Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 635/12.9BELRS |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 05/18/2023 |
Relator: | HÉLIA GAMEIRO SILVA |
Descritores: | REFORMA QUANTO A CUSTAS |
Sumário: | I - O critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. II - No atual regime de custas processuais, implementado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, a lei não prevê a condenação da parte vencida a final no pagamento de custas da ação e do recurso. |
Votação: | Unanimidade |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
I – Relatório A Fazenda Pública, notificada do acórdão proferido por este Tribunal vem requerer a sua reforma, quanto a custas e retificação de erros materiais, nos termos do disposto nos artigos 614.° n.° 1; 607.°, n.° 6; 616.° n.° 1 e 666.° n.º 1 todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi da al e) do artigo 2° do CPPT, por considerar que tendo sido concedido provimento parcial ao recurso da Fazenda Pública, essa situação não se mostra refletida no segmento decisório de condenação em custas onde foi integralmente condenada. O pedido de reforma apresenta os seguintes fundamentos: “1. No douto Acórdão do TCA Sul de 30/03/2023, ora notificado a Fazenda Pública, constata-se que foi concedido provimento parcial ao recurso da Fazenda Pública, contudo no que respeita ao segmento da condenação em custas, não foi refletido esse vencimento parcial da FP e foi esta condenada integralmente nas custas do recurso. 2. Por outro lado, com a procedência parcial do recurso da Fazenda Pública, igualmente, se verifica que tal facto implicará a alteração do decaimento fixado na sentença proferida em 1a instância. 3. Devendo as custas do recurso da Fazenda Pública (e da Impugnação) ser repartidas pela recorrente e pela recorrida na proporção do respectivo decaimento. 4. Com efeito, no seu recurso a Fazenda Pública veio, como decorre, aliás do elencado a fls. 32 do douto acórdão, ora notificado, colocar em crise o decidido em sede de sentença quanto a anulação da liquidação na parte que respeitava as correções referentes a I- Desconsideração de custos relacionados com as sociedades M....., Lda (no montante de € 148.000,00, cf. ponto 10 do probatório, e fls 37 da sentença de ia instância em "a.)" da parte decisória) e II- C....., Lda (no montante de € 408.664,00, cf. ponto 10 do probatório e fls 37 da sentença de 1a instância em "a.)" da parte decisória) III- Tributação autónoma, no montante de € 132,775,00 (cf. ponto 21 do probatório) IV- Desconsideração de custos financeiros, no montante de € 18.311,90 (cf. pontos 25 e 26 do probatório e fls 37 da sentença de 1a instância em ”c)" da parte decisória) 6. No que se refere a correção referente a Tributação Autónoma (sobre despesas inexistentes), não obstante em primeira instância se haver decidido que se deveria manter a liquidação na parte em que não aceita os custos no valor de € 265.549,99 (cf. fls 37 da sentença, "b)"), verifica-se que na sentença foi anulada a liquidação no que respeita a Tributação Autónoma. 7. Esta anulação da liquidação no que respeita a Tributação Autónoma no montante de € 132.775,00, decidida em 1a instância, foi colocada em causa no recurso da FP, tendo o Acórdão, ora notificado a FP, mantido a anulação decidida em 1a instância, sendo, pois, o recurso improcedente a este respeito. 8. De igual modo, foi, em sede de recurso, negado provimento a pretensão da FP de que deveria ser mantida a correção da inspecção tributária referente ao valor de € 18.311,90 respeitante a custos financeiros (mantendo-se a decisão de 1a instância que determinara que deveriam ser aceites e anulada a liquidação na parte correspondente). 9. Em suma, o recurso da Fazenda Pública foi improcedente quanto a tributação autónoma de € 132.775,00 e quanto à correção à matéria coletável no montante de € 18.311,90 10. Todavia, no que respeita às correções à matéria coletável decorrentes da desconsideração de custos relacionados com as sociedades M....., Lda (no montante de € 148.000,00) e C....., Lda (no montante de € 408.664,00), verifica-se que a sentença determinou a anulação da liquidação "não enquanto desconsideração da falsidade dessa faturação, mas na medida em que depois foi omitido o recurso a métodos indirectos para apurar, então, os custos dessas obras em que as facturas se inscreveriam." 11. E quanto a estas correcções à matéria colectável, nos montantes de € 148.000,00 e de € 408.664,00, o recurso da Fazenda Pública foi procedente, como decide o douto Acórdão do TCA Sul, ora notificado, que decidiu revogar a decisão recorrida, nesta parte que considera que houve omissão de recurso a métodos indiretos, e que decidiu que no demais se mantém a sentença recorrida. 12. Sendo o recurso da Fazenda Pública parcialmente procedente, nos termos referidos, solicita-se que as custas em sede de recurso, e em sede de impugnação sejam determinadas para as partes na proporção do respetivo decaimento. 13. Mais se solicitando, que o Douto Acórdão seja retificado, de forma a constar no mesmo a proporção do decaimento das partes no processo de impugnação judicial e no recurso da Fazenda Pública para o TCA Sul, 14. Isto porque, segundo o n.° 6 do art.° 607.°, do Código de Processo Civil (CPC) a decisão final que determine a condenação em custas processuais deve indicar a proporção da respetiva responsabilidade no processo. Termos em que se requer: 1. A fixação da proporção do decaimento para a Impugnante e Fazenda Pública quer no recurso para o TCA Sul, quer na impugnação, cf. art. 614° n.° 1 e 607° n.° 6 do CPC e 2. A reforma quanto a custas do Acórdão, cf. art. 616° n.° 1 do CPC, na parte em que condena apenas a Fazenda Pública nas custas do recurso, de forma a que as custas sejam sejam determinadas para as partes na proporção do respetivo decaimento (quer no recurso quer na impugnação). “ »« Notificada a parte contrária, nada disse. »« »« Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir em conferência.
