferma de erro de julgamento ao ter julgado procedente a excepção dilatória de incompetência material do tribunal tributário, sendo que no demais, são questões alegadas pelas partes cujo conhecimento resultou prejudicado, pelo que a sua apreciação só ocorrerá caso assista razão às Recorrentes.

Decidindo.

III- FUNDAMENTAÇÃO

Nos presentes autos as Recorrentes apresentaram acção administrativa contra a ASSOCIAÇÃO PARA A GESTÃO DA CÓPIA PRIVADA (AGECOP), tendo por objeto a decisão de indeferimento que recaiu sobre os pedidos de isenção/reembolso pedindo a sua anulação e a sua substituição por outra que determinasse o deferimento dos pedidos de reembolso e a restituição à 2.ª Autora da compensação equitativa para a cópia privada indevidamente paga no valor de € 483.182,04.

O Tribunal Tributário de Lisboa decidiu que os tribunais tributários são materialmente incompetentes para a apreciação do litígio em virtude de não estarmos perante uma relação jurídico-tributária e, em consequência determinou a absolvição da instância.

Contra o assim decidido as Recorrentes reiteraram a competência material do tribunal tributário para conhecer o litígio quer pela natureza da matéria em causa – manifestamente jurídico-tributária – quer pelas partes envolvidas no litígio – no caso, o caráter público de actuação da AGECOP.

