Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2136/11.3BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:DESPACHO DE REVERSÃO
DIREITO DE AUDIÇÃO
PRINCÍPIO DO APROVEITAMENTO DOS ACTOS
Sumário:I - O direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária.
II - De acordo com o princípio do aproveitamento do acto, tal só ocorrerá se o interessado na prática do direito omitido não dispuser de qualquer elemento novo que pudesse ter influenciado a decisão que foi tomada com preterição desse direito.
III - Lidos os despachos de reversão e as informações que os precederam, não corresponde à verdade o entendimento da Recorrente segundo o qual “o OEF elaborou informação onde é feita uma análise crítica aos argumentos explanados, assim como ponderou a não audição das testemunhas arroladas”, pois dos mesmos não consta qualquer alusão à (des)necessidade da inquirição das testemunhas arroladas, o que demonstra que tal ponderação não teve lugar.
IV – No caso, a participação do potencial revertido na fase anterior à reversão era susceptível de contribuir para a alteração do projeto de decisão, na fase do procedimento de reversão, através da junção de elementos de prova e/ou requerendo a produção de outros.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul


I – RELATÓRIO


A Fazenda Pública, dizendo-se inconformada com a sentença do Tribunal do Tribunal Tributário de Lisboa que, atenta verificação da preterição do direito de audiência prévia, julgou procedente a oposição, determinando a anulação dos despachos de reversão respeitantes a V... e G..., proferidos no âmbito do processo de execução fiscal nº3344200701... e apensos, contra eles revertido, depois de originariamente instaurado contra a sociedade “V... - F..., Lda.”, com vista à cobrança coerciva de dívidas de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) dos anos de 2005 e 2006, dela veio recorrer.

Em sede de alegação, formulou as seguintes conclusões:

«I. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou procedente a oposição deduzida, em coligação, por V... e G... à execução fiscal n.º 3344200701... e apensos, contra si revertida e instaurada originariamente contra a sociedade “V... - F..., Lda.”, por dívidas de IVA, dos períodos de tributação de 2005 e de 2006, alegando, entre o mais, que o despacho de reversão é nulo por preterição do direito de audição prévia, porquanto o serviço de finanças de Lisboa 11 não considerou a resposta que apresentaram.

II. A Fazenda Pública considera que a douta decisão do Tribunal a quo ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correta apreciação da matéria de facto relevante no que concerne à aplicação do nº7 do artigo 60º da LGT.

III. Vem a douta sentença decidir que, no caso sub judice, a inquirição das testemunhas indicadas pelos Oponentes e os eventuais factos apurados na sequência da sua audição, era suscetível de influenciar e de alterar as decisões de reversão do processo de execução fiscal aqui em causa, não se afigurando indiscutível que as decisões finais adotadas, e nos exatos termos em que foram, constituíssem as únicas legalmente possíveis.

IV. Contudo fico provado nos autos que, “A sociedade «V... - F..., Lda.» tem por objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos de vestuário e de meias similares de malha e obriga-se com a assinatura de um gerente - cf. certidão permanente a fls. 44 e 45 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos; 2. Em 02/10/2001, os Oponentes foram designados gerentes da sociedade referida no ponto anterior” – cfr., factos 1 e 2, do ponto “IV. Fundamentação”.

V. Da mesma forma resultou provado que: “6. O Oponente V... assinou, na qualidade de representante legal da sociedade «V... - F..., Lda.», a declaração de inscrição no registo/início de actividade de 02/10/2001 e as declarações de alterações de 12/07/2002, de 08/01/2003 e de 31/03/2005 - cf. declarações a fls. 67 a 74 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos; 7. A Oponente G... assinou, na qualidade de representante legal, da sociedade «V... - F..., Lda.», a declaração de alterações de 01/05/2005 - cf. declaração a fls. 75 e 76 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;”

VI. Não ignoramos que o exercício do direito de audição em sede de reversão possui dois efeitos fundamentais: numa primeira hipótese, o visado poderá demonstrar, desde logo, perante a Administração Tributária que não existe qualquer fundamento para a pretendida reversão e, em consequência, o processo será extinto. Ou então a Administração Tributária não retira qualquer ilação da audição prévia realizada e faz prosseguir o processo de reversão.

VII. Ao contrário do entendimento do tribunal a quo, a Administração Tributária ponderou a argumentação exposta pelos oponentes aquando do exercício do direito de audição, como, aliás, aquele tribunal reconhece ao dar como assente no ponto 17 do probatório que, na sequência daquele exercício, o OEF elaborou informação onde é feita uma análise crítica aos argumentos explanados, assim como ponderou a não audição das testemunhas arroladas.

VIII. Ao Órgão da Execução Fiscal era exigível que possibilitasse ao responsável subsidiário a possibilidade de conhecer o projeto de reversão e sobre ele se pronunciar ao abrigo do direito de audição prévia. Só após findo o prazo de audição podia ser tomada uma decisão respeitante à reversão, a partir dos elementos coligidos, independentemente de o interessado ter feito uso do seu direito ou não. O que sucedeu.