II – Questões a decidir Impõe-se agora ao Tribunal apreciar e decidir o pedido de reforma, devendo para o efeito, apreciar se se verificam preenchidos os respetivos pressupostos para o seu deferimento.
III – Fundamentação Dos factos Com interesse para a decisão a proferir é de atender ao seguinte circunstancialismo processual: 1. Os autos respeitam a impugnação judicial que versa sobre a liquidação adicional de IRC do exercício de 2006; 2. A impugnação foi julgada por sentença proferida em 30/07/2018 que a julgou parcialmente procedente nos seguintes termos: “Por todo o exposto, julgamos esta impugnação de S....., S. A, da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas, relativa ao seu exercício de 2006, de 5 de julho de 2010, com o n°[2G10]8310003791 e conexos atos de liquidação de juros, derrama e demais adicionamentos e adicionais, parcialmente procedente, porque só parcialmente provada; e, assim, ao abrigo e nos termos do disposto no art. 163°n.os 1, 2 e 3 do Código do Procedimento Administrativo: a) anulamos ambas correções integradas na liquidação, relativas à desconsideração de custos de obras faturados em nome da sociedade M....., L.da, não aceites como custos fiscais, no valor de €148.00,00 e da sociedade C....., L.da, não aceites como custos fiscais, no valor de €408.664,00, não enquanto desconsideração da falsidade dessa faturação, mas na medida em que depois foi omitido o recurso a métodos indiretos para apurar, então, os custos dessas obras em que as faturas se inscreveriam; b) anulamos a tributação autónoma sobre despesas inexistentes [e sem documentação de suporte], conexa à liquidação impugnada, mantendo-se embora a sua não aceitação como custo fiscal, no valor de €265.549,99; c) anulamos a correção integrada na liquidação impugnada, relativa à desconsideração de encargos financeiros não aceites como custos fiscais, no valor de €18.311,90; d) anulamos, na mesma medida que a liquidação impugnada, a decisão proferida em recurso hierárquico; e e) condenamos a Fazenda Pública a restituir à Impugnante o imposto que coercivamente lhe foi cobrado com base na liquidação impugnada, na medida da anulação parcial desse ato, bem como a pagar-lhe, na mesma proporção dessa restituição, juros indemnizatórios sobre cada um dos pagamentos coercivos parcelares, desde a sua ocorrência e até à emissão da nota de restituição correspondente. Com as custas arcam a Impugnante e a Fazenda Pública, na proporção do respetivo decaimento, o qual fixamos em metade para cada uma, dispensando-se ambas do pagamento da taxa de justiça remanescente, atenta a linearidade do seu proceder ao longo deste processo, a despeito das críticas feitas à petição inicial, considerando ainda que na mediana complexidade da causa se não justifica essa tributação adicional, ao abrigo e nos termos do art.6°n°7 do Regulamento das Custas Processuais.” 3. Inconformada a Fazenda Publica veio recorrer por considerar quanto à condenação em custas e à fixação na proporção do decaimento. 4. Por acórdão proferido em 30 de março último, foi concedido parcial provimento ao recurso da Fazenda Publica e determinada a revogação da decisão recorrida “apenas na parte que considera que houve omissão de recurso a métodos indiretos”. 5. A recorrente (FP) foi condenada em custas “com a manutenção da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos em que foi decidida na sentença.”