Sobre a questão a decidir nos presentes autos já se pronunciou este Tribunal no Acórdão de 03/10/2023- processo nº 1631/17.5BESNT, cujo entendimento sufragamos sem qualquer restrição tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cfr.artigo 8.º, n.º 3, do C.Civil) e que de seguida iremos transcrever, com as necessárias adaptações:
Sobre a questão ora em discussão, já se pronunciou o Tribunal de Conflitos, em Acórdão de 05.07.2023, prolatado no âmbito da consulta prejudicial n.º 4/22, cujo recorte fático apresenta grandes semelhanças com o dos presentes autos e que, por via disso, transcrevemos praticamente na íntegra.
Aí se decidiu:
“A..., S.A., identificada nos autos, deduziu no Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra impugnação judicial contra o acto de liquidação da "Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada" efetuada relativamente ao 2º Trimestre de 2019, emitido pela Associação para a Gestão da Cópia Privada (AGECOP), contra a decisão que recaiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira e contra o acto de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado à AGECOP.
A final, pede que seja:
"a) determinada a anulação da decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado à AGECOP; e,
b) determinada a anulação da liquidação consubstanciada no Aviso de Cobrança 103/2950, de 17 de julho de 2019, referente à Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada respeitante ao 2.º Trimestre de 2019, devolvendo-se à Impugnante o montante de € 2.322.788,67 (dois milhões trezentos e vinte e dois mil setecentos e oitenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos), acrescido dos respetivos juros indemnizatórios".
Alegou, em síntese, que é uma sociedade de direito português que prossegue, no âmbito do seu objecto social, a actividade principal de comercialização de produtos eléctricos e electrónicos, incluindo acessórios, peças, software, aplicações e outros conteúdos, bem como a prestação de serviços de instalação, reparação, suporte e manutenção e que, nos termos da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (Lei da Cópia Privada), a qual regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos ("CDADC"), a Impugnante encontra-se sujeita ao pagamento da "Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada".
Nessa medida, "foi notificada do ato tributário consubstanciado no Aviso de Cobrança 103/2950, de 17 de julho de 2019, referente à "Compensação Equitativa relativa à Cópia Privada" relativa ao 2.º Trimestre de 2019, emitido pela AGECOP” e procedeu ao pagamento do montante de 2.322.788,67€ (dois milhões trezentos e vinte e dois mil setecentos e oitenta e oito euros e sessenta e sete cêntimos).
Não se conformando, deduziu em 27.03.2020 um pedido de revisão oficiosa dirigido ao Presidente da Direcção da AGECOP e que, por dever de patrocínio e atenta a eventualidade de existir diferente entendimento quanto à competência para decidir, a Impugnante também apresentou na mesma data um pedido de revisão oficiosa junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.
A Autoridade Tributária e Aduaneira declarou-se incompetente para a sua apreciação, concluindo pela rejeição liminar do respectivo pedido. Uma vez que não foi notificada de qualquer decisão referente ao pedido dirigido à AGECOP, a Impugnante presumiu que se formou indeferimento tácito do mesmo em 27.07.2020.
Em suma, entende a Impugnante que a compensação prevista nos artigos 2.º e 3.º da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (Lei da Cópia Privada), com redacção dada pela Lei n.º 100/2017, de 23 de Agosto, é ilegal por violação do Direito Comunitário, designadamente da Directiva n.º. 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, e por violação dos princípios constitucionais da reserva à intimidade da vida privada, da liberdade de aprendizagem e da liberdade de informação, cultural e de entretenimento, bem como do princípio do Estado Fiscal, do princípio da protecção da confiança, do princípio da proporcionalidade e do princípio da igualdade.
Considera, ainda, que a "compensação equitativa para a cópia privada" tem uma natureza jurídico-tributária. Invoca que o seu regime encerra presunções inilidíveis, incorrendo, assim, em violação do princípio da capacidade contributiva.
A Autoridade Tributária e Aduaneira e a AGECOP contestaram e, além do mais, suscitaram a excepção da incompetência do Tribunal em razão da matéria.
Por despacho da Sra. Juíza do TAF de Sintra, de 14.07.2022, foi decidido suscitar a Consulta Prejudicial deste Tribunal dos Conflitos, ao abrigo do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, por se haver entendido - com os fundamentos do despacho de 07.06.2022 - que a questão da jurisdição competente levantava fundadas dúvidas.
Na sequência da notificação do despacho de 07.06.2022, a Impugnante afirmou nada ter a opor a que fosse submetida a este Tribunal dos Conflitos a questão da competência material.