IX. Todavia, ao abrigo do princípio do inquisitório, reuniu o órgão de execução fiscal prova bastante para preencher os pressupostos da reversão da execução fiscal, designadamente, prova do exercício da gerência e facto e da insuficiência económica da sociedade devedora originária, sendo certo que os oponentes apenas colocaram em crise este facto.

X. Vale isto por dizer que, a preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente.

XI. Independentemente do alegado, ainda que tivesse sido cometido vício decorrente da não audição das testemunhas (o que não se concebe), sempre diríamos que mesmo que as testemunhas tivessem sido ouvidas, o seu depoimento não tinha a virtualidade de mudar o rumo da decisão.

XII. Impõe-se retirar, que ainda que alguma preterição de formalidade houvesse pelo facto de não terem sido ouvidas as testemunhas (que não existe), há que apelar à doutrina do aproveitamento do acto, utile per inutile vitiatur – que vem defendida por Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado volume 1 (anotação 19 ao artigo 45º) e tem tido o acolhimento da jurisprudência.

XIII. Transpondo a visão jurisprudencial da doutrina do aproveitamento do ato para os presentes autos, temos que, ainda que fossem ouvidas as testemunhas arroladas, o conteúdo decisório não poderia ser diferente, devendo este ato manter-se na ordem jurídica.

XIV. Há que ter na devida conta que os factos apreciados são suscetíveis de ser provados por documentos, não fazendo sentido apelar à prova testemunhal que vai contender com a natureza urgente do processo e que deve ser admitida somente em situações devidamente justificadas, em conformidade com a prevalência da prova documental nos termos do artigo 170º do CPPT.

XV. Aliás como já foi antes dito, não é a prova testemunhal apta, per si a comprovar os factos alegados pelos Oponentes ora Recorridos para efeitos da prova do não exercício da gerência quando constam dos autos documentos assinados em nome e em representação da sociedade devedora originária.

XVI. Atento que, apesar de não existir uma proibição absoluta de se apresentar e produzir prova testemunhal, é a Administração Tributária que tem a liberdade de em cada caso concreto decidir se tal meio de prova é ou não necessário à decisão do incidente. E, no caso concreto, entendeu o órgão de execução fiscal ter reunido prova bastante do exercício da gerência por parte dos ora Recorridos, dispensando, assim, a produção de prova testemunhal em sede do exercício do direito de audição prévia.

XVII. Deste modo, e tendo presente a realidade em análise e de todos os elementos constantes do probatório, considera a Fazenda Pública, contrariamente ao doutamente decidido, que a atuação da Administração Tributária foi no estrito cumprimento dos artigos 23º, n.º 4, e 60º, n.º 7, da LGT.

TERMOS EM QUE, CONCEDENDO-SE PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DEVE A DOUTA SENTENÇA, ORA RECORRIDA, SER REVOGADA, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!»


*


Os Recorridos, formalizam contra-alegação, com o seguinte quadro conclusivo:

«1 - A sentença recorrida julgou a Oposição à Execução procedente, e em consequência, anulou os despachos de reversão e absolveu os oponentes da instância executiva.

2 - Ao abrigo do regime ínsito no artigo 24º da LGT é pressuposto da responsabilidade subsidiária o exercício de facto da gerência, cuja prova impende sobre a Autoridade Tributária, enquanto entidade que ordena a reversão da execução.

3 - É gerente de facto quem, actuando em nome de uma sociedade, pratica actos tendo em vista a concretização do objecto social daquela, III Nos termos do artigo 23º n.º4 da LGT a reversão, mesmo nos casos em que exista presunção de culpa, é precedida da audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seu pressupostos e extensão a incluir na citação.

4 - A audição do responsável subsidiário é a concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões ou deliberações que lhe digam respeito consagrado no n.º 4 do artigo 267º da CRP tendo a sua densificação no artº100 do CPA, art.º 60º da LGT e art.º 23º nº4 do CPPT.

5 - Destinando-se a audiência dos interessados a permitir a sua participação nas decisões que lhes digam respeito (cfr. art. 267º, nº 5, da CRP), contribuindo para um cabal esclarecimento dos factos e uma mais adequada e justa decisão, a omissão dessa audição constitui preterição de uma formalidade legal conducente à anulabilidade da decisão (cfr. art. 163º, nº 1, do CPA), a menos que seja manifesto que esta só podia, em abstracto, ter o conteúdo que teve em concreto e que, por isso se impunha, o seu aproveitamento pela aplicação do princípio geral do aproveitamento do acto administrativo.