Da apreciação do pedido A recorrente FAZENDA PÚBLICA, vem, ao abrigo do disposto no n.° 1 do artigo 614.°, n.° 6 do artigo 607.°, n.° 1 do artigo 616.° e n.° 1 do artigo 666.°, todos do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da al. e) do artigo 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), requerer a reforma quanto a custas do acórdão exarado em 30/03 último. Sustenta a FP que a decisão a rever deve ser alterada no sentido de: 1. A fixação da proporção do decaimento para a Impugnante e Fazenda Pública quer no recurso para o TCA Sul, quer na impugnação, cf. artigo 614° n.° 1 e 607° n.° 6 do CPC e 2. A reforma quanto a custas do Acórdão, cf. Artigo 616° n.° 1 do CPC, na parte em que condena apenas a Fazenda Pública nas custas do recurso, de forma a que as custas sejam determinadas para as partes na proporção do respetivo decaimento (quer no recurso quer na impugnação). Vejamos então, encetando pela análise do respetivo regime. Decorre, desde logo do n.º 6 do artigo 607.º do CPC - aplicável aos recursos, em conformidade com o disposto no n.º 2 do artigo 663.º, do mesmo diploma legal - o acórdão condena nas custas do processo a parte (ou as partes) que lhe tenham dado causa, de acordo com as regras dos artigos 527.º a 541.º. Emerge, por seu lado, do artigo 527.º do CPC que (1) a decisão que julgue a ação, alguns dos seus incidentes ou recursos condenará em custas a parte que a elas houver dado causa, ou não havendo vencimento da ação, a quem do processo tirou proveito, sendo certo que (2) se entende que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. Escoa assim, da norma citada, que o critério de distribuição da responsabilidade pelas custas assenta no princípio da causalidade e, subsidiariamente, no da vantagem ou proveito processual. Neste sentido, acolhemos o que a este respeito se disse no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em 06/02/2020 no processo n.º 2775/19.4T8FNC-A.L1-2 donde, por concordância e facilidade e transcreve o seguinte: «(…) Porém, adiantamos, nesta parte não lhe assiste razão, e isto, desde logo, porque de acordo com as regras gerais Regulamento das Custas Processuais os recursos são considerados como processos autónomos. Com efeito escoa do n.º 2 do artigo 1.º do referido Regulamento que, para os efeitos ali previstos “considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria.” Assim, e como escreveu Salvador da Costa, no blogue do IPPC, em comentário ao Ac. da RE de 2.10.2018 (publicado em Jurisprudência 2018 (160), “… para efeitos da responsabilização do recorrente ou do recorrido, conforme os casos, pelo pagamento de custas, os recursos funcionam como se fossem ações. No regime de custas atual, implementado pelo Decreto-Lei nº 34/2008, de 26 de fevereiro, a lei não prevê a condenação da parte vencida a final no pagamento de custas da ação e do recurso. Essa previsão legal, se existisse, não faria muito sentido, porque se condenava, numa autónoma espécie processual presente, um sujeito incerto que viesse a decair em autónoma espécie processual futura, decaimento esse também incerto. Dito isto e tendo presente que a sentença recorrida não foi na parte referente à condenação em custas, contestada, tornou-se caso julgado, como bem refere, no seu parecer, a Exma. Procuradora Geral Adjunta. Não tem assim razão a Fazenda Pública, ora Requerente, quanto à questão da repartição custas em 1ª instância. Por ter decaído na sua pretensão de reforma a apelante é, nesta parte, responsável pelas respetivas custas (artigo 527º, nº 1 e 2 do CPC). Pelo exposto, acorda-se em deferir parcialmente a peticionada reforma de acórdão.
IV - DECISÃO Termos em que, acordam em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em atender parcialmente o pedido de reforma do acórdão proferido nos presentes autos no segmento em que condenou a Fazenda Pública em custas, passando a nele constar “Custas pela recorrente, na proporção do decaimento com a manutenção da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos em que foi decidida na sentença”. Custas da reforma pela recorrida, fixadas em 50%. Notifique. Lisboa, 18 de maio de 2023 Hélia Gameiro Silva - Relatora Ana Cristina Carvalho – 1ª Adjunta Isabel Fernandes – 2ª Adjunta (Com assinatura digital) (1)Vide neste sentido o acórdão do STJ proferido em 12/01/2021 no processo n.º 90/17.1T8FNC.L1.S1, consultável na internet na pag. da dg |