Por seu turno, a AGECOP defendeu a desnecessidade da Consulta e pugnou pelo conhecimento da excepção invocada no sentido da incompetência material do Tribunal.
Remetidos os autos a este Tribunal dos Conflitos, face ao pedido de Consulta nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 91/2019, de 4 de Setembro, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 11.º daquele diploma.
Na sequência, a Impugnante veio pronunciar-se no sentido de ser considerado competente em razão da matéria o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra por força do disposto no artigo 1.º n.º s 1 e 3 da LGT, assim como dos artigos 1.º, n.º 1 e 49.º, n.º 1, al. a) do ETAF e 212.º n.º 3 da CRP, por entender que “a causa de pedir não versa sobre a temática relacionada com o Direito de Autor e com a aplicação do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, antes e tão só à avaliação da conformidade desta compensação com os princípios jurídico-tributários e constitucionais, deve entender-se que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra é competente, em razão da matéria, para apreciar o litígio que corre termos no processo de impugnação judicial.
(…) e que "não está em causa um debate sobre a interpretação jurídica de uma norma prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de setembro, alterada pela Lei n.º 49/2015, de 5 de junho, ou a matéria em causa está relacionada com a substância do Direito de Autor ou com a aplicação de disposições do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pelo que o artigo 111.º n.º 1, alínea k), da LOSJ não pode determinar a competência do Tribunal no caso em apreço".
Por sua vez, a AGECOP defendeu não existir necessidade de pronúncia no presente caso dado que "a competência da Jurisdição Administrativa e Fiscal para conhecer de litígios exatamente iguais aos presentes Autos mas referentes a outros períodos (...) já foi julgada 6 (seis) vezes, tendo-se sempre concluído pela competência dos Tribunais Comuns, mormente pelo Tribunal do Propriedade Intelectual", que num processo movido contra a Associação por outro Autor, no qual se discutia um tema relacionado com a não-cobrança da Compensação Equitativa, também o TAF do Porto considerou a Jurisdição Administrativa e Fiscal como incompetente e que o Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de recurso em processo, que identifica, no qual se visava precisamente a Compensação Equitativa, confirmou expressamente a competência dos tribunais comuns. A ser emitida pronúncia, acrescenta, deverá ser no sentido de considerar como competente a jurisdição comum, mormente o Tribunal de Propriedade Intelectual, dado que "ao se pretender a anulação das Compensações Equitativas com base em violação por parte da Lei da Cópia Privada, de diretivas comunitárias e da Constituição, a causa de pedir nos presentes Autos versa sobre o regime jurídico da Cópia Privada, mais concretamente sobre um aspeto essencial desse regime que é o relacionado com a criação e regulamentação da figura da Compensação Equitativa".
(…) Vejamos.
Cabe aos tribunais judiciais a competência para julgar as causas «que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional» [artigos 211º,n.º1, da CRP, 64.ºdo CPC e 40.º, n.º 1, da Lei n.º62/2013, de 26/8 (LOSJ)], e aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas «emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais» (artigos 212.º, n.º 3, da CRP e 1.º, n.º 1, do ETAF).
A competência dos tribunais administrativos e fiscais é concretizada no artigo 4.ºdo ETAF (Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro), com delimitação do "âmbito da jurisdição" mediante uma enunciação positiva (n.ºs 1 e 2) e negativa (n.ºs 3 e 4).
Tem sido reafirmado por este Tribunal, e constitui entendimento jurisprudencial e doutrinário consensual, que a competência material do tribunal se afere em função do modo como o Autor configura a acção e que a mesma se fixa no momento em que a acção é proposta.
Como se viu, está em discussão nos autos a legalidade da cobrança da quantia prevista no artigo 82.º (Compensação devida pela reprodução ou gravação de obras) do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDAC), aprovado pelo DecretoLei n.º63/85, de 14 de Março, com subsequentes alterações, que dispõe: "No preço de venda ao público de todos e quaisquer aparelhos mecânicos, químicos, eléctricos, electrónicos ou outros que permitam a fixação e reprodução de obras e, bem assim, de todos e quaisquer suportes materiais das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se, incluir-se-á uma quantia destinada a beneficiar os autores, os artistas, intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos", exceptuando-se apenas o caso daqueles aparelhos e suportes serem adquiridos “por organismos de comunicação audiovisual ou produtores de fonogramas e videogramas exclusivamente para as suas próprias produções ou por organismos que os utilizem para fins exclusivos de auxílio a diminuídos físicos visuais ou auditivos”.