6 - A possibilidade de aplicação do princípio do aproveitamento do acto exige, assim, um exame casuístico, de análise das circunstâncias particulares e concretas de cada caso, com vista a aferir, num juízo de prognose póstuma, se se está ou não perante uma situação de absoluta impossibilidade de a decisão do órgão de execução fiscal ser influenciada pela participação do interessado.

7 - Sendo controvertido o exercício de facto da gerência pelos responsáveis subsidiários, a inquirição das testemunhas por eles requerida no exercício do seu direito de audiência prévia constitui “diligência complementar conveniente” de instrução do procedimento (artigo 104.º do CPA, subsidiariamente aplicável ao procedimento tributário), que, não tendo sido realizada sem que para tal a Administração Tributária apresente justificação, gera a anulabilidade do despacho de reversão que foi proferido, uma vez que, não pode afirmar-se que a participação do interessado não poderia influir na decisão.

8 - Destarte, o despacho que determinou o prosseguimento dos autos para reversão padece de vício de forma, por preterição de formalidade essencial, (art. 60º, nº 7, da LGT) uma vez, que não emitiu pronúncia sobre necessidade ou desnecessidade de inquirição das testemunhas arroladas em sede de audição prévia.

9 - Não merece pois a douta sentença recorrida qualquer censura.

Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida nos seus precisos termos e com as legais consequências.

Assim decidindo, farão V.Ex.ªs, Venerandos Desembargadores, a habitual

JUSTIÇA


*


O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

*


II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. A sociedade «V... - F..., Lda.» tem por objecto social o fabrico, comércio, importação e exportação de artigos de vestuário e de meias similares de malha e obriga-se com a assinatura de um gerente - cf. certidão permanente a fls. 44 e 45 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

2. Em 02/10/2001, os Oponentes foram designados gerentes da sociedade referida no ponto anterior - cf. certidão permanente a fls. 44 e 45 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

3. Em 11/08/2006, a Oponente G... renunciou à gerência da sociedade «V... - F..., Lda.» - cf. certidão permanente a fls. 44 e 45 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

4. Em 15/05/2007, o Oponente V... renunciou à gerência da sociedade «V... - F..., Lda.» - cf. certidão permanente a fls. 44 e 45 da cópia do processo de execução fiscal apenso aos autos;

5. Em 15/05/2007, foi designado como gerente da sociedade «V... - F..., Lda.» M... - cf. certidão permanente a fls. 44 e 45 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

6. O Oponente V... assinou, na qualidade de representante legal da sociedade «V... - F..., Lda.», a declaração de inscrição no registo/início de actividade de 02/10/2001 e as declarações de alterações de 12/07/2002, de 08/01/2003 e de 31/03/2005 - cf. declarações a fls. 67 a 74 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

7. A Oponente G... assinou, na qualidade de representante legal, da sociedade «V... - F..., Lda.», a declaração de alterações de 01/05/2005 - cf. declaração a fls. 75 e 76 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

8. Em nome da sociedade «V... - F..., Lda.», foram emitidas as seguintes certidões de dívida:
Número Data Tributo Valor
2008/218699 06/09/2008
IVA - 04/2005 - 06/2005
€2.990,64
2008/218700 06/09/2008
IVA - 07/2005 - 09/2005
€1.160,46
2008/218701 06/09/2008
IVA - 10/2005 - 12/2005
€6.139,24
2008/218702 06/09/2008
IVA - 01/2006 - 03/2006
€2.432,39
2008/218703 06/09/2008
IVA - 04/2006 - 06/2006
€2.458,38
2008/218704 06/09/2008
IVA - 07/2006 - 09/2006
€1.636,55
2008/218705 06/09/2008
IVA - 10/2006 –
12/2006
€2.829,17
- cf. certidões de dívida a fls. 36 a 42 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

9. O serviço de finanças de Lisboa 11 instaurou o processo de execução fiscal n.º 34420080... contra a sociedade «V... - F..., Lda.» para a cobrança coerciva das dívidas referidas no ponto anterior – cf. certidões de dívida e autuações a fls. 35 a 42 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

10. O processo de execução fiscal referido no ponto anterior foi apensado ao processo de execução fiscal n.º 3344200701... - cf. autuação a fls. 34 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

11. O serviço de finanças de Lisboa 11 elaborou, no âmbito dos processos de execução fiscal referidos nos pontos 9. e 10., a seguinte informação: «(...), em face das diligências processuais que antecedem, não são conhecidos bens penhoráveis à executada. (...) de acordo com os elementos constantes dos autos, a executada teve os seguintes órgãos sociais: Gerente/Administrador: V... (...) Data Início: 2001-10-02 Data Fim: 2007-05-15; G... (...) Data Início: 2001-10-02 Data Fim: 2006-08-11; (...)» - cf. informação, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 46 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

12. Em 23/03/2011, a chefe do serviço de finanças de Lisboa 11 determinou a preparação da reversão dos processos de execução fiscal n.º 3344200701... e apensos contra o Oponente V... por se ter apurado o seguinte: «Em face das diligências que antecedem, nomeadamente da consulta ao Sistema Informático de Penhoras Automáticas (...) verifica-se a inexistência de bens penhoráveis à executada (...) estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n.º 2 do art. 153º do CPPT para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários (...). (...). Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos de constituição da responsabilidade subsidiária (...) temos que é (são) (solidariamente) responsável(is) pelo pagamento das dívidas discriminadas em anexo: V... (...) responde pelo pagamento de €19.646,83 relativo ao seu período de gerência. (...)» - cf. despacho, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e lista anexa a fls. 47 e 48 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

13. Em 23/03/2011, a chefe do serviço de finanças de Lisboa 11 determinou a preparação da reversão dos processos de execução fiscal n.º3344200701... e apensos contra a Oponente G... por se ter apurado o seguinte: «Em face das diligências que antecedem, nomeadamente da consulta ao Sistema Informático de Penhoras Automáticas (...) verifica-se a inexistência de bens penhoráveis à executada (...) estão pois verificadas as condições previstas nos termos do n.º 2 do art. 153º do CPPT para o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários (...). (...). Assim, em face da informação que antecede e considerando os momentos de constituição da responsabilidade subsidiária (...) temos que é (são) (solidariamente) responsável(is) pelo pagamento das dívidas discriminadas em anexo: G... (...) responde pelo pagamento de €12.722,73 relativo ao seu período de gerência. (...)» - cf. despacho, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e lista anexa a fls. 49 e 50 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

14. Por ofícios «Notificação Audiência Prévia (Reversão)» foi comunicada aos Oponentes a preparação para efeitos de reversão contra si, na qualidade de responsáveis subsidiários, do processo de execução fiscal nº 3344200701... e apensos, para a cobrança coerciva das dívidas exequendas referidas nos pontos 12. e 13., com o seguinte teor: «Projecto da Reversão: Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art. 23º/n.º 2 da LGT): Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo [art. 24º, n.º 1,b), LGT]»- cf. ofícios, cujos teor se dão por integralmente reproduzidos, listas anexas e registos a fls. 51 a 54 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

15. A Oponente G... apresentou resposta em sede de direito de audição prévia com o seguinte teor: «(...) 3º (...) ao tempo a que os autos se reportam a requerida não exercia de facto a gerência. (...) 7º Assim, efectivamente desde a constituição da sociedade que a requerida não tinha a direcção efectiva da sociedade V... e a partir desta data, a um tal M..., que ficou à frente dos destinos da referida empresa. (...) 9º (...) e não obstante a gerência do referido M... ter sido registada em 15/05/2007, na verdade este já exercia a gerência de facto da sociedade, no período em causa, no caso desde 2005. (...) Prova Testemunhal: a) V... (...); b) P... (...).» - cf. resposta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 55 a 59 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

16. O Oponente V... apresentou resposta em sede de direito de audição prévia com o seguinte teor: «(...) 3º (...) ao tempo a que os autos se reportam o requerido já não exercia de facto a gerência. (...) 9º (...) e não obstante a gerência do referido M... ter sido registada em 15/05/2007, na verdade este já exercia a gerência de facto da sociedade, no período em causa, no caso desde o início de 2005. (...) Prova Testemunhal: a) V... (...); b) P... (...).» - cf. resposta, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, a fls. 60 a 65 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

17. Por despacho de 19/09/2011 da chefe do serviço de finanças de Lisboa 11 foi determinada contra o Oponente V... a reversão do processo de execução fiscal n.º 3344200701... e apensos, com o seguinte fundamento: «(...) exerceu o direito de audição prévia, nos termos seguintes (...). Face ao alegado, no sentido de esclarecer se, no ano de 2005 o ora requerente era efectivamente gerente ou não da V..., Lda., foi solicitada a colaboração do serviço de finanças de Fafe (...) enviou (...) cópias da declaração de início de actividade, de declarações de alterações e registo comercial da sociedade devedora originária. Destas cópias, consta uma declaração de alterações, datada de 2005/03/31, a fls. 81 e 82 assinada pelo ora requerente, que faz prova que em 2005 era gerente da sociedade. (...). foi produzida prova, a fls. 81 e 82 dos autos, em como o ora requerente exercia a gerência de facto em 2005, conforme consta numa declaração de alterações, datada de 2005/03/31 assinada por si. Da análise à prova produzida (...) e em face das diligências que antecedem, nomeadamente da consulta à base de dados (...) não existem bens da devedora originária susceptíveis de penhora. (...) Fundamento da reversão: Inexistência de bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art. 153º do CPPT); Gerência - De 2001-10-02 a 2007-05-15 - conforme certidão de registo da Conservatória do Registo Comercial (...) Reverto as dívidas exigíveis (...) no montante de €19.646,83 (...)» - cf. informação, despacho, cujos teor se dão por integralmente reproduzidos, e lista anexa a fls. 83 e 84 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