Aquele artigo 82.º veio a ser regulado pela Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro (alterada pela Leis n.ºs 50/2004, de 24 de Agosto, 49/2015, de 05 de Junho, pelo Decreto-Lei n.º 100/2017, de 23 de Agosto e pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março), que estipula no artigo 2.º: “Com vista a beneficiar os autores, os artistas intérpretes ou executantes, os editores e os produtores fonográficos e videográficos, uma quantia é incluída no preço de venda ou disponibilização: a) De todos e quaisquer aparelhos que permitam a fixação de obras; b) Dos suportes materiais virgens digitais ou analógicos, com exceção do papel, previstos no n.º 4 do artigo 3.º, bem como das fixações e reproduções que por qualquer desses meios possam obter-se", estabelecendo o artigo 3.º, sob a epígrafe "Compensação equitativa", que:
"1 - A quantia referida no artigo anterior tem a natureza de compensação equitativa, visando compensar os titulares de direitos dos danos patrimoniais sofridos com a prática da cópia privada.
2 - Sempre que a utilização seja habitual e para servir o público mediante a prática de atos de comércio, o preço de venda ao público das fotocópias de obras, eletrocópias e demais suportes inclui uma compensação equitativa correspondente a 3 /prct. do valor do preço de venda, antes da aplicação do IVA, montante que é gerido pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.º
3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, e em ordem a permitir a sua correta exequibilidade, devem as entidades públicas e privadas que utilizem, nas condições supramencionadas, aparelhos que permitam afixação e a reprodução de obras e prestações, celebrar acordos com a entidade gestora referida no número anterior.
4 - No preço da primeira venda ou disponibilização em território nacional e antes da aplicação do IVA em cada um dos aparelhos, dispositivos e suportes analógicos e digitais que permitem a reprodução e armazenagem de obras, é incluído um valor compensatório nos termos da tabela anexa à presente lei e da qual faz parte integrante".
Nos termos do n.º 1 do artigo 6.º da Lei n.º62/98, de 1 de Setembro "A cobrança, gestão e distribuição da compensação equitativa a que se refere o artigo 3.ºincumbem à AGECOP - Associação para a Gestão da Cópia Privada, adiante designada entidade gestora, pessoa coletiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa, constituída por todas as entidades de gestão coletiva que em Portugal representam os autores, os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas, e os editores".
Aquela associação deve "afetar 20 /prct. do valor total das compensações equitativas percebidas para ações de incentivo à atividade cultural e à investigação e divulgação dos direitos de autor e direitos conexos" e, deduzidos os custos do seu funcionamento, em percentagem fixada consoante os casos "para os organismos representativos dos autores, para os organismos representativos dos editores, para os organismos representativos dos artistas, intérpretes ou executantes e para os organismos representativos dos produtores de fonogramas ou de videogramas” (artigo 7.º).
Previa-se, ainda, no artigo 5.º -A da mesma Lei, norma entretanto revogada pela Lei n.º 2/2020, de 31 de Março, que "A partir de 2015, em cada ano civil, caso o montante da compensação equitativa cobrado pela entidade gestora a que se refere o artigo 6.ºseja superior a 15 milhões de euros, o montante superior a esse valor constitui receita própria do Fundo de Fomento Cultural e destina-se a contribuir para financiar programas de incentivo à promoção de atividades culturais e à criação cultural e artística, com prioridade ao investimento em novos talentos".
A Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação - transposta pela Lei n.º 50/2004 de 24 de Agosto, que introduziu alterações ao CDADC e à Lei n.º 62/98 -, admite que os Estados membros possam estabelecer excepções ou limitações ao direito de reprodução previsto no artigo 2.ºda Directiva "em relação às reproduções em qualquer meio efectuadas por uma pessoa singular para uso privado e sem fins comerciais directos ou indirectos, desde que os titulares dos direitos obtenham uma compensação equitativa que tome em conta a aplicação ou a não aplicação de medidas de carácter tecnológico, referidas no artigo 6.º, à obra ou outro material em causa" (artigo 5.º).
A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), a propósito da interpretação da Directiva, tem considerado que o conceito de “compensação equitativa”, na acepção do artigo 5.º, n.º 2, alínea b), da Directiva 2001/29, é um conceito autónomo de direito da União, que deve assim ser interpretado de maneira uniforme em todos os Estados-Membros que tenham introduzido uma excepção e que decorre dos considerandos 35 e 38 da Diretiva 2001/29 que a concepção e o nível da compensação equitativa estão ligados ao prejuízo que resulta para o autor da reprodução da sua obra protegida, efectuada sem a sua autorização. Nesta perspetiva, a compensação equitativa deve ser vista como a contrapartida do prejuízo sofrido pelo autor.