18. Por despacho de 19/09/2011 da chefe do serviço de finanças de Lisboa 11 foi determinada contra a Oponente G... a reversão do processo de execução fiscal n.º 3344200701... e apensos, com o seguinte fundamento: «(...) exerceu o direito de audição prévia, nos termos seguinte (...). Face ao alegado, no sentido de esclarecer se, no ano de 2005 a ora requerente era efectivamente gerente ou não da V..., Lda., foi solicitada a colaboração do serviço de finanças de Fafe (...) enviou (...) cópias da declaração de início de actividade, de declarações de alterações e registo comercial da sociedade devedora originária. Destas cópias, consta uma declaração de alterações, datada de 2005/05/11, a fls. 83 e 84 assinada pelo ora requerente, que faz prova que em 2005 era gerente da sociedade. (...). foi produzida prova, a fls. 83 e 84 dos autos, em como o ora requerente exercia a gerência de facto em 2005, conforme consta numa declaração de alterações, datada de 2005/05/11 assinada por si. Da análise à prova produzida (...) e em face das diligências que antecedem, nomeadamente da consulta à base de dados (...) não existem bens da devedora originária susceptíveis de penhora. (...) Fundamento da reversão: Inexistência de bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art. 153º do CPPT); Gerência - De 2001-10-02 a 2006-08-11 - conforme certidão de registo da Conservatória do Registo Comercial (...) Reverto as dívidas exigíveis (...) no montante de €12.722,73 (...)» - cf. informação, despacho, cujos teor se dão por integralmente reproduzidos, e lista anexa a fls. 85 e 86 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

19. Por ofício «CITAÇÃO (Reversão)» foi comunicada ao Oponente V... a reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiário, do processo de execução de fiscal nº3344200701... e apensos para a cobrança coerciva da dívida exequenda no valor total de €19.646,83 - cf. ofício, lista anexa, registo e aviso de recepção a fls. 87 a 89 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos;

20. Por ofício «CITAÇÃO (Reversão)» foi comunicada à Oponente G... a reversão contra si, na qualidade de responsável subsidiário, do processo de execução de fiscal nº3344200701... e apensos para a cobrança coerciva da dívida exequenda no valor total de €12.722,73 - cf. ofício, lista anexa, registo e aviso de recepção a fls. 90 a 92 da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos.


*


Nada mais se provou com interesse para a decisão da causa.

*


O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na análise crítica e conjugada dos documentos constantes da cópia do processo de execução fiscal apensa aos autos conforme identificados nos factos provados.»

*


- De Direito

Vejamos o recurso que nos vem dirigido, desde já se adiantando que o mesmo não poderá proceder.

Inconformada, veio a Fazenda Pública interpor o presente recurso jurisdicional da sentença proferida em 26/11/19, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a oposição, anulando os despachos de reversão e absolvendo os oponentes, ora Recorridos, da instância executiva.

Insurge-se a Recorrente contra a sentença recorrida por, alegadamente, padecer de erro de julgamento na interpretação e aplicação do direito, concretamente em relação à inobservância do direito de audição, defendendo, in casu, a aplicação do princípio do aproveitamento dos actos, em concreto, dos despachos de reversão sindicados, ambos referentes à execução fiscal nº 3344200701..., originariamente instaurada contra a V... – F..., Lda.

Vejamos, antes de mais avançarmos, o discurso fundamentador adoptado na sentença recorrida e que permitiu o TT de Lisboa concluir nos termos em que o fez. Aí se lê, além no da mais, o seguinte:

“(…)

Os Oponentes invocam que o órgão de execução fiscal não considerou a resposta que apresentaram em sede de direito de audição prévia, porquanto indicaram duas testemunhas para serem inquiridas, mas as mesmas não foram ouvidas, nem o órgão de execução fiscal apresentou qualquer motivo para a não consideração da prova requerida.

O n.º 5 do artigo 267º da Constituição da República Portuguesa (CRP) assegura a participação dos cidadãos na formação das decisões ou nas deliberações que lhe disserem respeito.

Nos termos do disposto no artigo 23º, n.º 4, da LGT a reversão, mesmo nos casos de presunção legal de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário nos termos da presente lei e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação.

O direito de audição deve ser exercido no prazo a fixar pela administração tributária em carta registada a enviar para esse efeito para o domicílio fiscal do contribuinte (cf. artigo 60º, n.º 4, da LGT).

No âmbito do procedimento tributário, determina o artigo 60º, n.º 7, da LGT que os elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão.

No âmbito do exercício do direito de audição prévia é permitido ao particular a participação na decisão final através da apresentação da sua perspectiva da situação concreta, pronunciando-se sobre o projecto de decisão, e da solicitação da produção de meios de prova que coloquem em causa as razões invocadas no projecto de decisão e que demonstrem a veracidade dos factos por si alegados na respectiva resposta.