Tendo em conta as dificuldades práticas para identificar os utilizadores privados e os obrigar a indemnizar os titulares do direito exclusivo de reprodução do prejuízo que lhes causam, o Tribunal admitiu ser permitido aos Estados-Membros instaurar, para efeitos do financiamento da compensação equitativa, uma «taxa por cópia privada», a cargo, não das pessoas privadas visadas, mas das que disponibilizam os equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução digital. No quadro desse sistema, é às pessoas que dispõem desses equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução que incumbe pagar a taxa por cópia privada e uma vez que o referido sistema permite que os devedores repercutam o montante da taxa por cópia privada no preço da disponibilização dos referidos equipamentos, aparelhos e suportes de reprodução ou no preço do serviço de reprodução prestado, o encargo da taxa é, em definitivo, suportado pelo utilizador privado que paga esse preço, e isto em conformidade com o«justo equilíbrio» a encontrar entre os interesses dos titulares do direito exclusivo de reprodução e os dos utilizadores de material protegido (cfr., entre outros, acórdãos de 21.10.2001, Padawan, C-467/08, de 16.06.2011, Stichting de Thuiskopie, C-462/09, de 11.07.2013, Amazon.com International Sales e o., C-521/11 e de 5.03.2015, Copydan Bândkopi, C-463/12).
Tal como é referido no processo, algumas normas da Lei n.º62/98 foram apreciadas pelo Tribunal Constitucional em processo de fiscalização abstracta sucessiva. No acórdão n.º 616/2003, o Tribunal Constitucional, sem tomar posição definitiva sobre a qualificação precisa da prestação pecuniária em causa, concluiu, com dois votos de vencido, "que, deva ou não ser rigorosamente caracterizada como imposto ou, antes, como receita coactiva "parafiscal", dele próxima, a "quantia" ou "remuneração" prevista na Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, deve ser tratada, do ponto de vista jurídicoconstitucional, no quadro da norma do artigo 103º, n.º2, da Constituição da República, que determina que caberá à lei determinar a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (e isto, portanto, apenas no plano da tipicidade e da legalidade tributárias, deixando em aberto a constitucionalidade material desta figura, para além destes parâmetros).
Por conseguinte, o montante da remuneração devida - que, grosso modo, se aproxima o
conceito de "taxa" do imposto - teria de ser fixado por lei, não podendo sê-lo, como se prevê no artigo 3º, n.º 1 da Lei n.º 62/98, através de despacho conjunto dos Ministros das Finanças e da Cultura, ou, nos termos do n.º 2 desse mesmo artigo 3º, através de acordo entre a associação criada pelo artigo 6º da Lei n.º 62/98 e as entidades públicas ou privadas que utilizem aparelhos que permitam a fixação e a reprodução de obras e prestações" tendo decidido "declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas do artigo 3º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 62/98, de 1 de Setembro, por violação do artigo 103º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa".
Em consequência foi alterada a Lei da Cópia Privada, através da Lei n.º 50/2004, de 24 de Agosto, passando o artigo 3.º a prever directamente as quantias a incluir no preço de venda ao público das compensações equitativas.
Também a doutrina se tem debruçado sobre a natureza jurídica da “compensação equitativa” com posições nem sempre coincidentes (cfr. a resenha feita em Compensação equitativa por cópia privada digital, Mariana Mourão Reis, in Revista Electrónica de Direito, Fev. 2019, pag. 24 e ss).
Todavia, para aferir a competência jurisdicional, importa saber se estamos perante uma relação jurídica fiscal porque, como se disse, cabe aos tribunais administrativos e fiscais a competência para julgar as causas "emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".
O Supremo Tribunal Administrativo tem entendido (acórdão de 03.02.2016, proc. 0862/15) que o conceito de relação jurídica tributária "além de ter definição legal no nº 2 do art. 1º da LGT (é a relação estabelecida entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas) e de ter indicadas (no nº 2 do mesmo art.1º) as entidades da AT que podem figurar como sujeitos dessa relação, também tem o seu objecto normativamente especificado: dispõe-se no art. 30º da LGT que integram a relação jurídica tributária, o crédito e a dívida tributários; o direito a prestações acessórias de qualquer natureza e o correspondente dever ou sujeição; o direito à dedução, reembolso ou restituição do imposto; o direito a juros compensatórios; o direito a juros indemnizatórios (...) Daí que, (...) se deva considerar como consolidado o entendimento jurisprudencial no sentido de que constitui questão fiscal, aquela cuja apreciação e resolução exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, inscritas no domínio da actividade tributária da administração (Além do citado ac. do STA, Plenário, de 29/1/2014, proc. nº 01771/13, cfr., igualmente, os acs. do Plenário, de 21/3/2012, proc. nº 189/11; de 27/5/2009, proc. nº 119/08; de 2/4/2009, proc. nº 987/08)".