Conforme resulta do elenco dos factos provados (pontos 12. a 14.) o órgão de execução fiscal remeteu aos Oponentes os ofícios, sob registo, «Notificação Audiência Prévia (Reversão)» nos termos dos quais lhes comunicou a preparação para efeitos de reversão contra si, na qualidade de responsáveis subsidiários, dos processos de execução fiscal n.º 3344200701... e apensos, para a cobrança coerciva, respectivamente, das dívidas exequendas de €19.646,83 e de €12.722,73.

Dos pontos 15. e 16. da matéria de facto provada decorre que os Oponentes apresentaram resposta em sede de audiência prévia tendo alegado a sua ilegitimidade por não terem exercido, nos períodos de tempo respeitantes às dívidas exequendas, a gerência de facto da sociedade devedora originária e que a mesma foi exercida, desde o início do ano de 2005, por M..., e a falta de culpa pela insuficiência do património da sociedade devedora originária, tendo requerido a audição de duas testemunhas.

No caso sub judice, verifica-se, assim, que o órgão de execução fiscal facultou aos Oponentes a possibilidade de se pronunciarem sobre o teor do projecto dos despachos de reversão, tendo os mesmos apresentado respostas.

Deriva, ainda, dos pontos 17. e 18. do elenco dos factos provados que a reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra os Oponentes foi determinada com o fundamento no facto de se considerar provado o exercício da gerência de facto da sociedade «V... - F..., Lda.», em 2005 e pelos Oponentes, com base na certidão do registo comercial e na assinatura de duas declarações de alterações datadas de 31/03/2005 e de 11/05/2005.

O cumprimento do exercício do direito de audição prévia não se basta com a mera oportunidade de pronúncia dada aos Oponentes, mas concretiza-se numa decisão que resulte, nomeadamente, da análise dos argumentos apresentados e dos elementos novos suscitados.

(…)

No caso sub judice, os Oponentes, no exercício do seu direito de audiência prévia, invocaram que, nos períodos a que respeitam as dívidas exequendas, não exerceram, de facto, a gerência da sociedade devedora originária e que não foi por culpa sua que o património daquela sociedade se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas exequendas, requerendo, ainda, a inquirição de duas testemunhas.

A gerência de facto dos Oponentes na sociedade devedora originária constituía questão controvertida e que se impunha ter sido esclarecida previamente à determinação da reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra os Oponentes, pois que caso se pudesse ter apurado que, de facto, os Oponentes não exerceram funções de gerência da «V... - F..., Lda.», no período a que respeitam as dívidas, a reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra estes não devia ter sido ordenada.

Os requerimentos dos Oponentes no sentido de se proceder à inquirição de duas testemunhas constitui uma diligência complementar conveniente para apurar da realidade dos factos por si alegados, designadamente, quanto ao exercício da gerência de facto da sociedade devedora originária.

Deste modo, impunha-se que o órgão de execução fiscal ouvisse as testemunhas arroladas ou que, pelo menos, se pronunciasse sobre a necessidade ou desnecessidade de as ouvir.

(…)

Dos pontos 17. e 18. da matéria de facto provada deriva que, nem as informações que fundamentam os despachos de reversão, nem estes, se pronunciam quanto à necessidade ou desnecessidade de inquirição das testemunhas indicadas pelos Oponentes, nem quanto à invocada falta de culpa pelo não pagamento das dividas tributárias, ignorando a resposta apresentada pelos Oponentes, tendo apenas considerado que estava demonstrado o exercício da gerência de facto, em 2005, com base na certidão de registo comercial e na assinatura de duas declarações de alterações.

Não tendo o órgão de execução fiscal esclarecido a razão pela qual não inquiriu as testemunhas indicadas pelos Oponentes, nem por que motivo aqueles não lograram demonstrar a falta de culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária, limitando-se a concluir que os Oponentes, em 2005, exerceram a gerência de facto da sociedade devedora originária com base nos documentos supra enunciados, conclui-se que os despachos de reversão aqui em causa violam o disposto no artigo 607º, n.º 7, da LGT.

Com efeito, nos termos do artigo 135.º do CPA, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442/91, de 15 de Novembro, ex vi artigo 2.º, alínea c), da LGT, são anuláveis os actos administrativos praticados com ofensa dos princípios ou normas jurídicas aplicáveis para cuja violação se não preveja outra sanção.

(…)

Face ao que antecede, importa considerar se, no caso em apreço, estão reunidos os pressupostos para a aplicação do princípio do aproveitamento do acto.

Os Oponentes, na resposta que apresentaram em sede de direito de audição, invocaram, por um lado, que não exerceram a gerência de facto, imputando o seu exercício a terceiro, e que não tiveram culpa na insuficiência do património da sociedade devedora originária, tendo requerido a audição de duas testemunhas.

No caso sub judice a inquirição das testemunhas indicadas pelos Oponentes e os eventuais factos apurados na sequência da sua audição, era susceptível de influenciar e de alterar as decisões de reversão do processo de execução fiscal aqui em causa, influenciando, assim, a sua participação no procedimento em causa, não se afigurando indiscutível, perante as circunstâncias do caso concreto, que as decisões finais adoptadas, e nos exactos termos em que foram, constituíssem as únicas legalmente possíveis.

Deste modo e face ao que antecede, as decisões de reversão do processo de execução fiscal aqui em causa contra os Oponentes enfermam de vício de violação do direito de audição prévia, consagrado nos artigos 23º, n.º 4, e 60º, n.º 7, da LGT, devendo ser anuladas, ficando prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados pelos Oponentes”.

Na análise que se segue laçamos mão de jurisprudência recente do STA que aborda precisamente a questão aqui em discussão, estando subjacente a tal apreciação um circunstancialismo de facto inteiramente equiparável ao que aqui subjaz. Estando nós de acordo com a exame efectuado pelo STA e não se vislumbrando argumentos novos que decisivamente levem a ponderar uma diferente abordagem e decisão, passamos a transcrever e adoptar o discurso fundamentador seguido no acórdão de 20/03/19, no processo nº 1437/14.3 BELRS.

“A Lei Geral Tributária consagra, no seu artigo 60.°, o princípio de participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito, consubstanciado no direito de audição prévia, anterior à verificação das situações prefiguradas nas alíneas a) a e) do seu n.º 1.

Este direito de audição do contribuinte constitui, assim, um corolário do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões e deliberações que lhes digam respeito, consagrado no artigo 267.°, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.

Aliás, esta concretização do princípio da participação foi consagrada na LGT em termos idênticos ao princípio do contraditório regulado no artigo 45.° do CPPT e aos princípios da participação e da audiência, proclamados, respetivamente, nos artigos 8.° e 100.° a 103º, todos do CPA de 1991, diploma que se encontrava em vigor à data da prolação do despacho de reversão em causa.

Sucede que a participação dos contribuintes pode efetuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, entre outras formas, pelo exercício do direito de audição antes do indeferimento total ou parcial dos pedidos, reclamações, recursos ou petições, conforme dispõe o artigo 60.°, n.º 1, alínea b), da LGT.

Acresce que a audição é dispensada se a decisão do pedido, reclamação, recurso ou petição for favorável ao contribuinte (v. o n.º 2 do citado preceito).

Em adição, os elementos novos suscitados na audição do contribuinte são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão, conforme estabelece o n.º 7 do mesmo artigo 60.º (sobre a interpretação deste preceito, cfr. o acórdão do STA, de 07/06/2017, tirado no processo 0354/15.

O que significa que o direito de participação não assume natureza meramente formal, ou seja, não se queda pelo simples cumprimento de uma obrigação legal de notificação do contribuinte a fim de se pronunciar sobre o projeto de decisão, mas, ao invés, reveste uma função conformadora da própria decisão a proferir pela administração tributária (neste sentido cfr. o acórdão de 19/04/2017, no Processo nº 01114/16).

Ademais, a falta de audição dos interessados, quando obrigatória, constitui um vício formal que se repercute na decisão final do procedimento, podendo conduzir à sua anulação.

E, em abono da tese da imperatividade do exercício do direito de audição e bem assim sobre as suas repercussões no âmbito do procedimento tributário, poderemos invocar, inter alias, o entendimento que emerge dos acórdãos de 19/04/2017, no processo n.º 01114/16, de 24/10/2007, no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo n.º 0496/06.

Todavia, importa acentuar que, pese embora o incumprimento e/ou a deficiente observância do direito de audição, a sua omissão não acarreta, inapelavelmente, a anulação do ato proferido.

É o que decorre do princípio do aproveitamento do ato que, à data do despacho de reversão em causa, era reconhecido e aplicado pela jurisprudência, mas que não se mostrava positivado, sendo que, atualmente, se encontra contemplado na norma do n.º 5 do artigo 163º do Código de Procedimento Administrativo, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 4/2015, de 07 de janeiro, que entrou em vigor em 08/04/2015.

Porém, o ato final só não será inválido se tal irregularidade conseguir degradar-se em formalidade não essencial (neste sentido, por todos, vide os atrás mencionados acórdãos de 24/10/2007, tirado no processo n.º 0429/07 e de 06/12/2006, no processo nº 0496/06).

Assim, esta manifestação do princípio do aproveitamento do ato não pode valer a todo e custo e sem limites.

Na verdade, há que chamar aqui à colação a jurisprudência emanada deste Supremo Tribunal, mormente no acórdão de 10/11/2010, no processo n.º 0671/10, nos termos da qual “( ... ) III - Não afastam a relevância do vício de violação do direito de audiência os factos de, depois de efetuadas as liquidações, o contribuinte ter tido oportunidade de as impugnar judicialmente e ter sido ouvido no âmbito da reclamação graciosa. IV - A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”.