E no acórdão de 04.12.2019, Proc. 01898/14.0BELRS, o Supremo Tribunal Administrativo afirmou que "(...) deve entender-se por "questão fiscal", aquela que, de qualquer forma, imediata ou mediata, faça apelo à interpretação e aplicação de norma de direito fiscal com atinência ao exercício da função tributária da Administração ou à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos. Sendo assim "questão fiscal" aquela que emerge de resolução autoritária que imponha o pagamento de prestações pecuniárias com vista à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositivos (cfr. Casalta Nabais in, “Direito Fiscal”, 2.ª edição, pág. 366). Ou, por outras palavras, está-se perante "questão fiscal" "quando a mesma diga respeito à interpretação e aplicação de normas legais de natureza tributária, ou seja, se refira a uma resolução autoritária que negue direito a não pagamento ou que imponha o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação dos encargos públicos do Estado ou de outras pessoas coletivas públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que com elas estejam objetivamente conexas ou teleologicamente subordinadas" (vide, Acórdão do TCA Norte de 25/11/2011, Proc. 02750/10.4BEPRT, in www.dgsi.pt/jtcan)".
O Tribunal dos Conflitos também considerou, citando decisões do Supremo Tribunal Administrativo, que por "questões fiscais, deve entender-se tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como também das que as dispensem ou isentem, ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos." (cfr. acórdão de 25.09.2014, Proc. 029/14, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, o que está em discussão no presente processo não respeita a uma relação jurídica tributária mas a uma relação jurídica privada.
De facto, a AGECOP é uma pessoa colectiva, sem fins lucrativos, de natureza associativa, constituída por todas as entidades de gestão colectiva que em Portugal representam os autores, os artistas, intérpretes e executantes, os produtores de fonogramas, os produtores de videogramas, e os editores e que tem por objecto cobrar, gerir e distribuir as quantias pagas a título de “compensação equitativa".
As quantias por ela cobradas destinam-se a compensar os titulares dos direitos de autor, sujeitos privados, pelos danos sofridos com a excepção da cópia privada, e não a satisfazer encargos públicos.
Em suma, não estamos perante uma relação jurídica tributária. A matéria em causa nos presentes autos refere-se a cobrança de receitas de natureza privada e as partes em litígio são ambas de natureza privada, não integrando qualquer delas a administração tributária. Está em discussão uma relação jurídica privada que não cabe na esfera de competência dos tribunais tributários.
Por outro lado, extrai-se da leitura do requerimento inicial que a Impugnante pretende a anulação das quantias pagas a título de compensação equitativa, com fundamento em alegadas ilegalidades da Lei 62/98 que regula o disposto no artigo 82.º do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos. Daí resulta que a causa de pedir no presente processo versa questões relativas ao regime jurídico da cópia privada e, nessa medida, a sua apreciação cabe na competência dos tribunais judiciais”. (fim de citação)

Perante a jurisprudência acima transcrita, com a qual concordamos, e sem necessidade de mais considerações, julgamos improcedentes os fundamentos invocados pelas Recorrentes, sendo de negar provimento ao recurso mantendo a sentença recorrida.

Da condenação em custas

Nas causas de valor superior a € 275.000,00 a regra continua a ser o pagamento integral da taxa de justiça resultante da aplicação dos critérios legais, assumindo natureza excepcional a dispensa, pelo juiz, de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais.
Tal dispensa – total ou parcial – só deverá ocorrer em situações de manifesto desequilíbrio entre o montante a pagar e a actividade desenvolvida pelo tribunal, o que se entende verificar.
Como tal, ponderando, a complexidade da matéria jurídica e o número de questões colocadas e, atendendo à actuação das partes e ao valor do processo, que é de € 483.182,04, justifica-se a dispensa total de pagamento do remanescente de taxa de justiça.

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Subsecção Tributária Comum deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelas Recorrentes, com dispensa do remanescente da taxa de justiça.


Lisboa, 19 de Outubro de 2023

Luisa Soares
Tânia Meireles da Cunha
Jorge Alexandre Trindade Cardoso Cortês