Com efeito, de acordo com o princípio do aproveitamento do ato, tal só ocorrerá se o interessado na prática do direito omitido não dispuser de qualquer elemento novo que pudesse ter influenciado a decisão que foi tomada com preterição desse direito.

Retornando agora à situação em apreço, diremos que é inequívoco que a administração tributária não deu adequado cumprimento ao direito de audição, facto que determina a anulação, por vício de forma, do despacho de reversão em causa.

Na verdade, o mesmo só não seria anulável se a respetiva irregularidade pudesse degradar-se em formalidade não essencial, por força da aplicação do princípio do aproveitamento dos atos.

Mas, essa degradação só poderia ocorrer se, por recurso a um juízo de prognose póstuma, fosse seguro concluir que a realização da diligência de inquirição das testemunhas indicadas pelo revertido, não seria passível de aportar elementos novos, relevantes para a fundamentação da decisão a proferir.

Todavia, não é esse o caso dos autos.

Com efeito, analisado o processado, torna-se imperativo concluir, sem grande esforço exegético, que, se acaso tivesse sido realizada a referida diligência, o Recorrido poderia ter carreado novos elementos probatórios, em ordem à fixação de matéria de facto com relevo para a tomada da decisão de reversão e, desse modo, contribuir para modelar a exata conformação desse despacho.

Assim, a irregular observância do direito de audição, por banda da Recorrente Fazenda Pública, constituiu a preterição de uma formalidade essencial e daí que não possa degradar-se em não essencial”. – fim de citação.

Nesta linha de entendimento, evidencia a doutrina que “este princípio apenas poderá ser aplicado em situações em que não se possam suscitar quaisquer dúvidas sobre a irrelevância do exercício do direito de audiência sobre o conteúdo decisório do acto, o que conduz, na prática, à sua restrição aos casos em que não esteja em causa a fixação de matéria de facto relevante para a decisão” (Cfr. DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, Encontro da Escrita, 4.ª edição).

No caso em apreço, em que os actos sindicados correspondem aos despachos de reversão operantes da responsabilidade subsidiária de gerentes, não restam dúvidas que não estamos perante uma situação legal evidente ou perante uma actividade vinculada, não se podendo afirmar a insusceptibilidade de a participação do interessado/gerente nominal influenciar a decisão final, quanto ao seu sentido e fundamentos.

Analisando a p.i vemos que aí vem questionado o exercício efectivo da gerência de facto dos gerentes nomeados, sendo claro que aí se defende que não foram, pelos Oponentes, V... e G..., e no período relevante, praticados actos que vinculassem a sociedade relativamente a fornecedores, à compra de matérias-primas, à venda de produtos, entre outro detalhado circunstancialismo de facto, sendo inclusivamente indicada a pessoa que alegadamente exercia a gerência da devedora originária (M...).

Diga-se, de resto, que, lidos os despachos de reversão e as informações que os precederam, não corresponde à verdade o entendimento da Recorrente segundo o qual “o OEF elaborou informação onde é feita uma análise crítica aos argumentos explanados, assim como ponderou a não audição das testemunhas arroladas”, pois dos mesmos não consta qualquer alusão à (des)necessidade da inquirição das testemunhas arroladas, o que demonstra que tal ponderação não teve lugar.

Nesta medida, parece-nos claro que a participação do potencial revertido na fase anterior à reversão era susceptível de contribuir para a alteração do projeto de decisão, na fase do procedimento de reversão, através da junção de elementos de prova e/ou requerendo a produção de outros, como a prova testemunhal. Foi o que aqui aconteceu, no caso.

Em suma, e sem necessidade de muitos nos alongarmos, conclui-se que não pode afirmar-se com segurança, como a Recorrente pressupõe, que os despachos de reversão teriam de apresentar necessariamente o conteúdo que vieram a ter, ainda que sem a observância cabal do direito de audição.

Acrescente-se, apenas, que as asserções contidas nas conclusões IV e V não impressionam. A primeira por apenas traduzir o facto de os Recorridos terem sido nomeados gerentes de direito; a segunda, por poderem traduzirem actos isolados, pontuais, sem qualquer relação com o efectivo exercício da gerência.

Em face do exposto, o recurso não merece provimento, devendo a sentença recorrida ser mantida, pois que, com acerto, julgou procedente a oposição à execução fiscal.


*




III - Decisão




Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso.


Custas pela Recorrente.


Registe e notifique.

Lisboa, 27/05/21

[A Relatora consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo art.º 3.º do DL n.º 20/2020, de 01 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Desembargadoras Hélia Gameiro e Ana Cristina Carvalho]



Catarina Almeida e Sousa